Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2598/06.0YBVIS-B.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: SÍLVIA PIRES
Descritores: MANDATO FORENSE
MANDATO ONEROSO
IVA
Data do Acordão: 09/13/2016
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE VISEU – VISEU – INST. LOCAL – SEC. CÍVEL – J3
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE REVOGADA
Legislação Nacional: ARTº 1157º C. CIVIL; ARTº 100º DO EOA (LEI Nº 15/2005, DE 26/01).
Sumário: I - O art.º 1157º do Código Civil define o mandato como o contrato pelo qual uma das partes se obriga a praticar um ou mais actos jurídicos por conta da outra.

II - Casos correntes de mandato oneroso são os dos advogados, desempenhados no exercício da advocacia.

III - Nestes casos rege, ainda, o art.º 100º do Estatuto da Ordem dos Advogados, aprovado pela Lei n.º 15/2005, de 26/1.

IV - Sendo o Autor um profissional sobre quem recai a obrigação de entregar ao Estado o valor do IVA referente aos serviços por si prestados, impende sobre si a obrigação de informar com clareza aqueles com quem contrata sobre o preço efectivo dos seus honorários, designadamente se o valor que apresenta inclui ou não IVA.

Decisão Texto Integral:

Acordam na 3ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra

O Autor intentou a presente acção declarativa contra o Réu, pedindo que este seja condenado a pagar-lhe a quantia de €46.000,00, acrescida de IVA, à taxa legal, bem como os invocados juros moratórios vincendos desde a citação.

Para fundamentar a sua pretensão alega em síntese que se dedica à profissão liberal da advocacia e que no exercício daquela sua profissão, a solicitação do Réu, prestou diversos serviços àquele, quer a título pessoal quer como legal representante de empresas por si geridas, quer em sede judicial, quer extrajudicialmente, sendo que, após negociação, Autor e Réu acordaram em fixar os honorários finais em dívida na quantia de € 46.000,00, a qual, por acordo firmado em 06 de Agosto do corrente ano, o Réu se obrigou pessoalmente a pagar, em duas prestações de igual valor, de € 23.000,00 cada, devendo a primeira ser liquidada até 15 daquele mês e a segunda até ao final de Janeiro de 2015, sucedendo, porém, que o Réu não pagou aquela primeira prestação na data acordada, nem posteriormente, apesar de para tanto haver sido interpelado por diversas vezes, sendo certo que a falta de realização da prestação inicial importou o vencimento da prestação final.

O Réu contestou, alegando em síntese que foi pagando ao Autor várias quantias em dinheiro, conforme este ia solicitando, que sempre esperou que o Autor lhe enviasse conta de honorários  descriminada nos termos fixados pelo E.O.A., o que nunca aconteceu.

Alegou ainda que a Fazenda Pública devolveu ao seu genro J... 46.267,38€ e o Autor, tomando conhecimento desta devolução, exigiu ao Réu tal montante a título de honorários, dizendo que caso tal não acontecesse iria agir judicialmente contra os netos do Réu e seu genro, o que o condicionou psicologicamente a assinar o documento junto aos autos, sem conhecimento nem consentimento dos verdadeiros clientes do Autor, sentindo-se forçado a aceitar o pagamento proposto, que mais não era de que o valor da restituição de reembolso fiscal que o Réu não beneficiou.

 Acrescentou ainda que o Autor, depois de ter sido interpelado telefonicamente, não lhe enviou nota de honorários discriminativa do valor fixado, e que o Autor nunca interpelou para pagamento as pessoas singulares e colectivas que lhe emitiram procuração em diversos processos.

Concluiu pela improcedência da acção.

Veio a ser proferida sentença que julgou a acção no seguintes termos:

Tendo em conta tudo o exposto e ao abrigo das disposições legais citadas julgo a ação procedente por provada e, em consequência, condeno o réu A... a pagar ao autor L... a quantia de €46.000,00 (quarenta e seis mil euros) acrescida de IVA à taxa legal, bem como os juros moratórios vencidos e vincendos desde a data da citação, à taxa legal de 4% até integral pagamento.

O Réu interpôs recurso, formulando as seguintes alegações:

...

