Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
32/14.1TBCNF-D.F1
Nº Convencional: JTRC
Relator: VÍTOR AMARAL
Descritores: CESSÃO DE CRÉDITOS
NOTIFICAÇÃO AO DEVEDOR
EXECUÇÃO
INCIDENTE DE HABILITAÇÃO
Data do Acordão: 12/14/2020
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VISEU - VISEU - JUÍZO EXECUÇÃO - JUIZ 2
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 577, 583, 585 CC, 356 CPC
Sumário: 1. - No âmbito da cessão de créditos, a função da notificação ao devedor (art.º 583.º, n.º 1, do CCiv.) é a de lhe dar a conhecer a identidade do cessionário (novo credor, por substituição), evitando o cumprimento ao credor originário.

2. - Por isso, tal conhecimento pode ser concedido/obtido através da citação para a ação (declarativa ou executiva) ou mesmo com a notificação para oposição ao incidente de habilitação de cessionário no âmbito de execução pendente, visto a partir de então o devedor ficar a conhecer a existência da cessão e a identidade do novo credor.

3. - Neste caso, a cessão torna-se eficaz em relação ao devedor/executado a partir da sua notificação para se opor ao incidente de habilitação de cessionário, não havendo fundamento para a improcedência, por isso, de tal incidente.

Decisão Texto Integral:








           

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra:

                                                 ***

I – Relatório

P (…), S. A.”, com os sinais dos autos, por apenso a autos de execução,

veio requerer ([1]) contra a Exequente – “C (…)”, também com os sinais dos autos – e os Executados – “E (…), Lda.”, herdeiros de M (…), sendo F (…) herdeiro habilitado daquela, M (…), J (…) e D (…), todos também com os sinais dos autos – incidente da sua habilitação de cessionário, de acordo com o disposto no art.º 356.º, n.º 2, do NCPCiv.,

alegando que:

- a Requerente (cessionária) celebrou com a “C (…)” (cedente), em 12/07/2019, “contrato de venda de créditos”, ao abrigo do qual foram transmitidos créditos e garantias da segunda para a primeira, entre os quais os créditos exequendos nos autos principais;

- devendo, por isso, ser a Requerente, atual titular dos créditos, admitida a substituir a Cedente na qualidade de credora sobre os Executados, quanto aos créditos exequendos, como única titular e beneficiária das garantias e direitos acessórios dos mesmos.

Pediu, assim, a sua habilitação na qualidade de exequente nos presentes autos, em substituição do cedente, juntando documento alusivo à invocada cessão.

Efetuadas notificações para contestação, apenas o Executado F (…)deduziu oposição, pronunciando-se pelo indeferimento da habilitação.

Alegou, em síntese:

- desconhecer a que título foi chamado ao incidente, uma vez que não consta do requerimento inicial nem dos documentos que o instruem, desconhecendo também a Requerente;

- não retirar dos documentos o crédito que a mesma afirma ter sobre si;

- não estar o preço da cessão ainda totalmente pago, sendo que nunca foi notificado do ato de constituição da Requerente e dos respetivos estatutos;

- não ter sido notificado da cessão, que não obedece aos requisitos do art.º 578.º, n.º 2, do CCiv., pelo que a mesma não produz efeitos em relação ao devedor;

- não ter a Exequente comunicado ao Executado a intenção de ceder os créditos, situação que fragiliza a posição deste último.

A Requerente ainda veio pronunciar-se sobre a oposição apresentada, concluindo pela respetiva improcedência.

Foi depois proferida sentença (datada de 25/01/2020), julgando procedente o incidente de habilitação, com a consequente declaração de ficar a Requerente habilitada na qualidade de exequente nos autos, em substituição da Cedente.

Inconformado, recorre o Requerido F (…) Torres, apresentando alegação, onde formula as seguintes

Conclusões:

«1) O presente recurso vem interposto da douta sentença proferida no âmbito dos presentes autos, e que julgou improcedentes os fundamentos aduzidos na contestação apresentada pelo recorrente.

2) Perscrutados os autos, desconhece, em absoluto, o ora recorrente, a posição processual que a exequente desempenha, visto que não foi notificado de qualquer ato que o tivesse legitimado a conhece-la.

