Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2475/09.3TBVIS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA JOSÉ GUERRA
Descritores: EXPROPRIAÇÃO
ABUSO DE DIREITO
Data do Acordão: 04/29/2014
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso:
VISEU - TRIBUNAL JUDICIAL - 2º JUÍZO CÍVEL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART.334 CC
Sumário: 1. Não se verifica a extinção do processo expropriativo por acordo das partes quando não for possível concluir, a partir de elementos fácticos que o possam sustentar, que foram cumpridas por ambas partes as obrigações por elas assumidas aquando das negociações havidas entre elas com vista a esse acordo.
2. O decurso de qualquer prazo, só por si, não afasta que alguém que se arrogue determinado direito pretenda, sem abuso, defender o mesmo.

3. Para o decurso do prazo ser elemento indicativo do abuso de direito seria necessário que fosse acompanhado de circunstâncias fácticas a partir das quais se pudesse retirar a conclusão e formar a convicção de que o titular do direito não pretendia exercer o mesmo.

Decisão Texto Integral: Acordam os juízes do Tribunal da Relação de Coimbra

            I- RELATÓRIO

            1.Mediante declaração inserta no D.R. nº 263, II Série, de 13 de Novembro de 1997, foi declarada a utilidade pública, com carácter de urgência, da expropriação de uma parcela com a área de 3037 m2, a destacar do prédio rústico sito na freguesia de Ranhados, inscrito na matriz predial rústica daquela freguesia sob o artigo 635, para construção da obra de “Beneficiação e Alargamento do Acesso a Ranhados”.

            2. Foi objecto da referida DUP a Parcela nº C-4, com a área de 3037 m2, integrada no prédio rústico sito na freguesia de Ranhados, concelho de Viseu, inscrito na respectiva matriz predial rústica sob o artigo 635, e descrito na Conservatória do Registo Predial de Viseu sob o nº 20773.

            3. O prédio referenciado pertence à expropriada “Barcelconstroi, Ldª”.

            4. Realizaram-se a vistoria “ad perpetuam rei memoriam” e a arbitragem, tendo o valor da parcela expropriada sido fixado em € 269.754,70 – fls 179 e ss, e 463 e ss.

            5. A entidade expropriante “Câmara Municipal de Viseu” procedeu ao depósito da quantia referida no ponto anterior, à ordem deste Tribunal, conforme guia de fls 618.

            6. Por despacho de 6/1/2011, foi adjudicada à entidade expropriante a propriedade da referida parcela (fls 621 e 622).

            7. Por intermédio do articulado de fls 641 e ss, veio a entidade expropriante “Câmara Municipal de Viseu” interpor recurso, no qual manifestou as razões da sua discordância relativamente à arbitragem realizada e defendeu que o processo de expropriação há muito se extinguiu, não sendo devida à expropriada qualquer indemnização.

            Assim, no que se reporta à discordância da arbitragem, defendeu a expropriante que os árbitros se basearam em critérios infundados, já que devidamente ponderados os valores necessários para o apuramento da justa indemnização, designadamente a área de 3.037 m2, o índice médio de construção resultante do plano de 0,54, o custo unitário da construção de € 400,00, a incidência do valor do terreno sobre o custo da construção na percentagem de 21%, o coeficiente de edificabilidade de 50 %, e os custos da construção potencialmente edificável, ter-se-ía concluído que o valor da parcela, à data da DUP, era de € 68.879,16. Para além de ser esse o valor correspondente ao da justa indemnização, o certo é que entre a expropriante e a expropriada foi obtido acordo que pôs termo ao processo expropriativo, afastando o direito da expropriada ao recebimento de qualquer valor indemnizatório.

            Concluiu a recorrente solicitando que, na procedência do presente recurso, seja proferida decisão que considere que o justo valor indemnizatório era o de € 68.879,16 e que, independentemente do valor encontrado para tal parcela, não é devido o pagamento de qualquer quantia indemnizatória, por ter sido colocado termo ao processo expropriativo, por acordo.

            8. Admitido o recurso, a expropriada, “B (…) Ldª”, apresentou resposta, nos termos do disposto no artigo 58º, Código das Expropriações, aprovado pelo Dl 438/91, de 9 de Novembro.