Não foi apresentada resposta.

1. Do objecto do recurso

Considerando que o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações cumpre apreciar as seguintes questões:

a) O facto julgado provado sob o n.º 3 deve ser julgado não provado?

b) Não é devido pelo Réu o valor dos honorários peticionados pelo Autor?

c) Não é devido pelo Réu o pagamento do valor do IVA que incidiu sobre os honorários?

2. Os factos

O Réu manifesta a sua discordância no que respeita ao julgamento como provado do facto nº 3, defendendo que o mesmo deve ser julgado não provado com base no depoimento do Autor e no conteúdo documento que constitui fls. 9.

A causa de pedir da presente acção, tal como é configurada pelo Autor, radica no acordo celebrado entre si e o Réu para pagamento dos seus honorários pelos serviços de advogado que prestou àquele em diversos processos judiciais, às empresas de que o mesmo era representante e ao seu genro e netos. Alegou o Autor na p. inicial que esse acordo foi efectuado em 6.8.2014, e depois de terem sido prestados os aludidos serviços, obrigando-se o Réu pessoalmente, e com a sua celebração, a pagar-lhe a quantia de € 46.000,00 em duas prestações mensais no valor cada uma delas de € 23.000,00, vencendo-se a primeira até ao dia 15 daquele mês e a segunda até ao final de Janeiro de 2015.

No facto agora impugnado pelo Réu foi julgado provado:

Após negociação, autor e Réu acordaram em fixar os honorários finais em dívida na quantia de € 46.000,00, a qual, por acordo firmado em 06 de Agosto do corrente ano, o Réu se obrigou pessoalmente a pagar, em duas prestações de igual valor de € 23.000,00 cada, devendo a primeira ser liquidada até 15 daquele mês, e a segunda até ao final de Janeiro de 2015.

A prova deste facto foi fundamentada nos seguintes termos:

…a convicção do Tribunal quanto à determinação da matéria de facto provada atrás descrita fundou-se na análise e apreciação, à luz das regras da lógica e da experiência comum, da globalidade da prova produzida e contraditada em audiência de julgamento, designadamente, e desde logo, teve-se em consideração a não impugnação por parte do Réu na sua contestação, dos serviços prestados pelo Autor e por este alegados na petição inicial, tendo sido confirmado pelo Réu a sua prestação em sede de depoimento de parte prestado em audiência, no qual referiu ainda que o documento junto a fls. 9 foi assinado por ele, bem como o documento junto a fls. 176, sendo certo que quanto ao primeiro documento referiu o Réu que o assinou ingenuamente e quanto ao segundo, apenas o assinou sem saber o que dele constava uma vez que pediu para fazerem a resposta a uma carta que lhe foi enviada pelo autor e depois só assinou. Ora salvo o devido respeito, tais argumentos não lograram convencer o Tribunal, uma vez que atenta a idade do Réu, pessoas com cerca de 80 anos, empresários e comerciante com grande experiência de vida e de negócios, não se mostra credível que uma pessoa com a vivência que o Réu possui se possa considerar uma pessoas ingénua e assine documentos sem tomar conhecimento do seu teor, tanto mais, envolvendo uma quantia elevada como se trata no caso concreto, não se nos afigura possível que o réu tenha assinado dois documentos onde se declara devedor e se obriga a pagar o montante de €46.000,00, sem ter conhecimento do que a que se estava a comprometer. Referiu ainda que foi pagando ao Autor algumas quantias, designadamente que emitiu um cheque de €10.000,00, o qual quando apresentado no banco não teve provisão, mas passados 2 dias foi teve provisão e foi pago, factos estes que foram pelo autor confirmados em sede de depoimento de parte, porém tais quantias não representavam a totalidade dos honorários devidos ao Autor, pelo que, e com vista a acertar as constas finais quanto aos honorários cujo pagamento se encontrava em falta foi assinado, por autor e Réu, o documento junto a fls. 9.

