Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3187/17.0T8CSC-B.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: LUÍS CRAVO
Descritores: REGULAÇÃO DO EXERCÍCIO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS
SEU EXERCÍCIO CONJUNTO
QUESTÕES DE PARTICULAR IMPORTÂNCIA
Data do Acordão: 03/16/2021
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DA GUARDA – JUÍZO LOCAL CÍVEL DA GUARDA – JUIZ 1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE REVOGADA
Legislação Nacional: ARTº 1906º DO C. CIVIL.
Sumário: I – O artigo 1906º do C.Civil [com a redação decorrente da Lei n.º 61/2008, de 31 de outubro] impôs como regra o exercício conjunto das responsabilidades parentais em relação às questões de particular importância, salvo nos casos de urgência manifesta, em que qualquer dos progenitores pode agir sozinho, devendo prestar informações ao outro logo que possível.

II – Consideram-se “questões de particular importância”, entre outras: as intervenções cirúrgicas das quais possam resultar riscos acrescidos para a saúde do menor; a prática de atividades desportivas radicais; a saída do menor para o estrangeiro sem ser em viagem de turismo; a matrícula em colégio privado ou a mudança de colégio privado; mudança de residência do menor para local distinto da do progenitor a quem foi confiado.

Decisão Texto Integral:   




             Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra[1]                                              

1 – RELATÓRIO

J..., residente na ..., instaurou contra A..., residente na ..., um incidente de incumprimento e alteração do exercício das responsabilidades parentais referente à Jovem P..., pedindo: a) a audição da criança; b) a avaliação e acompanhamento psicológico à criança que, atualmente, se encontra em perigo; c) a alteração do atual regime de convívios, para um regime de residência exclusiva com o pai, em ..., com convívios supervisionados à mãe, que garanta uma maior qualidade de vida da criança; d) a condenação da Requerida em multa no valor mínimo de €2.500,00, a favor da criança, pelos danos não patrimoniais sofridos face à natural angústia e sofrimentos que todo este incumprimento da Requerida causou e causa à filha; e) a avaliação psicológica a ambos os pais, bem como avaliação das competências parentais e eventual distúrbio psicológico da progenitora, para possível alteração da residência da criança com o pai; f) sessões de terapia familiar; a apensação dos autos ao processo de Regulação das Responsabilidades Parentais que correu termos no Juízo de Família e Menores de Cascais – Juiz 1, sob o n.º ...

                                                                          *

Foi proferido despacho a remeter o presente apenso e autos principais de Regulação das Responsabilidades Parentais para o Juízo Local Cível da Guarda.

Recebido o processo, foi a requerida citada para responder.

A Requerida respondeu ao alegado no requerimento inicial, concordando apenas com a alteração da regulação das responsabilidades parentais (na parte do regime de convívio com o progenitor) e eventual audição da menor (não obstante considerar que não é para o interesse da criança lidar com os tribunais).

Marcada conferência de pais, não tendo sido possível a conciliação dos Progenitores, foi designada data para audição da Jovem P..., constando o seu auto de audição a fls. 64 dos autos.

Notificado para o efeito, o Requerente optou pelo incidente de incumprimento das responsabilidades parentais em detrimento do incidente de alteração da regulação das responsabilidades parentais, com a devida exposição de motivos na questão prévia de fls. 72v e 73.

Consequentemente, foi fixado o objeto do incidente e os factos que importavam aferir, tudo nos termos do despacho de 02.05.2019.

Notificados para alegarem, o Progenitor apresentou alegações a fls. 72 dos autos e a Progenitora manteve tudo quanto alegado na sua resposta inicial.

Admitida a prova (à excepção da realização de perícia psicológica aos progenitores e à menor requerida pelo Progenitor), foi marcada data para julgamento, o qual decorreu com respeito pelo legal formalismo, conforme da ata elaborada melhor consta.

Veio, na sequência, a ser proferida sentença, na qual após identificação em “Relatório”, das partes e do litígio, se alinharam os factos provados (e não provados), relativamente aos quais se apresentou a correspondente “Motivação”, após o que se considerou, em suma, que os factos apurados permitiam concluir que a Requerida havia alterado a residência da menor, de Loures para a Guarda, com a consequente alteração do estabelecimento de ensino que a Jovem frequentava, tudo sem o consentimento do Requerente, isto apesar de a fixação de residência ser indiscutivelmente uma questão de maior importância, sendo certo que a Requerida «sabia que ao mudar a residência permanente da menor sem autorização do pai violava e impedia, intensivamente, a execução do acordo que subscrevera quanto ao exercício das responsabilidades parentais da menor», donde tê-lo feito com plena consciência da ilicitude da sua conduta, e que a mesma causava danos ao Requerente e à menor, pelo que, por a Requerida ter violado, sem causa de justificação, o acordo de regulação das responsabilidades parentais, seria condenada em conformidade, a saber, em multa e na condenação em indemnização, previstas no artigo 41º, n.º 1, do RGPTC, ao que se procedeu, o que tudo melhor se traduziu no seguinte concreto “dispositivo”:

«DISPOSITIVO

Por todo o exposto, julga-se o presente incidente de incumprimento parcialmente procedente e, em consequência, condena-se a Requerida A... no pagamento de uma multa que se fixa em 5UC (quinhentos e dez euros) e no pagamento de uma indemnização à Jovem P..., no valor de €1.250,00 (mil duzentos e cinquenta euros).

Custas por Requerente e Requerida, em partes iguais, fixando-se o valor da causa em €30.000,01 (trinta mil euros e um cêntimo).»

                                                                          *

É com esta decisão que a Requerida não se conforma e dela vem interpor recurso de apelação, de cujas alegações extraiu as seguintes conclusões:

...