            Nas suas alegações, considerou a expropriada que o processo de expropriação só finda mediante a celebração do acordo previsto na lei ou por decisão transitada em julgado e mediante o pagamento da justa indemnização. Ora, o certo é que a expropriante tomou posse administrativa da parcela em questão, tendo-a afectado à realização do interesse público subjacente à declaração de utilidade pública, além de que aquela parcela não foi cedida à recorrente em operação de loteamento ocorrida posteriormente, nem o seu valor foi abatido ao das taxas municipais urbanísticas cobradas pela expropriante, pelo que é devida à expropriada a justa indemnização. Considerou ainda a expropriada que, sem prejuízo da actualização devida, deverá ser mantido o valor da indemnização apurada no acórdão arbitral, por se encontrar justamente calculado.

            9 – Nomeados os peritos, procedeu-se à avaliação da parcela expropriada.

            Ambas as partes apresentaram quesitos, que foram respondidos.

            Foi apresentado um relatório final, no qual, por unanimidade os cinco peritos nomeados atribuíram a quantia de € 208.371,47, como sendo a que corresponde à justa indemnização, por ser o valor real e corrente da parcela expropriada (fls 898 e ss).

            Posteriormente, tal relatório foi objeto de aditamento, no qual os peritos concluíram que o valor correspondente ao da justa indemnização da parcela em causa era o de € 295.133,00 (fls 1061 e ss).

            10 – Na sequência do aditamento mencionado no ponto anterior, a expropriada requereu a ampliação do pedido, por forma a que o valor da justa indemnização da parcela expropriada fosse fixado no indicado no laudo pericial corrigido.

            Tal requerimento mereceu a oposição da expropriante e veio a ser indeferido (fls 1115 e ss).

            11 – Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, com respeito pelo legal formalismo.

            12 - A expropriante e a expropriada apresentaram alegações, no âmbito do disposto no artigo 63º, CE, reiterando as posições anteriormente assumidas nos autos.

            13. Proferida sentença veio nela a decidir-se a improcedência do recurso interposto pela entidade expropriante Câmara Municipal de Viseu e a fixar-se a indemnização devida pela mencionada entidade expropriante à expropriada “B (…), Ldª”, no montante de € 269.764,70 (duzentos e sessenta e nove mil,  setecentos e sessenta e quatro euros e setenta cêntimos), determinando ainda a actualização de tal montante.

            14. Inconformada com tal decisão veio a entidade expropriante Câmara Municipal de Viseu interpor recurso da mesma, cujas alegações rematou com as seguintes conclusões:

            (…)

            15. Contra-alegou a Massa Insolvente de B (…) Lda., pugnando pela negação de provimento ao recurso e pela confirmação da decisão recorrida.

            - Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

            II – ÂMBITO DO RECURSO

            Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões dos recorrente não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, sem prejuízo das de conhecimento oficioso (Art.s 608 º, 635º Nº4 e 639º do NCPC ), são as seguintes as questões a decidir:

            - saber se foi mal valorada a factualidade considerada na sentença recorrida;

            - saber se, em face da alteração de tal factualidade nos termos pretendidos pela recorrente, se pode concluir pela extinção do processo expropriativo por acordo entre a expropriante e a expropriada;

            - independentemente da alteração da matéria de facto, saber se se verificam os pressupostos do abuso de direito por parte da expropriada.


*

            (…)

            Sem prejuízo de, a nosso ver, ser possível de inferir da concatenação da matéria considerada provada na sentença. nos pontos 3.25, 3.26, 3.29 e 3.31 desta, que o prédio mãe foi objecto de loteamento, por duas fases, que essas duas fases foram tituladas pelos alvarás Nºs 7/2000 e 18/2000, os quais, pelos respectivos números que ostentam, só poderão reportar-se, o alvará com o Nº 7/2000 à primeira fase desse loteamento e o alvará com o Nº 18/2000 à segunda fase desse loteamento, afigura-se-nos que, para melhor compreensão da matéria referente às fases que o processo de loteamento do referido prédio comportou - a que a recorrente concretamente se refere nos Arts. 140 a 142 e 150 a 151 do recurso da Decisão Arbitral, as deliberações camarárias que estiveram subjacentes à respectiva aprovação e os alvarás que por força desta foram para o efeito emitidos, se impõe, com base nos documentos juntos a fls. 77 e 135 do Apenso A, entre outros, decidir a alteração do ponto 3.26 da sentença recorrida por forma a completar e clarificar tais aspectos fácticos, o qual, por isso, passará a assumir a seguinte redacção:

            Ponto 3.26- “ Por deliberação de 31/1/2000 foi aprovada a primeira fase do loteamento, na sequência do que foi emitido o alvará de loteamento nº 7/2000, e, por deliberação de 17/07/2000 foi aprovada a segunda fase do loteamento, na sequência do que foi emitido o alvará de loteamento nº 18/2000 “.

            (…)

            Assim sendo, é de acolher-se a pretensão recursória no sentido de levar à matéria de facto provada, com base na referida documentação, o momento em que ocorreu o pagamento das taxas de urbanização devida pela expropriada relativamente à 1ª fase do loteamento, devendo, em consequência, alterar-se o ponto 3.28 da sentença por forma a nele passar também a considerar-se tal factualidade, passando, assim, a assumir a seguinte redacção:

            Ponto 3.28- A expropriada liquidou as taxas de urbanização respeitantes à 1ª fase do loteamento em duas prestações, pagas em 08.03.2000 e em 06.06.2000, tendo liquidado as respeitantes à 2ª fase, também em duas prestações, pagas em 25/9/2000 e 24/11/2000, cujos valores nunca impugnou, nem contestou”.

(…)

           

            III – FUNDAMENTAÇÃO

            A) De Facto

            É a seguinte a matéria de facto que resultou provada ( em relação à qual se mantém a numeração que lhe foi atribuída na sentença recorrida ):

            3.1 - Mediante declaração inserta no D.R. nº 263, II Série, de 13 de Novembro de 1997, foi declarada a utilidade pública, com caráter de urgência, da expropriação de uma parcela com a área de 3037 m2, a destacar do prédio rústico sito na freguesia de Ranhados, concelho de Viseu, inscrito na matriz predial rústica daquela freguesia sob o artigo 635, descrito na Conservatória do Registo Predial de Viseu sob o nº 20773, para construção da obra “Beneficiação e Alargamento do Acesso a Ranhados”;

            3.2 – A obra mencionada no artigo anterior foi promovida pela Câmara Municipal de Viseu no âmbito da execução do “AP2 – Plano de Pormenor da Zona Envolvente da Circunvalação e 1ª Circular Sul (Jugueiros) e da Zona do Novo Hospital de Viseu (PPZEC)”, plano de pormenor este que já estava em vigor à data da publicação da DUP;

            3.3 - O prédio supra identificado pertence à expropriada Bacelconstrói, Ldª, declarada insolvente por sentença que transitou em julgado em 29/7/2011;

            3.4 – Foi realizado Auto de Vistoria “Ad Perpetuam Rei Memoriam” relativo à parcela supra identificada, no decurso do qual se verificou que o terreno da parcela em questão é de origem granítica, plano, com inclinação suave, profundo, sem afloramentos rochosos, com boa drenagem interna e externa, dispondo de água de rega de um poço circular com cerca de 7 metros de profundidade, com instalação eléctrica e cabina;

            3.5 – À data da realização de tal auto de vistoria – 13 de Outubro de 1997 – a parcela em questão encontrava-se ocupada com 13 oliveiras de médio porte e bom vigor vegetativo, e 218 videiras em plena produção, encontrando-se aí implantado um muro de vedação em pedra com 120 metros de comprimento, uma altura média de 2 metros, com a área total de 240 m2;

            3.6 – Foi elaborado acórdão arbitral, no qual se conclui que o valor da justa indemnização a atribuir aos expropriados, à data, era de € 269.754,70, aí se mencionando que a área da parcela é de 3037 m2, que o seu solo integra espaço apto para construção;

