Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
640/12.5TBMGR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ARLINDO OLIVEIRA
Descritores: CONTRATO-PROMESSA DE COMPRA E VENDA
RESOLUÇÃO DO CONTRATO
INCUMPRIMENTO DEFINITIVO
MORA
IMPOSSIBILIDADE OBJECTIVA
PERDA DE INTERESSE DO CREDOR
Data do Acordão: 05/03/2016
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE LEIRIA, LEIRIA, INSTÂNCIA CENTRAL – SECÇÃO CÍVEL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGO 442.º, N.º 2, DO CÓDIGO CIVIL
Sumário: Uma vez que a promitente-compradora não reuniu as quantias para outorgar a escritura de compra e venda do imóvel, nem através de financiamento bancário, nem por outra via, e nunca compareceu às sucessivas marcações para a realização da escritura definitiva, verifica-se uma situação de incumprimento definitivo que, sendo-lhe imputável, permite que a promitente compradora proceda à resolução do contrato promessa, fazendo suas as quantias recebidas a título de sinal.
Decisão Texto Integral:

            Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

A... S.L, com sede em (...) , Madrid, Espanha intentou a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo ordinário contra B... Ldª, com sede na Rua (...) Marinha Grande pedindo:

a) A resolução do contrato-promessa de compra e venda celebrado em 3/11/2006 entre a Autora, na qualidade de promitente compradora, e a Ré, na qualidade de promitente vendedora, junto sob o doc. nº 2 , pelo qual a Ré prometeu vender à Autora, e esta prometeu comprar uma fracção autónoma, provisoriamente designada pela letra “U”, a que corresponde o 1º andar do Bloco B do edifício (...) , incluindo uma garagem na cave identificada com o número 19, do empreendimento imobiliário que sob a licença de construção nº (...) /2000, emitida pela Câmara Municipal de Alcobaça, se encontrava em construção sobre o prédio sito na Rua (...) , Alva de Pataias, descrito na Conservatória do Registo Predial de Alcobaça sob o nº (...) e inscrito na matriz predial rústica da freguesia de Pataias sob o artigo (...) o qual, após a sua constituição no regime de propriedade horizontal, se encontra actualmente inscrito na respectiva matriz predial sob o artigo (...) e descrito na Conservatória do Registo Predial de Alcobaça sob o n.º (...) , encontrando-se a referida fracção actualmente descrita naquela Conservatória sob o nº (...) -E;

b) Em consequência da resolução referida em a) a condenação da ré a pagar à autora uma indemnização igual ao dobro da quantia de 82.250,00€ que esta lhe entregou a título de sinal, no valor de 164.500,00€, acrescida de uma indemnização no valor de 117.500,00€ prevista no nº 3 da cláusula 8ª do respectivo contrato promessa de compra e venda, para o caso de resolução do mesmo por incumprimento da Primeira Contratante, ora Ré; num total de 282.000,00€ (duzentos e oitenta e dois mil euros), acrescida de juros de mora à taxa legal, desde a citação e até efectivo e integral pagamento.

c) A resolução do contrato promessa de compra e venda celebrado em 9/8/2007 entre a Autora, na qualidade de promitente compradora, e a Ré, na qualidade de promitente vendedora, junto sob o doc. nº 8, pelo qual a Ré prometeu vender à Autora, e esta prometeu comprar, uma fracção autónoma, provisoriamente designada pela letra “E”, a que corresponde o rés-do-chão do Bloco A do edifício (...) , incluindo uma garagem na cave identificada com o número 10, do empreendimento imobiliário que sob a licença de construção nº (...) /2000, emitida pela Câmara Municipal de Alcobaça, se encontrava em construção sobre o prédio sito na Rua (...) , Alva de Pataias, descrito na Conservatória do Registo Predial de Alcobaça sob o nº (...) e inscrito na matriz predial rústica da freguesia de Pataias sob o artigo (...) o qual, após a sua constituição no regime de propriedade horizontal, se encontra actualmente inscrito na respectiva matriz predial sob o artigo (...) e descrito na Conservatória do Registo Predial de Alcobaça sob o n.º (...) , encontrando-se a referida fracção actualmente descrita naquela Conservatória sob o nº (...) -E;

d) Em consequência da resolução referida em c) a condenação da ré no pagamento de uma indemnização igual ao dobro da quantia de 60.000,00€ que esta lhe entregou a título de sinal, no valor de 120.000,00€, acrescida de uma indemnização no valor de 120.000,00€, prevista no nº 3 da cláusula 8ª do respectivo contrato promessa de compra e venda, para o caso da sua resolução por incumprimento da Primeira Contratante, ora Ré; num total de 240.000,00€, acrescida de juros de mora à taxa legal, desde a citação e até efectivo e integral pagamento.

Para tanto alegou, em síntese, ter celebrado com a ré os contratos promessa supra referidos, tendo ficado acordado nos mesmos que a escritura pública seria feita 60 dias após a emissão da licença de utilização, sendo certo que relativamente à fracção “U” tal licença foi emitida em 24.06.2008 e relativamente à fracção “E” em 11.07.2008. No entanto, a ré apenas marcou a escritura em 16.04.2010, apesar de a autora, desde 29.09.2009 interpelá-la para o efeito.

Em Dezembro de 2008 haviam chegado a acordo no sentido de apenas ser comprada pela autora a fracção “E”, sendo imputado no preço final a quantia já entregue pela autora a título de sinal pelas duas fracções.

Apesar deste acordo, a ré interrompeu os contactos com a autora e só mais tarde a convocou para a realização das escrituras de compra e venda das duas fracções, dando-lhe tão somente o prazo de 12 dias para o efeito, o que impossibilitava a autora de proceder ao pagamento do remanescente do preço, o que teria sido possível se as escrituras tivessem sido realizadas nos prazos constantes dos contratos-promessa.

Em sede de articulado superveniente alegou também que foi convocada pela ré para a realização da escritura, em 17.09.2013, respeitante à Fracção “E”, na qual a autora se fez representar pela sua mandatária que fez constar a sua posição, sendo certo que nessa data a fracção “E” revelava sinais de se encontrar ocupada por terceiros. Invoca, pois a falta de interesse na sua aquisição, uma vez que a mesma se encontra ocupada e não livre de ónus e encargos, como foi prometida vender.

Conclui que a mora da ré inviabilizou a realização do contrato, uma vez que, como consequência da mesma, a autora, pelas razões referidas, perdeu o interesse que tinha na compra da fracção, o que lhe confere o direito às quantias que peticiona.

*

Regularmente citada, contestou a ré alegando que inicialmente os sócios-gerentes da autora manifestaram interesse em adquirir três fracções, a “U”, a “E” e ainda a “J”. À data em que foram emitidas as correspondentes licenças de utilização, tais fracções eram as únicas do empreendimento com frente para o mar que ainda se encontravam disponíveis. Nessa altura, apareceram vários compradores para as mesmas, mas em face dos contratos-promessa relativamente às fracções “E” e “U” e da palavra dos sócios-gerentes da autora, tinha a ré a fundada expectativa de que aquela as iria adquirir.

Emitidas as respectivas licenças de utilização, a ré estava em condições de celebrar as escrituras, sendo do seu interesse que tal ocorresse quanto antes.

No entanto, a autora nunca solicitou junto de qualquer instituição bancária o financiamento de que carecia para adquirir as fracções em causa. Tais financiamentos foram sempre solicitados em nome pessoal dos sócios-gerentes da autora, mas os mesmos nunca obtiveram aprovação.

Em Julho de 2008, a autora contactou com a ré solicitando que um dos contratos-promessa fosse dado sem efeito e que todas as quantias entregues por conta da fracção “U” fossem imputadas na fracção “E”, proposta que a ré nunca aceitou.

Perante os contratos-promessa celebrados com a autora, a ré estava impossibilitada de negociar as fracções com outros interessados e continuava a suportar as despesas inerentes às mesmas e ao empréstimo contraído para a sua construção, sendo que se instalou a crise imobiliária. Por estas razões, a ré procedeu por duas vezes à marcação das escrituras, às quais a autora não compareceu, procurando, todavia, ambas as partes chegar a uma solução consensual que nunca foi encontrada, pelo que a ré agendou a realização definitiva das escrituras para 27.05.2011, à qual a autora também não compareceu.

Assim, a ré considerou estarem resolvidos os contratos-promessa celebrados com a autora, tendo conseguido vender a fracção “U”, em Dezembro de 2011 a terceiros, apesar de por um valor bastante inferior ao que teria vendido em 2007/2008.

Conclui pedindo a improcedência da acção e a sua absolvição do pedido, uma vez que a mora e posterior resolução dos contratos promessa foi causada, em exclusivo, pela autora.

*

A autora apresentou a réplica de fls 165 ss, mantendo o alegado na p.i e alegando que mesmo que se tivesse verificado o referido incumprimento pela autora, a ré teria que tê-la notificado por carta registada com aviso de recepção de que considerava o contrato resolvido, se nos dez dias posteriores à notificação, a autora não pusesse termo à falta de cumprimento, o que não fez.

Teve lugar audiência preliminar, no âmbito da qual foi proferido despacho saneador tabelar e foram fixados os factos assentes e elaborada a base instrutória da causa, rectificada por despacho de fls 231 e da qual a ré reclamou, reclamação que foi indeferida por despacho de fls 200.

No início da audiência de discussão e julgamento (cf. respectiva acta de fl.s 279 a 281), a autora, deduziu articulado superveniente em que esta alega ter sido interpelada, diversas vezes, pela ré, para a realização da escritura de compra e venda relativa à fracção “E”, a que apenas compareceu a sua Mandatária, justificando a ausência dos representantes da autora e que, posteriormente, a ré lhe enviou uma carta datada de 02/10/2013, invocando a resolução do contrato como consequência da não comparência da autora na escritura marcada para 01/10/2013, ao que a autora respondeu manifestando o seu desacordo, por estar pendente a presente acção.

Mais constatou a autora que a fracção que lhe foi prometida vender, já se encontra habitada por terceira pessoa, o que acarreta a sua perda de interesse em a adquirir, uma vez que a referida fracção já se encontra ocupada.

Este articulado superveniente foi admitido cf. despacho de fl.s 281.

Por sua vez, a autora (cf. fl.s 288 a 294) veio, igualmente, apresentar articulado superveniente em que, em resumo, alega que, decorridos sete anos desde a outorga dos contratos-promessa que estão na origem dos presentes autos, sem que a escritura definitiva se tenha realizado, o que lhe acarretou ter de suportar várias despesas e encargos, se comprometeu a vender a fracção em causa a uma 3.ª pessoa, informando-a de que tal fracção se encontrava arrestada e mediante a obrigação de lha restituir, se a escritura não pudesse vir a realizar-se, facultando à interessada a sua ocupação desde Outubro de 2012.

No entanto, em 20 de Agosto de 2013, enviou uma carta registada com a.r., à autora, para a morada convencionada, comunicando-lhe a marcação da escritura para o dia 18 de Setembro de 2013, correspondência que veio devolvida e a autora não compareceu à escritura.

Face ao que a ré marcou nova data para a mesma, para 1 de Outubro e remeteu à autora nova carta registada com a.r., em 17 de Setembro, mas esta, de novo, não compareceu.

