Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
123/08.8TACNT-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ORLANDO GONÇALVES
Descritores: CRIME FISCAL
RESPONSABILIDADE CIVIL
MULTA
COIMA
NE BIS IN IDEM
Data do Acordão: 02/05/2014
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: 1.º JUÍZO DO TRIBUNAL JUDICIAL DE CANTANHEDE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGO 8º Nº 7 DO RGIT E 29º, N.º 5, DA C.R.P.
Sumário: É inconstitucional, por violação do disposto no artigo 29.º, n.º 5, da Constituição, a norma do artigo 8.º, n.º 7, do Regime Geral das Infrações Tributárias quando aplicável ao gerente da sociedade arguida, que foi igualmente condenado a título pessoal pela prática da mesma infração tributária.
Decisão Texto Integral: Acordam, em Conferência, na 4.ª Secção, Criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra.

      Relatório


            Por despacho de 21-05-2013, a Ex.ma Juíza do 1.º Juízo do Tribunal Judicial de Cantanhede, decidiu, ao abrigo do disposto no artigo 8.°, n.° 7 do RGIT, considerar o arguido A... solidariamente responsável pelo pagamento da pena de multa e das coimas a que foi condenada a sociedade arguida “B... , Lda.” nos presentes autos e determinar que, oportunamente, se proceda à emissão de guias para pagamento.

            Inconformado com a douta sentença dela interpôs recurso o arguido A..., concluindo a sua motivação do modo seguinte:
A. O Tribunal a quo declarou o arguido recorrente solidariamente responsável pelo pagamento das penas de multa e coima em que fora condenada a sociedade arguida B..., Lda, estribando a sua decisão na norma contida no n.° 7 do artigo 8.º do RGIT, por concluir, dos factos provados e fundamentação da sentença condenatória, que o recorrente colaborou dolosamente na prática dos factos pelos quais foi condenada a sociedade na medida em que era o seu único sócio-gerente e ter sido igualmente condenado pelos mesmos factos.
B. Diversamente da norma contida no n.°1, do artigo 8.º do RGIT, o n.°7 do referido inciso consagra a responsabilidade solidária de quem colaborar dolosamente na prática de infracção tributária cometida pela pessoa colectiva, independentemente da sua própria responsabilidade quando for o caso. Assim,
C. A responsabilidade solidária consagrada no artigo 8.º, n.° 7 não reveste cariz civilístico mas sim assume-se como uma clara responsabilização penal do administrador ou gerente de ente colectivo, no pagamento da multa e / ou coima em que este foi condenado, pela prática dolosa, em co-autoria, de infracção criminal tributária. Ora,
D. Considera o recorrente que a decisão recorrida é ilegal, porquanto viola o princípio ne bis in idem consagrado no artigo 29°, n.° 5 da Constituição da República (CRP), na sua dimensão de direito subjectivo fundamental, ao acumular à pena aplicada ao arguido gerente o cumprimento solidário das penas de multa e coima aplicadas à sociedade arguida, pela prática dolosa dos mesmos factos. Com efeito,
E. A decisão recorrida acaba por efectuar uma dupla valoração e dupla punição do agente pela prática dos mesmos factos, acrescendo à responsabilidade penal própria do recorrente a responsabilidade penal da sociedade arguida. Outrossim,
F. Viola a decisão sob escrutínio os princípios da culpa, igualdade e proporcionalidade, consagrados nos artigos 1.º, 13.°, 18.° e 27.° n.° 1, todos da CRP, porquanto a culpa do recorrente não foi considerada na determinação das sanções pecuniárias aplicadas à sociedade arguida; na determinação da medida da pena, não foram consideradas as condições sócio-económicas do recorrente, quer à data da prática da infracção, quer à data da determinação da medida da pena, quer à data actual, nem quaisquer outras circunstâncias relevantes tais como a conduta anterior e posterior do recorrente, o sentido de auto-crítica demonstrado, o arrependimento, isto é, todas as circunstâncias previstas nos artigos 12.°, 13.° e 15.° do RGIT e ainda 40.°, n.°s 2 e 3, 71.° e 72.°, todos do Código Penal.
G. Deveria o Tribunal a quo ter recusado a aplicação da norma contida rio artigo 8°, n.°7 do RGIT, por ser materialmente inconstitucional, por violadora dos princípios ne bis in idem, da culpa, da igualdade e da proporcionalidade, consagrados nos artigos 1.º, 13.°, 18.°, 27.°, n.° 1 e 29.°, n.° 5, todos da CRP, quando aplicável a gerente de uma pessoa colectiva que foi igualmente condenado a título pessoal pela prática da mesma infracção tributária.
H. Qualquer interpretação da norma vertida no artigo 8.°, n.°7 do RGIT. no sentido de ser acumulável à pena individualmente aplicada ao arguido, pelo mecanismo da responsabilidade solidária, a pena de multa e / ou coima aplicadas à sociedade arguida condenada pela prática da mesma infracção tributária da qual é gerente ou administrador, é inconstitucional, porque violadora dos princípios ne bis in idem, da culpa, da igualdade e da proporcionalidade, consagrados nos artigos 1.º, 13.°, 18.°, 27.° e 29.°, n.° 5, todos da CRP.
I. Normas Jurídicas Violadas: RGIT: artigos 8.º, n.° 7, 12.°, 13.° e 15.°; CP: os artigos 40.°, n.°s 2 e 3, 71.° e 72.°; CPP: o artigo 512.°; CSC: o artigo 78.°; CC: o artigo 483.°; CRP: os artigos 1.º, 13°, 18°, 27°, n.° 1 e 29°, n.° 5.

