Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
5559/04.0TBLRA-D.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ARLINDO OLIVEIRA
Descritores: RECURSO DE REVISÃO
FUNDAMENTOS
Data do Acordão: 01/20/2014
Votação: DECISÃO SUMÁRIA
Tribunal Recurso: 4.º JUÍZO CÍVEL DE LEIRIA.
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REQUERIMENTO INDEFERIDO
Legislação Nacional: ARTIGO 696.º AL. C) DO NCPC
Sumário: 1. No termos do disposto no artigo 696.º al. c) do NCPC, a decisão transitada em julgado só pode ser objecto de revisão quando se apresente documento de que a parte não tivesse conhecimento, ou de que não tivesse podido fazer uso, no processo em que foi proferida a decisão a rever e que, por si só, seja suficiente para modificar a decisão em sentido mais favorável à parte vencida.
2. Podendo o documento ter sido apresentado no processo anterior e tendo força probatória limitada, por se tratar de um documento particular, deve o recurso de revisão ser indeferido.

3. A introdução de factos novos não constitui fundamento para a interposição de recurso de revisão.

Decisão Texto Integral: Nos autos de oposição à execução comum que A..., deduziu à execução que lhe foi instaurada pelo Banco B..., SA, já ambos identificados nos autos, a que os presentes autos de recurso de revisão se encontram apensos, foi proferido, neste Tribunal da Relação, o Acórdão ali constante de fl.s 227 a 237 v.º. no qual se revogou, parcialmente, a decisão proferida em 1.ª instância, nos termos que se passam a reproduzir:

“Julgar parcialmente procedente o presente recurso de apelação interposto pela opoente, em função do que se revoga a decisão recorrida, na parte em que julgou improcedente a oposição deduzida, no que se refere às prestações em dívida, relativas ao período do contrato que se segue à morte do segurado, com a consequente extinção da execução, nesta parte;

a qual poderá prosseguir os seus termos, apenas no que se refere às prestações que se encontravam, já em dívida à data da morte do segurado, ou seja, as respeitantes ao período que vai de Maio de 2003 a Outubro de 2005.

Custas por apelante e apelado, na proporção dos respectivos decaimentos, em ambas as instâncias.

            Coimbra, 11 de Janeiro de 2011.”.

            Esta decisão mostra-se transitada em julgado, por dela não ter sido interposto qualquer recurso.

            Através do requerimento aqui junto de fl.s 2 a 27, que deu entrada em juízo no dia 14 de Novembro de 2013, o exequente Banco B..., SA, veio interpor recurso de revisão do Acórdão acima mencionado, apresentando, para o efeito, as seguintes conclusões:

O presente recurso vem interposto do douto Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, proferido em 11 de Janeiro de 2011, que decidiu pela responsabilidade da Seguradora G... pelo pagamento das prestações em dívida, após o decesso do segurado, relativas ao contrato de mútuo celebrado entre exequente e executados.

Em 03 de Novembro de 2004, o exequente intentou contra os executados C..., A..., D...e E..., requerimento executivo, pelo valor de € 64.470,08, atento o não pagamento das prestações de capital e juros vencidas em 2 de Maio de 2003, que originaram o integral vencimento das demais prestações e o incumprimento do contrato de mútuo celebrado entre as partes.

A executada A... deduziu oposição à execução, informando do decesso do co-executado C... – ocorrido em 23 de Novembro de 2005 -, alegando por um lado, o cumprimento de todas as prestações vencidas até à data do decesso e, por outro, no que se refere às demais prestações vencidas após o decesso do referido executado que sempre seria responsável a Companhia de Seguros G... atendendo ao seguro de vida subscrito pelos mutuários aquando da celebração do mútuo com hipoteca.

Notificado da oposição, o exequente veio a pugnar pela falta de fundamento da Oposição deduzida.

