Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
228/09.8PAACB.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ESTEVES MARQUES
Descritores: LIBERDADE CONDICIONAL
PRESSUPOSTOS
Data do Acordão: 06/16/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE COIMBRA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: 61º,NºS 1,2 3 DO CP
Sumário: 1 A liberdade condicional quando referida a 1/2 ou a 2/3 da pena – liberdade condicional facultativa - consiste num poder-dever do tribunal vinculado à verificação de todos os pressupostos formais e materiais estipulados na lei, sendo que estes últimos são em número diferente consoante estejamos perante o final do primeiro ou do segundo dos supra referidos períodos de execução da pena de prisão.
2 A liberdade condicional facultativa, porque se trata de uma medida de carácter excepcional que tem como objectivo a suspensão do cumprimento da pena aplicada , só deve ser concedida quando se considerar que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes e a libertação se revelar compatível com a defesa da ordem a da paz social.
Decisão Texto Integral: 14
Proc. nº 1946/09.6TXCBR-A.C1
RELATÓRIO

Nos autos de Processo Gracioso de Concessão de Liberdade do Tribunal de Execução de Penas de Coimbra, o Mmº juiz, após ter ouvido o ora recorrente Ministério Público e o Conselho Técnico, que deram ambos parecer desfavorável, decidiu não conceder a liberdade condicional ao arguido M.
Notificado dessa decisão, veio o condenado interpor recurso, formulando as seguintes conclusões:
“1º Aquando da apreciação da liberdade condicional ao recluso ora recorrente, em estádio do meio da pena, sustentou o Senhor Juiz a sua decisão (de não concessão de liberdade condicional) essencialmente ou exclusivamente no facto de terem de se relevar as exigências de prevenção geral.
Assim, diz o Meritíssimo Senhor Juiz que, quanto aos crimes praticados e com particular ênfase no Tráfico de Estupefacientes, são fortes tais exigências de prevenção geral, face às consequências nefastas associadas ao tráfico.
Desta forma, tendo em conta a duração da pena e as prementes exigências de prevenção geral, a libertação antecipada revela-se prematura.
2º Resulta sem mais de todo o processado, que foi nesse ângulo de visão, aliás arbitrário e imotivável que o Meritíssimo Senhor Juiz assentou a decisão ora objecto de recurso.
Imotivável já que da decisão proferida em sede de motivação e explanação de motivos, não foi como aliás o deveria ter sido, justificada devidamente a recorrida decisão e muito menos foi dado suporte factual probatório à mesma.
3º Temos assim que, para além do mais, a falta de fundamentação da decisão, comporta ou importa se assim se preferir a nulidade da mesma por violação da disposição decorrente da norma do artigo 379.°, nº 1, alínea a), com referência ao nº 2, do artigo 374.°, ambos do Código de Processo Penal, mostrando-se igualmente violada a norma do artigo 61. °, nº 2, alínea a), do Código Penal Português.
4º Mais, não se entende como é que, depois de devidamente exposta toda a situação concreta que foi a análise para a concessão da liberdade condicional, o Tribunal recorrido decide não conceder a liberdade condicional ao recluso, ora recorrente.