                                                                          *

Por sua vez, apresentou o Requerente/recorrido as suas contra-alegações a fls. 149-152, das quais extraiu as seguintes conclusões:

...

                                                                          *

Também a Exma. Magistrada do MºPº apresentou contra-alegações, conforme melhor flui do P.E. sob a refª 1521736.

A Exma. Juíza a quo proferiu despacho a admitir o recurso interposto, providenciando pela sua subida devidamente instruído, sendo que nesse mesmo despacho sustentou a não verificação das arguidas nulidades da sentença.

Nada obstando ao conhecimento do objeto do recurso, cumpre apreciar e decidir.

               2QUESTÕES A DECIDIR: o âmbito do recurso encontra-se delimitado pelas conclusões que nele foram apresentadas e que atrás se transcreveram – arts. 635º, nº4 e 639º do n.C.P.Civil – e, por via disso, por ordem lógica e sem prejuízo do conhecimento de questões de conhecimento oficioso, as questões a decidir são:

               - rejeição do recurso por incumprimento dos ónus estabelecidos no art. 640º do n.C.P.Civil? (como questão prévia suscitada nas contra-alegações do Requerente/recorrido, relativamente ao recurso da Requerida);

- nulidades da sentença [alíneas c), d) e e) do nº1 do art. 615º do n.C.P.Civil]?;

- nulidade por violação do princípio do contraditório [arts. 3º e 195º do n.C.P.Civil]?;

- desacerto da decisão sobre a matéria de facto, quer por omissão [pugnando-se no sentido de que, em acréscimo à factualidade “provada”, devia ser dado como “provado” um conjunto de factos que elenca], quer quanto aos pontos de facto “provados” sob 3), 4), 5), 7), 9), 10), 11), 12), 14), 15), 16) e 17) [dados por “provados” incorretamente]?;

- erro de decisão [ao dar-se procedência ao incidente de incumprimento]?

3 – QUESTÃO PRÉVIA

Cumpre começar pela apreciação da invocada rejeição do recurso da Requerida por alegado incumprimento dos ónus estabelecidos no art. 640º do n.C.P.Civil.

Sustenta, em síntese, o Requerente/recorrido nas suas contra-alegações, que «No caso da impugnação da decisão da matéria de facto, tem de constar das “conclusões”, obrigatoriamente, a especificação dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorrectamente julgados, bem como a da decisão que, no seu entender, sobre eles, deve ser proferida, por forma a circunscrever a reapreciação daquela.

Sucede, que a Recorrente não cumpriu no seu recurso estes dois requisitos, exigidos nas alíneas a) e c), do nº 1, do artº 640º do CPC, e não cumpriu também o requisito imposto, sob pena de rejeição do recurso, na al. a) do nº 2, nem cumpriu, finalmente, o requisito da al. b) desse mesmo número 2.».

Será assim?

Salvo o devido respeito, não assiste qualquer razão, nesta parte, ao Requerente/recorrido.

Em primeiro lugar porque, ao invés do aduzido, foram especificadamente indicados pela Requerida/recorrente os concretos pontos de facto que considerava incorretamente julgados, a saber, quer na parte em que alegou a omissão correspondente, quer na parte em que sustentou a indevida consignação dos mesmos nos elenco dos factos “provados” [como melhor resulta explicitado supra na delimitação do objeto do recurso], o que idem se diga quanto à indicação da decisão que sobre cada aspeto devia ser proferido, donde só se compreender verdadeiramente a alegação do contrário por parte do Requerente/recorrido quanto a este particular, por lapso ou deficiente compreensão das alegações recursivas.

Por outro lado, quanto à alegação respeitante ao último aspeto em causa – o dos requisitos atinentes à indicação das passagens da prova testemunhal gravada – importa ter presente que, in casu, a Requerida/recorrente indicou relativamente a todos e cada uma das testemunhas que invocou o concreto período/tempo da gravação áudio, no suporte técnico da audiência de julgamento, em que se encontravam gravados os segmentos tidos por relevantes, acrescendo que procedeu à transcrição dos excertos respetivos [sem embargo de reconhecer que as declarações transcritas «não são totalmente taxativas, mas traduzem no essencial o que foi dito»] que concretamente se baseava ou em que encontrava apoio para a sua impugnação.

Face a este conspecto, atentemos agora no melhor entendimento jurisprudencial sobre esta temática, a saber:

«I. Para efeitos do disposto nos artigos 640º e 662º, nº1, ambos do Código de Processo Civil, impõe-se distinguir, de um lado, a exigência da concretização dos pontos de facto incorretamente julgados, da especificação dos concretos meios probatórios convocados e da indicação da decisão a proferir, previstas nas alíneas a), b) e c) do nº1 do citado artigo 640º, que integram um ónus primário, na medida em que têm por função delimitar o objeto do recurso e fundamentar a impugnação da decisão da matéria de facto.

E, por outro lado, a exigência da indicação exata das passagens da gravação dos depoimentos que se pretendem ver analisados, contemplada na alínea a) do nº 2 do mesmo artigo 640º, que integra um ónus secundário, tendente a possibilitar um acesso mais ou menos facilitado aos meios de prova gravados relevantes para a apreciação da impugnação deduzida.

II. Na verificação do cumprimento dos ónus de impugnação previstos no citado artigo 640º, os aspetos de ordem formal devem ser modelados em função dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.

III. Nesta conformidade, enquanto a falta de especificação dos requisitos enunciados no nº1, alíneas a), b) e c) do referido artigo 640º implica a imediata rejeição do recurso na parte infirmada, já, quanto à falta ou imprecisão da indicação das passagens da gravação dos depoimentos a que alude o nº 2, alínea a) do mesmo artigo, tal sanção só se justifica nos casos em que essa omissão ou inexatidão dificulte, gravemente, o exercício do contraditório pela parte contrária e/ou o exame pelo tribunal de recurso.