O Tribunal considerou ainda o depoimento de parte prestado pelo Autor, no qual este descreveu os serviços que prestou ao Réu, designadamente no processo em que este era arguido no Tribunal do Bombarral, o qual teve início em 2001 e terminou em 2011 com absolvição do Réu, onde foram interposto diversos recursos, e onde estavam apreendidos milhões de euros em vinhos e aguardentes (factos estes confirmados pelo Réu no seu depoimento de parte), no Processo de expropriação a que estes autos se encontram apensos, no qual a indemnização em 1.ª Instância foi fixada em cerca de 200 mil euros e que depois o Tribunal da Relação baixou para cerca de 40 mil euros e o qual terminou em 2010, no Processo referente à impugnação do Imposto Sucessório que o genro e netos do Réu teriam que pagar, no valor de cerca de 800 mil euros, e que foi procedente, não tendo pois estes que pagar tal valor, processo esse que teve início em 2012 e terminou em Junho de 2014, tendo Autor que diligenciar no sentido de ser devolvida a garantia bancária que havia sido prestada pelo Réu, tendo que executar a administração fiscal para lhe tal fosse possível, como efetivamente foi, mas só em 2014, sendo esse o motivo pelo qual só em agosto de 2014 acertou com o Réu o valor dos honorários devidos pelos serviços prestados neste e nos outros referidos processos. Esclareceu ainda o Autor que, embora os impugnantes no processo do imposto sucessório fossem o genro e os netos do Réu, este sempre assumiu o pagamento dos honorários que fossem devidos ao Autor pelos serviços prestados no âmbito de tal processo uma vez que estavam em causa terrenos que eram dele e que tinham sido comprados em nome da filha, entretanto falecida, aqueles não teriam que ter nenhum encargo com o processo de impugnação e por isso ele é que teria que pagar ao autor (facto este confirmado pelo Réu no seu depoimento de parte). O autor referiu ainda que na sequência da decisão final do processo de Bombarral disse ao Réu que, devido ao período de tempo que o vinho esteve apreendido, o mesmo sofreu muitos prejuízos visto que teve que o vender mais barato, e por esse facto existia a possibilidade de propor uma ação judicial contra o Estado para ser ressarcido desses prejuízos e que só depois dessa ação, com o pagamento da indemnização, é que falariam e acertariam o valor dos honorários a apagar pelos serviços prestados no processo crime, tendo o Réu concordado com essa proposta, bem como a colaboradora dele, a D. G (...) ; porém, tal ação com vista à indemnização pelos prejuízos sofridos não foi proposta pelo Autor, mas por outra sociedade de advogados a quem o Réu confiou o processo.

Assim sendo, o Autor forneceu uma explicação credível para que apenas em 2014 cobrar os honorários do processo do Bombarral que havia terminado em 2011, tendo acrescentado também que quando terminou o processo de impugnação fiscal o Autor propôs ao Réu, uma vez que este já passava por algumas dificuldades financeiras, que uma vez que haveria a receber o valor resultante da caução por lele prestada, tal seria para pagar os honorários que lhe eram devidos até esse momento, pelos serviços que lhe havia prestado, quer no processo de expropriação, quer no processo do Bombarral e ainda no processo de impugnação fiscal, tendo sucedido que o cheque foi enviado pela Administração Fiscal para o genro do Réu, o qual o remeteu para o Réu, e este que fez dele a quantia titulada no cheque. No que respeita ao acordo do valor e forma de pagamento dos honorários, pelo Autor foi dito que em agosto de 2014 o Réu foi ao seu escritório, ele próprio Autor redigiu o acordo de pagamento constante de fls. 9, o qual o Réu aceitou de bom grado e assinou, e 10 dias depois escreveu-lhe a carta constante de fls. 176, não referiu que não foi possível pagar na data acordada, mas que iria pagar e propôs outra forma de pagamento. Admitiu o Autor que recebeu várias quantias em dinheiro do Réu, mas que dizem respeito a outros processos em que ele também o patrocinou, pois tinha sempre diversos assuntos do Réu entre mãos que não estão em causa nos presentes autos, sendo certo que o que foi entre e o Réu acordado em agosto de 2014 nada tinha a ver com que este tinha liquidado anteriormente, sendo um acerto de contas final dos honorários que o Réu lhe devia.

