Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1278/16.3T8PBL.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ANA VIEIRA
Descritores: FIXAÇÃO JUDICIAL DE PRAZO
PROCESSO ESPECIAL
PEDIDO
CAUSA DE PEDIR
CONTRATO PROMESSA DE COMPRA E VENDA
Data do Acordão: 03/17/2020
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso:
TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA - POMBAL - JL CÍVEL - JUIZ 1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS 1206, 1207 CPC, 777 CC
Sumário: I- No processo especial de fixação judicial de prazo, o pedido é a fixação do prazo, sendo causa de pedir a falta de acordo entre credor e devedor quanto ao momento em que se vence a obrigação.

II- No processo de fixação judicial de prazo, o autor apenas tem de justificar o pedido de fixação de prazo, estando excluídas do seu objecto de apreciação e decisão outras questões de carácter contencioso, como as da nulidade ou inexistência da obrigação, bem como, as da eventual impossibilidade de cumprimento de um contrato-promessa celebrado.

III- Tendo as partes acordado que a escritura de compra e venda será celebrada no prazo máximo de 60 dias, depois da escritura de constituição da propriedade horizontal, estamos perante uma obrigação sujeita a uma condição que impede a sua exigibilidade e nessa medida não tem aplicação o processo de fixação judicial de prazo.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I- RELATÓRIO

No âmbito da presente acção especial de fixação judicial de prazo que P (…) instaurou contra G (…) e M (…)foi proferida sentença que julgou a acção nos seguintes termos: «..Pelo exposto, julga-se improcedente a presente acção especial de fixação judicial do prazo intentada por P (…) contra G (…) e M (…), em substituição da qual L (…) e H (…) foram julgadas habilitadas.

*

Custas a cargo do requerente P (…) (art.º 527.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil)…»(sic)

*

O requerente, alegou em resumo, ter celebrado com o requerido G (…) e M (…), de quem a requerida M (…) é a única e universal herdeira, em 9 de Junho de 2003, um contrato mediante o qual aqueles prometeram vender-lhe e o próprio prometeu comprar uma fracção autónoma a construir, após a aquisição e loteamento de um prédio misto e a constituição da respectiva propriedade horizontal, pela quantia de 100.000 €, entregue pelo requerente aos promitentes vendedores aquando da assinatura do contrato-promessa, não tendo sido estipulado prazo para a celebração do contrato definitivo, apenas tendo sido prevista a data de Dezembro de 2016 para a referida constituição da propriedade horizontal.

A habilitada H (…) deduziu resposta, tendo arguido as excepções dilatórias de nulidade de todo o processo, por ineptidão da petição inicial (dada a contradição entre o pedido e a causa de pedir) e por erro na forma do processo, por não estar em causa a fixação de um prazo para o cumprimento da obrigação.

Não tendo impugnado a celebração do contrato-promessa identificado no requerimento inicial, aduziu que a promitente vendedora M (…) assinou tal contrato na perspectiva de que o mesmo apenas relevaria para efeitos de garantia de um negócio, conforme lhe foi dado a conhecer pelo promitente vendedor, com quem à data se encontrava casada, tendo este agido dolosamente e aquela actuado em erro.

Terminou pedindo a sua absolvição da instância e a anulabilidade da declaração da falecida promitente vendedora.

                                                 *

Inconformado com tal decisão, veio o autor interpor o presente recurso, o qual foi admitido como apelação, a subir de imediato, nos autos e com efeito meramente devolutivo.

O autor com o requerimento de interposição do recurso apresentou alegações, formulando, a final, as seguintes conclusões:«… CONCLUSÕES:

A) Da cláusula 11.ª do contrato promessa junto aos autos a fls. 48 a 50 não resulta a existência de um prazo para a celebração do contrato prometido;

B) O prazo lá indicado depende funcionalmente e só existirá se os promitentes vendedores concluírem a construção dos prédios, se constituírem a propriedade horizontal e, se notificarem o promitente vendedor das fracções que tiverem as características determinadas no contrato;

C) Como os promitentes vendedores numa cumpriram com nenhuma das obrigações acessórias, ter-se-á que fixar judicialmente um prazo para a concretização do contrato prometido;