O Ministério Público na Comarca de Cantanhede respondeu ao recurso interposto pelo arguido, pugnando pelo não provimento do recurso.

            O Ex.mo Procurador-geral adjunto neste Tribunal da Relação emitiu parecer também no sentido de que o recurso deverá improceder.

            Foi dado cumprimento ao disposto no art.417.º, n.º 2 do C.P.P..

            Colhidos os vistos, cumpre decidir.

     Fundamentação

            O despacho recorrido tem o seguinte teor:
« Fls. 606 a 610 e 641 a 643:
Nos presentes autos, por sentença datada de 05.07.2010 (fls. 486 a 506), já transitada em julgado, foram os arguidos " B..., Lda." e A..., condenados pela prática, nos anos de 2004 a 2006, de um crime de abuso de confiança fiscal, p. e p. pelo art. 105.° do R.G.I.T., nas penas, a cada um, de 100 dias de multa à taxa diária, respectivamente, de €5,00 e de €3,00. Bem assim, foi a arguida " B..., Lda." condenada pela prática das contra-ordenações p.p. pelos artigos 114.° e 116.° do Regime Geral das Infracções Tributárias, em cúmulo, na coima única de €5.000,00.
A sociedade arguida " B..., Lda.", não procedeu ao pagamento da pena de multa nem ao valor das coimas.
Promoveu a Digna magistrada do Ministério Público, a fls. 606 a 609, invocando o disposto no art. 8.°, n.° 1 do RGIT (Regime Geral das Infracções Tributárias), que o arguido A... fosse declarado solidariamente responsável pela pena de multa e as coimas em que a sociedade foi condenada.
Conferido contraditório, nenhum dos arguidos tomou posição.
A fls. 641 a 643 dos autos foi junta a certidão actualizada do registo comercial da sociedade arguida.
Cumpre apreciar e decidir:
Dispõe o artigo 8.° do RGIT, sob a epígrafe “Responsabilidade civil pelas multas_e coimas” nos termos que seguem e para o que nos interessa que:
“1 - Os administradores, gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração em pessoas colectivas, sociedades, ainda que irregularmente constituídas, e outras entidades fiscalmente equiparadas são subsidiariamente responsáveis:
       a)      Pelas multas ou coimas aplicadas a infracções por factos praticados no período do exercício do seu cargo ou por factos anteriores quando tiver sido por culpa sua que o património da sociedade ou pessoa colectiva se tornou insuficiente para o seu pagamento;
       b)     Pelas multas ou coimas devidas por factos anteriores quando a decisão definitiva que as aplicar for notificada durante o período do exercício do seu cargo e lhes seja imputável a falta de pagamento.
2 - A responsabilidade subsidiária prevista no número anterior é solidária se forem várias as pessoas a praticar os actos ou omissões culposos de que resulte a insuficiência do património das entidades em causa.
(...)
7 - Quem colaborar dolosamente na prática de infracção tributária é solidariamente responsável pelas multas e coimas aplicadas pela prática da infracção, independentemente da sua responsabilidade pela infracção, quando for o caso.
8 - Sendo várias as pessoas responsáveis nos termos dos números anteriores, é solidária a sua responsabilidade (sublinhado nosso)
Ora, o presente artigo versa a responsabilidade civil atinente ao pagamento da pena de multa em que uma sociedade seja condenada, como imediatamente se retira da epígrafe do mesmo. Deste modo, não está em causa qualquer mecanismo de transferência de responsabilidade penal, que sempre seria inadmissível, atento o disposto no art. 30.° n.° 3 da Constituição da República Portuguesa.
Daqui decorre naturalmente que, operando tal artigo, não será consequência de eventual não pagamento qualquer mecanismo de conversão, tendo por isso meros reflexos patrimoniais.
Esta questão reveste importância nesta fase processual, na medida em que o art. 491.° n.° 1 do Código de Processo Penal regula que, em caso de não pagamento da pena de multa findo o prazo consignado para esse efeito, proceder-se-á a execução patrimonial, o que vimos já ter ocorrido com a Sociedade Mealhadense.
Dispõe o art. 30.° n.° 3 da Constituição da República Portuguesa sob a epígrafe “Limites das penas e das medidas de segurança” que “A responsabilidade penal é insusceptível de transmissão.”.
Analisando o disposto no art. 8.° n.° 1 a) do RGIT, resulta, desde logo, que este artigo prevê a responsabilidade subsidiária dos gerentes das pessoas colectivas das multas que a esta tenham sido aplicadas, quando se verifique, cumulativamente, que os factos tenham sido praticados durante o exercício das suas funções e que a razão da inexistência de património suficiente para liquidação de tal pena tenha precedido de culpa sua.
Resulta dos factos provados da sentença proferida nos presentes autos (fls. 489) que a sociedade arguida cessou a sua actividade por dificuldades económicas.
Ademais, não foram encontrados quaisquer bens em nome da sociedade arguida susceptíveis de cobrança coerciva.
Não obstante, resulta dos autos (cfr. certidão de fls. 641) que a inscrição da sociedade arguida na Conservatória do Registo Comercial continua em vigor.
Assim, verifica-se que os presentes autos são omissos quanto à eventual responsabilidade do condenado A... na falta de património da sociedade arguida para proceder ao pagamento de sua responsabilidade, razão pela qual se mostra vedado ao Tribunal fazer operar o disposto no art. 8.° n.° 1 a) do Regime Geral das Infracções Tributárias.
Igualmente não se mostra viável o recurso ao disposto na alínea b) do n.° 1 do art. 8.° do RGIT porquanto, como resulta da sentença referida, a multa em causa não é devida por factos ocorridos em data anterior à gestão do gerente A....
Em conclusão, não pode pelas razões expostas, ser o mesmo considerado subsidiariamente responsável pelo pagamento da pena de multa a que foi a sociedade Mealhadense condenada.
Não obstante, o art. 8.° n.° 7 do RGIT prevê ainda a possibilidade de serem os colaboradores na prática da infracção tributária, solidariamente responsáveis pelo pagamento das multas advenientes.
Assim, escrevem Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos (in Regime Geral das Infracções Tributárias Anotado, Áreas Editora, 2001, pág. 95) que “(...)incorrerão nesta responsabilidade civil, os co-autores e cúmplices de infracções tributárias, relativamente às sanções que vieram a ser aplicadas aos seus coarguidos, cumulativamente com a sua própria responsabilidade.'’'.
Ora, do teor dos factos provados e da fundamentação da sentença supra referida conclui-se que o arguido A... colaborou dolosamente na prática dos factos pelos quais foi condenada a pessoa colectiva, na medida em que era seu único sócio e gerente, de tal modo que também foi condenado pela prática dos mesmos factos (neste sentido, Ac. Do T.R.P, de 23.06.2010, e Ac. do T.R.C, de 17.10.2012, ambos disponíveis em www.dgsi.pt.).
Assim, por tudo o exposto, e seguindo a linha de raciocínio dos citados arestos, decido, ao abrigo do disposto no artigo 8.°, n.° 7 do RGIT, e de acordo com a douta promoção da Digna Magistrada do Ministério Público, considerar A... solidariamente responsável pelo pagamento da pena de multa e das coimas a que foi condenada a sociedade arguida “ B..., Lda.” nos presentes autos.
Notifique.
Oportunamente, proceda à emissão de guias para pagamento. ».