            3.7 – A parcela expropriada situa-se no perímetro urbano da cidade de Viseu, em área de expansão urbana, em local que, à data da DUP, estava servido de rede de abastecimento de água, rede de drenagem de águas residuais domésticas com ligação à ETAR de Ranhados;

            3.8 – O prédio de que fazia parte a dita parcela era delimitado, a nascente, pela estrada camarária de acesso ao Hospital Distrital de Viseu e ao núcleo urbano de Ranhados, pelo poente pela EN 231 e pelo sul por caminho público, sendo servida por transportes públicos regulares;

            3.9 – A nascente da parcela localizava-se o Hospital Distrital de Viseu, os lares da Viscondessa de S. Caetano, da Rainha d. Leonor, as instalações da Universidade Católica e a Escola Superior de Enfermagem, a sul o Lar D. Mariana Seixas e a escola do 1º ciclo de Ranhados, sendo que, a poente, se acedia pedonalmente e em 10 minutos ao centro de saúde existente junto às urbanizações vizinhas da Quinta de S. José e da Quinta do Galo, bem como à escola EB 2,3 Grão Vasco, sita à Meia Laranja;

            3.10 – A proximidade da parcela à praça do Rossio, no Centro de Viseu, era significativamente maior do que a do Palácio do Gelo àquela praça;

            3.11 – À data da DUP a parcela em causa nestes autos estava totalmente integrada em área de intervenção do plano de pormenor “Ap2” – Plano de Pormenor da Zona Envolvente da circunvalação e 1ª circular sul (Jugueiros) e da Zona do Novo Hospital Distrital de Viseu designado por PPZEC;

            3.12 – Em Novembro de 1997, a “Quinta do Galo” e a “Quinta do Grilo” constituíam urbanizações existentes na área da parcela em causa nestes autos;

            3.13 – Junto da parcela tinha sido inaugurado o Hospital de Viseu em Julho de 1997;

            3.14 – Em Novembro de 1997, o local onde se situa a parcela apresentava uma boa qualidade ambiental, sem focos de poluição significativos;

            3.15 – Apesar de ter desenvolvido negociações para a sua aquisição, por não ter logrado adquiri-la, a expropriante solicitou a declaração de utilidade pública da dita parcela de 3037 m2, pertencente à “Quinta d´El Rei”, com caráter de urgência visto que, à data, os seus proprietários não pretendiam proceder a uma operação de loteamento do seu terreno, e tal parcela revelava-se necessária para alargamento e beneficiação de acesso ao Hospital de Viseu, conforme consta da planta do referido PPZEC;

            3.16 – Conforme “auto” cuja cópia consta de fls 729, a Câmara Municipal de Viseu tomou posse administrativa daquela parcela em 19/11/1997;

            3.17 – No âmbito de várias tentativas no sentido de obter um entendimento com os expropriados, a solicitação da expropriante, suspendeu-se a realização da arbitragem;

            3.18 – No dia 23 de Junho de 1998, AA (…), declaram vender a “B (…), Ldª”, cujos representantes, por sua vez, declararam comprar o “prédio urbano sito na Quinta d´el Rei, freguesia de Ranhados, concelho de Viseu, descrito na Conservatória do Registo Predial de Viseu sob o nº quinhentos e cinquenta e em (…)”, conforme cópia de escritura junta a fls 12 e ss do 1º volume do apenso 2474/09.3TBVIS-A;

            3.19 – Os representantes da expropriada dirigiram à expropriante a comunicação cuja cópia consta de fls 18 e ss do apenso A, na qual informam da realização da escritura mencionada no artigo anterior aí referindo também:

“(…) Cientes do vivo interesse desse Município na aquisição de uma parcela de terreno daquela propriedade para o alargamento da estrada de Ranhados, interesse esse patenteado no processo de expropriação litigiosa (…) movido contra os anteriores proprietários, vimos pela presente solicitar a V. Exª a nossa abertura para rapidamente disponibilizar a esse Município a faixa de terreno em apreço.