D) Não deve ser acolhido o entendimento de que o promitente comprador está obrigado a interpelar admonitoriamente os promitentes vendedores para a constituição da propriedade horizontal;

E) Se o entendimento identificado em D) supra fosse acolhido, seguir-se-ia logicamente que o promitente comprador estaria igualmente obrigado a interpelar admonitoriamente os promitentes vendedores para o cumprimento das demais obrigações acessórias, como sendo a de conclusão da construção dos prédios e, no limite, a destes terem de (…)notificar aquele das fracções que tiverem as características determinadas no contrato;

F) Ao Recorrente, ora promitente comprador, face à inadimplência dos promitentes vendedores em cumprirem a totalidade das suas obrigações, caberá apenas fixar um prazo para a concretização do contrato prometido;

G) A fixação do prazo para a concretização do contrato prometido englobaria já, por decorrência lógica, todas as demais obrigações acessórias da responsabilidade dos promitentes vendedores, porquanto aquele depende do cumprimento destas;

H) Não existindo nenhum prazo fixado pelas partes, terá o douto tribunal de fixar judicialmente um prazo de 30 dias para a concretização do contrato definitivo.

Nestes termos e nos melhores de direito, e com o douto suprimento de V. Exas., deve ser dado provimento ao recurso interposto pelo Recorrente, revogando-se a douta decisão recorrida e substituindo-se por uma que fixe um prazo de 30 dias para a concretização do contrato definitivo.

Assim se fará a Costumada Justiça!..»(sic).

Não foram apesentadas contra-alegações.

                                                           *

          Nada obstando ao conhecimento do objecto do recurso, cumpre decidir.

***

          II- DO MÉRITO DO RECURSO

1. Definição do objecto do recurso

          O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – cfr. arts. 635º, nº 4, 637º, nº 2, 1ª parte e 639º, nºs 1 e 2, todos do Código de Processo Civil[1].

          Porque assim, atendendo á estrutura das conclusões das alegações apresentadas pelo apelante, resulta que em resumo o recorrente indica o seguinte ponto a analisar:


A- Saber se, no caso em apreço, se justifica a fixação judicial de prazo, através do recurso ao processo especial de fixação judicial de prazo.


Em resumo das alegações de recurso resulta que o objecto do mesmo está balizado na análise da existência ou não da viabilidade ou possibilidade da procedência da presente acção e ser fixado um prazo tal como peticionado.

                                                           ***

          III- FUNDAMENTOS DE FACTO

Visando analisar o objecto do recurso, cumpre enunciar os factos provados e não provados pelo tribunal a quo, a qual é definitiva dado não haver impugnação da matéria de facto:«… II. FUNDAMENTAÇÃO

1. Os factos

Tendo em conta a prova documental junta aos autos, encontram-se provados os seguintes factos com relevância para a decisão da causa:

a) Em 9 de Junho de 2003, pelo requerente P (…)(enquanto “segundo outorgante”), pelo requerido G (…) e por M (…)  (ambos como “primeiro outorgante”) foi celebrado o acordo a que se reporta o documento de fls. 48 a 50 dos presentes autos (com o título “contrato de promessa de compra e venda”, aqui dado por integralmente reproduzido), por aqueles assinado, do qual consta, além do mais, que “é celebrado o presente contrato de promessa de compra e venda de fracção autónoma a construir que se rege pelas cláusulas seguintes”.

b) Consta da cláusula 1.ª de tal acordo que “a Primeira Outorgante vai adquirir um prédio misto, designado por (…), situado na freguesia de  (...), concelho de  (...), composto por uma casa de habitação de rés do chão e primeiro andar, com a superfície de 149,60 m2, inscrita na matriz predial urbana da referida freguesia sob o artigo número 561 e de um prédio rústico, composto por terra de cultura, vinha, árvores de fruto, com área de 23.999 m2, inscrito na matriz predial rústica da dita freguesia de  (...) sob o artigo C-74, descritos na Conservatória do Registo Predial de  (...) sob o número 405 da freguesia de  (...)”.

