Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2/12.4GAFVN.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA JOSÉ NOGUEIRA
Descritores: SUBSTITUIÇÃO DE PRISÃO POR MULTA
Data do Acordão: 04/24/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE FIGUEIRÓ DOS VINHOS
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ART.º 43º, N.º 1, DO C. PENAL
Sumário: A substituição da pena de prisão por pena de multa, prevista no art.º 43º, n.º 1, do C. Penal, é feita por igual número de dias de multa.
Decisão Texto Integral: I. Relatório

1. No âmbito do processo n.º 2/12.4GAFVN do Tribunal Judicial de Figueiró dos Vinhos, mediante acusação pública, foi o arguido A..., melhor identificado nos autos, submetido a julgamento, sob a forma sumária, sendo-lhe, então, imputada a prática, como autor material, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelos artigos 292º, nº 1, 69º, nº 1, e 101º, nºs 1 e 2, al. c) do Código Penal.

2. Realizado o julgamento, por sentença de 10.01.2012, veio o arguido a ser condenado pela prática do sobredito crime na pena de 4 [quatro] meses de prisão, substituída por 150 [cento e cinquenta] dias de multa, à razão diária de € 12,00 [doze euros] e, bem assim, na pena acessória de proibição de conduzir qualquer veículo motorizado pelo período de 9 [nove] meses e 15 [quinze] dias.

3. Inconformado com a decisão recorreu o arguido, extraíndo da respectiva motivação as seguintes conclusões:

1. O presente recurso vai interposto da douta sentença, proferida pelo Tribunal a quo, que num primeiro momento, julgou incorrectamente o facto ínsito à alínea e) do n.º 6 dos factos provados.
2. Atento o manifesto relevo de tal facto para a escolha e medida concreta da pena importa, para o efeito, renovar a prova oferecida pelo Certificado de Registo Criminal do recorrente junto aos autos, por onde se infere que o crime a que a al.) e) do nº 6 dos factos provados alude, foi praticado pelo recorrente na qualidade de cúmplice, resultando do texto da decisão recorrida – “pela prática … de um crime de condução de veículo sem habilitação legal”: milita contra o arguido o seu passado criminal (apesar de as condenações pelo mesmo crime que ora se aprecia respeitarem a factos praticados em 2000/2001 e 2004 e a última reportar-se a factos ocorridos em 2007 …)” – a autoria material de tal crime.
3. No que tange à escolha e medida concreta da pena aplicada ao arguido, mostra-se a pena substituída e a de substituição, bem como a pena acessória concretamente aplicadas ao recorrente, mal doseadas, ultrapassando a medida da culpa e as exigências de prevenção especial.
4. As necessidades de prevenção geral e especial, jacentes ao art.º 70º do C.P., não impunham a opção pela pena de prisãouma vez que as 2 condenações anteriores do recorrente, datam, grosso modo, de 2000/2001 e 2004, portanto, bastante espaçadas da data da prática da infracção de que o recorrente vem acusado e este encontre-se social e familiar integrado. Ao decidir em sentido contrário, optando por pena privativa, em detrimento da pena não privativa, viola a sentença recorrida o critério noteador plasmado no art.º 70º do C.P.
5. Igualmente por desproporcional e desajustada, carece igualmente de censura a concreta medida de 4 meses de prisão da pena aplicada ao recorrente, dado a factualidade provada evidenciar um grau de ilicitude baixo, expresso no valor de 1.40g/l de álcool no sangue aquando da condução; as condenações anteriores datarem, uma delas há mais de 10 e outra há mais de 7 anos da data dos presentes factos e o arguido se encontrar social e familiarmente integrado. Por conseguinte, violou o Tribunal recorrido o preceituado nos artigos 40º e 71º do CP, bem como o princípio da proporcionalidade, consagrado no artigo 18º, n.º 2 da C.R.P.
6. Devendo ser revogada a douta sentença e substituída por outra que opte em primeiro lugar por pena não privativa da liberdade tendo por referência a culpa e as exigências de prevenção geral e especial que em concreto se façam sentir.
7. Também o quantitativo da pena de substituição, 150 dias de multa extravasa o grau de ilicitude da culpa do recorrente e as necessidades de prevenção geral e especial.
8. Atento o número 5. dos factos provados, o Tribunal a quo ao fixar como quantitativo diário o montante de € 12,00, caiu em excesso, não tendo em consideração a situação económica do recorrente, violou os artigos 40º, 47º nº 2 e 71º, todos do C.P., ao condenar, na pena de substituição, o recorrente em € 1.800,00.
9. Comungando a pena acessória, dos critérios estabelecidos no art. 71.º do C.P.; acusando o recorrente uma TAS de 1.40 g/l e as condenações pelo mesmo tipo legal de crime pelo qual vem acusado remontarem a 2000/2001 e 2004, a pena acessória de proibição de veículos a motor por 9 meses e 15 dias fixada pelo Tribunal a quo não respeitou o princípio da proporcionalidade constitucionalmente consagrado.
10. Embora sem se poder alegar que tal taxa não compromete a segurança na condução, também não deixa de ser verdade que não é um valor elevado em termos comparativos com o legamente permitido. E apesar do recorrente ser reincidente, as necessidades de prevenção especial, que sempre existirão, não justificam, unicamente per si, uma pena acessória de 9 meses e 15 dias. Violando a medida da pena acessória, que se revela desproporcional e injusta, o disposto al) a) do nº 1 do art.º 69.º, art.º 40.º e artº 71º, todos do C.P.
11. Devendo a mesma ser revogada e substituída por outra, que atento os princípios basilares àqueles dispositivos a fixe em conformidade.
12. Violou a sentença recorrida, o disposto nos artigos 40.º; 47.º, n.º 2; al.) a) do n.º 1 do art.º 69.º; 70.º; 71.º e 291 n.º 2 todos do Código Penal e art.º 18º, n.º 2 da C.R.P.