Concretizando,
" No caso em apreço, tendo em conta o teor dos relatórios da DGRS, da Ex.ma Directora do E.P. e dos Serviços de Educação e Ensino de fls. 235, 236 - 237 e 242 - 247, bem como das percepções manifestadas pelos elementos que compõem o Conselho Técnico, considera-se que:
A) O recluso cumpre a pena única de 6 anos de prisão imposta no PCC n.º 18106.0 PELRA do 1º Juízo Criminal de Leiria por crimes de Tráfico de estupefacientes e detenção de arma proibida, tendo atingido o 1/2 da pena em 2010.01.28, atingindo os 2/3 em 2011.01.28, terminando a pena em 2013.01.28;
B) Reconhece e identifica as consequências do seu comportamento, que associa aos hábitos aditivos que vivenciava à data;
C) Mostra-se conformado com a sua situação de reclusão, tendo consciência que a sua condenação foi prejudicial para si e para os seus familiares directos, principalmente para as filhas;
D) Desde que se encontra no EP da Guarda tem mantido um bom comportamento, encontrando-se ocupado a frequentar RVCC tendo em vista a sua certificação ao nível do 6. ° ano de escolaridade;
E) Beneficiou de SPP no período de Natal, que decorreu dentro da normalidade junto dos seus familiares no Bairro …. em Coimbra;
F) O recluso tem como projecto residir sozinho em casa própria, que anteriormente havia sido atribuída ao casal pela Câmara Municipal de Coimbra, habitação que usufrui de satisfatórias condições de habitabilidade e insere-se num bairro social essencialmente habitado por agregados de etnia cigana;
G) No meio de residência, embora sejam do domínio público os factos pelos quais o recluso cumpre pena, não são perceptíveis sinais de rejeição relativamente ao mesmo;
H) Anteriormente o recluso vivenciava uma relação conjugal com L (co-arguida) no processo, sem aparentes conflitos e têm três filhas, encontrando-se actualmente a mais velha (15 anos) com vida autónoma e as duas mais novas, a Neuza (10 anos) ao cuidado do tio paterno S e a M (7 anos) com o tio paterno LC a residirem no Bairro .., devendo-se tal situação ao facto de L ter terminado o relacionamento com o recluso, já após a saída da mesma em Liberdade Condicional, estando esta nova alteração familiar aparentemente a ser razoavelmente gerida pelo recluso;
I) No EP da Guarda o recluso tem recebido visitas com alguma regularidade da família nuclear e família alargada, os quais se vêm disponibilizando para o apoiarem enquanto detido e uma vez em liberdade;
J) A nível profissional o recluso sempre se dedicou à venda ambulante, actividade esta que perspectiva retomar uma vez em liberdade com o apoio dos irmãos;
L) Relativamente ao problema de toxicodependência encontra-se abstinente, mantendo contudo acompanhamento por parte do CRI Guarda na vertente psicológica.
5º Da análise dos factos apurados podemos salientar que o recluso mantém um comportamento institucional adequado, de acordo com as normas. Numa primeira aproximação à liberdade a SPP concedida teve avaliação positiva.
São bons indicadores o facto de o recluso se manter abstinente e ter revelado capacidade de resistência à frustração face à ruptura da relação conjugal que mantinha.
Em liberdade conta com o apoio da família alargada, com perspectivas de auto-emprego e local de residência.
Em reclusão mantém-se ocupado, adquirindo competências”.
6º Na decisão proferida e de que agora se recorre, é feita referência, ao trajecto pessoal e prisional do recluso e ás condições objectivas existentes em meio livre.
Esta referência feita demonstra que estamos face a um recluso exemplar. Desde que se encontra em situação de reclusão atingiu o meio da mesma com um comportamento irrepreensível, o mesmo sempre trabalhou e demonstrou uma evolução positiva da assimilação do seu comportamento passado, mas sempre com vista a uma integração no meio prisional e a uma preparação para a ressocialização e reintegração no meio social.
Ao recluso, entretanto, já lhe foi concedida a possibilidade de usufruir de uma saída precária de curta e de longa duração. Durante a mesma foi cumpridor das normas e condutas a que estava obrigado, merecendo a confiança de quem lha concedeu.
7º O mesmo recluso, com vista á sua ressocialização (princípio primordial do Direito Penal), pretende ter uma ocupação laboral, um emprego que lhe permite fazer face às suas despesas e levar uma vida digna quando sair.
8º É um recluso que sempre procurou encontrar um caminho para a sua integração na sociedade, tendo vindo a fazer um trajecto favorável nesse sentido, tem uma família que o tem acompanhado no ser percurso prisional e que o tem apoiado incondicionalmente, sendo uma grande ajuda na sua ressocialização.
O recluso tem um apoio familiar e dos amigos constante, tal apoio é demonstrado quer nas visitas ao Estabelecimento Prisional, quer no acompanhamento e conforto que todos lhe deram e darão nas saídas precárias, quer ainda no facto de ter um suporte incondicional das suas filhas que o vêm ajudando e o têm ajudado no seu processo de ressocialização.
Todos estão do seu lado, procurando que o mesmo se reintegre na sociedade e apoiando-o no caminho que o mesmo quer seguir.
Além disso, temos que analisar e ter em consideração o facto de o mesmo estar completamente abstinente do consumo de qualquer produto estupefaciente.