No seguimento do que a ré enviou à autora, nova carta registada com a.r., em 02 de Outubro de 2013, em que declarava considerar definitivamente resolvido o contrato promessa de compra e venda relativo à fracção “E” e só, posteriormente, em 14/11/2013, celebrou a escritura de compra e venda da referida fracção à terceira pessoa, nela interessada.

Este articulado superveniente foi admitido, cf. despacho de fl.s 320, na sequência do que foi aditado como “tema de prova” o seguinte:

“Da ocupação por terceiros, desde que data e a que título, da fracção “E”, prometida vender à Autora.”.

Teve lugar a audiência de discussão e julgamento, com observância das formalidades legais, com recurso à gravação dos depoimentos prestados, finda a qual foi proferida a sentença de fls. 428 a 456, na qual, se fixou a matéria de facto dada como provada e não provada e respectiva fundamentação e a final, se julgou a presente acção improcedente, absolvendo-se a ré do pedido, ficando as custas a cargo da autora.

Inconformada com a mesma, dela interpôs recurso a autora “ A... , SL”, recurso, esse, admitido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo – (cf. despacho de fl.s 486), rematando as respectivas motivações, com as seguintes conclusões:

1. A Apelante celebrou dois contratos promessa de compra e venda com a Ré, relativos a duas frações autónomas para habitação dum empreendimento imobiliário que a Ré, no âmbito da sua atividade comercial, estava a construir, nomeadamente o contrato promessa relativo à fração “U”, celebrado em 3/11/2006 e o contrato promessa relativo à fração “E”, celebrado em 9/8/2007.

2. Pretende a Apelante com a presente ação declarativa de Processo Ordinário:

2.1. - que seja declarado resolvido o contrato promessa de compra e venda relativo à fração “U” por incumprimento definitivo imputável à Ré, em virtude desta ter vendido a terceiros a referida fração, e que em consequência seja a Ré condenada a pagar à Apelante uma indemnização igual ao dobro da quantia de 82.250,00€ entregue a título de sinal, acrescida da indemnização de 117.500,00€ prevista no nº3 da cláusula 8ª do referido contrato promessa de compra e venda para o caso de resolução do mesmo por incumprimento da promitente vendedora, ora Ré, num total de 282.000,00€, mais juros.

2.2. -que seja declarado resolvido o contrato promessa de compra e venda relativo à fração “E” por incumprimento definitivo imputável à Ré, por não ter marcado a escritura pública de compra e venda no prazo contratualmente, uma vez que como consequência da mora da Ré, a Apelante perdeu o interesse na celebração da referida escritura, pelo que pede que a Ré seja condenada a pagar à Autora uma indemnização igual ao dobro da quantia de 60.000,00€ entregue a título de sinal, acrescida da indemnização de 120.000,00€ prevista no contrato para o caso da sua resolução por incumprimento da Primeira Contratante, ora Ré, num total de 240.000,00€, mais juros.

3. A douta sentença padece de nulidade por violação do disposto na alínea d) do nº1 do artigo 615º do novo CPC.

4. Em primeiro lugar porque a Meritíssima Juiz a quo não se pronunciou sobre a causa de pedir invocada pela Autora quanto à fração “U”, nomeadamente a venda a terceiros da referida fração por parte da Ré sem prévia resolução do contrato promessa que a vinculava com a Autora, e sem a prévia interpelação admonitória prevista no nº1 da cláusula 8ª do contrato promessa

5. Julgou incorretamente a Meritíssima juiz a quo, que a causa de pedir invocada quanto ao pedido de resolução dos dois contratos promessa era a mesma, nomeadamente a perda de interesse da Apelante como consequência da mora da Ré na marcação da escrituras de compra e venda, (causa de pedir invocada unicamente quanto ao pedido de resolução do contrato promessa de compra e venda da fração ”E”).

6. Encontra-se provado nos autos que a Ré vendeu a terceiros a fração “U” em 26/12/2011, conforme consta do facto 20, sem prévia resolução do respetivo contrato promessa que vinculava às partes.

7. Nessa data, e apesar da eventual mora da Apelante por não ter comparecido à escritura de compra e venda da fração marcada para o dia 16/04/2010, ainda era possível a celebração da mesma, pois não existia qualquer incumprimento definitivo do contrato que pudesse determinar a sua resolução, pelo que a Ré continuava vinculada à obrigação de celebrar a escritura com a Autora.

8. Mesmo que a Autora tivesse eventualmente incumprido o contrato, o que não aconteceu, a Ré tinha que dar cumprimento ao nº1 da cláusula 8ª do referido contrato, e consequentemente tinha que notificar a Autora por carta registada com aviso de receção de que consideraria o contrato resolvido se nos dez dias úteis posteriores à notificação não pusesse termo à falta de cumprimento.

9. Não resulta da matéria de facto provada, nem o incumprimento por parte da Autora, nem que a Ré tenha procedido à referida interpelação, pelo que a mora em que a Autora eventualmente se encontrava não foi convertida em incumprimento definitivo.

10. Consequentemente tem que se concluir que a Ré incumpriu o contrato promessa

quando vendeu a terceiros a fração “U” que havia prometido vender à Autora, conforme já entendeu este Tribunal no Acórdão proferido nos autos de Providencia Cautelar que se encontram apensos, pelo que deverá a Ré ser condenada nos pedidos formulados pela Autora quanto ao contrato promessa relativo à fração “U”.

11. Ao absolver a Ré dos pedidos formulados pela Autora relativamente à fração “U”, nomeadamente a resolução do contrato promessa por incumprimento definitivo e culposo por parte da Ré, a restituição do sinal em dobro, e o pagamento da indemnização contratualmente acordada, violou a douta sentença os artigos 405º, 406º 442º, 798º, 801º e 810º do Código Civil.

12. A Apelante apresentou Articulado Superveniente na primeira sessão da audiência de julgamento invocando que durante o decurso da presente ação, a Ré tinha enviado uma carta datada de 17/09/2013 interpelando-a para a celebração da escritura pública de compra e venda relativamente à fração “E” para o dia 1/10/2013, sendo que a referida fração apresentava sinais evidentes de estar habitada, pelo que invocava a Autora no referido articulado a falta de interesse na sua aquisição uma vez que se encontrava ocupada e não livre de ónus e encargos, como foi prometida vender.

13. Está provado na douta sentença, sob o nº26 dos factos provados, que cerca de um ano antes da data de 17/09/2013, a fração “E” se encontrava ocupada por terceiros, nomeadamente por E... , que viria a comprar a fração no decorrer dos presentes autos.

14. Conforme resulta do contrato promessa da fração “E”, a Ré prometeu vender, livre de ónus e encargos, a fração que resultasse da construção do empreendimento imobiliário nele identificado, pelo que se tratava de uma fração que seria vendida no estado de nova.

15. A Ré através da carta datada de 17/09/2013 convocou à Autora para a escritura pública de compra e venda ocultando que a referida fração se encontrava ocupada por terceiros, e por tanto já não seria vendida no estado de nova.

16. Todos estes factos novos, que aconteceram durante a tramitação dos presentes autos, demonstram objetivamente a perda de interesse da autora na compra da fração “E”, e são constitutivos do direito invocado pela Apelante quanto à mesma.

17. Apesar de terem sido invocados pela Apelante, a Meritíssima juiz a quo não se pronunciou sobre os mesmos, pelo que também por esta razão padece a douta sentença de nulidade nos termos do disposto na alínea d) do nº1 do artigo 615º do novo CPC, violando ainda o artigo 611º do mesmo diploma legal e o artigo 808º do Código Civil.

18. Padece ainda a douta sentença de nulidade nos termos do disposto na alínea c) do nº1 do artigo 615º do novo CPC, pois parte dos seus fundamentos estão em oposição com a decisão, uma vez que:

19. A Meritíssima juiz a quo declara provado que a Ré marcou as escrituras por 4 vezes nomeadamente para 28/10/2009, 16/04/2010, 27/05/2011 e 1/10/2013 (esta última só para a fração “E”) e que a Autora faltou a todas elas, mas ao mesmo tempo declara como não provado que a Autora tenha sido convocada para a primeira marcação.

20. Ainda, e apesar de constar dos factos provados que na data da marcação da última escritura, 1/10/2013, a fração “E” estava ocupada por terceiros, considera esta marcação válida, e em consequência julga a Autora em mora por não ter comparecido.

21. Impugna-se ainda a decisão sobre a matéria de facto, uma vez que a Meritíssima Juiz a quo considerou provados os factos 11, 15, 16, 17 e 18, os quais em virtude do acordo das partes e da prova documental produzida, resultam não provados.

22. Encontram-se ainda incorretamente julgados os factos das alíneas b) e c) do elenco dos factos não provados, cuja prova resulta quer do acordo das partes, quer da prova documental produzida.

23. Do facto 11, a douta sentença declara provado que a Ré procedeu à marcação da escritura de compra e venda relativamente às duas frações “U” e “E” para o dia 28/10/2009, assim como que a Autora não terá comparecido, contudo a Ré não provou que tivesse convocado a Autora para o efeito, pelo que não é possível julgar como provada a falta de comparência da Apelante à referida escritura.

24. A Meritíssima Juiz a quo, ao proceder à análise crítica dos meios de prova, a folhas 20 da douta sentença, e relativamente a este facto 11 que se impugna, declara não ter dado por provado que a Autora tenha sido devidamente notificada pela Ré para o efeito, uma vez que não há qualquer prova, designadamente documental, que o fundamente.

25. Pelo que o referido facto deverá ser eliminado do elenco dos factos provados, uma vez que não se encontrando provado que a Apelante tenha sido convocada, a sua inclusão não tem qualquer interesse para a decisão da causa.

26. Quanto ao facto 15, a douta sentença declara provado que a Ré convocou a Autora para a escritura de compra e venda das duas frações para o dia 27/05/2011 através de carta registada com aviso de receção, rececionada pela autora.

27. As cartas que continham as convocatórias para a escritura de 27/05/2011, juntas pela Ré sob os nºs 8 e 9 da contestação a fls. 150 a 153, foram devolvidas pelos CTT à Ré no dia 23 de Maio de 2011, conforme a Autora alegou nos artigos 5º a 8º da Réplica, e conforme se encontra provado através das informações dos serviços dos CTT de fls. 170 a 173, juntas pela Apelante sob os docs. nº1 e nº2 da Réplica.

28. Pelo que deverá o facto 15 ser eliminado do elenco dos factos provados ou eventualmente substituído por outro que declare que as cartas enviadas pela Ré à Autora comunicando que se encontrava marcada a escritura das duas frações para dia 27/5/2011 não foram rececionadas pela Autora.

29. Quanto ao facto 16, e em consequência do exposto quanto ao facto 15, deverá ser alterado do seu teor qualquer referência às datas e locais referidos no facto 15, ficando a constar unicamente do mesmo o seguinte “a Autora não compareceu nas datas e locais referidos em 12”.

30. Quanto aos factos 17 e 18, a Meritíssima Juiz a quo considera provado que posteriormente Autora e Ré acordaram no sentido de apenas ser adquirida pela autora a fração “E”, pelo valor de 267.500,00€ e com a forma de pagamento referida no facto 18.

31. Contudo, a prova documental constante do processo impõe uma decisão diferente, uma vez que da mesma resulta que não se tratou de um acordo formal com efeito vinculativo entre as partes mas de uma negociação ou proposta de acordo que não chegou a ser formalizada.