IV. Tendo o recorrente, indicado, nas conclusões das alegações de recurso, o início e o termo de cada um dos depoimentos das testemunhas ou indicado o ficheiro em que os mesmos se encontram gravados no suporte técnico e complementado estas indicações com a transcrição, no corpo das alegações, dos excertos dos depoimentos relevantes para o julgamento do objeto do recurso, tanto basta para se concluir que o recorrente cumpriu o núcleo essencial do ónus de indicação das passagens da gravação tidas por relevantes, nos termos prescritos no artigo 640º, nº 2, al. a) do CPC, nada obstando a que o Tribunal da Relação tome conhecimento dos fundamentos do recurso de impugnação da decisão sobre a matéria de facto.»[2]

Ora se assim é, não vislumbramos como dar acolhimento ao suscitado e enquadrado sob a questão prévia em análise.

Termos em que, sem necessidade de maiores considerações, improcede o suscitado nesta questão prévia.

4 – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

4.1 – Como ponto de partida, e tendo em vista o conhecimento dos factos, cumpre começar desde logo por enunciar o elenco factual que foi considerado/fixado como “provado” pelo tribunal a quo, ao que se seguirá o elenco dos factos que o mesmo tribunal considerou/decidiu que “não se provou”, sem olvidar que tal enunciação poderá ter um carácter “provisório”, na medida em que o recurso tem em vista a alteração parcial dessa factualidade.

Tendo presente esta circunstância, são os seguintes os factos que se consideraram “provados” no tribunal a quo:

               ...

               ...

               4.2 – A primeira ordem de questões que com precedência lógica importa solucionar é a que se traduz nas alegadas nulidades da sentença.

Tendo sido arguida a nulidade da sentença por reporte a várias causas [alíneas c), d) e e) do nº 1 do art. 615º do n.C.P.Civil], vejamos um por um esses fundamentos.

Que dizer relativamente ao concreto fundamento aduzido pela Requerida/recorrente da arguição de nulidade da decisão consistente em os fundamentos estarem em oposição com a decisão [1ª parte da al.c) do nº1 do art. 615º do n.C.P.Civil]?

E bem assim da arguição de nulidade por na sentença se ter conhecido de questões de que não se podia tomar conhecimento [art. 615º, nº1, al.d) do n.C.P.Civil]?

E com isto estamos a agrupar o conhecimento destas duas arguidas nulidades, na medida em que elas se reportam ao mesmo alegado nuclear vício, qual seja, o de na sentença se terem dado como “provados” factos [sob 3), 4), 7), 9), 10), 11), 12), 14), 15), 16) e 17)], os quais tendo sido carreados para os autos nas “alegações” apresentadas pelas partes no quadro do art. 39º, nº4 do REGIME GERAL DO PROCESSO TUTELAR CÍVEL[3], não constavam ou eram “diferentes” dos elencados no despacho através do qual se fixou os factos que constituíam a causa de pedir [despacho de 2.05.2019], para além de que tinha havido um despacho subsequente [despacho de 12.06.2019] através do qual expressamente se determinou «1) Desconsiderar a parte das alegações do requerido que extravasam a tramitação legal, a matéria alegada na p.i. e resumida no anterior despacho e os termos da notificação que foi dirigida às partes designadamente a parte final sublinhada», acrescendo que ao dar-se como “provados” esses ditos factos, tendo havido como houve o antecedente referido despacho, se estava a conhecer de questões de que não se podia tomar conhecimento.

Vejamos.

Segundo a referida alínea c) do citado art. 615º, nº 1 do n.C.P.Civil, a sentença será nula quando “os fundamentos estejam em oposição com a decisão”, e bem assim quando “ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível”.

Será então que se verifica a 1ª vertente desta causa de nulidade, a saber, quando “os fundamentos estejam em oposição com a decisão”?

A resposta a esta questão é claramente negativa – e releve-se este juízo antecipatório! – aliás, só se compreendendo a sua arguição por um qualquer equívoco ou deficiente interpretação dos conceitos legais.

É que segundo a referida alínea c) do citado art. 615º, nº1 do n.C.P.Civil, a sentença será nula quando “os fundamentos estejam em oposição com a decisão”, mas, obviamente que quando se fala, a tal propósito, em “oposição entre os fundamentos e a decisão”, está-se a aludir à contradição real entre os fundamentos e a decisão; está-se a aludir à hipótese de a fundamentação apontar num sentido e a decisão seguir caminho oposto.

Na verdade, o que está em causa nesse normativo é a contradição resultante de a fundamentação da sentença apontar num sentido e a decisão (dispositivo da sentença) seguir caminho oposto ou direção diferente[4], inserindo-se no quadro dos vícios formais da sentença, tal como elencados nos art.os 667º e 668º do C.P.Civil[5], e atualmente nos art.os 614º e segs. do n.C.P.Civil, sem contender, pois, com questões de substância, que, como tais, já se prendem com o mérito, e não com o âmbito formal.

Ora, como é bom de ver, o que a Requerida /recorrente no fundo sustentava era a eventual violação do caso julgado (formal) – dado o determinado em anterior despacho, que não teria sido observado/respeitado pela sentença! – que não a prolação de uma “decisão” que não estivesse em coerência com fundamentação de facto e de direito imediatamente antecedente nessa mesma sentença…

Dito de outra forma: manifestamente não foi cometido o alegado vício com referência à “decisão” constante do “dispositivo”!