c) Consta ainda da cláusula 2.ª desse acordo que “o referido prédio destina-se a ser loteado para depois, nos referidos lotes a constituir, serem construídos prédios destinados a habitação e comércio”.

d) Consta também da cláusula 3.ª desse acordo que “o primeiro outorgante prevê que os prédios estejam concluídos e constituída a propriedade horizontal em Dezembro de 2006; assim”.

e) De acordo com a cláusula 4.ª desse acordo, “o primeiro outorgante promete vender e o segundo promete comprar uma fracção autónoma, livre de quaisquer ónus ou encargos, composta por quatro divisões assoalhadas, cozinha, duas casas de banho e com um lugar de parqueamento em cave”.

f) Consta da cláusula 10.ª desse acordo que “o preço acordado é de cem mil euros - €100.000 -, quantia que o segundo outorgante entrega no acto de assinatura do presente contrato e de que o primeiro outorgante dá a correspondente quitação através da assinatura deste contrato”.

g) Consta ainda da cláusula 11.ª desse acordo que “a escritura de compra e venda será celebrada no prazo máximo de 60 dias, contados da data da escritura de constituição da propriedade horizontal, devendo o primeiro outorgante notificar o segundo desse facto, através de carta registada, bem como proceder à marcação da escritura avisando pelo mesmo meio o segundo outorgante da datam hora e cartório em que a mesma tenha lugar”.

h) No dia 21 de Abril de 2005, no Cartório Notarial de  (...), foi outorgada a escritura a que se reporta o documento de fls. 141 a 145, com o título “Compra e Venda”, da qual consta, além do mais, que o primeiro outorgante G (…) (“na qualidade de procurador de G (…)”), “vende à mandante do segundo outorgante…” J (…)v “…e ao terceiro outorgante…” J (…), que declararam aceitar, “…em comum e partes iguais, pelo preço de cento e vinte mil setecentos e trinta e quatro euros, que já recebeu, livre de quaisquer ónus ou encargos, dois/dezoito avos indivisos dum prédio misto de casa de habitação, sita no lugar de (…), freguesia de  (...), concelho de  (...), inscrito na respectiva matriz urbana sob o artigo 561 (…) e por vinha da região demarcada do Douro, granitos, cultura arvense de regadio, oliveiras e árvores de pomar, sito na (…), freguesia de  (...), concelho de  (...), inscrito na respectiva matriz cadastral sob o artigo 74-C (…), cujo prédio se encontra descrito na Conservatória do Registo Predial de  (...) sob o número quatrocentos e cinco de nove de Dezembro de oitenta e oito, da freguesia de  (...)”.

i) Por decisão de 17 de Julho de 2008, proferida no âmbito do processo de divórcio e separação de pessoas e bens por mútuo consentimento n.º 3412/2008, que correu termos na Conservatória do Registo Civil da (…), foi decretado o divórcio por mútuo consentimento entre o requerido G (…) e M (…).

j) M (…) faleceu no dia 25 de Abril de 2009, no estado de divorciada do requerido G (…) sendo filha de L (…) e da requerida M (…).

l) O requerente instaurou acção declarativa de condenação, sob a forma de processo ordinário, contra o requerido G (…) e M (…) , pedindo a condenação dos réus no pagamento da quantia de 200.000 € ou, assim não se entendendo, da quantia de 129.380,82 €, acrescida de juros de mora a contar da citação, alegando, para o efeito, a celebração do acordo identificado em a) e incumprimento destes pelos réus, o que deu origem ao processo n.º 409/11.4TBPBL, que correu termos no extinto 2.º Juízo do Tribunal Judicial de Pombal.

m) No âmbito desse processo, foi proferida sentença a julgar habilitada M (…)como única e universal herdeira da ali ré M (…).

n) Por sentença de 28 de Julho de 2014 (transitada em julgado no dia 30 de Setembro de 2014), foi julgada totalmente improcedente a acção mencionada em l) e, em consequência, os ali réus foram absolvidos dos pedidos contra eles deduzidos pelo autor.

o) A falecida M (…) confiava no requerido G (…) à data da assinatura do acordo mencionado em a).