Sendo nossa pretensão proceder a breve trecho à operação de loteamento do prédio, vimos propor a V. Exª que o valor da parcela não seja dispendido pelo município, sendo futuramente imputado para cobertura dos encargos inerentes àquela operação, previstos no artigo 32º do Decreto Lei nº 448/91, de 29/11, na redação dada pela Lei 26/96, de 1/8”;

            3.20 – Tal exposição originou uma reunião entre os gerentes da expropriada e o seu projetista com o Sr. Presidente e técnicos da CMV, realizada em 29/6/1998;

            3.21 – Após tal reunião, foi proferido despacho pelo Sr. Presidente da Câmara de Viseu, em 1/7/1998, no sentido de se proceder de acordo com a reunião havida (cfr. fls 18 do apenso A);

            3.22 – Em 6/7/1998, deu entrada na CMV uma exposição da expropriada, onde se escreve:

“(…) na sequência da reunião efetuada com V. Exª em 98/06/29, e tendo em conta a adaptação, tanto quanto possível, das previsões legais constantes no art. 16º do Decreto Lei nº 448/95 (…) vem desde já patentear perante V. Exª a nossa disponibilidade para a utilização imediata das áreas necessárias à implementação da malha viária envolvente do Novo Hospital Distrital de Viseu, bem como das áreas necessárias ao desenvolvimento da EN 231 (…) solicitando, porém, que nos termos do Regulamento da Taxa Municipal de Urbanização seja considerada a influência do custo efetivo das infraestruturas urbanísticas por m2 de construção, bem como a influência das áreas a ceder para zonas verdes ou instalação de equipamentos (…) Face ao exposto, e de acordo com a presente proposta, poderá V. Exª considerar sem efeito eventuais ações indemnizatórias que o processo antecedente, e referente à malha viária de acesso ao novo Hospital Distrital de Viseu, tenham porventura suscitado” (cfr. fls 74 do apenso A);

            3.23 – A expropriada começou por construir o lote 261 previsto no PPZEC que foi objeto de uma operação de destaque, e por isso não incluído na operação de loteamento, tendo mais tarde solicitado o pedido de licenciamento da 1ª fase de loteamento;

            3.24 – Assim a Quinta d´El Rei foi objeto do aproveitamento urbanístico iniciado em Junho de 1999, que teve início com uma operação de destaque de 400 m2 para a constituição do lote 261, cuja área de construção aprovada pelo expropriante foi de 2886 m2;

            3.25 – Após tal operação de destaque, o prédio-mãe foi objeto de loteamento, por duas fases, sendo que na primeira área de construção licenciada foi de 9.067 m2 e na 2ª fase foi licenciada pela expropriante a área de 22.974 m2;

            3.26 – Por deliberação de 31/1/2000 foi aprovada a primeira fase do loteamento, na sequência do que foi emitido o alvará de loteamento nº 7/2000, e, por deliberação de 17/07/2000 foi aprovada a segunda fase do loteamento, na sequência do que foi emitido o alvará de loteamento nº 18/2000;

            3.27 – Em 1 de Agosto de 2000, a expropriante deliberou, no que se reporta aos loteamentos da “B (…) Ldª”: “(…) aprovar o licenciamento de obras de urbanização referentes ao processo em título, bem como autorizar a concessão do respetivo alvará de loteamento, com os condicionamentos indicados na aludida informação, salvaguardando-se porém que no valor da Taxa Municipal de Urbanização não se considerará uma composição dos montantes que resultam da aplicação dos artigos 7º e 8º do respetivo Regulamento mas o valor que resultar da integração do cálculo do artigo 7º, tendo em conta que o coeficiente A3 deverá considerar a influência das áreas cedidas por força da operação em relação ao valor estipulado na Portaria 1182/92, já que o Plano Pormenor não considera objetivamente nas referidas operações urbanísticas a aplicação do Princípio da Perequação de Benefícios e Encargos, situação que a verificar-se implicaria um procedimento diferente.

