Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
21/10.5TBVLF-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JUDITE PIRES
Descritores: EXECUÇÃO
TÍTULO EXECUTIVO
REQUERIMENTO
INJUNÇÃO
OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO
INCONSTITUCIONALIDADE
Data do Acordão: 12/13/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: VILA NOVA DE FOZ CÔA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS.813, 814, 816 CPC, DL Nº 226/2008 DE 20/11
Sumário: Por violação dos princípios da tutela efectiva e plena e da protecção da confiança, que a Constituição da República consagra nos artigos 2º e 20º, 1, por materialmente inconstitucional tal interpretação normativa, deve ser negada a aplicação do artigo 814º do Código de Processo Civil, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei nº 226/2008, de 20 de Novembro, em relação à acção executiva instaurada após a vigência deste diploma que se funde em requerimento de injunção a que tenha sido aposta força executória antes da sua entrada em vigor.
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes da 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra

I.RELATÓRIO

1. Tendo sido instaurada execução comum para pagamento de quantia certa por “A (…), Ldª” contra L (…) e M (…) para obter o pagamento coercivo da quantia de € 5.021,86, vieram os executados, por apenso à referida acção executiva, deduzir oposição à execução, ao abrigo do disposto nos artigos 813º e 814º, ambos do Código de Processo Civil, alegando, em síntese, que não devem quaisquer importâncias à exequente, pois os documentos juntos aos autos enquanto manuscritos não merecem qualquer credibilidade, não são facturas, não têm designação do fornecedor, n.º de contribuinte do mesmo, nem mesmo o nome de quem solicitou tal prestação de serviços ou bens nem n.º de contribuinte. Mais alegam que os materiais lhes foram efectivamente fornecidos pela exequente no período compreendido entre os dias 07 de Agosto de 2006 e 29 de Setembro de 2006, sendo que liquidaram todas as quantias em dívida de forma fraccionada, indicando para tanto as respectivas datas de pagamento e montantes.

Concluíram pedindo que seja julgada procedente a oposição à execução, considerando extinta a instância executiva, com as legais consequências.

Foi recebida a oposição deduzida e regularmente notificada a Exequente “A (…), Lda.” que respondeu à oposição, pugnando pela improcedência da mesma, alegando, para além do mais, que, a oposição à execução não deveria ter sido admitida, porquanto a execução se funda num título executivo impróprio, segundo o qual ainda que esteja sujeito às cominações de uma sentença, não se consubstancia nos fundamentos da dedução à oposição como se de uma verdadeira sentença se tratasse, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 813º, n.º 2 e 814, alínea g), ambos do Código de Processo Civil. Além do que impugnam especificadamente os factos alegados pelos oponentes, ora executados, pois se reportam a documentos que não foram juntos aos autos e que mesmo que o tivessem sido não merecem qualquer credibilidade traduzindo um comportamento de má fé.

Após os articulados, por considerar que os autos continham já os elementos necessários ao conhecimento do objecto da oposição, dela conheceu a Srª Juiz da primeira instância e, após saneamento do processo, julgando válida e regular a instância, e fixando a matéria de facto provada e relevante à decisão da causa, julgou improcedente a oposição deduzida, determinando o prosseguimento da acção executiva.

            2. Discordando desta decisão, dela interpuseram os oponentes recurso de apelação para esta Relação, formulando com as suas alegações as seguintes conclusões:

1º- à data da entrada da injunção - 4 de Agosto de 2008 - já a dívida estava paga;

2º- Os executados procederam ao pagamento da dívida à exequente;

3º- Os executados invocaram como fundamento de oposição o pagamento da dívida;

4º- O artigo 814 e 816 do Codº Procº Civil aplica-se à presente oposição;

5º- A Douta Sentença violou por isso o artigo 814 e 816 do Codº Procº Civil;

6º - A Douta Sentença Recorrida deve ser substituída por outra, que julgue a Oposição Procedente com todas as consequências legais daí decorrentes”..

Não foram apresentadas contra – alegações.

Colhidos os vistos, cumpre apreciar.

II.OBJECTO DO RECURSO

1. Sendo o objecto do recurso definido pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pelos recorrentes e as que forem de conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras[1], importando destacar, todavia, que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito[2].

2. Considerando, deste modo, a delimitação que decorre das conclusões formuladas pelos recorrentes, no caso dos autos cumprirá apreciar se a oposição deduzida se pode fundar nos fundamentos legalmente previstos nos artigos 814º e 816º do Código de Processo Civil.