Realizada a audiência de discussão e julgamento foi proferida sentença em primeira instância, que veio a julgar totalmente improcedente a Oposição deduzida nos seguintes termos: “da matéria de facto dada como provada que a oponente e o falecido, deixaram de pagar as prestações acordada em 2/05/03”, bem como que “a exequente pode demandar a oponente, como o fez, ou demandar conjuntamente com a seguradora (art. 512º e 519º do Código Civil), sendo certo que no caso em apreço não era possível uma vez que à data em que o exequente intentou a presente execução o executado ainda não tinha falecido; … o facto de existir um contrato de seguro, isso não exonera a executada das obrigações assumidas perante o exequente derivadas do contrato de mútuo; Ela é enquanto devedora solidária responsável pelo pagamento da quantia em dívida.”

Inconformada com a decisão proferida pelo Tribunal de primeira instância, veio a oponente a interpor recurso da mesma, tendo alicerçado o recurso interposto, entre outras, nas seguintes conclusões:

- “Por outro lado, e tal como ficou provado em audiência de julgamento existia um seguro que cobria todos os riscos do crédito, no caso de falecimento de um dos mutuários;

- Tendo sido a Exequente a exigir a oponente e seu marido a que o seguro fosse feito, para poderem ter direito ao mútuo;

- Sendo que as cláusulas gerais e especiais que regulavam tal seguro, garantiam o valor da dívida à data do falecimento da Oponente ou do seu marido;

- A existir alguma divida por liquidar respeitante ao contrato de mútuo, teria sempre de ser a companhia de seguros a liquidar tal dívida e nunca a oponente.”

Em 11 de Janeiro de 2011 foi proferido o Douto Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, decisão a quo, nos termos do qual determinou-se que, tendo sido celebrado um seguro de vida entre os executados e a Companhia de Seguros G..., relativo ao contrato de mútuo celebrado entre exequente e executados, a co-executada cumpriu devidamente a obrigação de comunicação do óbito do co-executado junto do exequente, incumbindo ao exequente o accionamento do referido seguro junto da G..., bem como, determinou que a responsabilidade pelo pagamento de todas as prestações relativas ao mútuo, vencidas desde a data do óbito do co-executado, são da exclusiva responsabilidade da Companhia de Seguros G....

Em 02 de Agosto de 2000, exequente e executados celebraram um contrato de mútuo e hipoteca relativo ao imóvel correspondente ao r/c e primeiro andar do prédio urbano descrito sob o nº ... na Conservatória do Registo Predial de Leiria, Freguesia de Colmeias, pelo valor de 14.500.000$000, contravalor de € 72.325,69.

Para garantia do recebimento da quantia mutuada pelo exequente, em caso de falecimento de um dos mutuários, o executado C...celebrou em 10 de Agosto de 2000, contrato de seguro de vida com a G...Companhia de Seguros Vida, S. A., conforme cláusulas particulares e gerais juntas aos autos pela referida seguradora, em 24 de Abril de 2009.

10ª

Resulta da cláusula quarta do documento complementar do contrato de mútuo, a fls…, que do mesmo é parte integrante, nos termos do qual os mutuários obrigaram-se a contratar um seguro de vida, cujas condições serão as indicadas pelo beneficiário do seguro e, constantes da mencionada apólice, determinando-se, inclusivamente, que o beneficiário/banco receba uma indemnização em caso de sinistro e vencida alguma das obrigações asseguradas.

11ª

Nos termos do referido contrato de seguro, consta como tomador/pessoa segura, o executado C...e, como Beneficiário, o Banco de Investimento Imobiliário, actualmente, Banco B..., S. A. – exequente - até ao valor em dívida de 14.500.000$000, contravalor de € 72.325,69.

12ª

Na sequência da Oposição deduzida pela executada, veio o Tribunal de primeira instância, conforme despacho de 17 de Abril de 2009, a fls…. a oficiar a Companhia de Seguros G...nos seguintes termos:

“Ao abrigo do disposto no artigo 519º, número 1, do Código de Processo Civil, determino que, com cópia de fls. 66, se notifique a seguradora G...– COMPANHIA DE SEGUROS, S. A., para em dez dias, remeter a estes autos cópia de seguro a que se refere a apólice cuja cópia lhe vai remetida, contendo, designadamente: cópia do documento que identifica as partes e respectivas assinaturas; cópia das respectivas condições gerais; cópia das respectivas condições particulares.