De salientar que o Autor prestou todos estes esclarecimentos de forma muito calma, serena e segura, apresentado justificação do porquê só em agosto de 2014 exigiu o pagamento dos honorários devidos pelos serviços prestados ao Réu e descritos petição inicial, bem como a explicação do valor dos mesmos e a razão porque é o Réu responsável por eles no que respeita ao processo de impugnação fiscal, merecendo assim credibilidade.

O Tribunal teve ainda em consideração o depoimento da testemunha J..., advogado e o qual é colaborador das empresas do Réu há vários anos e que referiu que o Réu é um homem que sabe o que faz, faz coisas à confiança, mas conscientemente. Esclareceu ainda que, no processo Bombarral o Réu foi representado pelo Autor como advogado, ele próprio (testemunha) representou outro arguido, tal processo demorou 10 anos a terminar, era uma matéria complicada, teve 2 recursos para a relação, repetição do julgamento, houve alterações da prova para possibilitar o ganho da ação, obrigou um estudo profundo e até duas deslocações a um laboratório a Nantes para falar com o técnico de análises, para saber como por em causa as analises que o I.P.V. fez. Disse ainda que o processo de impugnação fiscal onde o Autor interveio como advogado dos impugnantes foi um processo complexo, houve que demonstrar que não havia distribuição de bens e foi conseguido provar que os terrenos não pertenciam à falecida filha do Réu mas a este, sendo certo que é do seu conhecimento que sempre foi o Réu que assumiu o honorários deste processo e todas as despesas que ele implicasse.

O Tribunal teve ainda em consideração os documentos de fls. 7, 8, 9, 23, 122 a 145, 149 a 160, 161 a 172, 173 a 175 e 176.

Contrariamente ao invocado pelo Réu, da audição do depoimento do Autor resulta claro, conforme consta da fundamentação acima transcrita a que aqui se adere que o acordo em questão foi outorgado pelo Réu, após prestação dos serviços em causa, assumindo este a obrigação de pagar o montante acordado nos termos dele constantes.

A matéria atinente ao vício da vontade alegada pelo Réu não resulta do depoimento do Autor nem de qualquer outro depoimento prestado, pois a declaração do Autor de que agiria contra o seu genro e netos para cobrança dos serviços por si prestados no processo que lhes diziam respeito não configura qualquer ameaça, uma vez que reflecte tão só a manifestação da intenção do exercício de um direito legítimo.

A prova da veracidade do facto em causa é reforçada pela carta enviada pelo Réu ao Autor em 18.8.2014, constante de fls. 176 dos autos, em que lhe comunica não poder pagar a primeira das prestações na data convencionada.

Assim, mantém-se como provado o facto impugnado.

Os factos provados são os seguintes:

1. O Autor dedica-se à profissão liberal da advocacia, achando-se para tanto devidamente inscrito junto da Ordem dos Advogado e coletado na Administração Fiscal.

2. No exercício daquela sua profissão, o Autor, a solicitação do Réu, prestou diversos serviços àquele, quer a título pessoal quer como legal representante de empresas por si geridas, quer em sede judicial, quer extrajudicialmente, nomeadamente:

...

3. Após negociação, autor e Réu acordaram em fixar os honorários finais em dívida na quantia de € 46.000,00, a qual, por acordo firmado em 06 de Agosto do corrente ano, o Réu se obrigou pessoalmente a pagar, em duas prestações de igual valor de € 23.000,00 cada, devendo a primeira ser liquidada até 15 daquele mês e a segunda até ao final de Janeiro de 2015.

4. O Réu não pagou aquela primeira prestação na data acordada, nem posteriormente, apesar de para tanto haver sido interpelado por diversas vezes.

5. O Réu foi pagando ao Autor várias quantias em dinheiro, conforme o Autor ia solicitando.

6. Em 02/06/2014 a Fazenda Pública devolveu ao genro do Réu, ..., a quantia de € 46.267,38.

3. O direito aplicável

3.1. O valor dos honorários

O Autor pretende a condenação do Réu a pagar-lhe a quantia de € 46.000,00, a título de honorários por diversos serviços forenses prestados ao Réu, invocando o conteúdo de acordo celebrado com o Réu sobre a fixação daquele valor, após a prestação desses serviços.