3) Sendo certo que, se compulsarmos os autos, por contrato de cessão de créditos, a sociedade exequente, cedeu à sociedade requerente, o crédito que detinha sobre os executados; razão pela qual, a requerente se arroga titular do crédito subjacente ao caso que nos ocupa, cujo pagamento é reclamado nos autos principais, alegando-se, para tanto, que a mesma se encontra habilitada para ocupar a posição processual de exequente.

4) Não obstante, reforça-se o facto de, o aqui recorrente, desconhecer tal procedimento de cessão de créditos, na medida em que nunca foi notificado de nenhum ato que consubstancia-se o conhecimento efetivo de tal cessão.

5) Aliás, dispõe o art.º 356 do Código Civil que: “A cessão produz efeitos em relação ao devedor, desde que lhe seja notificada, ainda que extrajudicialmente, ou desde que ele aceite.”

6) Assim, a cessão de créditos, deverá ser notificada ao devedor, seja pela cedente, seja pela cessionária, para produzir efeitos em relação ao mesmo.

7) Destarte, a nosso ver, é manifesto que não assegurou, a exequente, a sua efetiva legitimidade processual quanto à titularidade do crédito em causa.

8) Na verdade, embora seja questão que não conhece tratamento uniforme na doutrina e na jurisprudência, na nossa perspetiva, a legitimidade substantiva da exequente, apenas estaria assegurada com a notificação da cessão de créditos ao executado, ora requerente.

9) Para além de que, nas palavras de LUÍS MANUEL TELES DE MENEZES LEITÃO (“Direito das Obrigações”, Volume II, 10ª Edição, 2016, página 26, e no mesmo sentido em “Cessão de Créditos”, 2005, página 361): “A cessão de créditos apenas produz efeitos em relação ao devedor desde que lhe seja notificada, ainda que extrajudicialmente, ou desde que ele a aceite (art. 583.º, n.º 1 CC). A notificação e a aceitação não estão sujeitas a forma especial (cfr. art. 219.º). Não se pode, no entanto, considerar equivalente à notificação o facto de o cessionário se limitar a instaurar contra o devedor ação de cobrança do crédito(…)”.

10) Ora, um dos elementos essenciais da presente causa, porque integrante da causa de pedir, é, precisamente, o da notificação da cessão de créditos, ou a sua aceitação por parte do devedor.

11) Significa isto que, antes da citação, já tal elemento deverá fazer parte do elenco dos factos articulados no petitório, para que, uma vez citado o devedor, tal facto esteja adquirido definitivamente para a causa, juntamente com os demais elementos que constituem a causa de pedir.

12) Para além de que, citação tem apenas uma tríplice função, a saber: dar conhecimento ao réu de que foi contra ele proposta uma determinada ação; convidar o demandado para se defender; bem como constituí-lo como parte.

13) Em síntese, na modesta ótica do recorrente, e sempre salvo o devido respeito por diferente entendimento, não reúne, a exequente, os necessários requisitos de legitimidade processual e substantiva para assumir a qualidade de exequente em relação aos créditos em causa.

14) Pelo exposto, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 726.º, n.º 2, alínea b), do Código de Processo Civil, deve indeferir-se liminarmente o presente processo executivo, porquanto, a exequente, se encontra destituída de legitimidade substantiva e processual para assumir essa qualidade no âmbito dos presentes autos.

Nestes termos e nos mais de Direito, que V. Exas doutamente suprirão, deverá o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, revogada a, aliás, douta sentença proferida em sede de 1ª Instância.

Assim se fazendo a acostumada justiça!» (destaques retirados).

Contra-alegou a Requerente, pugnando pela improcedência do recurso.


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O recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos incidentais (de habilitação) e com efeito meramente devolutivo, após o que foi ordenada a remessa dos autos a este Tribunal ad quem, com manutenção do regime recursivo.

Nada obstando, na legal tramitação, ao conhecimento do mérito do recurso, cumpre apreciar e decidir.


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II – Âmbito do Recurso

Perante o teor das conclusões formuladas pela parte recorrente – as quais (excetuando questões de conhecimento oficioso não obviado por ocorrido trânsito em julgado) definem o objeto e delimitam o âmbito do recurso, nos termos do disposto nos art.ºs 608.º, n.º 2, 609.º, 620.º, 635.º, n.ºs 2 a 4, 639.º, n.º 1, todos do NCPCiv. –, cabe saber, apenas, se, faltando a notificação da cessão de créditos ao devedor (o Requerido/Apelante), a transmissão creditória não produz efeitos relativamente a ele, com a consequência da improcedência do incidente de habilitação.