Mais, determino que se notifique a referida Companhia de Seguros para, no mesmo prazo, informar se alguma vez foi accionada com vista ao pagamento do prémio de seguro ali acautelado na sequência do decesso do segurado C....”

13ª

A referida seguradora, para além de juntar as condições particulares e especiais da apólice, esclareceu os autos, em 24 de Abril de 2009, nos seguintes termos:

“Mais informamos V. Exa, de que a G...Companhia de Seguros de Vida, S. A., nunca foi recebedora de qualquer participação de sinistro de morte do Sr. C....”

14ª

A intervenção da G...Companhia de Seguros de Vida, S. A. nos autos, mais não foi do que uma intervenção acidental, na sequência do referido despacho de 17 de Abril de 2009 e, limitou-se aos esclarecimentos transcritos na comunicação de 24 de Abril de 2009.

15ª

A seguradora limitou-se a juntar cópia das condições gerais e particulares do seguro, bem como a informar que não “foi recebedora de qualquer participação de sinistro de morte do Sr. C....”

16ª

À data de entrada do requerimento executivo, em juízo, ainda não se tinha verificado o óbito do executado C..., pelo que o exequente não podia demandar a seguradora como executada; e, quando foi dado conhecimento do sucedido nos autos, no âmbito da Oposição deduzida pela co-executada, não seria possível deduzir o incidente de intervenção provocada da seguradora – por não ser admitido em processo executivo.

17ª

Apenas ficou a constar dos autos e, dado a conhecer ao Tribunal e ao exequente, que à referida seguradora não havia sido participado o decesso do executado mas, em momento algum esta veio a esclarecer se, porventura, o contrato de seguro se mantinha em vigor.

18ª

Após o trânsito em julgado da decisão recorrida, o exequente accionou o seguro de vida do segurado/executado C... junto da aludida G...Companhia de Seguros de Vida, S. A., tendo sido esclarecido através de missiva remetida por aquela seguradora, em 24 de Setembro de 2013, que à data do óbito do executado já a apólice se encontrava anulada por falta de pagamento do recibo anual, bem como que inexiste qualquer responsabilidade da seguradora no pagamento dos valores em dívida no âmbito do contrato de mútuo,

19ª

A anulação da apólice do seguro foi devidamente comunicada ao executado C..., através de carta que lhe foi remetida pela seguradora em 11 de Março de 2003, conforme cópia de carta que a seguradora remeteu ao exequente capeada pela missiva de 24 de Setembro de 2013.

20ª

Parte do conteúdo da carta da seguradora datada de 24 de Setembro de 2013, continha a seguinte informação:

“Relativamente ao conteúdo apresentado e após análise do exposto somos a informar que, à data do evento, a apólice em assunto encontrava-se anulada, por falta de pagamento do recibo anual 02-08-14457, relativo à anuidade de 21 de agosto de 2002 a 20 de agosto de 2003, conforme informação prestada, via correspondência, ao tomador do seguro, a qual anexamos para V/ aferição.

Face ao exposto informamos que a G...Companhia de Seguros Vida, S. A. fica relevada de qualquer obrigação relativa à participação em referência.”

21ª

A oponente alicerçou a sua oposição na invocada transmissão do risco para a seguradora G...Companhia de Seguros de Vida, S. A., risco esse, que apenas poderia/deveria ser assumido pela seguradora caso os prémios do seguro se encontrassem devida e atempadamente liquidados.

22ª

Da informação prestada pela seguradora e da qual o exequente apenas agora tomou conhecimento, resulta que à data do decesso do executado já o contrato de seguro não se encontrava em vigor mercê, por um lado, da falta de pagamento do prémio do seguro pelo segurado e, por outro, atenta a comunicação da seguradora ao segurado da anulação da apólice, conforme carta que lhe foi dirigida nos termos da qual a apólice foi considerada anulada com efeitos a 21 de Agosto de 2002, em cumprimento do estatuído na Cláusula 6ª das condições gerais do seguro de vida.