32. Pelo que deverão os referidos factos ser eliminados de elenco da matéria provada uma vez que não trazem nada de novo à matéria discutida nos autos e violam os artigos 394º e 395º do Código Civil.

33. Relativamente aos Factos não provados, impugna-se o constante da alínea b), “A Ré rececionou a carta referida em 14”, uma vez que a prova do mesmo resulta da confissão da Ré.

34. Pelo que deverá ser eliminado do elenco dos factos não provados e passar a constar do elenco dos factos provados.

35. Do Facto não provado constante da alínea c), contrariamente ao afirmado na douta sentença, o documento nº19 junto pela Autora com a Petição Inicial, de fls. 93 a 95, datado de 29/09/2009 prova a interpelação à Ré para que procedesse à marcação das escrituras públicas de compra e venda.

36. Documento que a Ré rececionou, conforme resulta do artigo 67º e 68 da contestação, pelo que deverá ser suprimido do elenco dos factos não provados passando a integrar o dos factos provados.

37. Mais se requer, nos termos do artigo 614º do novo CPC, a retificação dos lapsos de escrita e das inexatidões que apresenta a douta sentença, os quais foram devidamente identificados pela Apelante.

Pelo exposto, e com o douto suprimento de Vs. Exas., deverá ser concedido provimento ao presente recurso, e consequentemente revogada a decisão impugnada, a qual deverá ser substituída por outra que, alterando a decisão sobre a matéria de facto proferida nos termos requeridos:

a) declare a resolução do contrato promessa de compra e venda da fração “U” por incumprimento contratual definitivo imputável à Ré em virtude da venda a terceiros da mesma,

b) declare a resolução do contrato promessa de compra e venda da fração “E”, por incumprimento contratual definitivo imputável à Ré em virtude da perda de interesse da Autora na prestação como consequência da mora da Ré.

c) condene a Ré nos pedidos que contra si foram formulados pelo Autora.

Assim decidindo farão V. Exas. a costumada JUSTIÇA.

Contra-alegando, a ré, pugna pela manutenção da decisão recorrida, com o fundamento em a prova ter sido bem apreciada, sendo, por isso, de manter a factualidade nela dada por provada e não provada e aplicada a lei em conformidade, com a sua consequente absolvição do pedido.

Colhidos os vistos legais, há que decidir.    

Tendo em linha de conta que nos termos do preceituado nos artigos 635, n.º 4 e 639.º, n.º 1, ambos do NCPC, as conclusões da alegação de recurso delimitam os poderes de cognição deste Tribunal e considerando a natureza jurídica da matéria versada, são as seguintes as questões a decidir:

A. Incorrecta análise e apreciação da prova, devendo passar a considerar-se como não provados os factos constantes dos itens 11.º e 15.º a 18.º dos factos considerados como provados e como provados os que constam das alíneas b) e c), dos factos considerados como não provados;

B. Se a sentença recorrida padece das nulidades previstas nas alíneas c) e d) do n.º 1 do artigo 615.º do NCPC e;

C. Se a ré incumpriu o contrato promessa que celebrou com a autora, quando vendeu a terceiros a fracção “U”, que havia prometido vender à autora e se está, objectivamente, demonstrada a perda de interesse da autora na compra da fracção “E”.

É a seguinte a matéria de facto dada por provada na decisão recorrida:

1- A ré é uma sociedade comercial por quotas que se dedica à compra e venda, permuta, construção e revenda de imóveis e promoção imobiliária.

2- A autora é uma sociedade com sede em Espanha e sem qualquer tipo de delegação ou representação em Portugal.

3- No exercício da sua actividade a ré (na qualidade de primeira contraente) celebrou com a autora (na qualidade de segunda contraente), em 3 de Novembro de 2006, um acordo escrito denominado “Contrato Promessa de Compra e Venda”, do qual consta:

(...) Considerando que:

a) Sob licença de construção n.º (...) /2000, emitida pela Câmara Municipal de Alcobaça, se encontra em construção um empreendimento imobiliário, denominado Bloco Habitacional, no prédio (...) , sito na Rua (...) , Alva de Pataias, descrito na Conservatória do Registo Predial de Alcobaça sob o n.º (...) , e inscrito na matriz predial rústica da freguesia de Pataias sob o artigo (...) ;

b) A Primeira Contraente pretende vender as fracções autónomas que resultarem da constituição do prédio em propriedade horizontal;

c) A Primeira Contraente prevê a conclusão da construção do empreendimento até ao final de Dezembro de 2007;

d) O Segundo contraente pretende adquirir uma fracção autónoma no referido empreendimento, melhor identificada na Cláusula Primeira do presente contrato;

e) O Segundo Contraente reconhece e aceita que a escritura de compra e venda só será realizada após a conclusão da construção do empreendimento, a constituição do prédio em propriedade horizontal e a emissão da competente licença de utilização pela Câmara Municipal de Alcobaça, ou a contar do término do prazo legal para proceder à respectiva emissão (isto é, logo que decorridos 90 dias após a apresentação na Câmara Municipal do pedido de emissão da licença de utilização).

É celebrado o contrato-promessa de compra e venda constante das seguintes cláusulas:

CLÁUSULA PRIMEIRA

Pelo presente contrato, a Primeira Contraente promete vender, livre de ónus ou encargos, ao Segundo Contraente, que promete comprar, a fracção autónoma provisoriamente designada pela letra “U” , a que corresponde o 1.º andar do Bloco B do edifício (...) , incluindo uma garagem na cave identificada com o número 19, com a estrutura , configuração e área que resultam da planta junta como anexo I ao presente contrato e de acordo com o mapa de acabamentos que se junta sob o Anexo II ao presente contrato.

(...)

CLÁUSULA TERCEIRA

O preço da venda é de € 180.000,00 (cento e oitenta mil euros), a ser pago pelo Segundo Contraente à Primeira Contraente nos seguintes prazos e condições:

Com a assinatura do presente contrato é paga, a título de sinal e princípio de pagamento, a quantia de €3.750,00 (três mil setecentos e cinquenta euros), de que a Primeira Contraente dá aqui a respectiva quitação sob condição de boa cobrança do cheque número________do Banco______________________-

Poderá ainda existir adiantamento no prazo de 90 (noventa) dias a contar da assinatura do presente contrato, com reforço do sinal, caso seja acordado entre ambas as partes;

No acto de outorga da escritura pública de compra e venda será pago o remanescente de € 176.250,00 (cento e setenta e seis euros duzentos e cinquenta euros), ou o diferencial entre o preço de venda e os sinais efectuados, através de cheque bancário ou visado de um banco legalmente habilitado a operar em Portugal.

CLÁUSULA QUARTA

1. A escritura pública de compra e venda será outorgada, com o preço integralmente pago, no prazo máximo de 60 dias úteis a contar da emissão da licença de utilização, ou a contar do término do prazo legal para a Câmara proceder à respectiva emissão, cabendo à Primeira Outorgante a respectiva marcação.

2. A Primeira Contraente comunicará ao Segundo Contraente, por carta registada com aviso de recepção, ou pessoalmente, com uma antecedência mínima de 5 (cinco) dias úteis, o dia, a hora e o local da realização da escritura pública de compra e venda.

3. O Segundo Contraente entregará à Primeira Contraente, ou a quem esta indicar, no prazo de 3 (três) dias úteis, a contar da respectiva solicitação, todos os elementos necessários à boa execução deste contrato-promessa e da escritura pública prometida.

(...)

CLÁUSULA OITAVA

1. A falta de cumprimento do presente contrato ou de quaisquer obrigações nele estipuladas por parte de qualquer um dos contraentes, dá à parte não faltosa o direito de resolver o contrato, ou de recorrer à execução específica, se, nos 10 (dez) dias úteis posteriores à notificação para o efeito, feita por carta registada com aviso de recepção, a parte em causa não puser termo à falta de cumprimento.

2. No caso de resolução do presente contrato por incumprimento do Segundo Contraente, a Primeira Contraente terá o direito a fazer suas, todas as quantias que lhe tiverem sido entregues.

3. No caso de resolução do presente contrato por incumprimento da Primeira Contraente, o Segundo Contraente terá o direito a receber daquela uma indemnização no valor total de € 117.500,00 (cento e dezassete mil e quinhentos euros).

4. Sem prejuízo dos direitos previstos nos números anteriores, a não realização da escritura pública na data marcada, por motivo imputável ao Segundo Contraente, determina o direito da Primeira Contraente a cobrar juros de mora à taxa legal.

(...)

CLÁUSULA DÉCIMA

1.Todas as comunicações previstas no presente contrato deverão ser realizadas por escrito, através de carta registada com aviso de recepção, para os seguintes endereços:

- Primeiro Contraente: Rua (...) Marinha Grande.

- Segunda Contraente: y(...) Madrid, Espanha.

2. As notificações considerar-se-ão regular e eficazmente efectuadas no terceiro dia útil posterior ao do registo postal, exceptuando as situações em que se prove que ocorreu em data anterior.

3. As alterações aos endereços terão que ser comunicadas através de carta registada com aviso de recepção e só produzirão efeitos três dias úteis após a sua expedição.

CLÁUSULA DÉCIMA PRIMEIRA

Quaisquer alterações ao presente contrato só serão válidas desde que convencionadas por escrito.

4- A propriedade horizontal a que se alude em 3 foi constituída sobre o prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Alcobaça sob o n.º (...) , o qual foi desanexado do prédio descrito naquela Conservatória sob o n.º (...) , encontrando-se composta por Condomínio fechado com três blocos, cada um com dez apartamentos, de cave para garagens, rés-do-chão e primeiro andar para habitação, a confrontar a Norte e Poente com A... , Lda, Sul com caminho público e Nascente com arruamento, composto pelas fracções autónomas A,B,C,D,E,F,G,H,I,J,L,M,N,O,P,Q,R,S,T,U,V,X,Z,AA,AB, AC,AD,AE, AF e AG, sito na Rua de (...) , no lugar de (...) , freguesia de Pataias, concelho de Alcobaça, inscrito na respectiva matriz predial sob o artigo (...) .

5- A fracção autónoma provisoriamente designada pela letra “U” encontra-se actualmente descrita na Conservatória do Registo Predial de Alcobaça sob o n.º (...) /20080215- U.

6- A autora pagou à ré, como sinal e princípio de pagamento, a quantia de €3.750,00 conforme estipulado na cláusula terceira do acordo referido em 3 e posteriormente, e como antecipação do preço, a autora entregou à ré €55.000,00, em 10 de Novembro de 2006 e €23.500,00 em 9 de Março de 2007.

7- Em 09/08/2007 entre a autora e a ré foi celebrado um novo acordo escrito intitulado “Contrato Promessa de Compra e Venda”, acordo esse no âmbito do qual a ré figura como “Primeira Contraente” e a autora como “Segunda Contraente”, constando de documento escrito, além do mais, o seguinte:

(...)