*

Por sua vez, não resultaram provados os seguintes factos:

a) A falecida M (…) foi abordada, em Junho de 2003, pelo seu marido, no sentido de proceder à assinatura do acordo identificado na alínea a) dos factos provados.

b) O requerente P (…) é familiar do requerido G (…), pelo que existia dessa forma uma confiança mútua entre este requerido, a falecida M (…) e o requerente.

c) O requerido G (…) apenas transmitiu à falecida que o requerente lhe tinha solicitado a assinatura do documento, como garantia de um negócio relacionado com a construção de uma urbanização, sem especificar ou elucidar aquela de qualquer facto que viesse a consubstanciar responsabilidades ou obrigações.

d) Nessa ocasião, a falecida M (…) foi, ainda, informada de que o documento que iria assinar, cujos termos desconhecia, em nada a prejudicaria, sendo uma formalidade exigida pelo requerente, destinando-se a um negócio que seria concretizado poucos dias após a assinatura da documentação. G (…), em 11 de Maio de 2005, havia alienado 2/18 do prédio referido nos autos, sem o seu consentimento…»(sic).

                                                                       *

Transcreve-se a fundamentação de direito da sentença que julgou a acção improcedente: «… O Direito

*

A questão sub judice versa sobre a eventual necessidade de fixação de um prazo para a celebração do contrato definitivo a que alude o contrato-promessa celebrado em 9 de Junho de 2003, pelo requerente P (…) (na qualidade de promitente comprador e pelo requerido G (…) e M (…) (na qualidade de promitentes vendedores), de quem a falecida M (…) era herdeira [apreciação conjugada dos factos provados nas alíneas a) a g) e j)].

Com efeito, mediante tal contrato-promessa, o ora requerido e a falecida M (…)prometeram vender e o aqui requerente prometeu comprar uma fracção autónoma, livre de quaisquer ónus ou encargos, composta por quatro divisões assoalhadas, cozinha, duas casas de banho e com um lugar de parqueamento em cave (art.º 410.º do Código Civil).

Nos termos do art.º 777.º, n.º 1 do Código Civil, prevendo as obrigações puras, “na falta de estipulação ou disposição especial da lei, o credor tem o direito de exigir a todo o tempo o cumprimento da obrigação, assim como o devedor pode a todo o tempo exonerar-se dela”.

Por sua vez, regulando as situações de obrigações a prazo ou a termo, adianta o n.º 2 desse artigo que “se, porém, se tornar necessário o estabelecimento de um prazo, quer pela própria natureza da prestação, quer por virtude das circunstâncias que a determinaram, quer por força dos usos, e as partes não acordaram na sua determinação, a fixação dele é deferida ao tribunal”.

As partes têm direito a que seja fixado um prazo para que possa ser julgada vencida a obrigação. Para tornar efectivo esse direito (e outros semelhantes), uma vez que o Código Civil atribui ao Tribunal, na falta de acordo, a fixação do prazo, veio a ser criado o processo judicial previsto nos artigos 1026.º e 1027.º do Código de Processo Civil, destinado a adjectivar diversos preceitos do Código Civil, entre eles o citado n.º 2 do art.º 777.º.

Trata-se, pois, dos casos em que incumbe ao Tribunal a fixação de um prazo para o exercício de um direito e o correspectivo cumprimento de um dever.

Encontra-se provado [sob a alínea g)] que da cláusula 11.ª do sobredito contrato-promessa consta que “a escritura de compra e venda será celebrada no prazo máximo de 60 dias, contados da data da escritura de constituição da propriedade horizontal, devendo o primeiro outorgante notificar o segundo desse facto, através de carta registada, bem como proceder à marcação da escritura avisando pelo mesmo meio o segundo outorgante da datam hora e cartório em que a mesma tenha lugar”.

Ora, “nos negócios formais não pode a declaração valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento, ainda que imperfeitamente expresso” (art.º 238.º do Código Civil).

E se assim é, emerge de tal cláusula 11.ª a existência de um prazo determinado pelos próprios promitentes comprador e vendedores para a celebração do contrato definitivo de compra e venda.