 *
                                                                         *
                                                  
O âmbito do recurso é dado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação. ( Cfr. entre outros , os acórdãos do STJ de 19-6-96 [1] e de 24-3-1999 [2] e Conselheiros Simas Santos e Leal Henriques , in Recursos em Processo Penal , 6.ª edição, 2007, pág. 103).
São apenas as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas respectivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar [3], sem prejuízo das de conhecimento oficioso .
No caso dos autos, face às conclusões da motivação do recorrente A... a questão a decidir é a seguinte:
- se a interpretação do art.8.°, n.°7 do RGIT, no sentido de ser acumulável à pena individualmente aplicada ao arguido, pelo mecanismo da responsabilidade solidária, a pena de multa e/ou coima aplicadas à sociedade arguida condenada pela prática da mesma infracção tributária da qual é gerente ou administrador, é inconstitucional, porque violadora dos princípios ne bis in idem, da culpa, da igualdade e da proporcionalidade, consagrados nos artigos 1.º, 13.°, 18.°, 27° e 29°, n. ° 5 todos da C.R.P., pelo que o Tribunal a quo deveria ter sido recusado a sua aplicação.
-
Passemos ao conhecimento da questão.
Resulta do despacho recorrido, designadamente, que o ora recorrente A... e a sociedade arguida “ B..., Lda.”, por sentença proferida nestes autos em 5 de Julho de 2010, foram condenados, cada um deles, pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal, p. e p. pelo art.105.º do RGIT, na pena de 100 dias de multa, sendo que taxa diária aplicada ao arguido foi de  € 3,00, e a taxa diária aplicada à arguida sociedade foi de € 5,00. A sociedade arguida “ B..., Lda.” foi ainda condenada, em cúmulo, numa coima única de € 5 000,00 pela prática de contra-ordenações , previstas e punidas pelos artigos 114.º e 116.º do RGIT.
Tal condenação resulta, no essencial, do facto do arguido, sendo o único sócio e gerente da sociedade arguida, ter colaborado dolosamente na prática dos factos pelos quais foi condenada a pessoa colectiva, de tal modo que foi condenado pela prática dos mesmos factos.
Existindo uma relação directa entre o comportamento ilícito do condenado e a pena de multa e contra-ordenações aplicadas à sociedade por si gerida, encontram-se verificados os pressupostos de aplicação do artigo 8º, n.º 7, do RGIT.
O recorrente A... sustenta, porém, que a responsabilidade solidária consagrada no artigo 8.º, n.° 7 não reveste cariz civilístico do administrador ou gerente de ente colectivo, no pagamento da multa e/ou coima em que este foi condenado, pela prática dolosa, em co-autoria, de infracção criminal tributária, mas sim cariz penal.
A decisão recorrida, ao acumular à pena aplicada ao arguido gerente o cumprimento solidário das penas de multa e coima aplicadas à sociedade arguida, pela prática dolosa dos mesmos factos, é ilegal, porquanto viola o princípio ne bis in idem consagrado no artigo 29°, n.° 5 da Constituição da República (CRP), na sua dimensão de direito subjectivo fundamental, pois acaba por efectuar uma dupla valoração e dupla punição do agente pela prática dos mesmos factos, acrescendo à responsabilidade penal própria do recorrente a responsabilidade penal da sociedade arguida.
A decisão em apreciação viola, ainda, os princípios da culpa, igualdade e proporcionalidade, consagrados nos artigos 1.º, 13.°, 18.° e 27.° n.° 1, todos da CRP, porquanto a culpa do recorrente não foi considerada na determinação das sanções pecuniárias aplicadas à sociedade arguida; na determinação da medida da pena, não foram consideradas as condições sócio-económicas do recorrente, quer à data da prática da infracção, quer à data da determinação da medida da pena, quer à data actual, nem quaisquer outras circunstâncias relevantes tais como a conduta anterior e posterior do recorrente, o sentido de auto-crítica demonstrado, o arrependimento, isto é, todas as circunstâncias previstas nos artigos 12.°, 13.° e 15.° do RGIT e ainda 40.°, n.°s 2 e 3, 71.° e 72.°, todos do Código Penal.
Vejamos.
Sob a epígrafe «Responsabilidade civil pelas multas e coimas», dispõe o art.8.º do RGIT, na parte que aqui interessa:
«1 - Os administradores, gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração em pessoas colectivas, sociedades, ainda que irregularmente constituídas, e outras entidades fiscalmente equiparadas são subsidiariamente responsáveis:
     