Considerando que:

a) Sob licença de construção n.º (...) /2000, emitida pela Câmara Municipal de Alcobaça, se encontra em construção um empreendimento imobiliário, denominado Bloco Habitacional, no prédio (...) , sito na Rua (...) , Alva de Pataias, descrito na Conservatória do Registo Predial de Alcobaça sob o n.º (...) , e inscrito na matriz predial rústica da freguesia de Pataias sob o artigo (...) ;

b) A Primeira Contraente pretende vender as fracções autónomas que resultarem da constituição do prédio em propriedade horizontal;

c) A Primeira Contraente prevê a conclusão da construção do empreendimento até ao final de Dezembro de 2007;

d) O Segundo contraente pretende adquirir uma fracção autónoma no referido empreendimento, melhor identificada na Cláusula Primeira do presente contrato;

e) O Segundo Contraente reconhece e aceita que a escritura de compra e venda só será realizada após a conclusão da construção do empreendimento, a constituição do prédio em propriedade horizontal e a emissão da competente licença de utilização pela Câmara Municipal de Alcobaça, ou a contar do término do prazo legal para proceder à respectiva emissão (isto é, logo que decorridos 90 dias após a apresentação na Câmara Municipal do pedido de emissão da licença de utilização).

É celebrado o contrato-promessa de compra e venda constante das seguintes cláusulas:

CLÁUSULA PRIMEIRA

Pelo presente contrato, a Primeira Contraente promete vender, livre de ónus ou encargos, ao Segundo Contraente, que promete comprar, a fracção autónoma provisoriamente designada pela letra “E”, a que corresponde o rés do chão do Bloco A do edifício (...) , incluindo uma garagem na cave identificada com o número 10, com a estrutura , configuração e área que resultam da planta junta como anexo I ao presente contrato e de acordo com o mapa de acabamentos que se junta sob o Anexo II ao presente contrato.

(...)

CLÁUSULA TERCEIRA

O preço da venda é de € 230.000,00 (duzentos e trinta mil euros), a ser pago pelo Segundo Contraente à Primeira Contraente nos seguintes prazos e condições:

Com a assinatura do presente contrato é paga, a título de sinal e princípio de pagamento, a quantia de €10.000,00 (dez mil euros), de que a Primeira Contraente dá aqui a respectiva quitação sob condição de boa cobrança do cheque número________do Banco______________________-

Poderá ainda existir adiantamento no prazo de 90 (noventa) dias a contar da assinatura do presente contrato, com reforço do sinal, caso seja acordado entre ambas

as partes;

No acto de outorga da escritura pública de compra e venda será pago o remanescente de € 220.000,00 (duzentos e vinte mil euros), ou o diferencial entre o preço de venda e os sinais efectuados, através de cheque bancário ou visado de um banco legalmente habilitado a operar em Portugal.

CLÁUSULA QUARTA

1.A escritura pública de compra e venda será outorgada, com o preço integralmente pago, no prazo máximo de 60 dias úteis a contar da emissão da licença de utilização, ou a contar do término do prazo legal para a Câmara proceder à respectiva emissão, cabendo à Primeira Outorgante a respectiva marcação.

2.A Primeira Contraente comunicará ao Segundo Contraente, por carta registada com aviso de recepção, ou pessoalmente, com uma antecedência mínima de 5 (cinco) dias úteis, o dia, a hora e o local da realização da escritura pública de compra e venda.

3.O Segundo Contraente entregará à Primeira Contraente, ou a quem esta indicar, no prazo de 3 (três) dias úteis, a contar da respectiva solicitação, todos os elementos necessários à boa execução deste contrato-promessa e da escritura pública prometida.

(...)

CLÁUSULA OITAVA

1.A falta de cumprimento do presente contrato ou de quaisquer obrigações nele estipuladas por parte de qualquer um dos contraentes, dá à parte não faltosa o direito de resolver o contrato, ou de recorrer à execução específica, se, nos 10 (dez) dias úteis posteriores à notificação para o efeito, feita por carta registada com aviso de recepção, a parte em causa não puser termo à falta de cumprimento.

2.No caso de resolução do presente contrato por incumprimento do Segundo Contraente, a Primeira Contraente terá o direito a fazer suas, todas as quantias que lhe tiverem sido entregues.

3.No caso de resolução do presente contrato por incumprimento da Primeira Contraente, o Segundo Contraente terá o direito a receber daquela uma indemnização no valor total de € 120.000,00 (cento e vinte mil euros).

4.Sem prejuízo dos direitos previstos nos números anteriores, a não realização da escritura pública na data marcada, por motivo imputável ao Segundo Contraente, determina o direito da Primeira Contraente a cobrar juros de mora à taxa legal.

(...)

CLÁUSULA DÉCIMA

1.Todas as comunicações previstas no presente contrato deverão ser realizadas por escrito, através de carta registada com aviso de recepção, para os seguintes endereços:

- Primeiro Contraente: Rua (...) Marinha Grande.

- Segunda Contraente: y(...) Madrid, Espanha.

2. As notificações considerar-se-ão regular e eficazmente efectuadas no terceiro dia útil posterior ao do registo postal, exceptuando as situações em que se prove que ocorreu em data anterior.

3. As alterações aos endereços terão que ser comunicadas através de carta registada com aviso de recepção e só produzirão efeitos três dias úteis após a sua expedição.

CLÁUSULA DÉCIMA PRIMEIRA

Quaisquer alterações ao presente contrato só serão válidas desde que convencionadas por escrito.

8- A autora pagou à ré, relativamente ao acordo referido em 7, como “sinal e princípio de pagamento” €10.000,00 e posteriormente, a autora entregou à ré o total de €50.000,00.

9- A licença de utilização do Bloco B, onde se situa a fracção “U” foi emitida em 24/06/2008.

10- A licença de utilização do Bloco A, onde se situa a fracção “E” foi emitida em 11/07/2008.

11- A ré procedeu à marcação das escrituras de compra e venda relativamente às duas fracções “U” e “E” para o dia 28 de Outubro de 2009, às 16h00, no Cartório Notarial sito na Rua z(...) , na Marinha Grande, não tendo a autora comparecido.

12- A ré procedeu à marcação das escrituras a que se alude nos acordos referidos em 3 e 7 para o dia 16/04/2010, tendo para o efeito remetido à autora duas cartas datadas de 05/04/2010 a dar conhecimento da data da realização das referidas escrituras, cartas que a autora recepcionou.

13- A ré remeteu uma carta à autora, que esta recepcionou, datada de 22 de Abril de 2010, com o assunto: Incumprimento – Contrato Promessa de Compra e Venda – Fracção Autónoma – Letra “E” e Letra “U” de onde consta além do mais:

(...)Assim, vemo- nos confrontados com o incumprimento do convencionado, não dispondo de outra alternativa que não a de lançar mão da interpelação prevista na cláusula oitava, n.º2 do Contrato celebrado, o que ocorrerá por carta registada com aviso de recepção expedida para o domicílio convencionado, se V/Exas., até ao dia 30 de Abril de 2010, não justificarem a mora no cumprimento das obrigações e apresentarem proposta concreta que permita chegar a um acordo negociado entre as partes.

14- A autora remeteu uma carta à ré, dirigida para a morada “Rua x(...) , (...) . Marinha Grande. Portugal”, datada de 30 de Abril de 2010, com o seguinte teor:

(...) Na sequência da carta que recepcionámos na presente data, através da qual V. Exas. nos pedem que apresentemos uma proposta concreta que permita chegar a um acordo entre as partes, vimos, por esta via, apresentar-lhes o seguinte Acordo:

1. Reduzir a instrumento público o Contrato de Compra e Venda de um dos apartamentos sitos na localidade portuguesa de Marinha Grande, tal como tinha sido já estabelecido mediante acordo, no valor de €200.000 (duzentos mil euros), dos quais foram entregues 142.250€ (cento e quarenta e dois mil duzentos e cinquenta euros) e ficando por desembolsar os restantes 57.750 euros (cinquenta e sete mil, setecentos e cinquenta euros).

2. Ou então, caso não se chegue a um acordo relativamente ao ponto 1., propomos a resolução do contrato e a devolução à A... SL de 110.000 € ( cento e dez mil euros), em vez dos 142.250 que já tinham sido entregues à A... .

15- A ré remeteu à autora para a morada y(...) Madrid, Espanha, carta registada com aviso de recepção, recepcionada pela autora, comunicando-lhe que se encontravam marcadas para o dia 27/05/2011, às 16h00, no Cartório Notarial sito na Rua z(...) , na Marinha Grande, as escrituras referentes às duas fracções “U” e “E”.

16- A autora não compareceu nas datas e locais referidos em 12 e 15.

17- Em data não concretamente apurada, mas após Dezembro de 2008, a autora e a ré acordaram no sentido de apenas ser adquirida pela autora a fracção “E”, pelo valor de € 267.500,00.

18- Em cumprimento do mencionado em 17, a autora e a ré acordaram que o pagamento da fracção referida em “E” seria efectuado da seguinte forma:

Dos € 142.250,00 já entregues pela autora:

- € 80.000,00 seriam considerados como pagamento por conta do novo preço de €267.500,00;

. - € 62.250,00 seriam devolvidos pela ré aos sócios da autora no dia da outorga da escritura de compra e venda da referida fracção;

. - € 187.500,00 seriam entregues pela autora à ré, como pagamento do preço restante da fracção, através de financiamento da CGD.

19- Após as datas referidas em 9 e 10, a ré, nos prazos que constam dos acordos referidos em 3 e 7, não procedeu à marcação das respectivas escrituras por saber que a autora ainda estava a diligenciar pela obtenção de financiamento bancário.

20- Encontra-se inscrita, na Conservatória do Registo Predial de Alcobaça, por Ap. 614 de 2011/12/26, a aquisição, a favor de C...., por compra, da fracção “U”, do 1.º andar do Bloco B, para habitação , com uma garagem na cave, identificada pelo número dezanove, do prédio situado em (...) , Rua de (...) , inscrito na matriz sob o artigo (...) e descrito na Conservatória do Registo Predial da Alcobaça sob o n.º (...) /20080215- U.

21- A ré enviou à autora para a morada que consta da p.i carta registada com aviso de recepção, datada de 17.09.2013 que foi pela mesma recebida, do seguinte teor:

(...)

Apesar de se considerar que a A... já incumpriu definitivamente o contrato-promessa celebrado no dia 9 de Agosto de 2007 relativamente à fracção “E”, vi-me confrontado com o acordão da 1ª Secção da Relação de Coimbra proferido nos autos de procedimento cautelar de Arresto com o nº 640/12.5 TBMGR-A.C1, que considerou que o referido contrato promessa ainda não se encontrará resolvido em virtude de ainda ser possível a sua celebração e consequentemente, a A... continuar – de acordo com tal entendimento – vinculada ao referido contrato.

Atendendo ao exposto, entendo dever a A... conceder uma derradeira oportunidade à A... S.L. para, em cumprimento do contrato promessa supra referido, celebrar a Escritura de compra e venda da fracção “E”.

Assim sendo, nos termos e para os efeitos do disposto no nº 2 da CLÁUSULA QUARTA e na CLÁUSULA DÉCIMA do contrato promessa em referência, interpelo V. Exas para a celebração da Escritura Pública de Compra e Venda da fracção “E” -, correspondente ao r/c do Bloco A do Edifício (...) , descrito na Conservatória do Registo Predial de Alcobaça sob o nº (...) -E – escritura que se encontra agendada para o dia 01 de Outubro de 2013, às 10 horas, no Cartório Notarial da Marinha Grande de D..., sito (...)

Mais informo que a não realização da escritura no dia e hora supra referidos por falta imputável à A... determinará a definitiva perda de interesse da A... na celebração da escritura e consequente resolução do contrato promessa em referência.