9º Ao decidir como decidiu, o Meritíssimo Senhor juiz a quo interpretou de forma manifestamente errada a norma do artigo 61.°, nº 3, por referência à alínea a) do nº 2, do Código Penal Português, já que não detém o Senhor Juiz quaisquer elementos que o levassem a proferir tal decisão e assim, impunha-se decisão diversa. Tal e tanto importa a revogação da douta decisão e a sua substituição por outra que conceda a liberdade condicional ao recorrente.
10º Ao decidir como decidiu, não fundamentando como não fundamentou a douta decisão que nega a concessão da liberdade condicional ao recorrente, o Senhor Juiz a quo interpretou de forma manifestamente errada a norma do artigo 374.°, nº 2 do Código de Processo Penal, posto que estava por esta norma obrigado a justificar as razões de facto e de direito da douta decisão, tal e tanto importa a nulidade da douta decisão recorrida nos termos do disposto no artigo 379.°, nº 1 alínea a) daquele mesmo Código de Processo Penal Português, nulidade essa que aqui se tem por arguida.
11º Ao decidir como decidiu o Meritíssimo Senhor Juiz, interpretou de forma manifestamente errada as normas Constitucionais dos princípios da adequação, da proporcional idade e da necessidade que assim se mostram violados, tal e tanto implica a revogação da douta decisão e a sua substituição por outra que conceda a liberdade condicional ao recorrente.”.
O Ministério Público respondeu, concluindo pela improcedência do recurso.
O Exmº Procurador-Geral Adjunto nesta Relação, emitiu douto parecer no sentido do improvimento do recurso.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.

FUNDAMENTAÇÃO

No segmento que interessa para a apreciação do presente recurso, o despacho recorrido tem o seguinte teor:
“…O instituto da liberdade condicional assume “um carácter de última fase de execução da pena a que o delinquente foi condenado e, assim, a natureza jurídica – que ainda hoje continua a ser-lhe predominantemente assinalada – de um incidente (ou de uma medida) de execução da pena privativa de liberdade. O agente, uma vez cumprida parte da pena de prisão a que foi condenado (pelo menos metade em certos casos, dois terços noutros casos) vê recair sobre ele um juízo de prognose favorável sobre o seu comportamento futuro em liberdade, eventualmente condicionado pelo cumprimento de determinadas condições – substancialmente análogas aos deveres e regras de conduta que vimos fazerem parte das penas de substituição da suspensão da execução da prisão e do regime de prova – que lhe são aplicadas.
Foi, desta forma, uma finalidade específica de prevenção especial positiva ou de socialização que conformou a intenção político-criminal básica da liberdade condicional desde o seu surgimento”.
A aplicação da liberdade condicional assenta em vários pressupostos, de natureza formal e material.
São pressupostos de natureza formal de tal instituto os seguintes:
a) O consentimento do condenado (artigo 61º, nº 1, do Código Penal (CP);
b) O cumprimento de, pelo menos, seis meses da pena de prisão ou da soma das penas de prisão que se encontram a ser executadas (artigos 61º, nº 2 e 63º, nº 2, do CP);
c) O cumprimento de 1/2, 2/3 ou 5/6 da pena de prisão ou da soma das penas de prisão que se encontram a ser executadas (artigos 61º, nºs 2, 3 e 4 e 63º, nº 2, do CP).
A liberdade condicional quando referida a 1/2 ou a 2/3 da pena (liberdade condicional facultativa) consiste num poder-dever do tribunal vinculado à verificação de todos os pressupostos formais e materiais estipulados na lei, sendo que estes últimos são em número diferente consoante estejamos perante o final do primeiro ou do segundo dos supra referidos períodos de execução da pena de prisão.
São pressupostos de natureza material da aplicação de tal instituto a 1/2 da pena:
a) O supra referido juízo de prognose favorável sobre o comportamento futuro do condenado quando colocado em liberdade (als. a) e b), do artigo 61º, do CP), o qual assenta, de forma determinante, numa apreciação sobre a evolução da personalidade do condenado durante o tempo de execução da prisão (juízo atinente à prevenção especial positiva ou de ressocialização);
b) Um juízo de prognose favorável sobre o reflexo da libertação do condenado na sociedade (juízo atinente à prevenção geral positiva), ou seja, sobre o seu impacto nas exigências de ordem e paz social.