a) Pelas multas ou coimas aplicadas às infracções por factos praticados no período do exercício do seu cargo ou por factos anteriores quando tiver sido por culpa sua que o património da sociedade ou pessoa colectiva se tornou insuficiente para o seu pagamento;
     
b) Pelas multas ou coimas devidas por factos anteriores quando a decisão definitiva que as aplicar for notificada durante o período do exercício do seu cargo e lhes seja imputável a falta de pagamento.
2- A responsabilidade subsidiária prevista no número anterior é solidária se forem várias pessoas a praticar os actos ou omissões culposos de que resulte a insuficiência do património das entidades em causa.
(….)
7- Quem colaborar dolosamente na prática de infracção tributária é solidariamente responsável pelas multas e coimas aplicadas pela prática da infracção, independentemente da sua responsabilidade pela infracção, quando for o caso.
8- Sendo várias as pessoas responsáveis nos termos dos números anteriores, é solidária a sua responsabilidade».
O art.8.º do RGIT prevê duas situações diferentes relativamente à responsabilidade civil dos administradores, gerentes e outras pessoas que exerçam funções de administração em pessoas colectivas, sociedades, e outras entidades fiscalmente equiparadas, quanto ao pagamento das multas e coimas: uma no n.º1, para aquelas pessoas que não colaboraram dolosamente na prática da infracção fiscal e, outra, no seu n.º 7, para o caso de ter ocorrido aquela colaboração.
O n.º 1 do art.8.º do RGIT prevê a responsabilidade subsidiária, dos administradores, gerentes e outras pessoas que exerçam funções de administração em pessoas colectivas, sociedades, e outras entidades fiscalmente equiparadas, pelas multas e coimas a estas aplicadas: por factos praticados no período do exercício do seu cargo ou por factos anteriores quando tiver sido por culpa sua que o património da sociedade ou pessoa colectiva se tornou insuficiente para o seu pagamento ( alínea a) e, ainda por factos anteriores quando a decisão definitiva que as aplicar for notificada durante o período do exercício do seu cargo e lhes seja imputável a falta de pagamento ( alínea b).
No caso dos administradores, gerentes e outras pessoas que exerçam funções de administração em pessoas colectivas, sociedades, e outras entidades fiscalmente equiparadas, terem colaborado na prática de infracção tributária, os mesmos são solidariamente responsáveis pelas multas e coimas aplicadas pela prática da infracção, independentemente da sua responsabilidade pela infracção, quando for o caso ( n.º 7 do art.8.º do RGIT).
Esta responsabilidade solidária, tanto face ao agente principal da infracção como entre colaboradores, compreende-se, no dizer do Prof. José Casalta Nabais, “ uma vez que mais não é do que uma emanação do princípio constante do art.497 do Código Civil relativo à responsabilidade pelo dano em caso de pluralidade de responsáveis.”  [4]
Pronunciando-se sobre situações de responsabilidade solidária, observam os Conselheiros Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos, na obra Regime Geral das Infracções Tributarias Anotado, que entre estas situações está “ - a daqueles que colaborarem dolosamente na prática das infracções tributárias.
Nestas situações, não se está, como no n.º 2, perante responsabilidades subsidiárias, relativamente aos agentes das infracções, mas sim em solidariedade em primeiro plano, podendo as dívidas ser originariamente exigidas, desde logo, aos responsáveis solidários, independentemente da existência de bens do autor da infracção. (…).
No n.º6 [ actualmente n.º 7] deste artigo, prevê-se uma responsabilidade solidária, de natureza civil, de quem colaborar com a prática de infracções tributárias, independente da responsabilidade própria, criminal ou contra-ordenacional, que for imputada àquele que presta colaboração. Incorrerão nesta responsabilidade civil os co-autores e cúmplices de infracções tributárias, relativamente às sanções que vierem a ser aplicadas aos seus co-arguidos, cumulativamente com a própria responsabilidade.”. [5]
Ainda na doutrina, o Prof. Germano Marques da Silva, autor do anteprojecto e presidente da Comissão que elaborou o projecto do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT), escreve a respeito do art.8.º do RGIT, que “a responsabilidade civil pelo pagamento da multa penal nada tem a ver com os fins das penas criminais, porque a sua causa não é a prática do crime, mas a colocação culposa da sociedade numa situação de impossibilidade de cumprimento de uma obrigação tributária. É evidente que para a responsabilização do administrador é necessário que a sentença dê por verificados os pressupostos da responsabilidade e a respectiva condenação”.