Termos em que, Venerandos Desembargadores, em conformidade com o exposto e requerido e pelo mais que Vossas Excelências doutamente suprirão, deve ser dado provimento ao recurso e a douta sentença recorrida, ser revogada e substituída por outra em conformidade com conclusões do recorrente, como se mostra de Justiça!

4. Na 1.ª instância respondeu ao recurso o Ministério Público, concluindo:

1. A factualidade dada como provada não carece de qualquer reparo.
2. In casu, a opção pela pena de multa já não permite realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
3. A medida da pena principal, assim como a medida da pena de substituição aplicada nos autos, não se mostra desajustada ou desproporcional.
4. O quantitativo diário fixado por cada dia de multa mostra-se adequado à capacidade económico – financeira do arguido.
5. A fixação da duração da pena acessória de proibição de condução de veículos com motor em nove meses e quinze dias, in casu, não se mostra excessiva ou desajustada.
6. Não foi violado qualquer imperativo legal.

Deste modo, a decisão recorrida não merece qualquer reparo, devendo ser mantida na íntegra e, consequentemente, deve ser negado provimento ao recurso interposto pelo arguido recorrente, assim se fazendo Justiça!

5. Admitido o recurso, fixado o respectivo regime de subida e efeito, foram os autos remetidos a este Tribunal – [cf. fls. 74].

6. Na Relação, a Ilustre Procuradora – Geral Adjunta emitiu parecer no sentido de assistir razão ao recorrente no que respeita à alteração da matéria de facto, devendo, em tudo o mais, o recurso improceder – [cf. fls. 82 a 85].

7. Cumprido o disposto no artigo 417º, nº 2 do CPP, não foi apresentada resposta.

8. Realizado o exame preliminar e colhidos os vistos foram os autos à conferência, cumprindo, agora, apreciar.

II. Fundamentação

1. Delimitação do objecto do recurso

De harmonia com o disposto no n.º 1 do artigo 412.º do CPP e conforme jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal de Justiça o âmbito do recurso é delimitado em função do teor das conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação só sendo lícito ao tribunal ad quem apreciar as questões desse modo sintetizadas, sem prejuízo das que importe conhecer oficiosamente, como são os vícios da sentença previstos no artigo 410.º do CPP, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito – [cf. acórdão do Plenário das Secções Criminais do STJ de 19.10.1995, DR, I Série – A, de 28.12.1995].
No caso concreto, duas são as questões suscitadas, a saber:

- Erro de julgamento;
- Escolha e medida das penas [principal/de substituição (incluindo a respectiva taxa diária)/acessória].