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III – Fundamentação

          A) Matéria de facto

Na 1.ª instância foi proferida – sem controvérsia nesta parte ([2]) – a seguinte decisão quanto à matéria de facto ([3]):

«1- Em 24.01.2014, a C (…) interpôs contra, além dos demais, E (…)Lda.,  M (…), J (…), e M (…), acção executiva, onde solicitou o pagamento da quantia de € 586.920,35, acção essa que constitui os autos principais;

2- Na mesma refere que emprestou à sociedade executada, por contrato celebrado por escritura pública, o montante de € 750.000,00, a qual não pagou as prestações de capital e juros desde 13.05.2011, sendo os restantes executados fiadores e principais pagadores de tal obrigação, nos termos constantes da dita escritura, onde também foi hipotecado bem como garantia;

3- Na pendência da acção executiva, faleceu a executada M (…) sendo que, por sentença datada de 12.05.015, proferida no apenso B, foram habilitados para prosseguir na causa, em substituição da mesma, o executado M (…) e F (…)

4- Por escritura pública realizada em 19.07.2019, no Cartório Notarial de (…), Lisboa, a exequente cedeu à requerente P (…), S. A. vários créditos, entre eles o que foi dado em execução nos autos principais, pelo preço global de € 105.137.562,00;

5- Mais declararam que naquela data a cessionária pagou à cedente o montante de € 31.541.269,00 e que até ao dia 27 de Dezembro de 2019 pagaria o restante do preço acordado;

6- Declararam, ainda, que a cessão comporta, relativamente a cada um dos créditos, a transmissão para a cessionária de todos os direitos, garantias e acessórios a eles inerentes.» ([4]).

 


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B) Fundamentação de direito

Da (não) notificação da cessão de créditos ao devedor

Pretende o Recorrente, em matéria de direito, que o incidente de habilitação de cessionário seja julgado improcedente, por não se verificarem em plenitude os respetivos pressupostos legais, a que alude o disposto no art.º 356.º do NCPCiv., o que retira da circunstância de não lhe ter sido notificada a cessão, em colisão com o disposto no art.º “356.º” do CCiv., que imporia tal notificação, sob pena de ineficácia da cessão em relação ao devedor.

Ora, é verdade que o art.º 583.º, n.º 1 – e não 356.º –, do CCiv., sob a epígrafe “Efeitos em relação ao devedor”, impõe tal notificação, estabelecendo que a cessão produz efeitos em relação ao devedor desde que lhe seja notificada, ainda que extrajudicialmente, ou desde que ele a aceite.

E o art.º 585.º do mesmo Cód. permite ao devedor opor ao cessionário, ainda que este os ignorasse, todos os meios de defesa que lhe seria lícito invocar contra o cedente, com ressalva dos que provenham de facto posterior ao conhecimento da cessão.

Na sentença seguiu-se o seguinte entendimento:

«Quanto à alegada falta de notificação prévia da cessão, esta não tem carácter constitutivo, uma vez que a figura da cessão de créditos (artigo 577.º, do Código Civil) permite concluir que a mesma e a correspondente modificação subjectiva operada na relação creditícia se consumam com a outorga do acordo causal (contrato atípico, compra e venda de créditos, factoring, doação, trespasse, etc.), sendo a sua notificação ou a aceitação mera condição de eficácia externa em relação ao devedor.

Como refere Menezes Leitão, a “ineficácia do contrato em relação ao devedor constitui um mero limite à tutela do direito de crédito, que não prejudica o facto de o cessionário passar logo a ser perante o cedente o efectivo titular do direito transmitido”. Menezes Leitão, Direito das Obrigações, vol. II, p. 22.

Acresce que, tal como defendido no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 03.06.2004, onde foi relator o Exmo. Sr. Conselheiro Noronha do Nacimento (disponível em www.dgsi.pt), considerando que a notificação se destina tão só a tornar a cessão de créditos eficaz em relação ao devedor, tendo em vista, além do mais, evitar que a satisfação da prestação seja feita ao primitivo credor, nada obstar a que tal efeito se produza através da própria citação para a acção executiva ou declarativa.