Daí resulta em termos inequívocos que os outorgantes do contrato-promessa não diferiram para momento futuro qualquer acordo quanto ao tempo do cumprimento, tendo-o estabelecido eles próprios na referida cláusula, não sendo caso de fixação judicial de prazo.

Efectivamente, “tratando-se de um contrato-promessa – como sucede no caso sub judice - (…), em processos deste tipo a actividade jurisdicional visa, no fundo, completar uma lacuna da estipulação das partes, passando a decisão a integrar-se naquele contrato, como se uma das cláusulas se tratasse, cumprindo-se aí o seu objectivo. Por tudo o exposto, é de entender, assim, que não haverá lugar ao processo especial de fixação judicial de prazo quando as partes estipularam prazo para cumprimento (da obrigação), ou então, à contrário, que só haverá que lançar mão de tal processo quando as partes não fixaram prazo (que nele se vai pedir) para o cumprimento da obrigação (principal ou acessória)” (Acórdão da Relação de Coimbra de 26/10/2004, processo n.º 1168/04, in www.dgsi.pt; no mesmo sentido, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 09/02/1989, processo n.º 076952, e o Acórdão da Relação de Lisboa de 09/05/1991, processo n.º 0027966, ambos in www.dgsi.pt).

E à necessidade de fixação judicial de prazo também não apontam a prestação em causa, as respectivas circunstâncias ou sequer os usos, aqui desde logo pela total ausência de alegação de qualquer facto constitutivo.

Em rigor, continua é por efectuar a interpelação admonitória a que já foi feita referência na anterior acção n.º 409/11.4TBPBL, na qual o ora requerente figurou como autor e o requerido G (…) e M (…) como réus.

Finalmente, importa realçar que estamos perante um processo de jurisdição voluntária que se destina, tão só, a fixar um prazo para o exercício de um direito ou o cumprimento de um dever, sendo essa a única questão a decidir, estando fora do seu âmbito indagações sobre a extinção, inexistência ou nulidade da obrigação, bem como sobre outras questões de carácter contencioso (nesse sentido, o já mencionado Acórdão da Relação de Coimbra de 26/10/2004, processo n.º 1168/04, assim como os Acórdãos da Relação de Coimbra de 14/04/1993, B.M.J., n.º 426, pág. 538, de 17/01/1989, B.M.J., n.º 383, pág. 620, de 13/03/1984, B.M.J., n.º 335, pág. 349, e de 25/11/1980, C.J., Tomo V, pág. 188, os Acórdãos da Relação de Lisboa de 29/01/2004, C.J., Tomo I, pág. 91, e de 10/05/1983, C.J., Tomo III, pág. 119, os Acórdãos da Relação do Porto de 08/05/1980, B.M.J., n.º 297, pág. 406, de 22/01/1980, B.M.J., n.º 294, pág. 399, e de 22/01/1980, C.J., Tomo I, pág. 22, e os Acórdãos da Relação de Évora de 27/09/2012, processo n.º 239/09.3TBVRS.E1, de 26/05/2011, processo n.º 3233/10.8TBLLE.E1, ambos in www.dgsi.pt, e de 09/11/1992, B.M.J., n.º 413, pág. 632), do que decorre o carácter impróprio da arguição de anulabilidade por parte da requerida H (…) na sua resposta.

III. DECISÃO

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Pelo exposto, julga-se improcedente a presente acção especial de fixação judicial do prazo intentada por P (…) contra G (…) e M (…) em substituição da qual L (…) e H (…)foram julgadas habilitadas…»(sic).

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IV - FUNDAMENTOS DE DIREITO



A- Da necessidade, no caso em apreço, de fixação judicial de prazo, através do recurso ao processo especial previsto para o efeito no artº 1026 a 1027 do CPCivil CPC?

De acordo com o teor das alegações recursivas o autor considera que a presente acção deveria ter sido julgada procedente e o tribunal deveria ter fixado um prazo de 30 dias para a celebração do contrato.

No processo especial de fixação judicial de prazo, previsto no art.1026º e segs do C.P.C., o pedido é a fixação de prazo, e a causa de pedir, a falta de acordo entre credor e devedor quanto ao momento em que se vence a obrigação. O requerente da fixação judicial de um prazo apenas necessita de justificar o pedido de tal fixação, estando dispensado da prova dos respetivos fundamentos.