Não há qualquer dúvida que estamos perante um contrato de mandato oneroso.

Com efeito, o art.º 1157.º do Código Civil define o mandato como o contrato pelo qual uma das partes se obriga a praticar um ou mais actos jurídicos por conta da outra. Por sua vez, o art.º 1158.º do mesmo Código dispõe:

1. O mandato presume-se gratuito, excepto se tiver por objecto actos que o mandatário pratique por profissão; neste caso, presume-se oneroso.

2. Se o mandato for oneroso, a medida da retribuição, não havendo ajuste entre as partes, é determinada pelas tarifas profissionais; na falta destas, pelos usos; e, na falta de umas e outros, por juízos de equidade.

Casos correntes de mandato oneroso são os dos advogados, desempenhados no exercício da advocacia, como é o presente caso.

Nestes caso rege, ainda, o art.º 100º do Estatuto da Ordem dos Advogados, aprovado pela Lei n.º 15/2005, de 26/1, que estatui:

1 - Os honorários do advogado devem corresponder a uma compensação económica adequada pelos serviços efectivamente prestados, que deve ser saldada em dinheiro e que pode assumir a forma de retribuição fixa.

2 - Na falta de convenção prévia reduzida a escrito, o advogado apresenta ao cliente a respectiva conta de honorários com discriminação dos serviços prestados.

3 - Na fixação dos honorários deve o advogado atender à importância dos serviços prestados, à dificuldade e urgência do assunto, ao grau de criatividade intelectual da sua prestação, ao resultado obtido, ao tempo despendido, às responsabilidades por ele assumidas e aos demais usos profissionais.

Não se apurou a celebração de qualquer convenção prévia sobre o montante dos honorários devidos pelos serviços em causa, tendo-se apenas provado que após negociação, autor e Réu acordaram em fixar os honorários finais em dívida na quantia de € 46.000,00, a qual por acordo firmado em 06 de Agosto do corrente ano, o Réu se obrigou pessoalmente a pagar, em duas prestações de igual valor, de € 23.000,00, cada, devendo a primeira ser liquidada até 15 daquele mês, e a segunda até ao final de Janeiro de 2015.

Estamos perante a conformação consensual de uma situação jurídica de conteúdo incerto, relativa ao valor dos honorários dos serviços prestados pelo Autor.

Atendendo ao modo restritivo como o nosso Código Civil caracteriza o contrato de transacção, exigindo que o mesmo tenha por objecto uma situação litigiosa e que se traduza em concessões recíprocas (art.º 1248º), tem-se entendido que aquele tipo de convenções autocompositivas conformadoras de uma situação juridica anterior de conteúdo incerto, que correspondem à figura do contrato di accertamento do direito italiano ou à Festsellungsgsvertrag do direto alemão, não são abrangidas pelo tipo contratual especialmente regulado no Código Civil [1].

Essa exclusão não põe em causa, porém, a sua validade, devendo ser encarados como contratos atípicos, permitidos pela liberdade contratual consagrada no art.º 406.º do Código Civil, às quais se poderão eventualmente aplicar, as regras do contrato de transacção, como contrato análogo. Como refere expressamente Carlos Ferreira de Almeida, o contrato de acertamento tem efeitos vinculativos para as partes como qualquer outro contrato. A situação jurídica duvidosa, que, por acordo das partes…se tornou certa mantém a fonte originária mas fica conformada nos termos do contrato. Em eventual litígio que afinal se não tenha evitado, o tribunal haverá de considerar o que foi acertado em contrato válido e de desconsiderar a invocação de direitos em sentido contrário…[2].

Daí que tendo o Autor (mandatário) e o Réu (mandante) acordado no valor dos honorários em dívida, após terminada a prestação de serviços, estando o conteúdo desse acordo na disponibilidade das partes, é esse o valor cujo pagamento é devido pelo Réu, deixando o montante dos honorários de ser calculado nos termos previstos no art.º 100º do Estatuto da Ordem dos Advogados.