Estão aqui bem presentes na liberdade condicional as exigência de prevenção geral e especial a que já aludimos supra, devendo o julgador, para
decidir pela concessão da liberdade condicional julgar que o condenado está preparado para se reintegrar na sociedade, sem cometer crimes (artigo 42º, nº 1, do CP).
Quanto apreciada aos 2/3 a pena, os pressupostos são os elencados em a).
A liberdade condicional quando referida a 5/6 da pena (liberdade condicional obrigatória) trata-se já de um dever do tribunal não vinculado aos pressupostos materiais estipulados no artigo 61º, nº 2, als. a) e b), do CP, sendo concebida como uma fase de transição entre a reclusão e a liberdade de forma a obstar às dificuldades na reinserção social do condenado, o qual, designadamente quando estejam em causa penas maiores, e não obstante o trabalho de socialização levado a cabo no estabelecimento prisional, no regresso à sociedade sofre, regra geral, de uma grande desadaptação à vida em liberdade.
Tal liberdade condicional depende apenas e só do cumprimento de grande parte da pena de prisão, independentemente de o juízo de prognose quanto ao comportamento futuro do condenado (ou seja, a apreciação relativa à prevenção especial positiva) ser positivo ou negativo.
O recluso cumpre a pena única de 6 anos de prisão imposta no PCC n.º 18/06.0PELRA do 1º Juízo Criminal de Leiria por crimes de tráfico de estupefacientes e detenção de arma proibida, tendo atingido o ½ da pena em 2010.01.28, atingindo os 2/3 em 2011.01.28, terminando a pena em 2013.01.28.
No caso em apreço, tendo em conta o teor dos relatórios da DGRS, da Exma. Directora do E.P e dos Serviços de Educação e Ensino de fls. 235, 236-237 e 242-247, bem como das percepções manifestadas pelos elementos que compõem o Conselho Técnico, considera-se que:
A) O recluso cumpre a pena única de 6 anos de prisão imposta no PCC n.º 18/06.0PELRA do 1º Juízo Criminal de Leiria por crimes de tráfico de estupefacientes e detenção de arma proibida, tendo atingido o ½ da pena em 2010.01.28, atingindo os 2/3 em 2011.01.28, terminando a pena em 2013.01.28;
B) Reconhece e identifica as consequências do seu comportamento, que associa aos hábitos aditivos que vivenciava à data;
C) Mostra-se conformado com a sua situação de reclusão, tendo consciência que a sua condenação foi prejudicial para si e para os seus familiares directos, principalmente para as filhas;
D) Desde que se encontra no EP da Guarda tem mantido um bom comportamento, encontrando-se ocupado a frequentar RVCC tendo em vista a sua certificação ao nível do 6° ano de escolaridade;
E) Beneficiou de SPP no período de Natal, que decorreu dentro da normalidade junto dos seus familiares no Bairro .., em Coimbra;
F) O recluso tem como projecto residir sozinho em casa própria, que anteriormente havia sido atribuída ao casal pela Câmara Municipal de Coimbra, habitação que usufrui de satisfatórias condições de habitabilidade e insere-se num bairro social essencialmente habitado por agregados de etnia cigana;
G) No meio de residência, embora sejam do domínio público os factos pelos quais o recluso cumpre pena, não são perceptíveis sinais de rejeição relativamente ao mesmo;
H) Anteriormente o recluso vivenciava uma relação conjugal com Laurinda Maia Soares (co-arguida no processo), sem aparentes conflitos e têm três filhas, encontrando-se actualmente a mais velha (15 anos) com vida autónoma e as duas mais novas, a Neuza (10 anos) ao cuidado de tio paterno S e a M (7 anos) com o tio paterno L, a residirem no Bairro .., devendo-se tal situação ao facto de L ter terminado o relacionamento com o recluso, já após a saída da mesma em Liberdade Condicional, estando esta nova alteração familiar aparentemente a ser razoavelmente gerida peto recluso;
I) No EP da Guarda o recluso tem recebido visitas com alguma regularidade da família nuclear e família alargada, os quais se vêm disponibilizando para o apoiarem enquanto detido e uma vez em liberdade;
J) A nível profissional o recluso sempre se dedicou à venda ambulante, actividade esta que perspectiva retomar uma vez em liberdade com o apoio dos irmãos;
L) Relativamente ao problema de toxicodependência encontra-se abstinente, mantendo contudo acompanhamento por parte do CRI Guarda na vertente psicológica.