2. A decisão recorrida

Na sentença recorrida ficaram a constar como provados os seguintes factos:

1. No dia 04.01.2012, pelas 17h00m, o arguido conduzia o veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula … , na Estrada Nacional n.º 350, junto à Rotunda do Outão, em Pedrógão Grande, com uma taxa de álcool no sangue de 1,40 g/l.
2. O arguido agiu livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que antes de iniciar a condução daquele veículo havia ingerido bebidas alcoólicas em quantidade superior ao legalmente permitido, não se tendo abstido, mesmo assim, de o conduzir.
3. Sabia igualmente o arguido que a condução de veículos na via pública, nas condições em que o fez, é proibida e punida pela lei penal.
4. O arguido vive sozinho em casa própria e tem sete filhos, todos maiores.
5. Tem o 11º ano de escolaridade, aufere mensalmente uma pensão de reforma no valor de € 2.050,59 e contribui, por razões de amizade, com cerca de € 500,00 a € 700,00 mensais para o sustento de … e o filho desta de 16 anos de idade, os quais vivem com dificuldades económicas.
6. O arguido já foi alvo das seguintes condenações:
a) Pela prática, em 21.08.2000, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena de 110 dias de multa;
b) Pela prática, em 08.04.2001, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena de 95 dias de multa;
Operado, por sentença transitada em julgado em 04.11.2002, o cúmulo jurídico entre as penas referidas em a) e b), foi o arguido condenado na pena única de 180 dias de multa, já declarada extinta pelo pagamento;
c) Pela prática, em 04.07.2001, de dois crimes de desobediência, por sentença proferida em 15.05.2003, transitada em julgado em 30.05.2003, na pena única de 210 dias de multa, já declarada extinta pelo pagamento;
d) Pela prática, em 25.05.2004, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, por sentença proferida em 25.01.2005, transitada em julgado em 09.02.2005, na pena de 210 dias de multa, já declarada extinta pelo cumprimento;
e) Pela prática, em 10.02.2007, de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, por sentença proferida em 19.05.2008, transitada em julgado em 18.06.2008, na pena de 40 dias de multa, já declarada extinta pelo pagamento.
7. Tem um processo pendente por crime de condução de veículo em estado de embriaguez.

Em sede de motivação da decisão de facto, mostra-se consignado:

Quanto aos elementos objectivos do tipo de ilícito, o arguido confirmou que, no dia e local mencionados na acusação conduzia o veículo aí identificado e que, antes de iniciar a condução, havia consumido bebidas alcoólicas (em concreto, um cálice de vinho do Porto). Contesta, porém, a hora indicada na acusação como sendo a da prática dos factos, afirmando que, quando foi fiscalizado pelos militares da GNR, eram 16h45m, pelo que, uma vez que do talão de fls. 11 constam 17h28m, não é verdade que no momento da condução apresentasse a taxa de alcoolemia aí registada, tanto mais que a quantidade de bebidas alcoólicas que ingeriu não era suficiente para determinar tal taxa.
O arguido declarou que, momentos antes dos factos constantes da acusação, acompanhou … a uma entrevista, a qual durou aproximadamente 20 a 25 minutos, após o que se dirigiram ambos a um estabelecimento comercial, onde permaneceram cerca de 7 a 10 minutos e não mais porquanto a aludida … tinha de chegar a casa às 17h00m em virtude de um compromisso que agendara nesse local e hora. Mais disse que, no local onde foi interceptado pela GNR (a 1 Km daquele estabelecimento), efectuou um primeiro teste (qualitativo) de pesquisa de álcool no ar expirado, após o que seguiu com os militares para o posto da Sertã, situado a cerca de 20 Km, onde realizou um segundo teste.
O arguido não convenceu porquanto, por um lado, as suas declarações estão em contradição com o depoimento prestado, de forma credível, pela testemunha de acusação e, por outro, apenas foram corroboradas por ..., cujo relato não foi considerado convincente, tudo como abaixo se analisará. Acresce que o arguido admitiu que não consultou um relógio ou qualquer outro aparelho indicador das horas no momento em que foi abordado pela GNR e que a hora que alega foi calculada mentalmente em função do seu percurso anterior e do horário que ... tinha de cumprir.
..., militar da GNR, relatou que, nas circunstâncias de tempo e de lugar descritas na acusação, o arguido conduzia o veículo aí identificado e que este, depois de realizar um primeiro teste (qualitativo) de pesquisa de álcool de ar expirado no local (cerca de 2 a 3 minutos depois de ter imobilizado o veículo), realizou no posto Territorial da Sertã teste quantitativo de pesquisa de álcool no ar expirado, cujo resultado consta do talão de fls. 11.
O depoente asseverou que, quando interceptou o arguido, consultou o relógio e que este marcava 17 horas. Mais afiançou que entre a realização dos dois testes não decorreram mais de 30 minutos (pelo que se mostra assim respeitado o intervalo referido no artigo 2.º, n.º 1, do Regulamento de Fiscalização da Condução sob a Influência de Álcool ou de Substâncias Psicotrópicas, o qual, de resto, não é sequer de verificação obrigatória, atenta a expressão “sempre que possível”).
Por fim, saliente-se que esta testemunha esclareceu que o arguido não desejou contraprova, pelo que a menção feita a este respeito no auto de notícia se deveu a mero lapso.
Foi um relato prestado de forma séria, objectiva, desinteressada e convicta, pelo que mereceu a credibilidade do Tribunal.
Contrariamente, o depoimento de ... (amiga do arguido há 16 anos) não foi valorado positivamente pela sua falta de rigor e consistência. Com efeito, esta testemunha, depois de afirmar que chegou, juntamente com o arguido, ao estabelecimento comercial acima mencionado pelas 16h45m, disse que o encontro com a GNR (posterior, segundo a testemunha e o arguido) ocorreu a essa mesma hora. Confrontada com tal incongruência, acabou por corrigir esta segunda hora, declarando que a fiscalização ocorreu cerca das 16h50m, mas sem revelar certeza. Por outro lado, a depoente ora disse que sabia as horas por ter consultado o relógio, ora afirmou que tal conhecimento lhe adveio do facto de ter um compromisso em sua casa às 17h00m e de ter aí chegado a essa hora. Revelou possuir igualmente um conhecimento pouco preciso das distâncias em causa.
As declarações do arguido e o depoimento da testemunha de defesa, marcados pelas imprecisões e contradições acima analisadas e reveladores de parcialidade e falta de objectividade, contrastaram com a assertividade e segurança evidenciadas pel testemunha de acusação (militar com 22 anos de experiência) quanto à hora em que os factos terão sido praticados, pelo que não foram de molde a abalar a credibilidade desta.
Importa, ainda, assinalar que o facto de no Termo de Identidade e Residência constar que a comunicação ao arguido dos direitos e deveres previstos no artigo 61º do Código de Processo Penal foi efectuado no posto de Pedrógão Grande pelas 17h30m (sendo que o teste de pesquisa de álcool no ar expirado havia sido realizado no posto da Sertã) não assume aqui relevância, porquanto tal indicação constitui uma mera formalidade, ao contrário, como é fácil de ver, da informação sobre a hora da prática dos factos, incomparavelmente mais importante, pelo que é natural, segundo as regras do normal acontecer, que o agente autuante preste maior atenção e confira maior rigor e precisão a esta última.
Teve-se, também, em conta o talão de exame de pesquisa de álcool no ar expirado de fls. 11, cuja assinatura aposta no lugar “testado” foi confirmada pelo arguido.
A prova dos factos referidos em 2 e 3 resulta da conjugação da factualidade objectiva apurada com as regras de experiência comum.
No que respeita às condições pessoais e sócio – económicas do arguido, consideraram-se as declarações por este prestadas, que mereceram a credibilidade do tribunal.
A existência de condenações anteriores resulta da análise do certificado de registo criminal de fls. 14-20.

3. Apreciando

a.

Invoca o recorrente ter sido incorrectamente julgado o facto inscrito na al. e) do ponto 6. dos factos provados, porquanto resulta do certificado de registo criminal que a condenação por si sofrida, pelo prática do dito crime, o foi como cúmplice.

Assiste razão ao recorrente na medida em que se retira do certificado de registo criminal junto a fls. 14 a 20, o qual surge, na fundamentação, como suportando os factos relativos aos antecedentes criminais, ter o mesmo sofrido a dita condenção como cúmplice.

Conhecendo as Relações de facto e de direito, impõe-se alterar a matéria de facto, o que se faz, ao abrigo do disposto nos artigos 428º e 431º do CPP, passando a constar da al. e) do ponto 6. dos factos provados: “Pela prática, como cúmplice, em 10.02.2007, de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, por sentença proferida em 19.05.2008, transitada em julgado em 18.06.2008, na pena de 40 dias de multa, já declarada extinta pelo pagamento.”

b.