Mais deliberou considerar que a presente deliberação decorre da aplicação direta do art. 7º do Regulamento da referida Taxa Municipal de Urbanização, no âmbito da competência assegurada no artigo 13º do mesmo e tendo em conta o Princípio da Proporcionalidade (…)” – cfr. fls 88 do apenso A;

            3.28 – A expropriada liquidou as taxas de urbanização respeitantes à 1ª fase do loteamento em duas prestações, pagas em 08.03.2000 e em 06.06.2000, tendo liquidado as respeitantes à 2ª fase, também em duas prestações, pagas em 25/9/2000 e 24/11/2000, cujos valores nunca impugnou, nem contestou;

            3.29 – A área da parcela C4 não foi considerada no âmbito dos loteamentos que deram origem aos alvarás nºs 7/2000 e 18/2000 pois já havia sido integrada em área do “domínio público”;

            3.30 – Foi emitida pela expropriante a informação nº 118, na qual, além do mais aí exarado, se refere “(…) Ao nível das taxas destes loteamentos não houve abatimento do valor da expropriação, e nesse sentido, deve a CMV procurar dentro da legalidade acertar contas com o loteador uma vez que tudo indica que houve uma transferência desses direitos aquando da aquisição da propriedade, sem prejuízo de a Divisão Jurídica efetuar a competente análise desses direitos e de ver até que ponto o valor deve ser atualizado, face a todos os antecedentes ( …)” – cfr. fls 144 e ss do apenso A;

            3.31 – Aos montantes da taxa municipal de urbanização decorrente da concessão do alvará de loteamento, no âmbito do processo nº 13/1999 e nº 27/19999, a que correspondem os alvarás de loteamento nº 7/2000 e nº 18/2000 não foi deduzido o valor da avaliação da parcela “expropriada” proposto pela expropriante de 24.296.000$00, sendo que o valor calculado para as respetivas TMU´s foi de 18.426.092$00 e 36.780.107$00;

            3.32 – A redução da Taxa Municipal de Urbanização calculada no âmbito da 2ª fase teve em consideração as áreas efetivamente cedidas por comparação com as previstas na Portaria nº 1182/92, de 22 de Dezembro;

            B) De Direito

            Não resultando da alteração introduzida nos pontos 3.26 e 3.28 da sentença recorrida atrás decidida qualquer relevância fáctica susceptível de pôr em causa a subsunção dos factos às normas jurídicas que vem feita na sentença recorrida, e resultando, por outro lado, quanto aos demais factos considerados na sentença recorrida a sua não alteração, é de manter na íntegra essa sentença, por se apresentar correcta a subsunção dos factos às normas jurídicas que nela se mostra feita, a qual por nos merecer inteira concordância sufragamos e a ela aderimos na íntegra.

            Com efeito, não se mostra possívela partir da factualidade provada que, no âmbito das negociações havidas entre as partes, tenham sido cumpridas pela expropriante contrapartidas/cedências a troco das quais a expropriada se tenha proposto prescindir do valor da indemnização da parcela expropriada, sendo que a prova disso impendia sobre a expropriante.

            Como se refere na sentença recorrida, com particular acuidade na parte desta que unicamente vem posta em causa no presente recurso e que se prende com a extinção do processo expropriativo por acordo entre a expropriante e a expropriada, «  ... para além de não terem sido satisfeitos os condicionalismos formais para a celebração de acordo que pusesse fim ao processo expropriativo, não foram reunidos elementos que evidenciassem ter a expropriante efetuado qualquer contrapartida com vista ao pagamento/compensação da expropriação. Consequentemente, cabe concluir que não se extinguiu o processo expropriativo por acordo ou transação, no sentido que lhe é conferido pelo artigo 1248º, Código Civil como “(…) o contrato pelo qual as partes previnem ou terminam um litígio mediante recíprocas concessões”».

            Resta, pois, concluir pela improcedência das conclusões recursórias através das quais se pugna pela extinção do processo expropriativo por força do acordo havido entre a expropriante e a expropriada e por aquela cumprido, sendo, por isso, de manter a sentença recorrida.

            Resta apreciar, por fim, a possibilidade de, mesmo a considerar-se que o processo expropriativo não se extinguiu, poder a situação em vertente consubstanciar abuso de direito por parte da expropriada.