22- No dia e hora referidos em 21, compareceu a mandatária da autora que, na qualidade de sua advogada invocou a não comparência da A... por existir judicialmente entre ambas as sociedades uma acção relativa a esta fracção.

23- A ré enviou à autora carta registada com aviso de recepção datada de 02.10.2013, para a morada que consta da p.i e que pela mesma foi recebida em 08.10.2013, do seguinte teor:

(...)

Conforme é do V/ conhecimento V. Exºa já foram interpelados para a realização da escritura pública de compra e venda da fracção E do Bloco A do edifício (...) nos termos constantes no contrato promessa assinado por ambas as partes no doa 9 de Agosto de 2007:

- Por fax remetido aos V/ mandatários a convocar para o dia 28 de Outubro de 2009;

- Por carta registada com aviso de recepção a convocar para o dia 16 de Abril de 2010;

- Por carta registada com aviso de recepção para o dia 27 de Maio de 2011;

Vªs exªs não compareceram em nenhuma das datas para as quais foram convocados razão pela qual entendemos que se encontrava definitivamente resolvido, por causa que vos é imputável, o contrato promessa em referência.

Contudo, salvaguardando a hipótese de se entender – conforme entendeu o Tribunal da Relação de Coimbra no âmbito da providência cautelar de arresto – que o contrato promessa relativo à fracção “E” ainda não se encontraria resolvido por ainda ser possível a sua celebração, foram V/Exas. novamente notificados nos termos previstos na cláusula 4ª, nº 2 do referido Contrato Promessa, por cartas registadas com aviso de recepção;

(...)

Naturalmente que a presença, no dia 1 de Outubro, da vossa Ilustre Advogada Drª F.... – que não tinha poderes para V/ representar na referida escritura nem estava em condições de proceder ao pagamento da quantia prevista no contrato promessa de compra e venda – não invalida o facto de, mais uma vez a escritura não ter sido realizada por falta de compraência de V. Exªs.

(...)

Deste modo, consideramos que, mais uma vez, que o contrato-promessa não foi cumprido por V. Exas, pois já vos foram concedidas inúmeras oportunidades e sucessivos prazos para regularizarem a situação, pagando o preço e outorgando a escritura pública prometida.

Sem prejuízo da posição por nós assumida no âmbito do processo judicial que nos opõe, da qual não prescindimos, mas salvaguardando a hipótese de se vir a entender que o contrato promessa em referência ainda não se encontrava resolvido por ser ainda possível a sua celebração, mediante a V/ não comparência em novas datas agendadas para a realização da escritura e a V/ declaração inequívoca de que não tencionam celebrar o contrato nos termos constantes no contrato promessa, procedemos, pela presente missiva à resolução do contrato promessa de compra e venda celebrado no dia 9 de Agosto de 2007 relativo à fracção “E”, (...).

24- Em resposta à carta referida em 23, no dia 24 de Outubro de 2013, a Exmª mandatária da autora enviou à ré um e-mail, manifestando pela parte da autora total desacordo com o conteúdo da mesma, não aceitando ter sido convocada para a realização das escrituras nas datas mencionadas e considerando não ser possível a celebração da escritura pública da fracção “E” ou a resolução do contrato quando se encontrava a decorrer uma acção judicial com julgamento já marcado, na qual foi pedido que fosse judicialmente declarado o incumprimento contratual do referido contrato promessa de compra e venda por causa imputável à ré.

25- Por documento particular autenticado, no dia 14 de Novembro de 2013, a ré declarou vender a E...., que declarou comprar pelo preço de € 140.000,00 a fracção “E”, mencionada no documento referido em 7.

26- Cerca de um ano antes data referida em 21, a compradora utilizou a mesma fracção em fins de semana e férias.

*

Para além de factos manifestamente conclusivos ou que contenham matéria de direito, não se provou que:

a) A ré deu conhecimento à autora do facto referido em 11 por fax datado de 19 de Outubro de 2009;

b) A ré recepcionou a carta referida em 14;

c) Desde o dia 29 de Setembro de 2009 que a autora solicitava à ré marcação das escrituras a que aludem os acordos referidos em 3 e 7;

d) Aquando do acordo referido em 17 a autora e a ré acordaram que o valor de €142.250,00 já entregue pela autora seria deduzido no valor aí atribuído à fracção “E”;

e) O período de tempo entre a notificação para a realização das escrituras e a data das mesmas, nos termos referidos em 12, era insuficiente para a autora conseguir obter financiamento bancário que lhe permitisse fazer face ao pagamento, no mesmo dia, do total de € 267.750,00, motivo pelo qual a autora não compareceu às escrituras de compra e venda;

f) Se a ré tivesse marcado as escrituras de compra e venda logo após a obtenção das licenças de utilização, a autora, nessa altura, tinha logrado conseguir empréstimo bancário para proceder ao pagamento das fracções;

g) Após o acordo referido em 17 a ré interrompeu os contactos com a autora até à missiva referida em 12.

A. Incorrecta análise e apreciação da prova, devendo passar a considerar-se como não provados os factos constantes dos itens 11.º e 15.º a 18.º dos factos considerados como provados e como provados os que constam das alíneas b) e c), dos factos considerados como não provados

Alega a autora que o Tribunal incorreu em erro de julgamento ao dar como provados os factos descritos nos itens 11.º e 15.º a 18.º dos factos dados como provados, devendo, na sua óptica, os mesmos serem considerados como não provados e ao considerar como não provados os constantes das alíneas b) e c), dos assim considerados, sendo que estes, segundo alega, devem ser tidos como provados, defendendo que tal é o que resulta da prova documental produzida e do acordo das partes, como melhor se referirá acerca de cada um dos pontos em dissídio.

Os pontos de facto em referência têm a seguinte redacção:

“11- A ré procedeu à marcação das escrituras de compra e venda relativamente às duas fracções “U” e “E” para o dia 28 de Outubro de 2009, às 16h00, no Cartório Notarial sito na Rua z(...) , na Marinha Grande, não tendo a autora comparecido.

15- A ré remeteu à autora para a morada y(...) Madrid, Espanha, carta registada com aviso de recepção, recepcionada pela autora, comunicando-lhe que se encontravam marcadas para o dia 27/05/2011, às 16h00, no Cartório Notarial sito na Rua z(...) , na Marinha Grande, as escrituras referentes às duas fracções “U” e “E”.

16- A autora não compareceu nas datas e locais referidos em 12 e 15.

17- Em data não concretamente apurada, mas após Dezembro de 2008, a autora e a ré acordaram no sentido de apenas ser adquirida pela autora a fracção “E”, pelo valor de € 267.500,00.

18- Em cumprimento do mencionado em 17, a autora e a ré acordaram que o pagamento da fracção referida em “E” seria efectuado da seguinte forma:

Dos € 142.250,00 já entregues pela autora

- € 80.000,00 seriam considerados como pagamento por conta do novo preço de €267.500,00;

. - € 62.250,00 seriam devolvidos pela ré aos sócios da autora no dia da outorga da escritura de compra e venda da referida fracção;

. - € 187.500,00 seriam entregues pela autora à ré, como pagamento do preço restante da fracção, através de financiamento da CGD.

b) A ré recepcionou a carta referida em 14;

c) Desde o dia 29 de Setembro de 2009 que a autora solicitava à ré marcação das escrituras a que aludem os acordos referidos em 3 e 7;”.

É a seguinte a respectiva motivação (cf. fl.s 447 a 450):

“Quanto à demais factualidade, toda a matéria relacionada com a marcação das escrituras por parte da ré e a não comparência às mesmas pela autora, factos 11, 15 e 21, o facto 11 alicerça-se no teor da certificação notarial de fls 144 a 146. Da sua leitura é inequívoco o agendamento das escrituras referentes às fracções “U” e “E” e a não comparência da autora para a realização das mesmas. Importa, no entanto considerar, que neste concreto caso, como se constata da alínea a) dos factos não provados, não demos por provado que a autora tenha sido devidamente notificada pela ré para o efeito, uma vez que não há qualquer prova, designadamente documental, que o fundamente.

Quanto à comunicação da marcação da escritura descrita no facto 15, a não comparência da autora à mesma (facto 16) e a efectiva recepção da mesma por parte da autora, fundamenta-se no documento de fls 150, no teor do talão de registo a fls 151 e nas informações dos serviços dos CTT a fls 170 a 173.

(…)

A matéria relacionada com o acordo existente entre a autora e a ré, no sentido de, não obstante a existência de dois contratos promessa, ser apenas vendida e comprada uma das fracções, a “E”, e termos que foram aceites pela ré, factos 17 e 18, fundamenta-se nos depoimentos das testemunhas G... e H... , as quais pelas razões de ciência supra indicadas e pela clareza e lógica das declarações prestadas, conjugadas ainda com o teor dos e-mails a fls 99, com os quais foram confrontadas, nos permitiram formular um juízo seguro sobre tal matéria.

Pela mesma ordem de razões não demos por provada a matéria descrita na alínea d) dos factos não provados, uma vez que a factualidade aí descrita não resulta dos e-mails de fls 99, sendo a mesma negada pelas indicadas testemunhas.

Não obstante nos encontrarmos em sede de fundamentação da matéria de facto, entendemos que se justifica tecer uma breve consideração jurídica que se prende com o disposto nos artºs 394º e 395º do Código Civil que prevêem a inamissibilidade de prova testemunhal quando a mesma tenha por objecto convenções contrárias ou adicionais ao conteúdo dos contratos.

Os factos 17 e 18 prendem-se precisamente com um acordo das partes no sentido de, por mútuo acordo, darem sem efeito a promessa de compra e venda referente à fracção “U”.

Citando Vaz Serra1 se a análise das circunstâncias do caso concreto tornar verosímil a existência da convenção das partes, parece admissível a prova testemunhal acerca desta; em tal hipótese, o recurso às testemunhas já não apresenta os perigos a que os artºs 394º e 395º C.Civ. visam obstar, já que o juízo do tribunal se apoiará não apenas nos depoimentos testemunhais, mas também nas circunstâncias objectivas que tornem verosímil a convenção; estas circunstâncias servem de base inicial á formação da convicção do tribunal, e a prova testemunhal limita-se a completar essa convicção, ou antes, a esclarecer o significado dessas circunstâncias.

(1 Revista Decana 103º/10 ss apud AC.RP.13.02.2007, www.dgsi.pt/jtrp.nsf

2 Ibidem )

Da mesma forma, Rui Alarcão2 refere que não deve considerar-se sujeito á forma requerida o pacto que o extinga, desde que as circunstâncias objectivas do caso o torne verosímil, salvo se a razão da exigência da forma exigir a subordinação de tal pacto a essa forma.

Seguindo o entendimento destes Ilustres Mestres, em face do teor dos e-mails de fls 99, que circunstanciam o acordo revogatório e o tornam verosímil, consideramos nada impedir a referida prova testemunhal que o esclareceu e contextualizou.

(…)

Quando aos factos dados por não provados ainda não mencionados, sobre a factualidade descrita em b) e c) não foi produzida qualquer prova que directamente ou conjugada com outra nos permitisse a formulação de um juízo sobre a mesma. Com efeito, a carta que consta de fls 93 datada de 29.09.2009 aludindo a “falta de cumprimento dos prazo de entrega” é pouco esclarecedora, designadamente tendo em consideração que nessa data a própria autora não dispunha ainda de financiamento aprovado que lhe permitisse o pagamento do preço.