Ouvido pelo tribunal, em sede de Conselho Técnico, o condenado autorizou a colocação em liberdade condicional.
Da análise dos factos apurados podemos salientar que o recluso mantém um comportamento institucional adequado, de acordo com as normas.
Numa primeira aproximação à liberdade a SPP concedida teve avaliação positiva.
São bons indicadores o facto de o recluso se manter abstinente e ter revelado capacidade de resistência à frustração face à ruptura da relação conjugal que mantinha.
Em liberdade conta com o apoio da família alargada, com perspectivas de auto-emprego e local de residência.
Em reclusão mantém-se ocupado, adquirindo competências.
No entanto e ao ½ da pena, não só razões de prevenção especial sustentam a formulação de um juízo de prognose favorável quanto a uma hipotética libertação antecipada. Também relevam as exigências de prevenção geral. Ora, quanto aos crimes praticados e com particular ênfase no tráfico de estupefacientes, são fortes tais exigências, face às consequências nefastas associadas ao tráfico.
Tendo em conta a duração da pena e perante as prementes exigências de prevenção geral, a libertação antecipada revela-se prematura.
IV.
Decisão
Por todo o exposto, em conformidade com as disposições legais supra referidas, decide-se não conceder ao condenado M a liberdade condicional.”.
Face ao conteúdo das conclusões, as questões colocadas no recurso são as seguintes:
- Nulidade por falta de fundamentação;
- Saber se se justifica a concessão da liberdade condicional.
Começando pela primeira questão, alega o recorrente que a decisão não se encontra fundamentada de facto e de direito nos termos do artº 374º nº 2 CPP, o que na sua perspectiva incorre na nulidade prevista no artº 379º nº 1 a) do mesmo diploma.
Mas não tem manifestamente qualquer razão.
Desde logo há que precisar que a decisão que foi proferida não é uma sentença.
Com efeito, a decisão que aprecia a concessão da liberdade condicional é como o qualifica expressamente o artº 485º nº 3 CPP, um despacho e, como tal não lhe são aplicáveis os invocados dispositivos legais.
É que são diferentes as consequências processuais da inobservância ou violação do princípio da fundamentação das decisões, consoante se trate de sentença ou de despacho.
Assim no caso da sentença o acto fica ferido de nulidade – artºs 379º nº 1 a) e 374º CPP.
Porém, no caso de um despacho, a falta de fundamentação tem como consequência, não a nulidade do mesmo, mas a mera irregularidade, nos termos do disposto no artº 118°, nºs 1 e 2 CPP, e artºs 119° e 120°, do mesmo diploma legal, estes a contrario sensu.
Acresce que as irregularidades processuais ficam sanadas, para além do mais (v. artº 121° do CPP), se não forem arguidas nos prazos legais, ou seja os previstos no artº 123°, nº 1 CPP.
O que se verifica in casu, porquanto o recorrente não arguiu o vício nos três dias seguintes a contar da notificação do despacho recorrido.
Assim sendo improcede o recurso neste ponto.
Passemos então à questão de fundo, isto é saber se se justifica ou não a concessão da liberdade condicional ao recorrente.
Pois bem estabelece o artº 61º CP:
“ 1. A aplicação da liberdade condicional depende sempre do consentimento do condenado.
2. O tribunal coloca o condenado a prisão em liberdade condicional quando se encontrar cumprida metade da pena e no mínimo seis meses se:
a) For fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da pena de prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes; e
b) A libertação se revelar compatível com a defesa da ordem e da paz social.
3. O tribunal coloca o condenado a prisão em liberdade condicional quando se encontrarem cumpridos dois terços da pena e no mínimo seis meses, desde que se revele preenchido o requisito constante da alínea a) do número anterior.
4. Sem prejuízo do disposto nos números anteriores, o condenado a pena de prisão superior a seis anos é colocado em liberdade condicional logo que houver cumprido cinco sextos da pena.