 

III. FUNDAMENTO DE FACTO

Foram os seguintes os factos julgados provados pela primeira instância e que não foram objecto de impugnação no presente recurso:

1) A exequente “A (…), Lda.” dá à execução, no processo principal, a Injunção n.º 194597/08.3YIPRT, em que foi requerente e são requeridos os ora oponentes/executados L (…) e M (…);

2) Os oponentes/executados L (…) e M (…) celebraram com a exequente um contrato de fornecimento de bens de construção civil;

3) No âmbito do contrato a que se alude em 2), foram fornecidos pela exequente aos oponentes diversos materiais de construção civil durante o período compreendido entre os dias 07 de Agosto de 2006 e 29 de Setembro de 2006 no valor total de € 3.749,11;

4) Foi aposta a força executória ao requerimento de injunção na Secretaria-Geral de Injunção do Porto a 16 de Outubro de 2008;

5) O requerimento executivo subjacente aos autos de execução principais deu entrada em juízo a 18 de Fevereiro de 2010.

           

            IV. FUNDAMENTO DE DIREITO

            A acção executiva da qual é dependente a oposição deduzida pelos ora apelantes foi instaurada em 18.02.2010.

            Como tal, é aplicável à referida oposição o complexo normativo dos artigos 813º a 820º do Código de Processo Civil, com as alterações introduzidas, quanto aos artigos 814º e 816º, pelo Decreto-Lei nº 226/2008, de 20 de Novembro, cuja vigência teve início no dia 31 de Março de 2009, aplicando-se aos processos iniciados após a sua entrada em vigor[3].

            Estabelece o artigo 814º, na redacção introduzida pelo mencionado diploma:

            “1 - Fundando-se a execução em sentença, a oposição só pode ter algum dos fundamentos seguintes:

            a) Inexistência ou inexequibilidade do título;

            b) Falsidade do processo ou do traslado ou infidelidade deste, quando uma ou outra influa nos termos da execução;

            c) Falta de qualquer pressuposto processual de que dependa a regularidade da instância executiva, sem prejuízo do seu suprimento;

            d) Falta ou nulidade da citação para a acção declarativa quando o réu não tenha intervindo no processo;

            e) Incerteza, inexigibilidade ou iliquidez da obrigação exequenda, não supridas na fase introdutória da execução;

            f) Caso julgado anterior à sentença que se executa;

            g) Qualquer facto extintivo ou modificativo da obrigação, desde que seja posterior ao encerramento da discussão no processo de declaração e se prove por documento. A prescrição do direito ou da obrigação pode ser provada por qualquer meio;

            h) Tratando-se de sentença homologatória de confissão ou transacção, qualquer causa de nulidade ou anulabilidade desses actos;

            2 - O disposto no número anterior aplica-se, com as necessárias adaptações, à oposição à execução fundada em requerimento de injunção ao qual tenha sido aposta fórmula executória, desde que o procedimento de formação desse título admita oposição pelo requerido.

            3. (…)”.

            O artigo 816º do Código de Processo Civil, com a alteração introduzida pelo mencionado Decreto-Lei nº 226/2008, de 20 de Novembro, dispõe, por sua vez: “Não se baseando a execução em sentença ou em requerimento de injunção ao qual tenha sido aposta fórmula executória, além dos fundamentos de oposição especificados no nº1 do artigo 814º, na parte em que sejam aplicáveis, podem ser alegados quaisquer outros que possam ser invocados no processo de declaração”.

            Tendo a execução, à qual foi deduzida oposição, por base requerimento injuntivo a que foi conferida força executória, uma análise linear da questão em debate poderia facilmente conduzir à conclusão da inaplicabilidade do artigo 816º do Código de Processo Civil, resultante da alteração legislativa apontada.

            Só aparentemente, porém, a questão poderia ser solucionada de forma tão simplista.

            É que à execução de que a oposição deduzida se acha dependente foi dado como título executivo um requerimento de injunção a que, na Secretaria-Geral de Injunção do Porto, a 16 de Outubro de 2008, foi aposta força executória. Ou seja: o título executivo formou-se antes da reforma à acção executiva introduzida pelo Decreto-Lei nº 226/2008, que procedeu à alteração, entre outros, dos mencionados artigos 814º e 816º.

            Entendia a maioria da doutrina, antes da mencionada alteração legislativa, que o requerimento de injunção a que tivesse sido conferida fórmula executória constituía um título executivo extrajudicial especial ou atípico, ou, como é qualificado por Lebre de Freitas[4], título judicial impróprio, poucos sendo os que a consideravam um título parajudicial ou equiparado a sentença.