23ª

Em momento algum foi dado conhecimento aos autos, da validade do contrato de seguro.

24ª

A intervenção da seguradora foi apenas no sentido de confirmar que não lhe havia sido comunicado o óbito do executado e a própria oponente jamais esclareceu que o aludido contrato já havia sido anulado pela seguradora.

25ª

O contrato de seguro ramo vida e o contrato de mútuo são contratos de união, dependentes um do outro.

26ª

O contrato de seguro constitui uma garantia de cumprimento/pagamento do valor mutuado em caso de falecimento do mutuário/segurado, transferindo-se para a seguradora a responsabilidade pelo pagamento das quantias em dívida, relativas ao mútuo, junto do mutuante/beneficiário do seguro.

27ª

Ainda que o exequente tivesse comunicado o óbito do executado/segurado logo após o momento em que este lhe foi transmitido pelo oponente – dever de informação que de acordo com o Tribunal da Relação de Coimbra, no Acórdão ora recorrido, apenas incumbiria ao exequente – a verdade é que o seguro já não seria accionável em virtude da anulação da apólice de seguro pela seguradora.

28ª

O contrato de seguro encontrava-se já resolvido em 21 de Agosto de 2002, ou seja, em data anterior à data do decesso do executado (23/11/2005) e, inclusivamente, em data anterior ao incumprimento do mútuo (02/05/2003).

29ª

Facto do qual foi dado conhecimento ao executado/segurado e que a oponente não desconhece, nem podia desconhecer.

30ª

Caso tivesse conhecimento da resolução do contrato de seguro de vida, o Tribunal da Relação de Coimbra, não poderia ter considerado a companhia de seguros G...responsável pelo pagamento das quantias em dívida, após 23 de Novembro de 2005, junto do exequente.

31ª

A responsabilidade da seguradora, pelas referidas quantias em dívida, apenas se verificaria caso o contrato de seguro de vida ainda se mantivesse válido à data do óbito, o que não veio a suceder, atendendo ao teor da carta de 24 de Setembro de 2013.

32ª

Encontrando-se resolvido o contrato de seguro de vida, inexiste qualquer responsabilidade da seguradora.

33ª

A oponente é, necessariamente, responsável, pelo pagamento, junto do exequente, das quantias devidas desde o decesso do executado, isto é, pela integralidade da quantia exequenda/peticionada.

34ª

Ao omitir a informação relativa à validade do contrato de seguro, da qual tinha conhecimento - e que o exequente não podia conhecer à mencionada data – a oponente pretendeu eximir-se ao pagamento das obrigações validamente contraídas junto do exequente.

35ª

Apenas com o documento datado de 24 de Setembro de 2013 – carta da seguradora G...Companhia de Seguros de Vida, S. A.– veio o exequente a ter conhecimento da anulação do contrato de seguro, que resulta na impossibilidade de aquela ser considerada responsável pelo pagamento das quantias em dívida do mútuo a partir de 23 de Novembro de 2005.

36ª

Facto esse, que caso tivesse sido levado ao conhecimento dos autos levaria, necessariamente, à condenação da oponente no pagamento de todas as quantias em dívida, nos exactos termos peticionados no requerimento executivo.

37ª

Caso os autos tivessem tido conhecimento da anulação do contrato de seguro, o exequente não teria decaído no que se refere ao pedido de condenação da oponente relativamente ao pagamento dos valores em dívida a partir da data do óbito, porquanto foi entendimento do Tribunal da Relação de Coimbra que aquele pagamento seria da responsabilidade da seguradora, tendo decidido pela absolvição da oponente.

38ª

O documento – carta da seguradora– constitui fundamento para interposição de recurso de revisão nos termos e para os efeitos do disposto na alínea c) do artigo 696º do CPC,

39ª

Após o trânsito em julgado do Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra, ainda não decorreram mais de cinco anos, tal como determina o nº 2 do artigo 697º do mesmo diploma legal.

40ª

O exequente interpôs o presente recurso dentro do prazo de sessenta dias a que alude a alínea c) do nº 2 do artigo 697º do CPC.