Mas – afrontando agora diretamente o alegado vício da sentença em causa, com reporte à violação do determinado pelos anteriores despachos [conjugação do despacho de 2.05.2019, com o de 12.06.2019]! – será que foi cometido o vício de se estar a conhecer de questões de que não se podia tomar conhecimento?

Também a esta questão a nossa resposta é claramente negativa.

Senão vejamos.

Nos termos da dita al. d) do nº 1 do art. 615º do n.C.P.Civil, verifica-se a nulidade da sentença quando “O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.

Na verdade, à luz do disposto neste normativo, a decisão padece do vício da nulidade quer no caso de o juiz conhecer de questões de que não podia tomar conhecimento, quer no caso de deixar de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar, isto tendo-se presente que o juiz não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras – art. 608º, nº 2 do mesmo n.C.P.Civil.

Ora, tem sido entendimento pacífico da doutrina e da jurisprudência, que apenas as questões em sentido técnico, ou seja, os assuntos que integram o “thema decidendum”, ou que dele se afastam, constituem verdadeiras questões de que o tribunal tem o dever de conhecer para decisão da causa ou o dever de não conhecer, sob pena de incorrer na nulidade prevista nesse preceito legal.

Questões submetidas à apreciação do tribunal identificam-se com os pedidos formulados, com a causa de pedir ou com as exceções invocadas, desde que não prejudicadas pela solução de mérito encontrada para o litígio.

Coisa diferente são os argumentos, as razões jurídicas alegadas pelas partes em defesa dos seus pontos de vista, que não constituem questões no sentido do art. 615º nº 1, al.d), do n.C.P.Civil…

Ora se assim é, importa concluir que não foi cometido o aludido vício.

Recorde-se que na Ata correspondente à Conferência de Progenitores de 20.03.2019, começou por ser proferido o seguinte despacho:

«(…) entende o Tribunal que não é possível nos presentes autos, que foram instaurados como incumprimento das responsabilidades parentais, cumular os pedidos de condenação no incumprimento com o de alteração do regime fixado para as responsabilidades parentais, a não ser que houvesse entendimento dos pais, que não há.

Assim sendo, notifica-se o requerente para neste momento ou no prazo se 10 dias optar por uma das tramitações (alteração das responsabilidades parentais ou incidente de incumprimento das responsabilidades parentais) e para requerer o que tiver por conveniente quanto aos pedidos a fazer.»

Sendo que veio o Requerente ora recorrido, na sequência, optar no sentido de que o processo seguisse como incidente de incumprimento, pelo que, o que se cuidou de operar através do invocado despacho de 2.05.2019, foi de definir o âmbito temático do que ia ser apreciado nos autos (definição do “objeto do litígio”), isto é, enquanto sob o enquadramento de incidente de incumprimento, que não propriamente a uma fixação dos factos que constituíam a causa de pedir no mesmo.

Por outro lado, se bem se compulsar o subsequente despacho de 12.06.2019, não pode deixar de se constatar que através dele não se especificou e concretizou o que é que estava em “excesso” nas alegações, antes se aludiu a que era válida «a matéria alegada na p.i. e resumida no anterior despacho».

A esta luz, não vislumbramos que a factualidade consubstanciada nos apontados factos dados como “provados” sob 3), 4), 7), 9), 10), 11), 12), 14), 15), 16) e 17), tenha extravasado o “âmbito temático” do incidente de incumprimento, antes correspondem a um necessário enquadramento e concretização, sem o que a apreciação e decisão sobre o incidente não teria lastro factual a tal respeitante e atinente de forma cabal e bastante!

Acresce que, como doutamente sublinhado nas contra-alegações recursivas – quer da contraparte, quer do MºPº – extrai-se do artº 12º do RGPTC e dos artos 5º, nos 1 e 2, 986º, nº 2 e 987º do n.C.P.Civil, que nos processos de jurisdição voluntária (como é este), o Tribunal dispõe dos mais amplos poderes investigatórios, não estando sujeito à iniciativa das partes e bem assim neles não vigora o princípio do ónus da alegação e prova, conhecendo o Tribunal de todos os factos que apure, mesmo dos que não tenham sido alegados pelas Partes.

 Não obstante o vindo de dizer, o que foi citado em termos de fundamentação (latu sensu) pelo tribunal a quo, poderá constituir um eventual erro de julgamento (quer de facto, quer de direito) sobre a questão sub judice, mas não um vício estrutural da sentença, que tivesse virtualidades para conduzir à nulidade da mesma.

Sucede que essa eventual incorreção não é causa de nulidade de sentença, configurando, quando muito, um erro de julgamento!

Nessa medida, será apreciada no último capítulo deste aresto, para lá se reservando a sua apreciação.

Assim improcedendo, sem necessidade de maiores considerações, esta vertente da arguida nulidade.

                                                                          ¨¨

E que dizer da arguição de nulidade por alegadamente se ter conhecido de questões de que não se podia tomar conhecimento e ter sido proferida condenação em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido [alíneas d) e e) do nº1 do art. 615º do n.C.P.Civil, respetivamente], ora por reporte a ter ficado esclarecido por despacho proferido nos autos que o Requerente não tinha pedido a condenação da Requerida em qualquer “multa” mas apenas tinha pedido a fixação duma indemnização a favor da jovem, mas ainda assim, na sentença foi proferida a condenação da Requerida numa “multa” que se fixou em 5 UC (quinhentos e dez euros).

Salvo o devido respeito, também não assiste nesta parte qualquer razão à Requerida/recorrente.

É que esta argumentação desconsidera a natureza do incidente de incumprimento que está em causa, a saber, correspondente a um “ilícito”.