É hoje entendimento dominante que o referido processo especial, consubstanciado nos aludidos artºs 1026 e 1027, destina-se adjetivar não só o citado artº 777, nº 2, como também as disposições dos artºs 411, 897, nº 2, 907, nº 2, estes do CC, e bem assim outras de teor semelhantes. Tal processo visa, assim, tornar efetivo o direito de fixação de prazo nas denominadas obrigações a termo ou a prazo, natural, circunstancial ou usual[2].

Estamos perante um processo de jurisdição voluntária, havendo o entendimento que neste tipo de processos não haverá lugar à indagação sobre questões de carácter contencioso que envolvam a obrigação em causa, ou seja, a controvérsia não poderá ir mais além da questão suscitada pela fixação de prazo, apenas se impondo, assim, ao requerente que justifique o seu pedido (de fixação judicial de prazo), mas sem que tenha de fazer prova dos seus fundamentos.

Efectivamente os artigos 1026 e 1027 CPC regulam a fixação judicial de prazo e destinam-se a adjectivar várias disposições do Código Civil, como sejam os artigos 411º, 777º, 2 e 3 e 907º, 2.

Com o recurso a este processo especial de jurisdição voluntária visa-se o preenchimento de uma cláusula acessória omissa, indispensável para exigir o cumprimento da prestação e por isso determinar o início da mora.

Daí que o art. 1026 CPC consigne o objectivo da diligência - quando incumba ao tribunal a fixação de um prazo para o exercício de um direito ou para o cumprimento de um dever.

Ao requerente cabe apenas justificar o pedido de fixação de prazo e indicar o lapso de tempo que repute adequado. Não lhe cabe fazer a prova dos fundamentos.

A finalidade exclusiva deste processo de jurisdição voluntária é, portanto, a de fixação judicial de prazo quando, nas obrigações de prazo natural, o credor e o devedor não chegaram a acordo sobre esse ponto, tendo-se em vista tornar efectivo o direito das partes a verem estabelecido um prazo para que se possa julgar vencida a obrigação que foi assumida.

E assim se poderá dizer que o pedido formulado nesta acção é a fixação do prazo e a causa de pedir o não acordo entre devedor o credor quanto ao momento do vencimento da obrigação.

Este processo não comporta a discussão de questões de natureza contenciosa que ultrapassem a questão da necessidade de fixação de prazo, sendo que as restantes questões eventualmente suscitadas têm de ser resolvidas no quadro de uma acçaõ declarativa comum e não numa acão de jurisdição voluntária.

          Assim, no âmbito do processo de fixação judicial de prazo a única questão a dirimir integrante do pedido e constitui o escopo e o limite da decisão é o prazo do cumprimento da obrigação, cuja existência é aceite, estando fora do seu âmbito quaisquer outras questões.

 Ao demandante apenas é exigido que alegue e demonstre o seu direito ao cumprimento por parte do demandado, e que este tem obrigação de cumprir, não tendo a ação como finalidade discutir questões extrínsecas ao prazo em si, ou questões relacionadas com a boa ou má execução do contrato donde dimanam as obrigações das partes.

          Para outros desenvolvimentos quanto á natureza deste processo, vide o  Ac da RC processo:         1168/04, Relator:  ISAÍAS PÁDUA de 26-10-2004:«Sumário:    I- A acção especial de fixação judicial de prazo (prevista nos artºs 1456 e 1457 do CPC) destina-se, no essencial, a adjectivar não só o artº 777, nº 2, como também as disposições dos artigos 411, 897, nº 2, 907, nº 2, do CC, e bem assim outras de teor semelhante.

II- Acção essa que visa, assim, tornar efectivo o direito de fixação de prazo nas denominadas obrigações a termo ou a prazo, natural, circunstancial ou usual.

III- Neste tipo de acção não há lugar à indagação sobre questões de carácter contencioso que envolvam a obrigação em causa, ou seja, a única controvérsia aí admissível não poderá ir além da própria questão suscitada pela fixação de prazo.