Insurge-se, ainda, o recorrente com as penas que lhe foram aplicadas [a principal e a de substituição], com a quantia diária fixada relativamente à multa de substituição e, por fim, com a pena acessória.

1. Vejamos, então, iniciando pela escolha da pena de prisão em detrimento da pena de multa, prevista em alternativa.

A propósito, ficou a constar da sentença recorrida: “Dispõe o artigo 70.º do Código Penal que, se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dará preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. De acordo com o artigo 40.º daquele diploma legal, tais finalidades consistem na tutela dos bens jurídicos e na socialização do agente.
No caso em apreço, cabe atender à frequência com que este ilícito ocorre e ao perigo que representa para a vida e segurança das pessoas, uma vez que está associado a um aumento exponencial do risco de sinistralidade. Todos estes factores são expressivos de uma necessidade comunitária acentuada de tutela da ordem jurídica e da paz social.
Igualmente são elevadas as exigências de prevenção especial suscitadas no caso vertente, atentas as condenações anteriores do arguido, duas delas pelo mesmo tipo de crime que ora se aprecia e outra por crime estradal.
Face ao exposto, e pese embora a clara preferência político – criminal pelas medidas não privativas da liberdade, no caso dos autos, a aplicação como pena principal, de uma sanção pecuniária não realizaria de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, maxime, a de socialização do agente, razão pela qual o tribunal decide condenar o arguido em pena de prisão.”

Apreciação que encontra suporte nos factos apurados, pois que perante as elevadissimas exigências de prevenção geral e as expressivas exigências de prevenção especial que no caso se fazem sentir, estas em face do número de condenações já sofridas pelo recorrente por crime de idêntica natureza [de acordo com a matéria de facto apurada três e não duas, como, certamente por lapso, consta da passagem supra transcrita], as quais, não sendo, embora, recentes, só podiam conduzir ao juízo formulado, ou seja o de que as finalidades da punição [artigos 40º e 71ºdo Código Penal] não seriam alcançadas, de forma adequada e suficiente, através da aplicação da pena de multa, mostrando-se irrelevante, para o efeito, a alteração produzida à matéria de facto.

Não se mostra, pois, violado o artigo 70º do Código Penal.

2. Quanto à medida concreta da pena de prisão, aspecto, igualmente, questionado pelo recorrente, lê-se na decisão: “Para determinação da medida concreta da pena, o julgador serve-se do critério global contido no artigo 71.º do Código Penal, atendendo à culpa do agente e às exigências de prevenção geral e especial, ponderando, ainda, todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra o agente.
Assim, há que ter em conta, desde logo o artigo 40.º do Código Penal, que dispõe que a aplicação de uma pena visa a protecção de bens jurídicos, no sentido de tutela de tutela da confiança da comunidade na ordem jurídico-penal e a reintegração do agente na sociedade (n.º 1), não podendo a pena ultrapassar a medida da culpa, a qual funciona como pressuposto e limite máximo daquela (n.º 2).
Seguindo o modelo proposto por Jorge de Figueiredo Dias, a prevenção geral positiva fornece uma “moldura de prevenção”, que tem como limite máximo a medida óptima de tutela dos bens jurídicos e como limiar mínimo o ponto abaixo do qual ficam irremediavelmente comprometidas as funções de tutela da ordem jurídica e da paz social. Dentro desta moldura, deverão actuar as exigências de integração do agente na sociedade.
Na determinação da medida concreta da pena, atender-se-á a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente e contra ele, nomeadamente as elencadas no n.º 2 do artigo 71º do Código Penal.
A factualidade acima descrita evidencia um grau de ilicitude baixo, expresso na taxa de álcool no sangue com que o arguido conduzia (1,40 g/l). Contrariamente, a culpa do agente apresenta-se elevada, na medida em que este actuou com dolo directo (a sua modalidade mais intensa).
O ilícito típico ora indiciado é praticado com extrema frequência, fazendo perigar a vida e integridade física das pessoas, o que se traduz numa necessidade premente de fortalecimento do sentimento de justiça no seio da comunidade. Ao nível da prevenção especial, milita contra o arguido o seu passado criminal (apesar de as duas condenações pelo mesmo crime que ora se aprecia respeitarem a factos praticados em 2000/2001 e 2004 e a última reportar-se a factos ocorridos em 2007, sendo que as respectivas penas – todas de multa – já foram declaradas extintas pelo cumprimento).
Pelos motivos expendidos, reputa-se como justo e adequado condenar o arguido na pena de 4 meses de prisão.”