Sobre tal preceitua o art. 41º, nº1 do RGPTC pela seguinte forma:

«Se, relativamente à situação da criança, um dos pais ou a terceira pessoa a quem aquela haja sido confiada não cumprir com o que tiver sido acordado ou decidido, pode o tribunal, oficiosamente, a requerimento do Ministério Público ou do outro progenitor, requerer, ao tribunal que no momento for territorialmente competente, as diligências necessárias para o cumprimento coercivo e a condenação do remisso em multa até vinte unidades de conta e, verificando-se os respetivos pressupostos, em indemnização a favor da criança, do progenitor requerente ou de ambos.» [sublinhados nossos].

Decorre deste normativo que o incumprimento em causa se traduz num ilícito, e daí a condenação do “remisso” numa “multa”.

Ora se assim é, s.m.j., essa condenação é um poder-dever do Tribunal, sendo, aliás, em linha com um tal entendimento que o legislador atribuiu ao Juiz oficiosamente suscitar o incidente.

Solução distinta, em nosso entender, já ocorre quanto à indemnização (a favor da criança, do progenitor requerente ou de ambos) a que se alude neste mesmo normativo, pois que relativamente a esta é que se tratará de uma condenação que só pode ter lugar no caso de ter sido expressamente requerida.

Nestes termos e sem necessidade de maiores considerações, improcede igualmente esta arguição de nulidade.

4.3 – A seguinte ordem de questões que com precedência lógica importa solucionar é a que se traduz na alegada nulidade por violação do princípio do contraditório [a qual é suscetível de influir sobre a decisão da causa].

Sustenta enfaticamente a Requerida ora recorrente que «nunca foi notificada para deduzir oposição nem para usar do contraditório acerca dos novos factos ou factos diferentes que apareceram em sede de alegações, aparecendo depois alguns deles, como factos provados, na Sentença, tendo assim sido desrespeitado, nomeadamente o art.º 3 do CPC.

Pelo que tendo sido dados como provados na Sentença factos relativamente aos quais a requerida nunca fora notificada para deduzir oposição nem para usar do contraditório (tratando-se de factos novos ou diferentes dos já antes fixados como sendo a causa de pedir e até também já antes desconsiderados), a Sentença constituiu uma decisão-surpresa.».

Que dizer?

Que, salvo o devido respeito, não lhe assiste qualquer razão.

Senão vejamos.

Tanto quanto é dado perceber, no essencial está novamente em causa a factualidade constante dos factos dados como “provados” sob 3), 4), 7), 9), 10), 11), 12), 14), 15), 16) e 17), e a que já se aludiu anteriormente.

Ora, em linha com o já supra sustentado a este propósito, temos para nós que essa factualidade se incluía no “objeto do litígio”, pelo que, ao ser conferido às partes o direito de produzir “alegações”, face ao que tinha sido definido como âmbito temático do que ia ser apreciado nos autos, era legítima faculdade e direito das mesmas produzir “alegações”, quer de facto, quer de direito sobre o litígio.

Na verdade, a lei não restringe o objeto dessas “alegações”, preceituando-se tão somente no nº 4 do art. 39º do já citado RGPTC que «se os pais não chegarem a acordo, o juiz notifica as partes para, em 15 dias, apresentarem alegações ou arrolarem até 10 testemunhas e juntarem documentos.».

Interpretando esta disposição legal, sustenta o Requerente ora recorrido nas suas contra-alegações que «Resulta disto, que a Parte “queixosa” pode, nas alegações, repetir e ampliar a factualidade que expendeu no Requerimento Inicial, enquadrando-a juridicamente, e requerer a produção da prova que entenda pertinente, ou pode impetrar, muito simplesmente, a produção de prova relativamente à matéria que alinhou naquele Requerimento».

Também assim o entendemos.

Aliás, a propósito da correta interpretação da alternativa estabelecida no nº7 desse mesmo normativo para a realização de julgamento – estar tal dependente da apresentação de alegações ou apresentação das provas, a inculcar a ideia que bastaria apresentar alegações sem provas ou estas sem aquelas – já foi doutamente entendido que «Mas a verdade é que não faz sentido apresentar alegações sem provas ou estas sem aquelas, já que as provas servem para demonstrar os factos alegados e alegações sem provas são inúteis. Daí entender tratar-se de um lapso do legislador, pelo que se exige a apresentação de alegações e provas.».[6] 

O que tudo serve para dizer que contemplando as “alegações” que sejam apresentadas neste contexto, naturalmente “factos”, estes poderão ser complementares e instrumentais do que inicialmente havia sido alegado, relativamente aos quais o “contraditório” pela contraparte será exercido na audiência de produção de provas.

Sendo certo que a Requerida aqui recorrente foi oportunamente (rectius, antes da audiência de discussão e julgamento), notificada das “alegações” aqui em causa e que pôde na audiência exercer o contraditório sobre os factos a que alude, e as provas apresentadas, designadamente podendo ter feito a atinente contraprova.

Rememora-se apenas o seguinte em abono desta linha de entendimento.

Há claramente, no atual (“novo”) Código de Processo Civil o reforço do contraditório, tida que é a audição das partes sobre cada questão a decidir no processo como fator indispensável da realização da justiça: é assim que o nº 3 do art. 3º expressamente dispõe que «o juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem».

Mas quando é que, afinal, se viola, frontalmente, o princípio do contraditório, plasmado no dito art. 3º, nº 3, do n.C.P.Civil?