5. Em qualquer das modalidades a liberdade condicional tem uma duração igual ao tempo de prisão que falte cumprir, até ao máximo de cinco anos, considerando-se então extinto o excedente da pena.
Por outro lado, o artº 484º CPP, regulamenta a aplicação da liberdade condicional, pela seguinte forma:
“ 1. Até dois meses antes da data admissível para a libertação condicional do condenado ou para efeitos de concessão do período de adaptação à liberdade condicional em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, os serviços prisionais remetem ao Tribunal de Execução das Penas:
a) Relatório dos serviços técnicos prisionais sobre a execução da pena e o comportamento prisional do recluso;
b) Parecer fundamentado sobre a concessão de liberdade condicional, elaborado pelo director do estabelecimento.
2. Até quatro meses antes da data admissível para a libertação condicional do condenado ou para efeitos da concessão do período de adaptação à liberdade condicional em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, o tribunal de execução das penas solicita aos serviços de reinserção social:
a) Plano individual de readaptação;
b) Relatório social contendo uma análise dos efeitos da pena; ou
c) Relatório social contendo outros elementos com interesse para a decisão sobre a liberdade condicional ou a concessão do período de adaptação à liberdade condicional.
3. Oficiosamente ou a requerimento do Ministério Público ou do condenado, o tribunal solicita quaisquer outros relatórios ou documentos ou realiza diligências que se afigurem com interesse para a decisão sobre a liberdade condicional, nomeadamente a elaboração de um plano de reinserção social, pelos serviços de reinserção social. O pedido de elaboração do plano é obrigatório sempre que o condenado se encontre preso há mais de cinco anos.”.
Feita esta incursão pelo preceituado legal, vejamos agora a questão de fundo.
Como resulta do artº 61º CP, a liberdade condicional pode revestir duas modalidades: a facultativa e a obrigatória.
Como escreve Maia Gonçalves Código Penal Português Anotado e Comentado, 18ª ed., pág. 244., “ A facultativa depende de requisitos formais e de requisitos de fundo e a sua aplicação está regulada nos nºs 1, 2 e 3. Verificados os requisitos formais e de fundo, é poder-dever do tribunal colocar o condenado em liberdade condicional, sendo então também de certo modo obrigatória. A liberdade condicional obrigatória, para além do consentimento do condenado, depende tão só da verificação de requisitos formais, rectius, do requisito enunciado no nº 4, onde a aplicação desta modalidade de liberdade condicional se encontra estabelecida”.
Ora no caso em análise a situação que se discute é a da liberdade condicional facultativa.
Trata-se de uma medida de carácter excepcional que tem como objectivo a suspensão do cumprimento da pena aplicada e só deve ser concedida quando se considerar que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes e a libertação se revelar compatível com a defesa da ordem a da paz social.
Assim, para além de terem de se verificar os chamados requisitos formais (cumprimento de metade ou dois terços da pena e no mínimo seis meses), no caso vertente o meio da pena, tem o Juiz de avaliar se estão reunidos os requisitos de fundo previstos nas alíneas a) e b) do nº 2 do artº 61º CP, isto é:
“ a) For fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da pena de prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes; e
b) A libertação se revelar compatível com a defesa da ordem e da paz social.”.
Como escreve Figueiredo Dias Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, pág. 539., para efeitos de prognose favorável “ … devem ser aqui tomados em conta … as concretas circunstâncias do facto, a vida anterior do agente e a sua personalidade; e além destes, como se disse, também a evolução da personalidade durante a execução da prisão”.
E acrescenta ainda que “ decisivo devia ser, na verdade, não o “ bom “ comportamento prisional “ em si” – no sentido da obediência aos (e do conformismo com) regulamentos prisionais -, mas o comportamento prisional na sua evolução, como índice de (re) socialização e de um futuro comportamento responsável em liberdade.
Por outro lado - e aqui reside a diferença essencial -, vimos que o prognóstico para efeito de suspensão de execução da prisão deve ter em conta a probabilidade de a suspensão ser suficien­te para uma realização adequada das finalidades da punição (e por­tanto não só de prevenção especial, como de prevenção geral). Já, porém, o prognóstico para efeito de concessão da liberdade condicio­nal deve, numa certa medida, ser «menos exigente» (o que não deixa de compreender-se, porque o condenado já cumpriu uma parte da pena e dela se esperará que possa, em alguma medida, ter concorrido para a sua socialização); se ainda aqui deve exigir-se uma certa medida de probabilidade de, no caso da libertação imediata do con­denado, este conduzir a sua vida em liberdade de modo socialmente responsável, sem cometer crimes, essa medida deve ser a suficiente para emprestar fundamento razoável à expectativa de que o risco da libertação já possa ser comunitariamente suportado.”