            A fórmula executória é-lhe, com efeito, aposta não por quem exerce as funções específicas do poder judicial, com a autoridade inerentes a esse exercício, mas por quem exerce apenas funções administrativas - secretário judicial -, ainda que no quadro da organização jurisdicional do tribunal.

            Esta forma de constituição do título executivo, unilateral e sem controlo (liminar) judicial, não é consentânea com a natureza da sentença, também como título exequendo, ainda que por equiparação.

            Se bem que antes da entrada em vigor do Decreto-Lei nº 226/2008, de 20 de Novembro não fosse uniforme o entendimento doutrinário e jurisprudencial quanto aos fundamentos da oposição à execução fundada naquele título executivo, aceitando alguns que, para além dos elencados no artigo 814º do Código de Processo Civil, também era admissível opor à execução qualquer um que se enquadrasse na previsão do artigo 816º, enquanto outros, pelo contrário, restringiam os fundamentos apenas à norma do artigo 814º, à luz da tese de que o requerimento injuntivo com força executória tem natureza distinta da sentença não poderia deixar de se apoiar o primeiro daqueles entendimentos.       Lebre de Freitas[5], partindo da classificação do requerimento injuntivo com força executória como título judicial impróprio, porque não emanado de uma decisão judicial, defende para a acção executiva com base nele instaurada um alargamento dos fundamentos da oposição para além dos previstos para as sentenças e decisões arbitrais, pois que “o executado não teve ocasião de, em acção declarativa prévia, se defender amplamente da pretensão do requerente”.

No mesmo sentido, Amâncio Ferreira[6], destacando o facto da fórmula executória ser aposta por funcionário judicial, sem intervenção jurisdicional, sustenta que “não sendo o título executivo uma sentença, o executado está perante o requerimento executivo do exequente na mesma posição em que estaria perante a petição inicial da correspondente acção declarativa”, pelo que “consequentemente, pode alegar em oposição à execução tudo o que poderia alegar na contestação àquela acção”.

Remédio Marques[7], negando à aposição da fórmula executória a natureza de acto jurisdicional ou equiparável, conclui também que sempre que não exista “…um processo declarativo prévio, o executado, nos embargos, pode impugnar ou excepcionar — mas nunca reconvir — a obrigação materializada pelo título extrajudicial”.

            Defendendo-se, ainda que com algumas vozes dissonantes, à luz do complexo normativo em vigor antes da reforma introduzida pelo Decreto-Lei nº 226/2008, que, fundando-se a execução em requerimento injuntivo a que tenha sido aposta a fórmula executória, o executado podia opor à execução também os fundamentos contemplados no artigo 816º do Código de Processo Civil na versão anterior a esse diploma, a mutação legislativa por ele introduzida, designadamente no que concerne à redacção dos artigos 814º, onde aquele título passa a ser equiparado à sentença desde que o seu processo formativo admita oposição do requerido, e 816º, cujos fundamentos de oposição deixam de abranger o requerimento injuntivo executório, aplicável, por força do artigo 22º, nº1 do referido diploma, aos processos iniciados após a sua entrada em vigor, 31 de Março de 2009, sem fixar qualquer regime transitório para as acções executivas tendo por base o referido título constituído em data anterior, deixa aparentemente sem solução a questão da delimitação dos fundamentos oponíveis à execução para esta hipótese.

            É o caso em apreço: a acção executiva foi instaurada em 18.02.2010, e, estando em vigor as alterações introduzidas ao Código de Processo Civil pelo Decreto-Lei nº 226/2008, de 20 de Novembro, nomeadamente as que incidiram sobre os artigos 814º e 816º, é-lhe aplicado o respectivo complexo normativo.

            Mas o título em que se funda a referida acção formou-se antes daquela alteração legislativa, ou seja, numa altura em que, ainda que fosse aposta força executiva ao requerimento de injunção por falta de oposição do requerido, a este, instaurada execução com base nesse título, não era vedada a possibilidade, em oposição àquela execução, de discutir, designadamente, a validade e existência da obrigação exequenda.

            Ou seja: até à entrada em vigor do Decreto-Lei nº 226/2008, de 20 de Novembro o executado, em execução baseada na fórmula executória aposta ao requerimento de injunção, era reconhecida a possibilidade de se opor à mesma também com os fundamentos do artigo 816º do Código de Processo Civil, podendo, assim, alegar “quaisquer outros que seria lícito deduzir como defesa no processo de declaração”, designadamente a inexistência da dívida exequenda por pagamento da mesma.

            Com a alteração legislativa introduzida pelo citado diploma, que equipara aquele título a sentença, como ressalta da nova redacção do artigo 814º, só os fundamentos taxativamente contemplados nesse normativo passam a poder ser invocados em sede de oposição à execução.