Neste sentido vai também Assunção Cristas, em Transmissão Contratual do Direito de Crédito, págs. 133 e 134, e em Cadernos de Direito Privado, nº 14.

A notificação ao devedor constitui apenas uma condição de eficácia da cessão perante si, dando-lhe a conhecer a identidade do cessionário e evitando que o cumprimento seja feito perante o primitivo credor, o que pode perfeitamente ser obtido através da citação para a acção executiva (ou com a notificação para o incidente de habilitação a operar na mesma), momento a partir do qual o devedor fica ciente da existência da cessão e inibido de invocar o seu desconhecimento. Neste sentido ainda o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa datado de 09.12.2010.

Quanto à mais completa identificação da cessionária e notificação dos respectivos estatutos, também não é condição para que opere a cessão outorgada, bastando ao oponente consultar os documentos anexo à escritura – e na mesma indicados – para tirar qualquer dúvida sobre tal matéria.

Aqui chegados, resta concluir que os argumentos invocados pelo oponente – rebatidos pela legalidade formal e substancial da cessão – também não são idóneos a demonstrar ao Tribunal que a cessão foi feita para tornar mais difícil a posição do executado/oponente no processo executivo.».

Ora, apreciando, dir-se-á que da matéria de facto dada como provada não consta a prévia notificação ao aqui Recorrente da cessão ocorrida.

Esta teve lugar mediante escritura pública realizada em 19/07/2019, isto é, na pendência da ação executiva para cobrança coerciva do crédito entretanto cedido (execução intentada em 2014).

É certo que, como referido, o art.º 583.º do CCiv. se reporta apenas à produção de efeitos em relação ao devedor, que não é parte no contrato de cessão (este entre cedente e cessionário), pelo que este contrato, uma vez concluído/perfeito, é plenamente válido e eficaz entre os respetivos contraentes.

Mas apenas é oponível e eficaz perante o devedor se este for notificado da cessão ou a aceitar, notificação que, como dito, no caso não ocorreu previamente à dedução de incidente de habilitação e, por outro lado, aceitação que não resulta de modo algum verificada.

Como também visto, seguiu a sentença a posição que defende que a função da notificação ao devedor é a de lhe dar a conhecer a identidade do cessionário, evitando que o cumprimento seja feito perante o primitivo credor.

Por isso se defendeu também que tal pode ser obtido através da citação para a ação executiva ou com a notificação para o incidente de habilitação a operar na mesma, por, a partir de então, o devedor ficar a conhecer a existência da cessão e inibido de invocar o seu desconhecimento.

Posicionou-se, assim, o Tribunal a quo ao lado da corrente jurisprudencial que entende que:

«I) A notificação ao devedor (prevista no art. 583º do C.C.) de que o seu credor cedeu o crédito a outrem pode ser feita através da citação para a acção proposta pelo credor-cessionário contra o devedor.

II) Até à citação o crédito é inexigível porque a cessão é inoponível ao devedor (a quem até aí nada havia sido comunicado); com a citação a cessão torna-se eficaz e, por extensão, o crédito exigível nos termos do art. 662º, nºs. 1 e 2, do C.P.C..» ([5]).

Como também dito na sentença, neste sentido ainda, entre outros, o Ac. TRL de 09/12/2010, Proc. 1999/2001.L1-8 (Rel. Catarina Arêlo Manso), em www.dgsi.pt, podendo ler-se no respetivo sumário:

«(…)

2.A notificação da cessão ao devedor constitui apenas uma condição de eficácia da cessão perante si, nos termos do artigo 583º nº 1 do Código Civil.

3. O efeito substancial que se pretende obter com tal notificação é o de tornar a cessão eficaz em relação ao devedor, dando-lhe a conhecer a identidade do cessionário e evitando que o cumprimento seja feito perante o primitivo credor.

4. E, é assegurado com a citação para a acção executiva, momento a partir do qual o devedor fica ciente da existência da cessão e inibido de invocar o seu desconhecimento, nos termos do art. 583º nº 2, do Código Civil.».