De acordo com este autor, “trata-se de um caso de responsabilidade civil por facto próprio, facto culposo causador do não pagamento pelo ente colectivo da dívida que onerava o seu património, quer porque por culpa sua o património da pessoa colectiva se tornou insuficiente para o pagamento, quer porque também por culpa sua o pagamento não foi efectuado quando devia, tornando-se depois impossível.”.
“ … se o administrador for também responsável penal pelo crime por que tiver sido condenado o ente colectivo, a regra é a do n.º 6 [actualmente n.º 7], ou seja, é sempre solidariamente responsável pelo pagamento da multa aplicada à pessoa colectiva, sendo que a regra do n.º 1 tem como pressuposto não a responsabilidade criminal do administrador, mas a sua culpa pelo não pagamento, quando tiver sido por culpa sua que o património do ente colectivo se tornou insuficiente para o seu pagamento ou por culpa sua não tiver sido efectuado.(…)
No n.º 6 deste artigo (…) o fundamento da responsabilidade solidária é a colaboração na prática do crime tributário e por isso que respondem solidariamente pelas consequências jurídicas do crime os seus agentes, ou seja, os agentes do crime, e se esses agentes forem administradores ou representantes do ente colectivo não respondem nos termos do n.º 1, mas do n.º 6.” Assim, “ Enquanto que o n.º 1 segue o disposto no art. 24.º da LGT, já o n.º 6 se afasta desse regime, embora se trate ainda de responsabilidade também por dívida de outrem, mas agora a responsabilidade é solidária porque o administrador colaborou dolosamente na prática da infracção e,  por isso, vai responder solidariamente com os co-responsáveis pelas multas e coimas, aplicadas pela prática da infracção, independentemente da sua própria responsabilidade, porque foi o seu comportamento ilícito causa directa da multa, foi o seu comportamento a causa da multa aplicada à pessoa colectiva pela prática do facto ilícito penal. Tenha-se, porém, presente, que a responsabilidade de que trata o n.º 6 do art. 8.º do RGIT se refere exclusivamente às consequências decorrentes da prática do crime enquanto que o art. 24.º se reporta às consequências decorrentes do não pagamento do imposto devido.[6]
Com este pano de fundo, importa decidir se andou bem o Tribunal a quo ao aplicar ao arguido/recorrente o n.º7 do art.8 .º do RGIT ou se deveria recusar a sua aplicação com  fundamento em inconstitucionalidade.
Até ao início de 2013, o Tribunal Constitucional pronunciou-se, por diversas vezes, sobre a conformidade das alíneas a) e b), n.º1, do art.8.º do RGIT com a Constituição da República Portuguesa, designadamente, com o princípio da intransmissibilidade das penas, consagrado no artigo 30.º, n.º 3, da C.R.P o princípio da presunção de inocência do arguido, que decorre do artigo 32.º, n.º 2, da mesma Lei e os princípios da culpa, da igualdade e da proporcionalidade.
Para pôr fim a divergências jurisprudenciais das secções, sobre a questão de saber se é inconstitucional a norma que estabelece a responsabilidade subsidiária dos administradores e gerentes pelos montantes correspondentes às coimas aplicadas a pessoas colectivas em processo de contra-ordenação fiscal, o Tribunal Constitucional, no acórdão n.º 561/2011, tirado em Plenário, decidiu não julgar inconstitucional o art.7-A do RJIFNA e o correspondente art.8.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RGIT, na parte em que se refere à responsabilidade civil subsidiária dos administradores e gerentes pelos montantes correspondentes às coimas aplicadas a pessoas colectivas em processo de contra-ordenação fiscal.
Adoptou para o efeito o entendimento enunciado pelo mesmo Tribunal nos acórdãos n.ºs 129/2009, 150/2009 e 234/2009, de que a responsabilidade subsidiária dos administradores e gerentes assenta, não no próprio facto típico que é caracterizado como infracção contra-ordenacional, mas num facto autónomo, inteiramente diverso desse, que se traduz num comportamento pessoal determinante da produção de um dano para a Administração Fiscal. É esse facto, de carácter ilícito, imputável ao agente a título de culpa, que fundamenta o dever de indemnizar, e que, como tal, origina a responsabilidade civil.
Daí concluir que a atribuição de responsabilidade subsidiária a administradores, gerentes e outras pessoas com funções de administração em sociedades, por dívida resultante de não pagamento de coima fiscal em que a pessoa colectiva tenha sido condenada, com a consequente reversão da respectiva execução fiscal, em consequência do que dispõe, nessa matéria o artigo 8º, n.º 1, alíneas a) e b), do RGIT, não é susceptível de violar o princípio da intransmissibilidade das penas, consagrado no artigo 30.º, n.º 3, da Constituição da República, e, bem assim, o princípio da presunção de inocência do arguido, que decorre do artigo 32.º, n.º 2, princípios que, nesses termos, entende serem aplicáveis mesmo no domínio do ilícito contraordenacional.