            Desta forma, os que não se opuseram ao requerimento de injunção, não obstando a que ao mesmo fosse aposta a fórmula executória porque confiadamente sabiam da possibilidade de oporem na acção executiva fundamentos que lhes seria lícito deduzirem como defesa no processo de declaração, com aquela alteração legislativa viram lesadas as suas legítimas expectativas de defesa com a amplidão que a lei anterior lhes assegurava, o que se traduz numa “…situação de “retrospectividade”, ou “retroactividade inautêntica” que traz à situação que ora nos ocupa a problemática da protecção da confiança.

Ora, a aplicação da lei nova, sem mais, aos efeitos jurídicos determinados no âmbito da lei antiga e ainda subsistentes, tendo por efeito a restrição dos meios de defesa judicial do executado (privação da defesa por impugnação), infringe o conteúdo e sentido do princípio da protecção da confiança”[8], cuja tutela constitucional emana do artigo 2º da Constituição da República Portuguesa.

Conclui o Acórdão do Tribunal Constitucional nº 283/2011, de 7 de Junho de 2011, já citado, que “a alteração legislativa em referência, restringindo os meios de oposição do executado, não realiza um interesse proeminente constitucionalmente protegido, que deva prevalecer sobre o direito à tutela judicial”, destacando também o facto do Decreto -Lei n.º 226/2008 não ter consagrado qualquer regime transitório que salvaguardasse as “legítimas expectativas” do executado à plenitude da defesa judicial, em sede de execução movida com base em injunção, o que também põe em crise o princípio da confiança.

E assim prossegue: “….relativamente ao princípio da tutela judicial plena e efectiva, escreveu -se, no Acórdão n.º 658/2006 (publicado no Diário da República, 2.ª série, de 9 de Janeiro), em que, como no caso em apreço, se deparou perante uma situação de privação de defesa por impugnação, o seguinte:

“[...] a característica deste título judicial impróprio (injunção), que o afasta dos restantes títulos criados por força de disposição legal, resulta, aliás, do facto de a força executiva ser conferida apenas depois de se conceder ao devedor a possibilidade de, judicialmente, discutir a causa debendi, alegada. Ou seja, no processo de injunção, o requerido tem a possibilidade de, deduzindo oposição, impedir que seja aposta força executiva à acção.

Pode talvez dizer -se que o título executivo não é uma sentença porque o devedor optou por, no procedimento de injunção, não se opor à pretensão do requerente. Mas, seja como for, a falta de oposição e a consequente aposição de fórmula executória ao requerimento de injunção não têm o condão de transformar a natureza (não sentencial) do título, tornando desnecessária, em sede de oposição à execução, a prova do direito invocado, deixando ao executado apenas a alegação e prova de factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito do exequente.

Tendo presente, por um lado, que a demonstração do direito do exequente não tem o mesmo grau de certeza relativamente a todos os títulos executivos, reconhecendo -se que o título executivo que resulte da aposição da fórmula executória a um requerimento de injunção demonstra a aparência do direito substancial do exequente, mas não uma sua existência considerada certa, e, por outro lado, que a actividade do secretário judicial não representa qualquer forma de composição de litígio ou de definição dos direitos de determinado credor de obrigação pecuniária, há que evitar a ‘indefesa’ do executado, entendendo -se por ‘indefesa’ a privação ou limitação do direito de defesa do executado que se opõe à execução perante os órgãos judiciais, junto dos quais se discutem questões que lhe dizem respeito.

Nos termos do artigo 18.º, n.º 2, da Constituição, se uma limitação interfere com um direito, restringindo-o, necessário se torna encontrar na própria Constituição fundamentação para a limitação do direito em causa como que esta se limite ‘ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos’ — não podendo, por outro lado, nos termos do n.º 3 do mesmo artigo, ‘diminuir a extensão e o alcance do conteúdo essencial dos preceitos constitucionais’.

No caso, a possibilidade de se introduzir limites ao princípio da proibição de ‘indefesa’, ínsito na garantia de acesso ao direito e aos tribunais, consagrada no artigo 20.º da Constituição, existe apenas na medida necessária à salvaguarda do interesse geral de permitir ao credor de obrigação pecuniária a obtenção, «de forma célere e simplificada», de um título executivo” (9.º § do preâmbulo do Decreto -Lei n.º 269/98, de 1 de Setembro), assim se alcançando o justo equilíbrio entre esse interesse e o interesse do executado de, em sede de oposição à execução, se defender através dos mecanismos previstos na parte final do n.º 1 do artigo 815.º do Código de Processo Civil (correspondente hoje ao artigo 816.º, na redacção introduzida pelo Decreto -Lei n.º 38/2003, de 8 de Março).