Relativamente ao facto 11, refere a recorrente que o mesmo se deve ter por não provado com o fundamento em que não se tendo demonstrado que a ré tenha convocado a autora para a outorga da escritura aí referida, não se pode dar como demonstrado que a autora a ela não compareceu.

Está assente que a autora não compareceu à realização da escritura em causa.

Não se deu por provado que aquela disso tenha sido notificada.

Pelo que, estando assente a não comparência, o que se trata é de avaliar a relevância, em termos jurídicos, desse facto (o que se fará no lugar próprio), mas tal não posterga que se dê como provada a referida não comparência.

Assim, quanto a este item nada há a alterar.

No que respeita ao item 15, refere a recorrente que a carta que lhe foi enviada, não chegou a ser por si recepcionada, como o comprovam as informações dadas pelos CTT e que constam do doc. de fl.s 170 a 173.

Efectivamente, como consta deste doc., a carta a que o mesmo se refere não foi entregue ao destinatário (a aqui autora), com a menção, datada de 09 de Maio de 2011, de “Entrega Não Conseguida Destinatário ausente, empresa encerrada Devolvido.”, na sequência do que veio a ser devolvida ao remetente (a aqui ré), pelo que não se pode considerar que esta carta tenha sido, efectivamente, recepcionada pela autora, embora tenha sido remetida para o endereço que a ré conhecia e contratualmente acordado/indicado.

Pelo que, se suprime do facto 15 a expressão “recepcionada pela autora, com a menção de Entrega Não Conseguida Destinatário ausente, empresa encerrada Devolvido.”(cuja nova redacção será adiante corrigida).

Quanto ao facto 16, pretende a autora, em consequência da supressão/alteração de redacção do facto anterior que se retire a menção da sua não comparência, por referência ao facto 15.

A autora, efectivamente, não compareceu a esta escritura, pelo que se mantém a redacção dada a este item, falta, esta, cuja relevância, aquando da apreciação do direito, se analisará.

No que concerne ao factos 17 e 18, refere a autora que “ a prova documental constante do processo impõe uma decisão diferente, uma vez que da mesma resulta que não se tratou de um acordo formal com efeito vinculativo entre as partes mas de uma renegociação ou proposta de acordo que não chegou a ser formalizada”.

Em primeiro lugar, cumpre referir que mesmo baseando-se o recurso de facto apenas em documentos, incumbe ao recorrente, nos termos do artigo 640.º, n.º 1, al. b), do NCPC, indicar as razões da sua discordância com a resposta que obtiveram os factos impugnados; incumbe-lhe fundamentar a razão pela qual recorre, por referência a documentos concretos e determinados e não apelar de forma genérica “à prova documental constante dos autos”.

Deve, assim, o recorrente, explicitar, a razão pela qual, na sua perspectiva, os documentos que indica, implicam uma resposta/decisão diferente sobre um concreto ponto(s) de facto, que sindica em recurso.

O que, manifestamente, a recorrente não fez o que basta para que as respostas em causa, não fossem passíveis de alteração.

No entanto, não pode deixar de salientar-se que a matéria de facto que consta destes itens corresponde ao que a própria autora e ora recorrente, alegou (e assim confessou) nos artigos 18.º e seg.s da petição inicial, pelo que não se entende que, agora, pretenda colocar em causa, a matéria que, assim, ela própria, alegou no referido articulado.

Face ao que, se mantém a redacção dos itens ora em apreciação.

Relativamente às alíneas b) e c) dos factos não provados, pretende a autora que os mesmos sejam tidos como provados, a 1.ª por confissão da autora e a 2.ª por ser o que resulta das cartas de fl.s 111 a 113 e 74 e o que a ré refere nos artigos 74 e seg.s da contestação.

No artigo 74.º da contestação refere-se a carta de 06 de Abril de 2010 em que a ré interpelou a autora para a celebração das escrituras em 16 desse mesmo mês de Abril.

A carta a que se refere o item 14 foi enviada pela autora à ré.

O doc. 27, junto com a p.i. é, igualmente, uma carta datada de 22 de Abril de 2010 e enviada pela ré à autora, pelo que não respeita à carta referida em 14.

Na carta de fl.s 93 (doc. 19 junto com a p.i.) nada se refere/menciona quanto a marcação de escrituras.

Pelo que se mostra justificada a motivação, quanto a tal, referida a fl.s 450 e acima transcrita.

Assim, mantêm-se estes factos como não provados.

Consequentemente, nesta parte, procede parcialmente, em conformidade com o que ora se deixou dito, o recurso em apreço, suprimindo-se do facto 15 a expressão “recepcionada pela autora, com a menção de Entrega Não Conseguida Destinatário ausente, empresa encerrada Devolvido.”, passando, em consequência, este item a ter a seguinte redacção:

15 – A ré remeteu à autora para a morada y(...) Madrid, Espanha, carta registada com aviso de recepção, comunicando-lhe que se encontravam marcadas para o dia 27/05/2011, às 16H00, no Cartório Notarial sito na Rua z(...) , na Marinha Grande, as escrituras referentes às duas fracções “U” e “E”, que veio a ser devolvida e entregue ao remetente com a menção de “Entrega Não Conseguida Destinatário Ausente, empresa encerrada Devolvido”.

Mantendo-se toda a demais matéria de facto dada como provada e não provada em 1.ª instância.

B. Se a sentença recorrida padece das nulidades previstas nas alíneas c) e d) do n.º 1 do artigo 615.º do NCPC.

No que a esta questão concerne, alega a recorrente que a sentença recorrida padece da nulidade prevista na alínea c), em referência, porquanto parte dos seus fundamentos estão em oposição com a decisão, com o fundamento em que a M.ma Juiz a quo deu como provado que a ré marcou as escrituras por quatro vezes e que a autora faltou a todas elas e ao mesmo tempo declara que a autora não foi convocada para uma delas.

E que padece, ainda, a sentença da nulidade da al. d), com o fundamento em que a M.ma Juiz não se pronunciou sobre a questão da venda a terceiros da fracção “U”, sem prévia resolução do contrato promessa e sem prévia interpelação admonitória.

O ora citado artigo 615, n.º 1, al.s c) e d), sanciona com a nulidade a sentença quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão (al. c) ou quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento (al. d).

Cf. referem A. Varela, Miguel Bezerra e Sampaio Nora, in Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 1984, a pág. 669, a oposição entre a decisão e os respectivos fundamentos, respeita à contradição real entre os fundamentos e a decisão, em que a fundamentação aponta num sentido e a decisão segue caminho oposto.

Não padece a sentença recorrida da nulidade com base na oposição entre os seus fundamentos e a decisão que nela foi proferida.

Como acima já se explicitou, em sede do recurso de facto, o facto de a autora não ter sido convocada não afasta a conclusão de que não esteve presente na escritura. A relevância de tal ausência é que é de afastar.

No entanto, como se refere na sentença recorrida, considerou-se que quem se encontrava em mora era a autora e isto não apenas pelo facto de esta não ter comparecido a uma escritura em particular mas sim a todas as que foram sendo, sucessivamente marcadas, e por não ter cumprido o acordo estabelecido com a ré, o que motivou que a esta tenha optado pela resolução contratual, que comunicou, nos termos legais, à autora, o que acarretou a improcedência da acção.

A nulidade a que se refere a al. d), do artigo 668, CPC, radica na omissão de pronúncia (não aprecia questões de que devia conhecer – 1.ª parte) ou no seu inverso, isto é, do conhecimento de questões de que não podia tomar conhecimento, por não terem sido postas em causa (2.ª parte).

Como decorre da análise da sentença recorrida, esta debruçou-se sobre todas as questões que lhe impunha conhecer e só destas, incluindo a venda da fracção “U”, que se considerou lícita em virtude de se concluir que a autora já havia incumprido o contrato, conferindo à ré a possibilidade/faculdade de resolução do contrato – cf., designadamente, fl.s 456.

No fundo, o que a autora manifesta é o desacordo para com o sentido da decisão proferida, mas, tal, como é evidente, não configura as invocadas nulidades.

Consequentemente, não padece a sentença recorrida das apontadas nulidades.

Pelo que, quanto a esta questão, o presente recurso tem de improceder.

C. Se a ré incumpriu o contrato promessa que celebrou com a autora, quando vendeu a terceiros a fracção “U”, que havia prometido vender à autora e se está, objectivamente, demonstrada a perda de interesse da autora na compra da fracção “E”.

Relativamente a esta questão, entende a autora que não resulta da matéria de facto provada que tenha incumprido o contrato promessa que celebrou com a ré, sendo que a esta incumbia, nos termos da cláusula 8.ª, n.º 1, notificar a autora, por carta registada com a.r. de que consideraria resolvido o contrato se nos dez dias úteis posteriores à notificação não pusesse termo à falta de cumprimento.

Daí que, na sua óptica, foi a ré quem incumpriu o contrato, ao vender a terceiros a fracção “U”, que a si prometeu vender, configurando, ainda, tal factualidade, a perda de interesse da autora na compra da referida fracção, uma vez que prometeu comprar uma fracção nova e desocupada, o que já não se verifica.

Na sentença recorrida, ao invés, julgou-se como improcedente a acção, com o fundamento em ter sido a autora a incumprir o contratado com a ré, o que possibilitou a esta, nos moldes legais, a resolução dos contratos promessa em causa, o que legitimou a posterior venda da fracção em causa a terceiros.

Fundamentação que se espelha do que consta a fl.s 454 e 455, que se passa a transcrever:

“Sabido que a ré alienou a fracção “U” em 26.12.2011 e a fracção “E” em 14.11.2013, é óbvia a conclusão de que, nesta altura, a prestação a que se obrigou pelos contratos promessa, a venda das ditas fracções à autora, se tornou impossível. A questão que se coloca é se tal incumprimento lhe é imputável, designadamente por não ter marcado as escrituras de compra e venda nas datas que constam dos contratos promessa.

Na cláusula quarta destes contratos ficou estabelecido que a escritura pública de compra e venda seria marcada pela ré, no prazo de 60 dias úteis a contar da emissão da licença de utilização, ou a contar do termo do prazo para a Câmara proceder à respectiva emissão.

Encontra-se provado (cf. factos 9 e 10) que a licença de utilização da fracção “U” foi emitida em 24.06.2008 e a licença de utilização da fracção “E” em 11.07.2008.

Assim, nos termos da referida cláusula, as escrituras deveriam ter sido marcadas pela ré, respectivamente até aos dias 17 de Setembro de 2008 e 6 de Outubro de 2008, o que não sucedeu.

Porém, como também se encontra provado, a ré não procedeu a marcação das mencionadas escrituras por saber que a autora ainda estava a diligenciar pela obtenção de financiamento bancário (cf. facto 19).

Se assim é, a inobservância dos prazos referentes à marcação das escrituras não é sequer imputável à ré, constituindo um manifesto abuso de direito pela banda da autora tal invocação, já que nas referidas datas, quem não estava em condições de cumprir a sua obrigação rectius o pagamento do preço das fracções, era a própria.

Alega ainda a autora a perda de interesse na aquisição das referidas fracções, nos termos do disposto no artº 808º.