            Entende a recorrente que se verifica abuso de direito por parte da expropriada pelo facto da avocação do processo expropriativo  sub judice traduzir uma clara violação do princípio da boa fé e da confiança jurídica em virtude da recorrida apenas ter requerido essa avocação passados quase 10 anos depois da aquisição pela mesma do prédio mãe, quando, se entendia ter o direito a que se arroga, lhe ser exigível que tivesse requerido essa avocação mais cedo por a mesma se mostrar necessária para o efeito.

            Apesar de qual questão não vir equacionada pela recorrente nas alegações de recurso da Decisão Arbitral, e de, por isso, se apresentar como questão nova no presente recurso, a verdade é que sendo a mesma de conhecimento oficioso não há por que dela não conhecer.

            Para além do que a respeito do desenrolar do processo expropriativo se colhe da factualidade provada, resulta da factualidade contida no ponto 3.17 da sentença recorrida, que no âmbito de várias tentativas no sentido de obter um entendimento com os expropriados, a solicitação da expropriante, suspendeu-se a realização da arbitragem

            Deflui, ainda, do processo avocatório apenso que a promoção da referida arbitragem e demais demarches do processo expropriativo que se lhe seguiram ocorreram com o pedido de avocação desse processo expropriativo apresentado no Tribunal Judicial de Viseu pela expropriada em 06.08.2008, o qual pôs fim à referida suspensão.

            Pretende a recorrente que a circunstância de tal pedido de avocação ter sido apresentado pela ora recorrida apenas na referida data – 06.08.2008 – quando conjugado com o facto, que igualmente se pode colher da factualidade considerada na sentença recorrida ( ponto 3.18 da mesma ), que dá conta que a recorrida adquiriu o prédio mãe no dia  23 de Junho de 1998,  traduz uma clara violação do princípio da boa fé e da confiança jurídica e que por isso é susceptível de consubstanciar a figura do abuso de direito.

            Nos termos do art.º 334º do Código Civil, “ é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.”.

            Para haver abuso de direito não é necessária a consciência de que se excedem tais limites porque a concepção adoptada de abuso de direito é a objectiva e não a subjectiva.

            O seu sentido é-nos explicado por Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado, Vol. I, 2.ª ed. Pág. 277, ao referirem que o normativo apenas permite aos tribunais fiscalizar a moralidade dos actos praticados no exercício de direitos ou as suas conformidades com as razões sociais ou económicas que os legitimam “se houver manifesto abuso”, citando, a propósito, Manuel de Andrade que se refere aos direitos “exercidos em termos clamorosamente ofensivos da justiça”.

            Como diz Cunha e Sá, in Abuso de Direito, pág. 171., “o sujeito de direito deve actuar como pessoa de bem, honestamente e com lealdade” ou, como refere Coutinho de Abreu, in Do Abuso de Direito, 1983, pág. 55.“as pessoas devem ter um certo comportamento honesto, correcto, leal, nomeadamente no exercício dos direitos e deveres, não defraudando a legítima confiança ou expectativa nos outros.”

            A tutela da “confiança”, do “poder confiar “ é, pois, nas palavras de Batista Machado, in Obra Dispersa, Vol. I, pág. 352  uma condição básica de toda a convivência pacífica e da cooperação entre os homens”.

            Como se defende no Ac.. do STJ de 25.5.99, CJ/STJ AnoVII, T2, pág. 117, "....A concepção geral do abuso de direito postula a existência de limites ...à actuação jurídica individual. Tais limites advêm de conceitos particulares como os de função, de bons costumes e de boa fé “

            Nos presentes autos a recorrente sustenta o abuso de direito que invoca apenas na inércia da recorrida que, podendo ter requerido a avocação do processo expropriativo desde que se tornou dona do prédio mãe, apenas o veio fazer decorridos cerca de 10 anos depois disso.

            Como se defende no Ac. do STJ, de 5-03-2002, disponível em www.dgsi, cujo entendimento perfilhamos, “ O decurso de qualquer prazo, só por si, não afasta que a autora apenas pretenda, sem abuso, defender os seus direitos.