Também neste domínio se impõe afirmar a correcção da aplicação dos critérios legais, resultando terem sido ponderadas, e bem, todas as circunstâncias relevantes, não extravasando a medida concreta da pena encontrada da culpa, revelando-se a mesma proporcional e adequada às respectivas finalidades, tal como definidas nos artigos 40º e 71º do Código Penal, não se assistindo a qualquer violação do princípio da proporcionalidade, sendo certo que a modificação da matéria de facto operada não é idónea a, por si, inverter tal juízo de adequação.

Não assiste, assim, razão ao recorrente.

3. Não merecendo censura a opção, no caso, pela pena de prisão, tão pouco a medida concreta encontrada, fica-nos, ainda, a pena de substituição.

Nos termos do art.º 43º, nº 1, do C. Penal, a pena de prisão aplicada em medida não superior a um ano é substituída por pena de multa ou por pena não privativa da liberdade aplicável, excepto se a execução da prisão for exigida pela necessidade de prevenir o cometimento de futuros crimes.
Não vindo questionada a substituição da prisão por multa, é matéria com que não temos de nos ocupar restando, tão só, o critério adoptado na conversão da prisão em multa, dado que vem posto em crise o quantum da pena de substituição.
E aqui chegados, parece assistir-lhe razão, pois que como ficou consignado no acórdão do STJ de 21.07.2009 [proferido no proc. n.º 513/06.0GTEVR – A.S1, relator Conselheiro Santos Carvalho] “… a substituição da prisão em multa é feita por igual número de dias de multa, pois, como referem Paulo Pinto de Albuquerque e Maia Gonçalves, nos seus Códigos anotados (ver no primeiro fls. 179-180), a Comissão de revisão do CP adoptou «um critério de correspondência aritmética “por ser mais certa, com tradição e, por isso, mais convidativa à conversão”».
Também a propósito, o esclarecedor – pela clareza e profundidade com que trata a questão - acórdão do TRG de 01.06.2009 [proferido no proc. n.º 1788/06.0GBBCL, relator Desembargador Cruz Bucho], do qual se respiga o seguinte excerto:
“O artigo 43º do Código Penal na sua redacção original dispunha que “A pena de prisão não superior a 6 meses será substituída pelo número de dias de multa correspondente (…).
O Prof. Figueiredo Dias entendia, porém, que este critério não se revelava operacional em determinados domínios, nomeadamente nos casos em que a lei previa uma punição alternativa em prisão ou multa, uma vez que a multa, alternativa – regra para a punição da pequena criminalidade punível com prisão até 3 anos, tinha como limite máximo 300 dias. Por isso, interpretava aquela correspondência que qualificava de não aritmética mas normativa, sustentando que naqueles casos o tribunal deveria remeter-se à moldura da multa constante do tipo legal; se o tipo legal não cominasse pena de multa alternativa, o tribunal deveria remeter-se ao limite geral da multa constante do artigo 46º do Código Penal de 1982 (cfr., Direito Penal Português, cit., §§563 e 564, págs. 366-367).
O texto do artigo 44º resultante da revisão do Código levada a cabo pelo Dec. – Lei n.º 48/95, de 15 de Março, fruto da profunda remodelação levada a cabo, suprimiu a referência ao “número de dias de multa correspondente”.
Conforme se colhe da leitura das actas da Comissão de Revisão do Código Penal, depois de num primeiro momento aquela Comissão se ter debruçado sobre a proposta eliminação da correspondência automática (Acta nº de 30 de Janeiro de 1988), num segundo momento, retomou a questão, por iniciativa do Prof. Figueiredo Dias, preocupado com a efectiva aplicação das penas de substituição, nos seguintes termos:
«O primeiro prende-se com uma sugestão que levará à eliminação, no n.º 1, da referência à substituição da pena de prisão pelo número de dias correspondentes. Pretendia-se uma correspondência normativa e não automática.
Não se irá, no entanto, suscitar alguma confusão, podendo originar novamente uma não aplicação da pena substitutiva?»
Segundo resulta das mesmas actas:
“ A Comissão pronunciou-se favorável a uma alteração que voltasse à ideia de correspondência (mais certa, com tradição e por isso mais convidativa à substituição).
Em consequência foi aprovada a seguinte redacção:
n.º 1 – `A pena de prisão … é substituída por multa, pelo igual número de dias de multa ou por outra pena …` (Ministério da Justiça, Código Penal – Actas e Projecto da Comissão de Revisão, Lisboa, 1993, pág. 466.)
Quer isto dizer, que o Prof. Figueiredo Dias, o principal crítico do sistema da correspondência automática, na qualidade de presidente da Comissão de Revisão do Código Penal, teve a clara percepção de que o sistema normativo que propunha no seu ensino e que aparecia vertido no anteprojecto poderia suscitar confusões indesejáveis.
Por isso, também a Comissão, não teve pejo em recuar mantendo no Projecto a correspondência aritmética.”
Em idêntico sentido, já após a revisão do Código Penal de 2007, pronuncia-se Paulo Pinto de Albuquerque, quando escreve: “A pena de prisão concreta é substituída por igual número de dias de multa. O critério de conversão da pena de prisão em pena de multa é, pois, automático e aritmético (também assim, MAIA GONÇALVES, 2007:195, anotação 3.ª ao artigo 43.º). Na comissão de revisão do CP de 1989-1991, FIGUEIREDO DIAS, exprimiu opinião no sentido da introdução de um critério de conversão “normativo”, mas este critério, que vingou num primeiro momento no seio da comissão, foi expressamente afastado por um critério de correspondência aritmética por ser “mais certa, com tradição e por isso mais convidativa à substituição” …” – [cf. “Comentário do Código Penal”, Universidade Católica Editora, pág. 179/180].