Há pois que fazer um juízo antecipado devidamente fundado, que permita poder concluir que o arguido, uma vez colocado em liberdade, virá a adoptar um comportamento socialmente responsável, sob o ponto de vista criminal que permita antever que de futuro não voltará a cometer crimes.
Ora tratando-se a concessão da liberdade condicional ao arguido ao meio da pena de uma medida excepcional, só fortes razões a podem justificar.
Se assim não fosse tal concessão deixaria de ser facultativa e passaria a integrar a modalidade de obrigatória.
Ora não tendo o arguido trazido aos autos qualquer prova, é por demais evidente que o juízo de prognose só poderia assentar nos relatórios juntos para o efeito aos autos e nos quais se suportou a decisão recorrida.
Assim temos o parecer apresentado pela Directora do Estabelecimento Prisional Regional da Guarda, onde o arguido cumpre pena, cujo parecer é o seguinte:
“ O recluso M está a cumprir 6 anos pelo crime de tráfico. Não sendo primário, o tempo de pena cumprido não é suficientemente inibidor de novos cometimentos delituosos, pelo que sou de parecer desfavorável à sua saída em liberdade condicional ao ½ da pena” (fls.1).
Em sentido contrário é a conclusão dos Serviços de Educação e Ensino do mesmo EPR da Guarda
Por sua vez a avaliação global e parecer do IRS, é do seguinte teor:
“ Face aos elementos apresentados, o suporte familiar de que beneficia, o comportamento adaptativo que tem mantido no decurso da reclusão e a perspectiva em retomar a prática da venda ambulante, à semelhança do que fazia anteriormente poderão afigurar-se componentes facilitadores à concessão de liberdade Condicional.
Contudo a natureza do crime e o facto de muito recentemente ter ocorrido a separação/abandono por parte da companheira do recluso, coloca-nos algumas reservas em emitir parecer favorável à concessão da Liberdade Condicional” (fls. 8).
O Ministério Público emitiu igualmente parecer desfavorável (fls. 11).
Finalmente o Conselho Técnico emitiu parecer maioritariamente desfavorável à concessão da Liberdade Condicional (fls. 13).
Ora tais relatórios apontam claramente no sentido desfavorável ao arguido, revelando não ter este interiorizado ainda a censurabilidade da sua grave conduta pois não revela ainda uma postura, nas palavras da Srª Directora do EP “suficientemente inibidor de novos cometimentos delituosos”, o que denota que não revelando ainda qualquer intimidação, o que releva sobremaneira porquanto este tipo de criminalidade constitui hoje uma realidade que preocupa toda a sociedade, e os tribunais não o podem ignorar.
Não basta pois para a concessão da liberdade condicional que o arguido tenha em cativeiro bom comportamento, para se poder concluir por um juízo de prognose favorável.
Por isso a sua libertação antecipada constituiria nesta fase uma ameaça para a segurança e bem estar da sociedade.
E não se argumente como o faz o arguido que tal entendimento viola os princípios constitucionais da adequação, da proporcionalidade e da necessidade, é que para além de não dizer onde é que os mesmos são violados, também este tribunal pelas razões já referidas não vislumbra essa alegada violação.
Daí que o Mmº juiz não pudesse tomar outra decisão que não fosse a de negar a liberdade condicional.
Nada justifica pois que se formule um juízo de prognose favorável à concessão da liberdade condicional.

DECISÃO

Pelo exposto e sem necessidade de mais considerações, acordam os Juízes desta Relação, em negar provimento ao recurso, e, consequentemente confirmar integralmente a decisão recorrida.
Fixar a taxa de justiça devida pelo recorrente em três UCs
Processado por computador e revisto pelo primeiro signatário (artº 94º nº 2 CPP)
Tribunal da Relação de Coimbra, 16 de Junho de 2010.