41ª

O exequente junta, para efeitos do disposto no nº 2 do artigo 698º do CPC, o original da carta remetida pela G...Companhia de Seguros de Vida, S. A..

42ª

Atento o exposto, não podemos deixar de concluir, que o Tribunal da Relação de Coimbra não poderia ter decidido como responsável pelo pagamento das quantias em dívida desde a data do decesso do executado/segurado, a G...Companhia de Seguros de Vida, S. A., mais devendo a oponente ser condenada no pagamento da integralidade da quantia peticionada no requerimento executivo.

43ª

Deve, em consequência, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra ser revogado e substituído por outro que julgue a oponente responsável pelas quantias em dívida desde a data do decesso do executado, seguindo-se os ulteriores termos até final.

            Termina, peticionando a admissão e procedência do recurso de revisão que intentou e, consequentemente, seja a oponente condenada no pagamento ao exequente das prestações peticionadas e vencidas desde a data do decesso do executado C....

Nos termos do disposto no artigo 699.º do NCPC, incumbe proferir decisão de admissão ou de indeferimento liminar do recurso de revisão aqui interposto, o que se passa a fazer.

E decidindo:

No termos do disposto no artigo 696, al. c), do NCPC:

“A decisão transitada em julgado só pode ser objecto de revisão quando:

(…)

c) Se apresente documento de que a parte não tivesse conhecimento, ou de que não tivesse podido fazer uso, no processo em que foi proferida a decisão a rever e que, por si só, seja suficiente para modificar a decisão em sentido mais favorável à parte vencida;”.

O recurso de revisão enquadra-se nos vulgarmente designados recursos extraordinários, o qual, nos dizeres de Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, in CPC, Anotado, Vol. 3.º, Coimbra Editora, 2003, a pág. 195 “visa combater um vício ou anomalia processual de especial gravidade, de entre um elenco taxativamente previsto.”.

No ensinamento de Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil, anotado, vol. VI (Reimpressão), Coimbra Editora, 1981, a pág.s 335 e 336, o recurso de revisão constitui “uma das revelações do conflito entre as exigências da justiça e a necessidade da segurança ou da certeza. Em princípio, a segurança jurídica exige que, formado o caso julgado, se feche a porta a qualquer pretensão tendente a inutilizar o benefício que a decisão atribuiu à parte vencedora.

Mas pode haver circunstâncias que induzam a quebrar a rigidez do princípio. A sentença pode ter sido consequência de vícios de tal modo corrosivos, que se imponha a revisão como recurso extraordinário para um mal que demanda consideração e remédio.

Quer dizer, pode a sentença ter sido obtida em condições tão estranhas e anómalas, que seja de aconselhar fazer prevalecer o princípio da justiça sobre o princípio da segurança. Por outras palavras, pode dar-se o caso dos inconvenientes e as perturbações resultantes da quebra do caso julgado serem muito inferiores aos que derivariam da intangibilidade da sentença.”.

Ou seja, como ferramenta processual extraordinária que é, a ela apenas se pode recorrer nos apertados e fixados limites do artigo 696.º, NCPC.

E um de tais casos, como acima referido é o previsto na al. c) deste preceito, segundo o qual o pode fundamentar a existência de documento de que a parte não tivesse conhecimento, ou de que não tivesse podido fazer uso, no processo em que foi proferida a decisão a rever e que, por si só, seja suficiente para modificar a decisão em sentido mais favorável à parte vencida.

Exige-se, pois, a existência de um documento novo, desconhecido da parte ou que dele não tenha podido fazer uso no processo em que foi proferida a decisão revidenda e que, por si só, possa virtualidades para modificar a decisão em sentido favorável ou mais favorável à parte vencida.

Colhendo, mais uma vez, os ensinamentos de Alberto dos Reis, ob. cit., a pág. 353, a novidade do documento deve referir-se ao processo anterior, no sentido de aí não ter sido apresentado.