Já foi doutamente sublinhado que, modernamente, o contraditório é entendido como uma garantia de participação efetiva das partes no desenvolvimento de todo o litígio, mediante a possibilidade de, em plena igualdade, influírem em todos os elementos (factos, provas, questões de direito) que se encontrem em ligação com o objeto da causa e que em qualquer fase do processo apareçam como potencialmente relevantes para a decisão. O escopo principal do princípio do contraditório deixou assim de ser a defesa, no sentido negativo de oposição ou resistência à atuação alheia, para passar a ser a influência, no sentido positivo de direito de incidir ativamente no desenvolvimento e no êxito do processo.[7]

Sendo que em sede de processo tutelar cível, o exercício do contraditório pode ter amplamente lugar na “audiência de discussão e julgamento” que se realize no quadro previsto no art. 39º, nº 7 do citado RGPTC.

Dito de outra forma: não se vislumbra que a Requerida/recorrente tenha estado coartada no exercício do contraditório quanto aos factos em referência, nem que a sentença final que os tenha contemplado possa configurar a produção de uma decisão surpresa.

Assim sendo e brevitatis causa, improcede claramente esta questão recursiva.

4.4 – A Requerida/recorrente sustenta igualmente o desacerto da decisão sobre a matéria de facto, quer por omissão [pugnando-se no sentido de que, em acréscimo à factualidade “provada”, devia ser dado como “provado” um conjunto de factos que elenca], quer quanto aos pontos de facto “provados” sob 3), 4), 5), 7), 9), 10), 11), 12), 14), 15), 16) e 17) [dados por “provados” incorretamente].

Apreciemos com o necessário pormenor e detalhe cada um dos pontos de facto questionados.

Sem prejuízo de esta apreciação ser feita conjuntamente, quando justificada in casu.

...

                5 - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Cumpre agora entrar na apreciação da última questão igualmente supra enunciada, esta já diretamente reportada ao mérito da sentença, na vertente da fundamentação de direito da mesma, a saber, ter havido erro de decisão [ao dar-se procedência ao incidente de incumprimento].

Cremos que a resposta quanto ao aspeto do incumprimento se constitui como linear e inabalável.

É que tendo sido improcedente, salvo em pequenos aspetos pontuais, a impugnação à decisão sobre a matéria de facto, temos que subsiste como inteiramente positivo e inquestionável a verificação do incumprimento pela Requerida/recorrente do acordado quanto ao regime do convívio da menor com o pai e bem assim do regime de visitas.

E nem se argumente – como feito nas alegações recursivas! – que «consta dos autos que o requerente apenas se deslocou à cidade da Guarda 2 vezes e nessas duas vezes esteve com a jovem. Se mais vezes tivesse vindo mais vezes se teria encontrado com a jovem. Aliás, se o requerente não quisesse vir mesmo até à cidade da Guarda poderia ter sugerido um local intermédio. Enfim, apenas se pode concluir que apesar da mudança para a Guarda a requerida mostrou disponibilidade para articular com o requerente uma solução logística; que nas poucas vezes que o requerido veio à Guarda esteve com a jovem; que o requerente não esteve mais vezes com a jovem porque não veio mais vezes à Guarda nem apresentou sequer uma proposta para articular com a requerida de forma a proporcionar e facilitar logisticamente outras visitas», ou que «Uma vez que após a separação, o requerente viveu perto da filha na região de Lisboa durante cerca de um ano e a sua relação foi-se degradando progressivamente, talvez uma nova forma de encontros (podendo transferir-se os jantares de 4ª feira para os fins de semana) até pudesse inverter essa tendência. Porém, como se referiu, o que se verificou foi uma total ausência de manifestação de vontade do requerente para articular com a requerida os encontros na Guarda e uma total ausência de pedido de desculpas por parte do pai relativamente à jovem pelos factos que ele praticara e que afastaram a jovem do pai».

Ora, esta linha de argumentação supõe um lastro factual que, em contraste, não se deteta suficientemente nos factos “provados” que subsistiram como tal.

Depois, quanto a nós, o que se apura e evidencia é antes que, como enfatizado na sentença recorrida, «Em consequência da mudança de residência sem prévia alteração do regime de convívio com o pai, a relação deste com a menor que já estava a deteriorar-se, passou de pouca a nenhuma.»

Atente-se que o convívio/jantar às quartas-feiras ficou materialmente muito dificultado, senão mesmo impossibilitado, por não ser praticável face a uma distância superior a 300 km, a não ser com um esforço enorme por parte do progenitor, objetivamente não exigível, pelo menos em termos de frequência semanal, sobretudo quando as possibilidades de insucesso ou menor satisfação (dada a resistência e desagrado da menor) eram mais do que previsíveis.

Donde, salvo o devido respeito, não pode ser assacado ao Requerente ora recorrido qualquer quota de responsabilidade pela circunstância de «Com a mudança de residência, deixaram de ter lugar os convívios da menor com o Requerente, todas as quartas feiras» [cf. facto “provado” sob 7), com a alteração supra operada]…

Acresce que, ao invés do sustentado pela Requerida/recorrente, a doutrina e a jurisprudência têm considerado a alteração de residência uma “questão de particular importância”.[8]

TOMÉ D’ALMEIDA RAMIÃO, destaca que o conceito não é novo, porque já constava dos arts. 1901.º, n.º 2 e 1902.º, n.º 1, e considera que «deverá relacionar-se com questões existenciais graves, centrais e fundamentais para o seu desenvolvimento, segurança, saúde e formação da criança, todos os atos que se relacionem com o seu futuro, a avaliar em concreto e em função das circunstâncias». Para concretizar o conceito, o autor adianta alguns exemplos de questões que considera preencherem os requisitos da “particular importância” e que são os seguintes: «intervenções cirúrgicas da qual possam correr riscos para a saúde do menor; a prática de atividades desportivas radicais ou outras que possam comportar perigos para a sua integridade física; a saída do menor para o estrangeiro sem ser em viagem de turismo e quando acompanhado com um dos progenitores, ou para países em conflito de que resultem riscos acrescidos para a sua segurança; a educação religiosa do menor; a frequência de atividades extracurriculares, como a música ou o teatro; matrícula em colégio privado; mudança de residência do menor para local distinto da do progenitor a quem foi confiado; as decisões relativas à administração dos bens do filho que impliquem disposição ou oneração»[9].