Como supra referimos, a lei no artº 808º nº 1 equipara a mora ao incumprimento definitivo, posto que ou haja perda de interesse do credor em consequência da mora do devedor ou que o devedor moroso não tenha cumprido dentro do prazo adicional e peremptório que lhe foi fixado. Significa isto, antes de mais, que a previsão deste artigo pressupõe como condição prévia, a mora do devedor.

Ora, essa condição prévia é que não se encontra demonstrada nos autos, uma vez que a ré não marcou as escrituras nos prazos constantes dos contratos-promessa, por razões imputáveis à autora. Deste modo, não se pode considerar sequer que a ré estivesse em mora.

Precisamente, dada a inexistência de mora, não podemos também configurar a possibilidade de resolução do contrato promessa com fundamento na perda do interesse do credor na realização da prestação, que pressupõe que tal perda de interesse seja em consequência da mora do devedor.

Por outro lado, encontra-se provado que a ré marcou escrituras por 4 vezes, a saber, para 28 de Outubro de 2009 (facto 11), para 16.04.2010 (facto 12), para 27.05.2011 (facto 15) e para 1 de Outubro de 2013, apenas no que se refere à fracção “E” (facto 21).

Se quanto à primeira das indicadas datas não temos provado que a autora tivesse tido conhecimento da mesma (cf. alínea a) dos factos não provados), quanto às cartas enviadas comunicando a marcação das demais, temos provado que foram recepcionadas pela autora.

As referidas cartas, com excepção da última, foram enviadas para o domicílio convencionado constante da cláusula décima dos contratos promessa e com a antecedência que consta da cláusula quarta, não tendo a autora comparecido em nenhuma das datas indicadas.

Por essa ordem de razões, aquilo que consideramos, é que, pelo menos após 16.04.2010, quem se encontrava em mora era a autora.”.

Efectivamente, como resulta da cláusula 4.ª n.º 1 dos contratos promessa em causa, as escrituras definitivas seriam outorgadas no prazo máximo de 60 dias úteis a contar da data da emissão da licença de utilização – cf. item 3.º dos factos provados.

Como resulta dos itens 9.º e 10.º. estas foram obtidas em 24/06/2008 (fracção “U”) e em 11/07/2008 (fracção “E”).

A ré providenciou, várias vezes, pela marcação das escrituras, como consta dos itens 11.º, 12.º, 15.º e 21.º, sendo que a autora nunca compareceu, nem se fez representar.

Conforme cláusula décima dos contratos em referência, toda a correspondência a enviar pela ré à autora devia ser endereçada para a morada ali constante e indicada pela própria autora.

Em face das sucessivas faltas da autora às escrituras marcadas e sem esquecer que, cf. item 19.º, a ré aguardou que a autora obtivesse financiamento bancário, a ré, sempre tendo em vista o cumprimento do contratado e para que fossem outorgadas as escrituras definitivas, enviou, sucessivamente, à autora as missivas a que se referem os itens 12.º, 13.º, 15.º e 21.º, dos factos provados.

No seguimento desta última missiva e porque, mais uma vez, a autora não compareceu, cf. item 23.º, a ré, através da carta ali mencionada, datada de 02/10/2013 e que a autora recebeu a 8 desse mês e ano, comunicou a esta a resolução do contrato promessa em causa.

Após o que, cf. item 24.º, em 14 de Novembro de 2013, a ré vendeu a fracção prometida vender à ora autora a uma terceira pessoa.

Como é evidente e se refere na sentença recorrida, a venda da fracção em causa a uma terceira pessoa configura, por parte da ré, uma impossibilidade objectiva de cumprimento do contrato promessa.

No entanto, esta impossibilidade só seria de sancionar se se considerar que foi a ré que, através da mora ou de incumprimento definitivo, incumpriu o contrato, já assim não sucedendo se vier a concluir-se que foi a autora quem possibilitou à ré que, validamente, pudesse resolver os contratos celebrados entre as ora partes, como o comunicou à autora, nos moldes referidos.

Os contratos, é sabido, devem ser pontualmente cumpridos (406º do CC).

Quando assim não acontece, quando ocorre um qualquer desvio entre a execução do contrato e o programa negocial, verifica-se um “inadimplemento”.

Inadimplemento que, em certos casos, confere ao credor um direito de resolução legal.

Dito de outro modo, nos casos em que a violação e/ou desvio do programa negocial assumem determinada importância e gravidade, que justifiquem o desaparecimento do interesse do credor na manutenção da relação contratual, confere a lei ao credor o direito de resolução (cfr., v. g., arts 793º, n.º 2, 801º, n.º 2, 802º, n.º 1, 808º todos do CC).

Direito de resolução legal que, assim configurado, se apresenta como um direito potestativo extintivo dependente de um fundamento, o mesmo é dizer, dependente de um inadimplemento grave.

Inadimplemento grave, cuja definição, em primeira linha, pertence ao credor, a quem compete a sua invocação.

Assim, visando por norma o credor conseguir, com o cumprimento exacto e pontual da obrigação, quer uma finalidade de uso quer uma finalidade de troca, deverá em princípio ser considerada grave toda aquela inexecução ou inexactidão do cumprimento que torne inviável um certo emprego do objecto da prestação ou que impossibilite o credor de a aplicar ao uso especial que tinha em vista.

Regra geral, o fim-motivo visado pelo credor fica fora e não faz parte integrante do conteúdo da obrigação (fica no limbo dos simples motivos juridicamente irrelevantes), porém, embora o fim-motivo seja irrelevante no quadro da fase estipulativa, tal não significa que não possa tornar-se relevante na fase executiva do negócio.

Ora, é justamente através da resolução legal que, em certos casos, tais “fins-motivos”, tais interesses do credor que não entraram a fazer parte do conteúdo do contrato e da obrigação do devedor, se tornam relevantes.

“Fins-motivos”/interesses do credor (susceptíveis de relevar em termo de resolução) que serão sempre determinados e perspectivados objectivamente; objectividade que significa que o interesse afectado pelo incumprimento há-de ser apreciado por qualquer outra pessoa (designadamente pelo juiz) e não segundo o bel-prazer, o capricho ou o juízo arbitrário do credor.

É justamente tal situação, de relevância do fim-motivo negocial, para efeito de inexecução do negócio, que se encontra prevista no art. 808º, n.º, 1, 1ª parte, do CC, quando se diz que se considera para todos os efeitos não cumprida a obrigação sempre que, em consequência de mora, o credor perder o interesse na obrigação.

Efectivamente, a conversão da mora em incumprimento definitivo implica aplicar à situação o art. 801º, que, nos contratos bilaterais, confere ao credor uma opção entre exigir uma indemnização ou resolver o contrato exigindo ao mesmo tempo o ressarcimento dos prejuízos sofridos.

“Para além dos casos em que a mora, em conjugação ou não com outras causas, fez desaparecer o interesse do credor na prestação, há que ter em conta todos os outros em que tal não acontece mas nos quais não seria legítimo obrigar o credor a esperar indefinidamente pelo cumprimento. Não seria justo manter o credor indefinidamente vinculado ao contrato (inibindo-o designadamente de fazer uma compra de cobertura ou de por qualquer outro modo prover à satisfação da necessidade que o levou a contratar) visto que ele, embora com direito, ficaria sempre sujeito a ter de cumprir por seu lado - bem como a ter de receber a prestação retardada. Por isso, em várias legislações se prevê a possibilidade de o credor (parte não inadimplente), uma vez incurso em mora o devedor, fixar a este um prazo suplementar razoável - mas peremptório - dentro do qual se deverá verificar o cumprimento, sob pena de resolução automática do negócio.

A situação é contemplada na segunda parte do n.º 1 do já referido art. 808º. Fora dos casos em que a mora tem por consequência a perda do interesse na prestação por parte do credor, este tem à sua disposição o mecanismo seguro da intimação ou interpelação cominatória, que igualmente pode conduzir às consequências do art. 801º, se a obrigação não for cumprida dentro do prazo suplementar razoável fixado na mesma interpelação ou intimação.

Trata-se de um remédio concedido por lei ao credor para os casos em que não tenha sido estipulada uma cláusula resolutiva ou um termo essencial nem ele possa alegar, de modo objectivamente fundado, perda do interesse na prestação por efeito da mora. Constitui, como já disse alguém, um meio especial de “autotutela privada” que faz do credor árbitro da sorte da relação. Por esta via, a lei legitima o credor para provocar unilateralmente uma modificação da relação, introduzindo nela um elemento novo, ou seja, um novo prazo de cumprimento que se caracteriza pela sua peremptoriedade. Prazo, este que, aliás, nada impede possa ser logo estipulado no momento da constituição da obrigação.

A interpelação admonitória com fixação de prazo peremptório para o cumprimento a que se refere a segunda parte do n.º 1 do art. 808º é, pois, uma intimação formal dirigida ao devedor moroso para que cumpra a sua obrigação dentro de certo prazo determinado, sob pena de se considerar o seu não cumprimento como definitivo. Assim, através da fixação de um prazo peremptório, obtém-se uma clarificação definitiva de posições.

A interpelação admonitória deve conter três elementos:

a) a intimação para o cumprimento; b) a fixação de um termo peremptório para o cumprimento; c) admonição ou a cominação (declaração admonitória) de que a obrigação se terá por definitivamente não cumprida se não se verificar o cumprimento dentro daquele prazo. Trata-se, pois, de uma declaração intimativa.

A interpelação admonitória é unia declaração receptícia: torna-se definitiva e irrevogável a partir do momento em que chega ao poder do devedor ou é dele conhecida (art. 224º). A partir desse momento, o credor já não pode exigir o cumprimento. Se, posteriormente, credor e devedor acordam um outro prazo, então já lhe podem dar o efeito, ou de termo essencial, ou de cláusula resolutiva.

Diz a lei que o prazo fixado pelo credor deve ser um prazo razoável. Essa razoabilidade variará, evidentemente, conforme a natureza da prestação. O prazo razoável será aquele que o for para o aprestamento da prestação. Assim, se a prestação consistir numa soma de dinheiro, será mais breve; se ela consistir na entrega de uma mobília que ainda tem de ser confeccionada ou acabada, no todo ou em parte , será mais longo (sublinhado nosso). Mas, se deve ser um prazo suficiente para que o devedor complete o aprestamento da prestação, também não deve ser tal que prejudique ou faça até desaparecer o interesse do credor. Se o credor verifica que, se a prestação não for feita dentro de certo prazo suplementar, se dará um evento que fará desaparecer o interesse que para ele tem a prestação, deve avisar disso o devedor.

O devedor poderá discutir posteriormente em tribunal a razoabilidade do prazo, se pretende evitar as consequencias do art. 801º. Nesta hipótese, se o tribunal lhe der razão, nem por isso ressuscita uma relação extinta: limita-se a declarar a subsistência da relação anterior em virtude da ineficácia da interpelação admonitória e da declaração de resolução que porventura se lhe tenha seguido [1] ”.

Por último, de referir que a resolução que se basta com uma declaração nesse sentido à outra parte, cf. artigo 436.º, n.º 1, do Código Civil.

            Por outro lado, de acordo com o disposto no artigo 799, n.º 1, Código Civil, incumbe ao devedor provar que a falta de cumprimento não procede de culpa sua e só existe incumprimento definitivo quando a prestação não tenha sido cumprida e já não possa vir a sê-lo posteriormente e desde que continue a existir interesse do credor na prestação, de acordo com o disposto no artigo 808.º, do Código Civil.