E ainda recentemente nesta mesma Relação e Secção foi entendido que, “Ocorrendo cessão de créditos na pendência da execução, a notificação ao devedor (executado), para efeitos do art. 583º do C.Civil, pode ser feita no próprio incidente de habilitação, aquando da notificação do mesmo ao executado para contestar o incidente” ([6]) ([7]).

Com efeito, «(…) importa não olvidar que a finalidade da notificação é apenas a de (…) o devedor ficar a saber que a partir da notificação da cessão o credor é outro e deve pagar a este, pelo que, antes disso, a cessão em nada pode agravar a sua situação de devedor.

Dito de outra forma: não se vislumbra qualquer razão válida que imponha a notificação prévia à dedução do incidente, ou a sua inocuidade se for levada a cabo no âmbito do próprio incidente.

Não vislumbramos minimamente, então, como acolher a argumentação da falta de legitimidade substantiva e processual neste incidente de habilitação da aqui Requerente/recorrida…» ([8]).

Ora, resta dizer que se concorda com este entendimento, cuja argumentação este Tribunal ad quem também sufraga, pelo que bastará dá-la aqui por reproduzida.

Na verdade, sendo a função da “notificação” ao devedor, a que alude o art.º 583.º, n.º 1, do CCiv. – enquanto condição de eficácia da cessão de créditos –, a de tornar a cessão eficaz em relação a ele, dando-lhe a conhecer a identidade do cessionário e evitando que o cumprimento seja feito perante o credor originário, tal desiderato fica cumprido, em caso de cessão na pendência da ação executiva (quando os executados já haviam sido citados), com a notificação do executado/devedor no âmbito do incidente de habilitação de cessionário (para, querendo, deduzir oposição à habilitação).

Em suma, improcedendo as conclusões do Apelante, sem necessidade de mais demoradas considerações, deve manter-se a decisão recorrida.

                                                 ***

IV – Sumário (art.º 663.º, n.º 7, do NCPCiv.):

1. - No âmbito da cessão de créditos, a função da notificação ao devedor (art.º 583.º, n.º 1, do CCiv.) é a de lhe dar a conhecer a identidade do cessionário (novo credor, por substituição), evitando o cumprimento ao credor originário.

2. - Por isso, tal conhecimento pode ser concedido/obtido através da citação para a ação (declarativa ou executiva) ou mesmo com a notificação para oposição ao incidente de habilitação de cessionário no âmbito de execução pendente, visto a partir de então o devedor ficar a conhecer a existência da cessão e a identidade do novo credor.

3. - Neste caso, a cessão torna-se eficaz em relação ao devedor/executado a partir da sua notificação para se opor ao incidente de habilitação de cessionário, não havendo fundamento para a improcedência, por isso, de tal incidente.

                                                 ***

V – Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação, na improcedência da apelação, em manter a decisão impugnada.

Custas da apelação pelo Recorrente, sem prejuízo do concedido benefício do apoio judiciário (cfr. fls. 23 do processo físico).

Escrito e revisto pelo Relator – texto redigido com aplicação da grafia do (novo) Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (ressalvadas citações de textos redigidos segundo a grafia anterior).

Assinaturas eletrónicas.

Coimbra, 14/12/2020

Vítor Amaral (relator)