Por esta razão é devido pelo Réu o valor de € 46.000,00 peticionado pelo Autor, improcedendo o recurso interposto pelo Réu nesta parte.

3.2. O valor do IVA

Defende ainda o Réu que sobre o montante em causa não deve incidir IVA.

A este respeito considerou-se na decisão recorrida ser devido pelo Réu, além dos € 46.000,00 o valor do IVA respectivo.

Das declarações de Autor e Réu constantes do acordo celebrado nada se extrai quanto à inclusão no mesmo do montante de € 46.000,00, pois só se provou que após negociação Autor e Réu acordaram em fixar os honorários finais em dívida naquela quantia.

Nada tendo as partes dito quanto à incidência de IVA, limitando-se a fixar o valor dos honorários em dívida, verifica-se uma lacuna negocial que importa integrar nos termos previstos no art.º 239º do C. Civil.

Ora, sendo o Autor um profissional sobre quem recai a obrigação de entregar ao Estado o valor do IVA referente aos serviços por si prestados impendia sobre si a obrigação de informar com clareza aqueles com quem contrata sobre o preço efectivo dos seus honorários, designadamente se o valor que apresenta inclui ou não IVA.

Na verdade, nos termos do art.º 8º, n.º 1, c), da Lei de Defesa do Consumidor, o fornecedor de bens ou prestador de serviços deve, tanto na fase de negociações como na fase de celebração de um contrato, informar o consumidor de forma clara, objectiva e adequada, a não ser que essa informação resulte de forma clara e evidente do contexto, sobre o preço total dos bens ou serviços, incluindo os montantes das taxas e impostos.

Recaindo sobre o Autor um especial dever de clarificar o valor real do honorários a pagar pelo Réu, esclarecendo, designadamente, se esse valor já incluía o IVA devido ao Estado ou se a ele ainda acrescia o montante desse imposto, e sendo ele, por isso, o responsável pela existência da referida lacuna contratual, os ditames da boa-fé impõem que na operação de integração prevista no art.º 239º do C. Civil, se deva considerar, face ao silêncio contratual, que o montante de IVA já integrava o valor global acordado, recaindo, assim, sobre o infractor as consequências negativas de não ter observado o dever a que estava adstrito.

Em situação semelhante, no âmbito de um contrato de empreitada quanto à fixação do preço, opinam no mesmo sentido, embora contrariando a jurisprudência actualmente no S.T.J. [3], Pedro de Albuquerque e Miguel Assis Raimundo, afirmando que parece dever considerar-se, à luz do princípio da boa-fé (artigos 227º, 762º/2) e dos deveres de lealdade e informação dele decorrentes, que se ao preço ainda acrescia IVA, competiria ao empreiteiro, que é quem melhor conhece os elementos que concorrem para a formação do preço, dar conta disso ao dono da obra.[4]

Assim, deve improceder, nesta parte, o pedido formulado, dele sendo absolvido o Réu, procedendo em consequência e parcialmente o recurso.

Decisão

Nos termos expostos, julgando-se parcialmente procedente o recurso, revoga-se a decisão proferida apenas na parte respeitante à condenação do Réu a pagar a quantia devida pelo IVA, absolvendo-o dessa pretensão.

No mais confirma-se a sentença recorrida.

Custas por Autor e Réu na proporção de 21% e 79%, respectivamente.

Relatora: Sílvia Pires

Adjuntos: Maria Domingas Simões

                 Jaime Ferreira


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[1] Ver Pires de Lima e Antunes Varela, no Código Civil anotado, vol. II, pág. 931, 4.ª ed., Coimbra Editora, e Carlos Ferreira de Almeida em Contratos IV – Funções. Circunstâncias. Interpretação, pág. 13-14, ed. de 2014, Almedina.

[2] Ob. cit. pág. 14.

[3] V.g. ac. do S.T.J. 23.11.2011, relatado por Nuno Cameira, e de 4.6.2013, relatado por Mário Mendes, acessíveis em www.dgsi.pt, onde, contudo, não se ponderou a existência de uma relação de consumo.

[4] In Direito das Obrigações, Contratos em Especial, Volume II, pág. 188-189, ed. de 2012, Almedina.