Ora a norma em causa, na interpretação perfilhada dos autos, segundo a qual a não oposição e a consequente aposição de fórmula executória ao requerimento de injunção determinam a não aplicação do regime da oposição à execução previsto nos artigos 813.º e segs. do Código de Processo Civil, designadamente o afastamento da oportunidade de, nos termos do actual artigo 816.º do mesmo Código, e (pela primeira vez) perante um juiz, o executado alegar ‘todos os fundamentos de oposição que seria lícito deduzir como defesa no processo de declaração’, afecta desproporcionadamente a garantia de acesso ao direito e aos tribunais, consagrada no artigo 20.º da Constituição, na sua acepção de proibição de ‘indefesa’.”

            E, assim remata aquele Acórdão do Tribunal Constitucional: “ponderadas as considerações referidas, apenas se justificando normas restritivas quando se revelem proporcionais, evidenciem uma justificação racional ou procurem garantir o adequado equilíbrio face a outros direitos e interesses constitucionalmente protegidos, entende -se que a norma impugnada se encontra ferida de inconstitucionalidade, porque também viola o princípio da proibição da indefesa ínsito no direito de acesso ao direito e aos tribunais (artigo 20.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa)”.

            Perfilhando tal entendimento, entende-se que a norma do artigo 814º do Código de Processo Civil, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei nº 226/2008, de 20 de Novembro, aplicável à acção executiva instaurada após a vigência deste diploma, na medida em que da sua aplicação imediata, sem regime transitório aplicável à injunção a que foi atribuída força executória antes da sua entrada em vigor, que salvaguarde as situações consolidadas durante o seu processo formativo, obsta ao exercício do direito de defesa até ali maioritariamente reconhecido ao executado, designadamente de opor à execução os fundamentos que lhe seria lícito deduzir no processo declarativo[9], e viola o princípio da tutela judicial efectiva e plena, bem como o princípio da protecção da confiança que a Lei Fundamental reconhece e que assegura[10], é materialmente inconstitucional, pelo que deve ser recusada a sua aplicação ao caso dos autos.

            E, assim se concluindo pela inaplicabilidade ao caso em debate das alterações aos artigos 814º e 816º do Código de Processo Civil introduzidas pelo Decreto-Lei nº 226/2008, de 20 de Novembro, podendo o executado opor à execução qualquer dos fundamentos permitidos pelo artigo 816º daquele diploma, na sua anterior versão, impõe-se o prosseguimento dos termos da oposição de modo a apreciar o alegado pagamento da quantia exequenda.


*

            Síntese conclusiva:

- Por violação dos princípios da tutela efectiva e plena e da protecção da confiança, que a Constituição da República consagra nos artigos 2º e 20º, 1, por materialmente inconstitucional tal interpretação normativa, deve ser negada a aplicação do artigo 814º do Código de Processo Civil, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei nº 226/2008, de 20 de Novembro, em relação à acção executiva instaurada após a vigência deste diploma que se funde em requerimento de injunção a que tenha sido aposta força executória antes da sua entrada em vigor.


*

Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação, julgando procedente a apelação, em revogar a decisão recorrida, ordenando o prosseguimento dos termos da oposição deduzida à execução para apreciação dos fundamentos invocados pelo oponente, ora apelante.

Custas da apelação: pela apelada.

Judite Pires ( Relatora )

Carlos Gil

Fonte Ramos


[1] Artigos 684º, nº 3 e 685-A, nº 1 do C.P.C., na redacção conferida pelo Decreto-Lei nº 303/2007, de 24 de Agosto.
[2] Artigo 664º do mesmo diploma.
[3] Artigos 22º e 23º do referido Decreto-Lei.

[4] “A Acção Executiva à Luz do Código Revisto”, 2ª edição, páginas 54 e 55.

[5] “A Acção Executiva - Depois da Reforma”, 4.ª edição, pág. 182.

[6] “Curso de Processo de Execução”, 6.ª edição, págs.  39-46 e 152 -153.

[7] “Curso de Processo Executivo Comum à Face do Código Revisto”, 1998, págs. 79 -80 e 153.
[8] Acórdão do Tribunal Constitucional nº 283/2011, de 7 de Junho de 2011, processo nº 90010, “Diário da República”, 2ª série, nº 137, de 19 de Julho de 2011.
[9] Sendo que, no caso em discussão, o título dado à execução nem sequer permite uma identificação detalhada da obrigação exequenda que lhe está subjacente…
[10] Artigos 2º e 20º, nº1 da C.R.P.