Luís Cravo

Fernando Monteiro


([1]) Em 30/10/2019.
([2]) O Recorrente não põe em questão a decisão da matéria de facto, não apresentando discordância alguma quanto a esta: não indica qualquer facto que considerasse incorretamente julgado, nem qual a diversa decisão que devesse ser proferida, nem sequer com base em que elementos probatórios.
([3]) Tendo em consideração o que consta dos “autos principais e os documentos juntos ao presente incidente com o respectivo requerimento inicial”.
([4]) Mais se fez consignar que: “Com relevo para a decisão a proferir, nenhum facto ficou por apurar.”.
([5]) Assim o sumário do Ac. STJ de 03/06/2004, Proc. 04B815          (Cons. Noronha do Nascimento), disponível em www.dgsi.pt. Neste aresto, debruçando-se sobre argumentos similares aos apresentados pelo Recorrente nestes autos, fundamentou-se como segue:
«A validade da cessão depende da inexistência de vício formal ou substancial e a sua eficácia entre os contraentes é imediata a menos que estes tenham estipulado outra coisa.
(…)
Simplesmente, a lei faz depender a eficácia da cessão em relação ao devedor do conhecimento que este tenha de que o crédito foi cedido. A lei não impõe como condição para a eficácia a autorização do devedor; impõe sim, como regra geral, que ele já saiba que o seu credor cedeu o crédito a outrem.
Esse conhecimento do devedor pode comprovar-se de três formas distintas: ou porque foi notificado, ou porque aceitou a cessão (o que revela que a conhecia) ou, muito simplesmente, porque se demonstrou que o devedor já sabia da cessão.
A notificação e a aceitação estão contempladas na previsão do nº. 1 do art. 583º; o conhecimento pré-existente de que houvera cessão está contemplado no nº. 2 da mesma norma.
O que resulta daqui é um corolário evidente: o que torna a cessão eficaz em relação ao devedor é o facto de este a conhecer e esse conhecimento pode revelar-se de várias maneiras entre as quais a notificação efectuada por um dos contraentes da cessão.
Esta regra geral só não vigora um caso excepcional: no de conflito de credores-cessionários previsto no art. 584º.
(…) a cessão de créditos em jogo tornou-se eficaz perante o Réu-devedor logo que este tomou conhecimento dela; e o conhecimento ocorreu, obviamente, com a citação para a presente acção.
É certo que não se provou que antes da propositura da acção o Réu soubesse da cessão; mas isso apenas importa para concluir que a cessão era-lhe inoponível por força desse desconhecimento até àquele exacto momento.
Enquanto o desconhecimento da cessão perdurasse, esta era ineficaz perante o Réu; com a citação para a acção, o Réu tomou conhecimento da cessão que passou a ser-lhe oponível.
A inoponibilidade da cessão ao Réu provocava, enquanto perdurasse, a inexigibilidade da sua dívida para com o cessionário; mas com a citação e o início da eficácia da cessão, a dívida passava a ser imediatamente exigível pelo novo credor.
Na verdade, o conhecimento que a citação implica noticiando ao Réu que o seu credor passou a ser outro não pode significar outra coisa senão que o novo credor pode exigir-lhe o pagamento do crédito de que ele é, agora, o titular.
A citação do Réu para a acção traz consigo, por conseguinte, a eficácia da cessão que o novo credor pode invocar e, por arrastamento, a exigibilidade da dívida que o Réu vai ter que solver ao novo titular.
(…)
Aqui, a eficácia da cessão para com o devedor relaciona-se com a exigibilidade da dívida; ou seja, logo que o devedor soube da cessão (e soube-o pela citação) a divida passou a ser-lhe exigível pelo novo credor.».
No mesmo sentido ainda, inter alia, o Ac. STJ de 10/03/2016, 703/11.4TBVRS-A.E1.S1 (Cons. Tavares de Paiva), em www.dgsi.pt, com o seguinte sumário: «I - A notificação ao devedor, a que alude o art. 583.º, n.º 1, do CC, de que o seu credor cedeu o crédito a outrem, pode ser feita através da citação para a execução proposta pelo credor cessionário contra os oponentes executados. // II - Com a citação para a execução cessa a inoponibilidade por parte do devedor da transmissão pelo cessionário.».
([6]) Cfr. Ac. TRC de 24/09/2019, Proc. 2132/12.3TBPBL-B.C1 (Rel. Luís Cravo), disponível também em www.dgsi.pt (em que intervieram os aqui 1.º e 2.º Exm.ºs Adjuntos). No mesmo sentido, também o anterior Ac. TRC de 12/06/2012, Proc. 748-A/2002.C1 (Rel. Alberto Ruço), em www.dgsi.pt, enfatizando que, “Ocorrendo cessão de créditos na pendência da execução, a notificação ao devedor (executado), para efeitos do art. 583 do CC, tem-se por efectuada no próprio incidente de habilitação, aquando da notificação do mesmo ao executado para contestar o incidente”.
([7]) Ainda desta Relação e Secção, veja-se também, com orientação semelhante, o Ac. de 06/07/2016, Proc. 467/11.1TBCNT-A.C1 (Rel. Moreira do Carmo), disponível em www.dgsi.pt.
([8]) Citação de segmento da fundamentação jurídica daquele Ac. TRC de 24/09/2019.