HELENA BOLIEIRO e PAULO GUERRA, depois de destacarem que o conceito é “gerador de muitas dúvidas e subjetividades” e que a “exposição de motivos dá uma diretiva”, acrescentam que estão em causa assuntos que «se resumem a questões existenciais graves e raras na vida de uma criança, questões essas que «pertencem ao núcleo essencial dos direitos que são reconhecidos às crianças» e apontam os seguintes exemplos: «decisão sobre intervenções cirúrgicas no filho (inclusive as estéticas); saída do filho para o estrangeiro, não em turismo mas em mudança de residência, com algum caráter duradouro; saída do filho para países em conflito armado que possa fazer perigar a sua vida; obtenção de licença de ciclomotores; escolha de ensino particular ou oficial para a escolaridade do filho; decisões de administração que envolvam oneração; educação religiosa do filho (até aos seus 16 anos); prática de atividades desportivas que representem um risco para a saúde do filho; autorização parental para o filho contrair casamento; orientação profissional do filho; uso de contraceção ou interrupção de uma gravidez; participação em programas de televisão que possam ter consequências negativas para o filho». [10]

M. C. SOTTOMAYOR considera que a «noção de particular importância, porque varia de acordo com a personalidade de cada criança e com os costumes de cada família, deve ser concretizada no acordo dos pais» e que o conceito deve ser «interpretado restritivamente sob pena de se criar demasiada incerteza para o progenitor residente e para terceiros». Destaca ainda o facto de a delimitação entre atos correntes e atos de particular importância ser difícil de estabelecer em abstrato, «pois existe entre estas duas categorias uma ampla zona cinzenta formada por atos intermédios», cuja fronteira depende dos “costumes de cada família concreta”, dos “usos da sociedade num determinado momento histórico”, sendo que, na sua ótica, a «restrição do conceito (…) confere, à família pós-divórcio e às crianças, uma maior estabilidade» pelo que defende um «alargamento da noção de orientações educativas relevantes cuja definição pertence ao progenitor residente».[11]

Como quer que seja, parece-nos que se resulta da intenção do legislador expressa no preâmbulo do projeto de lei, o conceito de “questões de particular importância” ter um âmbito restrito, limitado a questões “existenciais graves e raras na vida de uma criança”, que “compõem o núcleo essencial dos seus direitos”, avaliadas objetivamente, quando, como no caso vertente, se alia a uma mudança de residência da capital do País /Lisboa para uma cidade do interior/Guarda, uma necessária alteração do estabelecimento de ensino até aí frequentado, parece-nos inquestionável que tudo isso constituía, na circunstância, uma  “questão de particular importância” para a menor dos autos.[12]

Ademais, também volvendo aos autos, o que é certo é que a Requerida/recorrente não fez prova de ter ela própria – como seria seu dever! – comunicado ao Requerente a mudança de residência dela e da menor para a cidade da Guarda, isto sem embargo de ele de tal ter tido “conhecimento” antes (na iminência) de tal ir ser operado.

Assim como não resultou apurada qualquer urgência, nem necessidade de tal ser feito, ou, pelo menos, a Requerida/recorrente não apresentou razões que o pudessem justificar sob esse enquadramento, mormente aos olhos do Requerente (urgência e necessidade), sendo certo que nada isso era de presumir por ele ou se impunha ser adivinhado pelo mesmo...

Assim sendo, subsistem todos os fundamentos de facto e de direito para a decisão de condenação operada – aspeto diverso será o grau ou intensidade do incumprimento, com reflexo na graduação da sanção, que se apreciará de seguida! – , atenta a apurada verificação de todos os pressupostos à luz do já citado art. 41º, nº1 do RGPTC, mormente quanto à conclusão de que a Requerida violou, sem causa de justificação, o acordo de regulação das responsabilidades parentais, quanto ao regime do convívio da menor com o pai e bem assim do regime de visitas, donde se impor a sua condenação em conformidade, tal como devidamente explicitado na sentença recorrida, para onde nessa parte remetemos sem mais, designadamente quanto ao seguinte segmento:

«(…)

Sem prejuízo, ficou demonstrado que a Requerida alterou a residência da menor, de Loures para a Guarda, com a consequente alteração do estabelecimento de ensino que a Jovem frequentava, tudo sem o consentimento do Requerente.

Conforme já aludido, a fixação de residência é indiscutivelmente uma questão de maior importância. Salvo melhor opinião, a alteração do estabelecimento de ensino também o será, principalmente na fase em que a Jovem se encontra (ensino secundário).

A Requerida não demonstrou urgência manifesta na mudança efectuada, sendo que em caso de falta de consentimento ou de resposta do Requerente, deveria ter lançado mão do incidente previsto no artigo 44º do RGPTC.

Ainda que não tenha ficado demonstrado, cumpre aqui referir que é inaceitável o alegado pela Requerida no sentido de ter comunicado ao Requerente as razões pelas quais tinha de se mudar para a cidade da Guarda, pedindo sugestões para a alteração do regime de visitas. Deste modo, a Requerida apresentou a dita mudança como um facto consumado e sem possibilidade de discussão, como se fosse a única responsável pela educação e assistência à filha.»

Com efeito, a sentença recorrida efetuou um adequado enquadramento jurídico do caso, para o qual, “brevitatis causa” se remete.

Mas será de manter o montante da multa aplicada?

Quanto a tal a nossa resposta é de sentido negativo.