Complementarmente, exige-se que a parte dele não dispusesse nem dele tivesse conhecimento ao tempo em que esteve em curso o processo anterior, pelo que é “necessário que à parte vencida tivesse sido impossível fazer uso do documento no processo em que decaiu. Se a parte tinha conhecimento da existência do documento e podia servir-se dele; se não o apresentou foi porque não quis; sofre, portanto, a consequência da sua determinação ou da sua negligência.”.

Acrescentando a pág. 354 e 355 que se “a parte não teve notícia da existência do documento por incúria sua, porque não procedeu às diligências naturalmente indicadas para descobrir o documento (…) deve concluir-se que a parte não terá direito à revisão; se não teve conhecimento do documento foi porque não quis tê-lo; é-lhe imputável, portanto, o não uso do documento. Ora na base do n.º 3 está este pensamento: a revisão só é admissível quando não possa imputar-se à parte vencida a falta de produção do documento no processo em que sucumbiu.

(…)

“O que é essencial é que não seja imputável à parte vencida a não produção do documento no processo anterior”.

Por último, o apontado carácter decisivo do documento em causa, para o que o julgador deverá relacioná-lo com o mérito da causa, indagando qual teria sido o êxito da mesma se o documento tivesse sido apresentado – autor e ob cit., a pág. 357.

Como refere F. Amâncio Ferreira, in Manual Dos Recursos Em Processo Civil, 6.ª Edição, Almedina, 2005, a pág.s 365 e 366, o documento superveniente apenas fundamentará a revisão quando, por si só, seja capaz de modificar a decisão em sentido mais favorável ao recorrente. Se o documento, quando relacionado com os demais elementos probatórios produzidos em juízo, não tiver a força suficiente para destruir a prova em que se fundou a sentença, não se vê razão para se abrir um recurso de revisão.

Analisados os pressupostos/fundamentos de viabilidade do recurso de revisão, importa considerar o documento em que o recorrente funda a sua pretensão recursiva, afim de verificar se o mesmo deve ser indeferido ou admitido.

Como se constata de fl.s 30, o documento em causa é uma carta escrita em papel timbrado da “ G...”, dirigida à Ex.ma Mandatária que assina o requerimento de recurso e tem os seguintes dizeres:

“N/ Ref.ª 09/13*SF Apólice 0008006660 – 72/017879

V/ Ref.ª C...

Lisboa, 24 de Setembro de 2013

Exma. Dr.a F...,

Acusamos recepção de participação do óbito da titular da apólice em epígrafe, dirigido aos Serviços da G...Companhia de Seguros Vida SA., o qual agradecemos e que nos mereceu a nossa especial atenção.

Relativamente ao conteúdo apresentado e após análise do exposto somos a informar que, à data do evento, a apólice em assunto encontrava-se anulada, por falta de pagamento do recibo anual 02-08-14457, relativo à anuidade de 21 de agosto de 2002 a 20 de agosto de 2003, conforme informação prestada, via correspondência, ao tomador de seguro, a qual anexamos para V/ aferição.

Face ao exposto informamos que a G...Companhia de Seguros Vida S.A. fica relevada de qualquer obrigação relativa à participação em referência.

Mantendo-nos ao inteiro dispor, através do telefone ..., para melhor esclarecimento adicional, aproveitamos a oportunidade para apresentar os melhores cumprimentos subscrevendo-nos, muito atentamente,

(segue-se uma assinatura)

H...

...-Soluções Vida”.

            Acompanha esta carta, a cópia de uma outra, datada de 11 de Março de 2003, alegadamente, enviada pela G...Life ao executado C..., informando da anulação da apólice em referência, com efeito a partir de 2002/08/21, por falta de pagamento do respectivo prémio.

            Como resulta da factualidade provada na sentença revidenda, designadamente nos seus itens 2.º, 3.º e 10.º, o ora recorrente tinha conhecimento da existência e respectivas cláusulas, do contrato de seguro outorgado entre o executado e a G..., o qual, como é norma neste tipo de situações, foi uma exigência do Banco, que fixou as condições e seguradora em que o mesmo teria de ser feito.