IV- Nessa acção especial o requerente terá apenas que justificar o seu pedido, sem que tenha necessidade de fazer prova dos seus fundamentos.
I- Assim, constituindo o único escopo dessa acção a fixação de um prazo adequado a uma obrigação sem prazo, não haverá, desse modo, lugar para a recurso à mesma quando as partes estipularam, no contrato, prazo para cumprimento da obrigação, ou seja, e à contrário, só haverá que lançar mão desse tipo de acção quando as partes não fixaram prazo para o cumprimento da obrigação (principal ou acessória).».

E vide o Ac da RL Processo:    203/14.0TBPDL-8, Relator:      RUI ANTÓNIO CORREIA MOURA de 06-11-2014 Sumário:       - Os artigos 1026º e 1027º do CPC regulam a fixação judicial de prazo e destinam-se a adjectivar os artigos 411º, 777º, 2 e 3, e 907º, 2, do Código Civil.

- Com o recurso a este processo especial de jurisdição voluntária visa-se o preenchimento de uma cláusula acessória omissa, indispensável para exigir o cumprimento da prestação e por isso determinar o início da mora.

- Daí que o art. 1026º CPC consigne o objectivo da diligência - quando incumba ao tribunal a fixação de um prazo para o exercício de um direito ou para o cumprimento de um dever.

- A expressão “na falta de estipulação” não reduz a previsão da norma àqueles casos em que as partes, embora negociando o prazo, não logram chegar a entendimento sobre o mesmo, mas engloba todos os casos em que simplesmente inexiste estipulação das partes, pressupondo-se ainda que inexiste prazo legal, e há interesse na fixação do mesmo.

- Ao requerente cabe apenas justificar suficientemente o pedido de fixação de prazo e indicar o lapso de tempo que repute adequado e não fazer a prova dos fundamentos.

- Este processo não comporta a discussão de questões de natureza contenciosa - estas questões têm que ser resolvidas no quadro de uma acção comum.»

                                       *

No caso sub judice resulta previsto na cláusula 11 do contrato-promessa que “a escritura de compra e venda será celebrada no prazo máximo de 60 dias, contados da data da escritura de constituição da propriedade horizontal, devendo o primeiro outorgante notificar o segundo desse facto, através de carta registada, bem como proceder à marcação da escritura avisando pelo mesmo meio o segundo outorgante da datam hora e cartório em que a mesma tenha lugar”.

Sobre o Prazo da prestação, estabelece o artigo 777.º, do Código Civil:

“1. Na falta de estipulação ou disposição especial da lei, o credor tem o direito de exigir a todo o tempo o cumprimento da obrigação, assim como o devedor pode a todo o tempo exonerar-se dela.

2. Se, porém, se tornar necessário o estabelecimento de um prazo, quer pela própria natureza da prestação, quer por virtude das circunstâncias que a determinaram, quer por força dos usos, e as partes não acordarem na sua determinação, a fixação dele é deferida ao tribunal.

3. Se a determinação do prazo for deixada ao credor e este não usar da faculdade que lhe foi concedida, compete ao tribunal fixar o prazo, a requerimento do devedor”.

O artigo 777.º, n.º 2, do Código Civil, faculta ao credor o direito de recorrer ao tribunal, para a fixação do prazo de cumprimento do contrato, quando não haja acordo das partes.

A finalidade exclusiva desta acção de processo especial é a fixação judicial do prazo, quando, nas obrigações de prazo natural, circunstancial ou usual, o credor e o devedor não chegam a acordo sobre esse ponto.

As obrigações, quanto ao seu vencimento ou exigibilidade, podem classificar-se em dois grandes grupos:  a) obrigações puras;  b) obrigações a prazo ou a termo.

As obrigações puras, nos termos do n.º1  do artº 777º do CC são aquelas que, por falta de estipulação ou disposição em contrário, se vencem logo que constituídas, ou seja, logo que o credor, mediante interpelação, exija o seu cumprimento ou o devedor pretenda realizar a prestação devida.

As obrigações a prazo são aquelas cujo cumprimento não pode ser exigido ou imposto à outra parte antes de decorrido certo período ou chegada certa data.