É que se dos autos resulta efetivamente um incumprimento da Requerente/recorrente, já não o evidenciam nos termos e com o âmbito/dimensão apontados na decisão recorrida.

Por aqui é que é possível dar algum acolhimento ao recurso da Requerente/recorrente.

Com efeito, o incumprimento mostra-se circunscrito quanto ao convívio e visitas entre menor e progenitor – isto é, já não que por via do comportamento da Requerida/recorrente, tivesse sido violado ou tivesse ficado impedido o direito do Requerente ao exercício conjunto das responsabilidades parentais quanto a questões de particular importância para a vida da menor [cf. facto “provado” sob 10), com a alteração supra operada]….

Assim sendo, operando nova graduação da multa [pode a mesma ir até vinte unidades de conta], opta-se por, mantendo a condenação da Requerente/recorrente, reduzir a condenação da mesma de 5 UCs para 4 UCs.

Já quanto ao aspeto da indemnização em que a Requerida/recorrente foi condenada a favor da menor [€1.250,00], cremos nada se impor alterar.

Aliás, nem sequer constam das alegações recursivas quaisquer argumentos de discordância, em termos dogmáticos ou quantitativos, relativamente ao enquadramento jurídico nessa parte…

Nestes termos, isto é, apenas parcialmente, procedendo o recurso, por limitado ao montante da condenação em multa dele objeto.

               6 – SÍNTESE CONCLUSIVA

I – O artigo 1906º do C.Civil [com a redação decorrente da Lei n.º 61/2008, de 31 de outubro] impôs como regra o exercício conjunto das responsabilidades parentais em relação às questões de particular importância, salvo nos casos de urgência manifesta, em que qualquer dos progenitores pode agir sozinho, devendo prestar informações ao outro logo que possível.

II – Consideram-se “questões de particular importância”, entre outras: as intervenções cirúrgicas das quais possam resultar riscos acrescidos para a saúde do menor; a prática de atividades desportivas radicais; a saída do menor para o estrangeiro sem ser em viagem de turismo; a matrícula em colégio privado ou a mudança de colégio privado; mudança de residência do menor para local distinto da do progenitor a quem foi confiado.

               7 - DISPOSITIVO

               Pelo exposto, na parcial procedência do recurso deduzido, acorda-se em alterar no dispositivo da sentença recorrida a condenação da Requerida/recorrente em multa, nos termos do art. 41º n.º 1 do RGPTC, a favor do Estado, a qual se fixa agora em 4 Ucs para a mesma, mantendo-se quanto ao demais a sentença recorrida nos seus precisos termos.

Custas do recurso pela Requerida/recorrente e Requerente/recorrido, na proporção de 4/5 para aquela e 1/5 para este.                                                                                                                                                                                                      Coimbra, 16 de Março de 2021  

                                                                   Luís Filipe Cravo

                                                                 Fernando Monteiro

                                                                 Ana Márcia Vieira


***



[1] Relator: Des. Luís Cravo
  1º Adjunto: Des. Fernando Monteiro
  2º Adjunto: Des. Ana Vieira
 
[2] Cf. acórdão do STJ de 21.03.2019, proferido no proc. nº 3683/16.6T8CBR.C1.S2, acessível em www.dgsi.pt/jstj.
[3] Aprovado pela Lei n.º 141/2015, de 08/09, doravante “RGPTC”.
[4] Assim o acórdão do STJ de 14.01.2010, no proc. nº 2299/05.7TBMGR.C1.S1, com sumário disponível em www.dgsi.pt.
[5] Cfr., por todos, o acórdão do STJ de 23.05.2006, no proc. nº 06A1090, acessível em www.dgsi.pt/jstj.
[6] Assim por TOMÉ d’ALMEIDA RAMIÃO, in “REGIME GERAL DO PROCESSO TUTELAR CÍVEL”, Anotado e Comentado, Quid Juris, 2016, a págs. 113-114.
[7] Assim por LEBRE DE FREITAS, in “ Introdução ao Processo Civil”, Coimbra, 3ª ed., a págs. 124-125, citando Nicolò Trocker.
[8] A Lei n.º 61/2008, de 31 de outubro, procedeu a importantes alterações ao nível do regime das responsabilidades parentais. Em termos terminológicos, substituiu a expressão “poder paternal” por “responsabilidades parentais”. No âmbito do regime do exercício das responsabilidades parentais, alterou, entre outros, o artigo 1906.º do C. Civil, impondo como regra o exercício conjunto das responsabilidades parentais em relação às questões de particular importância, salvo nos casos de urgência manifesta, em que qualquer dos progenitores pode agir sozinho, devendo prestar informações ao outro logo que possível. Ao adotar este regime foi intenção do legislador alcançar, em relação àquelas questões, um maior envolvimento dos pais na vida dos filhos e, deste modo, estimular o relacionamento da criança com o progenitor não residente.
[9] Assim em “Divórcio e Questões Conexas – Regime Jurídico Atual (De acordo com a Lei n.º 61/2008)”, Quid Juris, a págs.147.
[10] in “A Criança e a Família – Uma Questão de Direito(s): Visão Prática dos Principais Institutos do Direito da Família e das Crianças e Jovens”, Coimbra Editora, a págs. 175-176.
[11] Assim em “Regulação do Exercício das Responsabilidades Parentais nos Casos de Divórcio”,6ª edição, Almedina, Coimbra, a págs. 312 e 322.
[12] Neste sentido, vide na jurisprudência, inter alia, o acórdão do TRC de 18.10.2011, proferido no proc. nº 626/09.7TMCBR.C1 e o acórdão do TRG de 23.02.2017, proferido no proc. nº 23/14.2T8VCT-A.G1, ambos acessíveis em www.dgsi.pt.