            A oposição deduzida à execução deu entrada em juízo no dia 02 de Junho de 2006 (cf. fl.s 2 dos autos principais) e um dos seus fundamentos é, precisamente, a existência do contrato de seguro celebrado com a G...(cf. artigos 10.º e seg.s da oposição).

            Na resposta oferecida pelo ora recorrente (cf. fl.s 64 e 65 dos autos principais), o mesmo limitou-se a referir que as prestações deixaram de ser pagas 19 meses antes do óbito do executado e quanto ao referido seguro de vida que apenas tinha cópia da apólice, desconhecendo as suas condições e cláusulas (o que está em contradição com o constante do item 10.º dos factos provados – foi o banco que determinou as condições e seguradora) e que a executada nunca informara do óbito de seu marido, defendendo que não era a si (exequente) que cabia participar o óbito à seguradora e requerer a instrução do processo de indemnização.

            Ora, em face da fundamentação deduzida na oposição, poderia e deveria, desde logo, o exequente colher junto da seguradora as informações que lhe solicitou apenas após o trânsito em julgado da decisão revidenda.

            Efectivamente, o exequente dispunha de todas as condições para se informar junto da seguradora (que ele, próprio, escolheu) da existência e validade do alegado contrato de seguro de vida, de que era sabedor.

            Ou seja, o documento ora emitido pela G..., só não foi por esta emitido ainda no decurso do processo anterior, porque o exequente não lho solicitou, como agora o fez, isto é, é-lhe imputável a não produção do documento que agora apresentou no processo anterior, pelo que falece, desde logo, um dos acima enumerados requisitos exigidos na al. c) do artigo 696.º do NCPC, o que acarreta o indeferimento do recurso de revisão ora interposto.

            Por outro lado, o documento ora apresentado é um documento particular (cf. artigo 363.º, n.º 2, in fine, do CC), cuja força probatória é limitada, tal como decorre do disposto no artigo 376.º do Código Civil.

            Assim sendo, o mesmo não demonstra, só por si, que o contrato de seguro em causa estava ou não anulado por falta de pagamento, necessitando de ser complementado por outros meios de prova, designadamente, os comprovativos da alegada falta de pagamento dos prémios de seguro e pelos depoimentos das pessoas que de tal pretenso facto tiveram conhecimento, por via das funções que desempenhavam na seguradora em causa.

            Assim, também, este pressuposto se tem por inverificado e, por consequência, tem o presente requerimento de recurso de revisão de ser indeferido.

            Mas ainda que assim não fosse, sempre teria o requerimento em causa de ser indeferido, pelas razões que se passam a expor.

            Efectivamente, nos termos do disposto nos artigos 341.º e 362.º, ambos do Código Civil, as provas têm por função a demonstração da realidade dos factos e no caso de se tratar de prova documental, tem na sua génese um documento elaborado pelo homem com o fim de representar uma pessoa, coisa ou facto.

            Factos estes que, para serem relevantes, têm de ter sido alegados no processo onde foi proferida a decisão revidenda e que por falta da junção de tal documento conduziu a que o facto que lhe está subjacente não se deu por demonstrado.

            A alínea c) do artigo 696.º do NCPC, alude a documento novo que não a factos novos.

            Ora, no processo em que foi proferida a decisão que se visa atacar, nada foi alegado quanto à anulação da apólice por falta de pagamento dos respectivos prémios e a introdução de factos novos não constitui fundamento para a interposição de recurso de revisão. Apenas lhe servem de fundamento a junção de documentos novos – neste sentido, veja-se o Acórdão do STJ, de 19 de Setembro de 2013, Processo 663/09.1TVLSB.S1, disponível in http.//www.dgsi.pt/jstj.

            Pelo que, também, com esta fundamentação, é de indeferir o requerimento de interposição do recurso de revisão de que ora nos ocupamos.

            Nos termos expostos decide-se:

            Indeferir o requerimento de interposição de recurso de revisão interposto pelo B....SA.

            Custas pelo recorrente.

            Coimbra, 20 de Janeiro de 2014.

Arlindo Oliveira