            Para o decurso do prazo ser elemento indicativo do abuso, seria necessário que fosse acompanhado por algum outro elemento nesse sentido, caso de algum acto da autora demonstrativo da sua tolerância para com a ré e do qual esta pudesse logicamente, procedendo a uma interpretação dessa conduta da autora igual à que faria qualquer pessoa normal nas mesmas circunstâncias, retirar a conclusão e formar a convicção de que ela autora não pretendia exercer o direito de anulação; tratar-se-ia então de uma situação de venire contra factum proprium, vulgarmente considerada como integrando aquele abuso. Ou então, que o decurso do prazo fosse acompanhado de algum facto demonstrativo de que a autora, por meio da acção de anulação, não pretendia proteger os direitos que lhe derivavam do registo da marca, mas apenas causar prejuízos ou incómodos à ré. “

            O que deflui da factualidade provada é que o processo expropriativo foi suspenso a requerimento da expropriante ( apresentado ainda quando a ora recorrida não era a dona do prédio mãe ) no sentido de ser obtido um entendimento  com os então proprietários do prédio mãe, situação essa que se mantinha quando  a recorrida passou a ser proprietária do prédio mãe, em  23 de Junho de 1998, e que assim continuou até que a recorrida, na qualidade de expropriada, se apresentou, em 06.02.2008, a requerer a vocação desse processo.

            Colhe-se, ainda, da factualidade provada, que logo a seguir a tornar-se proprietária do prédio mãe foram entabuladadas conversações  entre a expropriada e a expropriante tendentes a resolver, por acordo entre ambas, a questão relacionada com a indemnização resultante da parcela expropriada no sentido de não ser despendido pela expropriante CMV o valor desta e de ser feita a respectiva compensação com os encargos inerentes à operação de loteamento que a recorrida se propunha levar a efeito nesse prédio mãe e que chegou mesmo a concretizar.

            Não resultando dos autos que o arrastamento dessa negociações entre a expropriada e a expropriante tenha resultado de facto imputável à ora recorrida demonstrativo de que esta, na qualidade de expropriada, não pretendia fazer valer o seu o direito ao recebimento da indemnização resultante da ablação havida da parcela expropriada do prédio de que se tornou proprietária, seja através do recebimento do valor dessa indemnização, seja através do abatimento desse valor indemnizatório nos encargos por ela a suportar por força da operação do loteamento que promoveu e concretizou nesse prédio e dos quais é credora a expropriante, afigura-se-nos não ser possível concluir pela verificação dos pressupostos do abuso de direito.

            Efectivamente, constituindo o abuso de direito matéria de excepção peremptória, recaía sobre a expropriante e ora recorrente o ónus da alegação e prova dos respectivos factos integrantes, - impeditivos, modificativos ou extintivos do efeito jurídico dos factos articulados pela expropriada e ora recorrida -, de modo que, não conseguindo demonstrar a ocorrência daqueles factos, terá de ver a dúvida daí resultante ser decidida contra ela recorrente, ou seja, no sentido da inexistência de abuso de direito ( Arts. 342º, n.º 2, do C.C. e 576º, n.º 3 e 414º  do NCPC).

            E, assim sendo, não se verifica qualquer excesso, muito menos manifesto, dos limites impostos pela boa fé.

IV- SUMÁRIO ( Art. Art. 663º Nº7 NCPC )

            1. Não se verifica a extinção do processo expropriativo por acordo das partes quando não for possível concluir, a partir de elementos fácticos que o possam sustentar, que foram cumpridas por ambas partes as obrigações por elas assumidas aquando das negociações havidas entre elas com vista a esse acordo.

            2. O decurso de qualquer prazo, só por si, não afasta que alguém que se arrogue determinado direito pretenda, sem abuso, defender o mesmo.

            3. Para o decurso do prazo ser elemento indicativo do abuso de direito seria necessário que fosse acompanhado de circunstâncias fácticas a partir das quais se pudesse retirar a conclusão e formar a convicção de que o titular do direito não pretendia exercer o mesmo.

           

            V- DECISÃO

            Pelo exposto, julga-se improcedente o recurso interposto pela apelante e confirma-se a sentença recorrida.

            Custas pela apelante.

                                                           Coimbra, 2014.04.29

                                                          

                                                                       Maria José Guerra ( Relatora )

                                                                       Carvalho Martins

                                                                       Carlos Moreira