O Tribunal Constitucional, no acórdão n.º 249/2012, estendeu esta jurisprudência às penas de multa, julgando não inconstitucional a norma da alínea a) do n.º1 do art.8.º do RGIT, na parte em que estatui que os administradores, gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração em pessoas colectivas, sociedades, ainda que irregularmente constituídas, e outras entidades fiscalmente equiparadas são subsidiariamente responsáveis pelas multas aplicadas a infracções por facto praticados no período de exercício do seu cargo ou por factos anteriores quando tiver sido por culpa sua que o património da sociedade ou pessoa colectiva se tornou insuficiente para o seu pagamento.[7]
Entretanto, foi proferido o acórdão n.º 1/2013, do Tribunal Constitucional, que decidiu «julgar inconstitucional, por violação do disposto no artigo 29º, n.º 5, da Constituição, a norma do artigo 8º, n.º 7, do Regime Geral das Infrações Tributárias quando aplicável a gerente de uma pessoa coletiva que foi igualmente condenado a título pessoal pela prática da mesma infração tributária».
Neste arresto, a inconstitucionalidade da norma resulta, não da violação do princípio da intransmissibilidade das penas enunciado no art.30.º, n.º 3 da Constituição da República Portuguesa, mas sim da violação do princípio ne bis in idem previsto no artigo 29º, n.º 5, da Lei Fundamental.
Para o efeito consigna-se, designadamente, o seguinte: « … a situação sub juditio não é de nenhum modo equivalente àquelas outras sobre as quais o Tribunal Constitucional já se pronunciou em ocasiões anteriores. A responsabilidade subsidiária do gerente a que se referem as normas do artigo 8º, n.º 1, alíneas a) e b), do RGIT e do artigo 7º-A do RJIFNA é tida como uma responsabilidade por facto próprio e autónomo que tem relevância no plano da responsabilidade civil extracontratual e que se não confunde com a conduta material que originou a condenação da pessoa coletiva em processo penal. Ao contrário, na hipótese prevista no artigo 8º, n.º 7, do RGIT, o gerente está sujeito a uma responsabilidade solidária pela multa aplicada à pessoa coletiva, responsabilidade que deriva da atuação ilícita que determinou a sua própria condenação a título pessoal, e emcoautoria material com a pessoa coletiva, por infração tributária (quanto a esta distinção, GERMANO MARQUES DA SILVA, Direito Penal Tributário, Lisboa, 2009, pág. 328).
Poderá dizer-se que a razão de ser do regime legal decorre da necessidade de acautelar o pagamento das multas aplicáveis às pessoas coletivas, prevenindo a possibilidade de estas virem a ser colocadas numa situação de insuficiência patrimonial que inviabilize por motu proprio a satisfação do crédito fiscal.
Ainda que essa medida seja compreensível no plano de política legislativa, e numa perspetiva utilitarista de eficácia da prevenção criminal, ela não pode justificar, por si, por via de um princípio civilístico de solidariedade passiva, a transferência da responsabilidade penal da pessoa coletiva para o seu administrador ou gerente.
Não é curial, contrariamente ao que se afirma, por vezes, na jurisprudência cível, reconduzir o regime constante do n.º 7 do artigo 8º, a uma forma de responsabilidade civil por facto próprio. O pressuposto da obrigação solidária é a colaboração dolosa na prática do crime tributário, e é essa conduta que torna o gerente responsável solidariamente pelas consequências jurídicas da condenação penal em que tenha incorrido a pessoa coletiva. Não estão aqui em causa quaisquer factos, anteriores ou posteriores à aplicação da multa penal, que tenham colocado a pessoa coletiva na impossibilidade de pagamento. Nem é invocável um qualquer argumento de identidade ou de maioria de razão para tornar equiparável a disciplina desse preceito à responsabilidade subsidiária a que se refere o n.º 1 do artigo 8º (cfr., entre outros, os acórdãos do Tribunal da Relação de Guimarães de 16 de março de 2012, Processo n.º 1407/09, e do Tribunal da Relação do Porto de 2 de maio de 2012, Processo n.º 1113/06, e de 6 de junho de 202, Processo n.º 11/06).
Ainda que a obrigação solidária surja qualificada formalmente como uma obrigação de natureza civil, com subordinação aos princípios gerais da solidariedade passiva, ela não deixa de representar, na prática, uma consequência jurídica do mesmo ilícito penal pelo qual o gerente foi já punido, a título individual, através da aplicação direta de pena de multa. Isso porque a responsabilidade solidária assenta no próprio facto típico que é caracterizado como infração, que é imputado ao agente a título de culpa, e que arrasta não só a sua condenação individual como a condenação da pessoa coletiva no interesse de quem agiu.
A norma prevê, por conseguinte, não já uma mera responsabilidade ressarcitória de natureza civil, mas uma responsabilidade sancionatória por efeito da extensão ao agente da responsabilidade penal da pessoacoletiva.