Afigura-se-nos ser esta a posição mais correcta e, consequentemente impõe-se a alteração neste ponto da sentença recorrida, fazendo corresponder aos 4 [quatro] meses de prisão aplicada ao arguido/recorrente a pena de substituição de 120 [cento e vinte] dias de multa, em vez dos 150 [cento e cinquenta] dias determinados.

4. Relativamente ao montante diário correspondente à pena de multa, também ele questionado, mostra-se consignado na sentença: “Em conformidade com o estatuído no n.º 2 do artigo 47º do Código Penal, cada dia de multa corresponde a uma quantia entre €5 e €500, a fixar em função da situação económica e financeira do arguido e dos seus encargos pessoais, considerando, nomeadamente, a totalidade dos seu rendimentos próprios, a que serão deduzidos os gastos e despesas que tenha de suportar. Neste contexto, importa realçar que a pena de multa só cumprirá a sua finalidade político – criminal, se constituir um verdadeiro sacrifício para o condenado (salvaguardando-se o indispensável para garantir um nível existencial mínimo).
No caso em análise, resultou provado, para o que ora importa, que o arguido vive sozinho em casa própria, aufere mensalmente uma pensão de reforma no valor de € 2.050,59 e contribui, por razões de amizade, com cerca de € 500,00 a € 700,00 mensais para o sustento de ... e o filho desta de 16 anos de idade, os quais vivem com dificuldades económicas.
Pelo exposto, julga-se proporcionado o quantum diário de € 12,00 (doze euros).”

Neste domínio, como refere Maria João Antunes, “No silêncio da lei sobre os critérios que devem ser tomados em conta para determinar a situação económica e financeira do condenado, considerando também os seus encargos pessoais, é seguro que deverá atender-se à totalidade dos rendimentos próprios do condenado, qualquer que seja a sua fonte (do trabalho, do capital, de pensões), com excepção de abonos, subsídios eventuais, ajudas de custo e similares. Como é também seguro que àqueles rendimentos devem ser deduzidos os gastos com impostos, com prémios de seguro, com o cumprimento de deveres jurídicos de assistência (por exemplo, prestação de alimentos) ou com obrigações voluntariamente assumidas que pesem de forma duradoira sobre os rendimentos do condenado …” – [cf. “Consequências Jurídicas do Crime”, Coimbra 2010 – 2011, págs. 34/35].