          A acção especial de fixação judicial de prazo abrange apenas a fixação de prazo,  para as situações previstas no artº 777º nº2 do CC, isto é, casos em que, não obstante a falta de estipulação ou disposição legal de prazo para o cumprimento, a prestação não pode ou não deve ser imediatamente exigida atenta a sua natureza, as circunstancias que a envolvem, ou os usos a que está sujeita.

          No caso dos autos verifica-se que foi convencionado entre as partes uma solução mista da qual resulta que a prestação será devida se ocorrer um dado evento futuro ou uma condição, sendo que ocorrida essa condição a prestação será exigível.

Por outras palavras, as partes acordaram que a escritura de compra e venda será celebrada no prazo máximo de 60 dias contados da data da escritura de constituição de propriedade horizontal, e nessa medida existe um prazo determinado pelas partes para a celebração do contrato definitivo, sujeito a uma dada condição.

Estamos perante uma condição ou termo suspensivo que determina que a exigibilidade da obrigação só ocorre a partir de um dado momento, e nessa medida não existe nenhuma lacuna ou omissão no contrato promessa que implique a necessidade de se fixar um prazo.

          Todavia, a presente acção especial de fixação judicial de prazo apenas abrange os casos previstos no artigo 777  nº2 do CCivil, e nessa medida neste caso face á condição estipulada, carece de possibilidade legal a fixação de qualquer prazo por meio da presente acção.

Por outras palavras, face ao teor desta clausula resulta que não existe nenhuma lacuna quanto ao prazo, visto que as mesmas não diferiram para momento futuro qualquer acordo quanto ao tempo do cumprimento dado que o fixaram apesar de condicionado a um acontecimento futuro. Assim, não tem aplicabilidade o presente processo de fixação judicial de prazo.

Neste sentido, e para outros desenvolvimentos, vide o AC da RC Processo:     1056/14.4TJCBR.C1       Relator:        CARLOS MOREIRA, de 01-03-2016:«Sumário:         1.- A acção especial de fixação judicial de prazo, como processo de jurisdição voluntária (art. 1026 CPC), visa unicamente a fixação de prazo, vg., para as situações previstas no artº 777º nº2 do CC, ou seja, nos casos em que, não obstante a falta de estipulação ou disposição legal de prazo para o cumprimento, a prestação não pode ou não deve ser imediatamente exigida atenta a sua natureza, as circunstâncias que a determinam, lhe subjazem ou envolvem, ou os usos a que está sujeita.

2.- O pedido formulado na acção é o da é a fixação do prazo e a causa de pedir a inexistência do mesmo ou o não acordo entre devedor o credor quanto ao momento do vencimento da obrigação, não sendo admissível indagação sobre questões de natureza contenciosa, como, por exemplo, a nulidade da obrigação.

3.- Se as partes anuíram que “ a escritura de permuta seria outorgada no prazo de 60 dias após o projecto de arquitectura estar aprovado, e admitindo até a requerida celebrá-la no prazo máximo de um ano”, - não estamos face uma obrigação sem prazo, antes, e quando muito, perante uma situação “mista ou intermédia”, sujeita a uma condição que veda ou impede a imediata exigibilidade da prestação, pelo que o art. 777.º nº2 do CC não tem aplicação.»

Por tudo o exposto, é de entender, assim, que não haverá lugar ao processo especial de fixação judicial de prazo quando as partes estipularam prazo para cumprimento da obrigação.

                                                           *

Pelo exposto, e quanto á fundamentação jurídica, conclui-se que o presente recurso de apelação terá, por conseguinte, de improceder in totum.

           

                                                           ***

III- DISPOSITIVO

Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar a apelação improcedente, confirmando-se a decisão recorrida.

Custas a cargo do apelante (art. 527º, nºs 1 e 2).

          Coimbra, 17 de Março de 2020.

Ana Vieira ( Relatora )

António Carvalho Martins

          Carlos Moreira                                                     

         


[1] Diploma a atender sempre que se citar disposição legal sem menção de origem.
[2] A. Varela, in “Das Obrigações em Geral, 3ª ed., II vol., pág. 42”; Almeida Costa in “Direito das Obrigações, 3º ed., pág. 730”.