Faz aqui sentido chamar à colação o princípio ne bis in idem consagrado no artigo 29º, n.º 5, da Constituição e que na sua dimensão de direito subjetivo fundamental proíbe que as normas penais possam sancionar substancialmente, de modo duplo, a mesma infração (cfr. acórdãos do Tribunal Constitucional n.ºs 244/99, 303/05, 356/06 e 319/12).
Certo é que, como se ponderou no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 212/95, o princípio ne bis in idem não obsta a que pelo mesmo facto objetivo venham a ser perseguidas penalmente duas pessoas jurídicas diferentes que poderão ser também passíveis de sanções distintas, pelo que a consagração legal da responsabilidade individual ao lado da responsabilidade do ente coletivo não envolve em si uma qualquer violação do artigo 29º, n.º 5, da Constituição, visto que não implica um duplo julgamento da mesma pessoa pelo mesmo facto. Ou seja, sendo diversos os responsáveis nada impede que pelo mesmo facto respondam duas ou mais pessoas, tanto que as condições de imputação são diversas, mormente no tocante à culpa, e os efeitos da condenação são também diversos. É esse princípio que se encontra, aliás, expresso, no que se refere à responsabilidade penal cumulativa das pessoas coletivas e dos respetivos agentes, no artigo 11º, n.º 7, do Código Penal e é reproduzido no artigo 7º, n.º 3, do RGIT (cfr. GERMANO MARQUES DA SILVA, ob. cit., págs. 301-302).
Essa não é, no entanto, a situação versada no artigo 8º, n.º 7, do RGIT, em que, por força da comparticipação na prática da infração tributária, se faz atuar em relação à pessoa singular, que age como representante da pessoa coletiva, a cumulação da responsabilidade penal própria com a responsabilidade solidária pelo cumprimento da sanção penal pecuniária imposta à pessoa coletiva.
O que traduz objetivamente uma dupla valoração jurídico-criminal de um mesmo facto, com uma consequência negativa para o agente, que é assim tido como um condevedor da prestação, independentemente de a Administração Fiscal optar por exigir ou não o pagamento e de o agente poder vir a exercer ulteriormente o direito de regresso contra o coobrigado.
5. Neste contexto, e face aos termos em que a questão de constitucionalidade vem colocada no caso concreto, não tem cabimento invocar o princípio da intransmissibilidade da responsabilidade penal a que alude o artigo 30º, n.º 3, da Constituição.
A colaboração dolosa na prática da infração pode resultar da intervenção de um titular de órgão ou representante da pessoa coletiva e também de um trabalhador da empresa ou de um prestador de serviços externo. E não está excluído que em relação algum ou alguns dos agentes físicos possam verificar-se causas pessoais de exclusão da responsabilidade penal, sem prejuízo da manutenção do pressuposto que determina a obrigação solidária.
A questão da transmissão da responsabilidade penal poderia colocar-se neste circunstancialismo, isto é, no caso em que o representante da pessoa coletiva, ainda que tenha colaborado na prática da infração por esta cometida, e possa considerar-se incurso na responsabilidade solidária a que se refere o n.º 7 do artigo 8º, não tenha praticado, apesar disso, qualquer conduta punível do ponto de vista criminal, e não tenha por isso incorrido em infração tributária que lhe seja individualmente imputável.
Essa é, aliás - como se deixou esclarecido -, uma possibilidade expressamente salvaguardada no segmento final desse n.º 7, quando se prevê, em relação àqueles que colaboram dolosamente na prática da infração, a responsabilidade solidária por multas aplicadas à pessoa coletiva, independentemente de poderem ser também responsabilizados a título pessoal.
A imposição de uma responsabilidade solidária a terceiro para pagamento de multas aplicadas à pessoa coletiva, quando ele não possa ser corresponsabilizado como coautor ou cúmplice na prática da infração – tal como admite o n.º 7 do artigo 8º - configura uma situação de transmissão da responsabilidade penal, na medida em que é o obrigado solidário que passa a responder pelo cumprimento integral da sanção que respeita a uma outra pessoa jurídica.
Desde que, porém - como é o caso dos autos -, a responsabilidade solidária do gerente acresce à responsabilidade própria decorrente da sua comparticipação na prática da infração, o que aí está em causa é, não já transmissão de responsabilidade penal, mas a violação do princípio ne bis in idem. Dito de outro modo, a transferência da responsabilidade penal da pessoa coletiva, por via da imposição da obrigação solidária, quando o responsável solidário é também condenado, a título individual, pela prática da infração, corresponde à atribuição de diferentes consequências sancionatórias relativamente ao mesmo facto ilícito, e é esta caracterização jurídica que adquire autonomia e prevalência sobre a possível violação do disposto no artigo 30º, n.º 3, da Constituição.