Sendo este o quadro, em face da matéria de facto provada, designadamente o auxílio que vem prestando, mensalmente, a pessoas com dificuldades económicas, sendo certo que o recorrente, como qualquer cidadão, terá, também, de satisfazer os seus compromissos fiscais, para além de suportar as despesas inerentes à sua sobrevivência lato sensu – numa conjuntura, como a actual, a todos os níveis difícil - onde, naturalmente, se incluem as da saúde [o arguido tem para cima de 70 anos de idade], temos por mais ajustado às circunstâncias do caso, sem pôr em causa o real sacrifício que deve representar a pena de multa com vista a cumprir, de uma forma eficaz, a sua finalidade, fixar a taxa diária correspondente a cada dia de multa em € 10,00 [dez euros], em substituição dos € 12,00 determinados.

5. Por fim, a questão da pena acessória.

A proibiçao de conduzir veículos motorizados é uma pena acessória que encontra fundamento num juízo de censura e tem por fim [mediato] a tutela dos bens jurídicos subjacentes ao crime praticado.
Revestindo a natureza de uma pena, que pressupõe sempre a prática de um crime e a aplicação de uma pena principal, é indissociável do facto e da culpa do agente reforçando o conteúdo penal da condenação. Segundo o ensinamento de Figueiredo Dias, com a pena de proibição de conduzir quis-se dotar o sistema condenatório de uma verdadeira pena acessória capaz de responder a razões politico – criminais evidentes, assinalando-se-lhe e pedindo-se-lhe um efeito de prevenção geral negativa, de intimidação a funcionar dentro do limite da culpa, podendo, desta forma, contribuir para a emenda cívica do condutor imprudente – [cf. Direito Processual Penal, III, 165].
No que a tal pena concerne, pese embora os artigos 65º a 69º do Código Penal não conterem regras específicas relativas à sua determinação concreta, revestindo a mesma a natureza de uma pena deverá ser objecto de graduação de harmonia com os critérios fixados no artigo 71º do mesmo diploma legal [cf. neste sentido o acórdão do TRE de 14.05.96, CJ, Ano XXI, T. III, pág. 286], o que vale dizer que culpa e prevenção constituem os vectores norteadores da determinação da medida da pena, a qual visa a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade – [cf. artigos 40º e 71º do Código Penal].
No situação em apreço, na fixação da pena aplicada, o tribunal a quo ponderou, como tinha de ponderar, todas as circunstâncias consideradas a propósito da medida concreta da pena principal, afigurando-se-nos, pois, incontornável, relativamente a este tipo de criminalidade as elevadíssimas exigências de prevenção geral, impondo-se que “o direito assuma, dentro do limite da culpa, a sua inestimável função de prevenção geral de intimidação …”[cf. acórdão do TRP de 29.11.06, CJ, Ano XXXI, T. V, pág. 213].
Por outro lado, reafirma-se, pese embora remontarem há alguns anos, as condenações já sofridas pelo recorrente pela prática de crimes de idêntica natureza não apagam as consideráveis exigências de prevenção especial que no caso se fazem sentir.
Donde, no seio de uma moldura que se situa entre o mínimo de três meses e o máximo de três anos [artigo 69º, nº 1, al. a) do Codigo Penal], não se vê como a fixação da sua medida concreta em 9 [nove] meses e 15 [quinze] dias de proibição de conduzir viole o princípio da proporcionalidade, bem como os artigos 69º, nº 1, al. a), 40º e 71º do Código Penal.
Temos, assim, por adequada, face às circunstâncias, a medida concreta da pena acessória encontrada, a qual não extravasa a medida da culpa, mostrando-se, antes, em conformidade com as normas aplicáveis.

III. Decisão

Nos termos expostos, acordam os Juízes na 5.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra, na parcial procedência do recurso, em:
a. Alterar a al. e) do ponto 6. da matéria de facto nos precisos termos que ficaram consignados em II.3.a.;
b. Revogar a sentença recorrida na parte em que substituiu a pena de 4 [quatro] meses de prisão por 150 [cento e cinquenta] dias de multa, à razão diária de € 12,00 [doze eruos], condenando-se, agora, o arguido na pena de 4 [quatro] meses de prisão, substituída por 120 [cento e vinte] dias de multa, à razão diária de € 10,00 [dez euros];
c. Em tudo o mais, manter a decisão recorrida.

Sem custas


Maria José Nogueira (Relator)


Isabel Valongo