            De acordo com o disposto neste preceito “a perda do interesse na prestação é apreciada objectivamente “.

Como ensina A. Varela, in RLJ 118 - 54 “a lei não se contenta com a simples perda (subjectiva) do interesse do credor na prestação em mora para decretar a resolubilidade do contrato; o n.º 2 do artigo exige que a perda do interesse seja apreciada objectivamente“.

A perda do interesse não pode ater-se, somente, numa simples mudança de vontade do credor na efectivação do negócio, desacompanhada de qualquer circunstância de relevo para além da mora. A perda do interesse há-de objectivar-se segundo o critério de razoabilidade própria do comum das pessoas - no mesmo sentido, veja-se Menezes Cordeiro, in Estudos de Direito Civil, vol. I, pág. 55 e Pedro Romano Martinez, in Cumprimento Defeituoso Em Especial Na Compra E Venda E Na Empreitada, pág.s 333 e 334.

            A diferença entre a mora e o incumprimento definitivo reside no facto de a mora se traduzir na falta de cumprimento na data estabelecida, continuando o cumprimento a ser possível e a satisfazer o interesse do credor, enquanto o incumprimento definitivo revela uma situação em que a prestação já não pode ser efectuada ou deixe de satisfazer o interesse do credor. Daqui resulta que a aplicação das sanções aludidas no artigo 442.º, n.º 2, CC, pressupõe o incumprimento definitivo do contrato promessa não bastando a simples mora.

Neste sentido, entre outros, a nível jurisprudencial, os Acórdãos do STJ, de 8/2/200, CJ, STJ, 2000, I, 72 e de 27/11/97, in BMJ 471, 388 e da Relação de Guimarães, de 31/03/2004, CJ, 2004, II, 277.

            Ora, compulsando a matéria de facto considerada como provada, in casu, parece-nos que, efectivamente, se verificam os enumerados pressupostos para que possa operar a pretendida (pela ora ré) resolução do contrato promessa em causa, com base em incumprimento definitivo por parte da autora.

            Consequentemente, estamos perante uma situação de incumprimento definitivo por parte desta, pelo que, nos termos acima expostos, podia a ré operar a pretendida resolução do contrato promessa sub judice, e, assim, fazer suas as quantias recebidas a título de sinal, pelo que os pedidos formulados pela autora têm, necessariamente, de improceder, regendo, no caso específico do regime do contrato promessa o estatuído no artigo 442.º, n.º 2, do mesmo Código, no que se refere ao sinal entregue.

De salientar que, como acima referido, se concluiu que foi a autora que deu azo ao incumprimento do contrato promessa celebrado com a ré, não o cumprindo por causa que lhe é imputável, ao não assegurar as condições estabelecidas para que se pudesse outorgar a escritura definitiva.

Efectivamente, reitera-se, como acima já se fez referência e consta da factualidade provada, a autora nunca reuniu as quantias para tal necessárias, nem através de financiamento bancário, nem por outra via e não obstante a ré ter, por diversas e sucessivas, vezes, marcado dia para a realização da escritura, a autora nunca compareceu, nem se fez representar, para a outorgar.

Como já referido, a escritura devia ser realizada no prazo máximo de 60 dias úteis a contar da emissão da licença de utilização.

Estas, repete-se, foram emitidas em Junho e Julho de 2008.

E só em Outubro de 2013 (depois das já referidas tentativas da ré em realizar a escritura definitiva) é que a ré procedeu à comunicação de que pretendia resolver o contrato.

Comunicação que foi precedida de uma derradeira tentativa para que a escritura fosse feita em 01 de Outubro de 2013 a que, mais uma vez, a autora não compareceu – cf. itens 21 a 24, dos factos provados.

Face a tudo isto, é, salvo o devido respeito por opinião em contrário, de considerar que foi a autora que incumpriu o contrato, não comparecendo às sucessivas marcações para a realização da escritura definitiva, tendo de se ter, por sua parte, como não cumprida a obrigação, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 808.º do Código Civil.

           

Embora a sua relevância seja diminuta para o desfecho da acção (não se trata da carta a comunicar a resolução do contrato mas apenas a dar conhecimento da data em que «uma das vezes» foram marcadas as escrituras), importa tecer algumas considerações acerca do facto de a carta referida no item 15.º não chegar a ser recepcionada pela autora, tendo, como nele se refere, sido devolvida ao remetente, com a supra assinalada menção.

Assim, tudo se reconduz em averiguar da eficácia desta carta, ou seja, se a mesma se deve ou não, considerar como não recebida por culpa exclusiva do destinatário.

Efectivamente, de acordo com o disposto no artigo 224.º, n.º 1 do CC:

“A declaração negocial que tem um destinatário torna-se eficaz logo que chega ao seu poder ou dele é conhecida; as outras, logo que a vontade do declarante se manifesta na forma adequada”.

Acrescentando-se, todavia, no seu n.º 2 que:

“É também considerada eficaz a declaração que só por culpa do destinatário não foi por ele oportunamente recebida.”.

 Estabelece-se no n.º 1 deste preceito a distinção entre declarações “receptícias e não receptícias”, considerando-se como receptícias as que se dirigem a um destinatário ou declaratário e como não receptícias as que não se dirigem a um destinatário.

Como refere Heinrich Ewald Horster, in Sobre a formação do contrato Segundo os arts. 217.º e 218.º, 224.º a 226.º e 228.º a 235.º do Código Civil, na Revista de Direito e Economia, Ano IX, N.os 1-2, 1983, a pág.s 135 e 136, “é necessário e suficiente que se verifique um dos dois pressupostos enunciados – ou a chegada ao poder ou o conhecimento – para que a declaração se torne eficaz. Consequentemente, esta solução legal dá relevância jurídica, no sentido de originar a perfeição da declaração negocial, àquele pressuposto que se verifica primeiro, combinando nesta medida a teoria da recepção («… logo que chega ao poder …») com a teoria do conhecimento («… logo que … é dele conhecida»).”.

Ali acrescentando que, no caso da verificação da chegada ao poder não se exige conhecimento efectivo por parte do destinatário, partindo a lei da situação regular e normal de que, com a chegada ao poder, o destinatário está em condições de tomar conhecimento e que ele toma este conhecimento e bastando para tal o depósito no local indicado para o efeito em condições normais ou a entrega a pessoa autorizada para tal.

E adiantando, ainda, que a previsão do n.º 2 do artigo 224.º do CC, tem em vista a protecção do declarante, em caso de não recebimento de uma declaração que só por culpa do destinatário, não foi por este recebida, no sentido de «chegada ao poder», esclarecendo que “a declaração é tida como eficaz apesar de não ter chegado ao poder, quando isso foi culposamente impedido pelo destinatário. P. ex., o destinatário recusa-se a receber a carta do carteiro ou não vai levantá-la à posta restante, como costumava fazer.” – ob. cit., a pág.s 137 e 138.

No mesmo sentido, se pronunciam P. de Lima e A. Varela, in Código Civil Anotado, Vol. I, 4.ª Edição Revista E Actualizada, a pág. 214.

E também Menezes Cordeiro, in Tratado de Direito Civil Português, I, Parte Geral, Tomo I, Almedina, 1999, a pág. 291.

Como se refere no Acórdão do STJ, de 14 de Novembro de 2006, in CJ, STJ, Ano XIV, tomo 3, pág.s 109 a 111, o regime legal previsto no n.º 2 do art.º 224.º do CC visa “contrariar práticas como as dos que se esquivam a receber declarações, de que constituirão a maior parte cartas registadas, que são devolvidas aos respectivos remetentes.

Por isso se compreende que a não recepção se fique a dever exclusivamente ou apenas a culpa do destinatário a declaração seja havida como eficaz.”.

Ali se acrescentando que se houver culpa do declarante ou de terceiro, caso fortuito ou de força maior, afastada fica a aplicabilidade desta norma, pelo que se impõe demonstrar em cada caso que sem a acção ou a abstenção culposas do destinatário, a declaração teria sido recebida, não dispensando a concretização do regime “um juízo cuidadoso sobre a culpa, por parte do declaratário, no atraso ou na não recepção da declaração”, citando-se, em abono deste entendimento, Pais de Vasconcelos, Teoria Geral do Direito Civil, 2.ª edição, a pág. 296.

Igualmente no Acórdão do STJ, de 09 de Fevereiro de 2012, Processo n.º 3792/08.5TBMAI-A.P1.S1, disponível no respectivo sítio da dgsi, se refere que no juízo de culpabilidade do destinatário deve ponderar-se a situação de as partes terem estabelecido endereços para onde deveriam remeter as comunicações relevantes em termos contratuais e na ausência de outro critério delimitador do conceito de culpa para efeitos do n.º 2 do artigo 224.º do CC, teremos de nos socorrer do disposto nos artigos 799.º, n.º 2 e 487.º, n.º 2, do CC, nos termos do qual esse elemento subjectivo deve ser concretamente aferido através do critério de um devedor criterioso e diligente.

Ora, no caso em apreço, a ré enviou para as instalações da requerida, carta registada com aviso de recepção, dando conta de que havia sido designado dia para a marcação da escritura, que a autora não recepcionou, com a menção, aposta na mesma, de “Entrega Não Conseguida Destinatário ausente, empresa encerrada, Devolvido”, e acabou, por isso, por ser devolvida para o remetente, a quem foi entregue.

Conforme cláusula 10.ª, o contrato impunha que todas as comunicações nele previstas deveriam ser realizadas por escrito, através de carta registada com aviso de recepção e o normal e lógico é a mesma ser enviada para o endereço nela mencionado (no caso, para as instalações da autora e por esta fornecidas, como o foi, in casu).

A autora sabia o que tinha contratado com a ré, pelo que bem deveria saber qual a razão/motivo do envio de tal carta.

Assim, nos termos expostos, impunha-se-lhe que tomasse as medidas/precauções necessárias a fim de que, efectivamente, recebesse, chegassem ao seu poder, as cartas que fossem enviadas para o endereço que a própria autora (através dos seus representantes legais) mencionaram no contrato.

Tanto mais que cf. n.º 3 da referida cláusula 10.ª se estipulou que “As alterações aos endereços terão de ser comunicadas através de carta registada com aviso de recepção e só produzirão efeitos três dias úteis após a sua expedição”, não havendo notícia nos autos, que qualquer das partes tenha usado de tal faculdade.

Não tendo a autora, como não o fez, tomado as referidas precauções, tem de considerar-se, em conformidade com o disposto no artigo 224.º, n.º 2, do CC, que só por sua culpa não recebeu a carta em questão, em função do que se tem de considerar como eficaz a declaração que lhe foi dirigida por parte da ré, com vista a dar-lhe conhecimento de que havia sido designado dia para a outorga das escrituras definitivas, pelo que tal facto, não impede que possa operar a, muito posteriormente, comunicada resolução do contrato, nos moldes referidos no item 23.º e em obediência ao disposto no artigo 436.º do CC.

            Face ao exposto, também, quanto a esta questão, improcede o recurso.

Nestes termos se decide:      

Julgar improcedente o presente recurso de apelação, em função do que se mantém a decisão recorrida.

Custas pela apelante.

Coimbra, 03 de Maio de 2016.


[1] Baptista Machado, Resolução por Incumprimento, in Homenagem ao Prof. Teixeira Ribeiro, págs. 381 a 385).