Por identidade de razão, não tem relevo entrar na análise da violação do princípio da culpa, da igualdade e da proporcionalidade como parâmetros de constitucionalidade da norma em causa. Essa aferição justificar-se-ia se houvesse que apurar se os limites e o tipo de sanção imposta por via da regra do artigo 8º, n.º 7, do RGIT se mostram conformes com os princípios constitucionais da necessidade, da proporcionalidade e da adequação.
Se se conclui, no entanto, que a responsabilidade sancionatória decorrente dessa disposição está interdita por implicar uma dupla valoração do mesmo facto para efeitos penais, fica naturalmente prejudicada a questão de saber se esta segunda sanção respeita o princípio da culpa ou se se adequa à natureza e gravidade da infração quando praticada pelo agente a título individual.».
Reforçando esta posição jurisprudencial, mais dois Ex.mos Juízes do Tribunal Constitucional (Cura Mariano e Pedro Machete), declararam no acórdão n.º 207/2013, que no seu entender era aí possível conhecer do mérito do recurso e, consequentemente, teriam julgado inconstitucional, por violação do disposto no artigo 29.º, n.º 5, da Constituição, o n.º7 do art.8.º do RGIT, tal como já o fez o Acórdão n.º 1/2013 deste Tribunal.
O Tribunal da Relação de Coimbra, por acórdãos de 24 de Abril de 2013, relatado pela Ex.ma Desembargadora Dr. Alice Santos, adjunta nos presentes autos (proc. n.º 54/08.1IDVIS-B.C1), de 15 de Maio de 2013, elaborado pelo presente relator ( proc. n.º 49/08.5IDVIS.C2) e de 15 de Maio de 2013, relatado pelo Ex.mo Desembargador Dr. Calvário Antunes ( proc. n.º 165/08.3TAVIS.C1), decidiu que o  art.8.º, n.º 7, do RGIT, é inconstitucional, por violação do art. 29º, nº 5, da Constituição da República Portuguesa, quando aplicada a administrador ou gerente igualmente condenado pela prática do crime pelo qual foi condenada a sociedade, uma vez que consubstancia uma dupla valoração do mesmo facto.[8]
È certo que, como bem anota o Ex.mo Procurador-geral Adjunto no seu douto parecer, o Tribunal Constitucional, nos seus acórdãos n.ºs 297/2013 e 354/2013, não julgaram inconstitucional art.8.º, n.º 7 do RGIT por violação do art. 29º, nº 5, da Constituição da República Portuguesa, ou seja, por violação do princípio ne bis in idem; julgaram a mesma norma inconstitucional mas por violação do disposto no art.30.º, n.º2 da Lei fundamental, ou seja, por violação do princípio da pessoalidade das penas.
Mas o último acórdão do Tribunal Constitucional, sobre esta matéria, proferido com o n.º 825/2013, voltou a « Julgar inconstitucional, por violação do disposto no artigo 29º, n.º 5, da Constituição, a norma do artigo 8º, n.º 7, do Regime Geral das Infrações Tributárias, quando aplicável a gerente de uma pessoa coletiva que foi igualmente condenado a título pessoal pela prática da mesma infração tributária.».
De uma maneira ou de outra, sempre o artigo 8º, n.º 7, do RGIT é tido como materialmente inconstitucional pelo Tribunal Constitucional.
No caso em apreciação, mantendo nós a adesão aos argumentos apresentados pelo Tribunal Constitucional no acórdão n.º 1/2003 e aos citados acórdãos deste Tribunal da Relação que subscrevemos, consideramos que acrescendo a responsabilidade solidária do arguido A..., como gerente da sociedade arguida, à responsabilidade própria decorrente da sua comparticipação na prática do crime de abuso de confiança fiscal, está aqui em causa, não já a transmissão de responsabilidade penal, mas a violação do princípio ne bis in idem, acolhido no artigo 29.º, n.º 5 da Constituição.
Assente que o n.º7 do art.8.º, do RGIT, é inconstitucional por dupla valoração do mesmo facto para efeitos penais, consideramos que fica prejudicada a análise de constitucionalidade da mesma norma por violação dos princípios da culpa, da igualdade e da proporcionalidade, consagrados nos artigos 1.º, 13.º, 18.º e 27.º, n.º1 da Constituição da República Portuguesa.
Recusando-se a aplicação do n.º7 do art.8.º, do RGIT com fundamento na sua inconstitucionalidade, mais não resta que revogar a douta decisão recorrida.
   
            Decisão
       
             Nestes termos e pelos fundamentos expostos acordam os juízes do Tribunal da Relação de Coimbra em conceder provimento ao recurso interposto pelo arguido A... , e revogar o douto despacho recorrido, ficando sem efeito a ordem de emissão de guias de pagamento em nome do ora recorrente, para proceder ao pagamento da multa e coimas aplicadas à sociedade arguida “ B..., Lda.”
            Sem custas.
*
Orlando Gonçalves (Relator)
Alice Santos

[1]  Cfr. BMJ n.º 458º , pág. 98.
[2]  Cfr. CJ, ASTJ, ano VII, tomo I, pág. 247.
[3]  Cfr. Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, Verbo, 2ª edição, pág. 350.
[4] “ Direito Fiscal”, 4.ª edição, Almedina, pág. 284.
[5] Áreas Editora, 2003, pág.s 96 a 98.  
[6] “Responsabilidade Penal das Sociedade e dos seus Administradores e Representantes, págs. 443/448.
[7] In www.tribunalconstitucional.pt.
[8] in dgsi.pt/trc