Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
188/14.3TTGRD.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE MANUEL LOUREIRO
Descritores: AMAMENTAÇÃO
DIREITOS DO TRABALHADOR
DIREITO POTESTATIVO
EXERCÍCIO DE DIREITO
Data do Acordão: 07/08/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DA GUARDA – GUARDA – SEC. TRABALHO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: CCT ENTRE A AEEP E A FENPROF, IN BTE Nº 11, DE 22/03/2007; ARTºS 47º/3, 48º/1 E 65º/2 DO CT/09.
Sumário: I – Tendo a autora direito a seis horas de dispensa para amamentação, essas seis horas de dispensa devem ser gozadas durante o período normal de trabalho a que a autora está obrigada, sem perda de quaisquer direitos e sendo consideradas como prestação efectiva de trabalho – artº 65º/2 do CT/09.

II – Assente esse direito potestativo da autora, compete à trabalhadora o exercício de tal direito através da comunicação prevista no artº 48º/1 do CT/09, com indicação dos dois períodos distintos aludidos no nº 3 do artº 47º durante os quais pretende gozar efectivamente a dispensa para amamentação.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

I - Relatório

A autora propôs contra a ré a presente acção com a forma de processo comum e emergente de contrato de trabalho, pedindo a condenação da ré:
 A. a pagar à autora, a título de diferenças salariais, a quantia de € 5 708,60, já vencida desde Setembro de 2013 até Abril de 2014, acrescida de juros, à taxa legal de 4%, até integral pagamento;
B. a repor o horário e correspondente vencimento da autora, no valor de € 2 733,91, tal como estava até 31 de Agosto de 2013.
Alegou, em resumo, que é trabalhadora da ré desde 3/9/07, auferindo, até Agosto de 2013, a retribuição mensal de € 2 733,91, correspondente a um horário de trabalho de 30/31 horas lectivas, o qual chegou em certas ocasiões às 35 horas lectivas.
A partir de Setembro de 2013, sem qualquer notificação ou esclarecimento válido por parte da ré, a autora passou a ter um vencimento de apenas € 2 030,91, sendo que o valor retirado do salário da autora corresponde sensivelmente a menos seis horas semanais da componente lectiva do seu horário de trabalho, o que corresponde às horas dispensa para amamentação que requereu e lhe foram concedidas pela ré, as quais, assim, passaram a ser descontadas no salário da autora, com a consequente redução dos seus direitos que foi determinada pela ré em consequência da autora estar a exercer o direito à dispensa para amamentação protegido legal e constitucionalmente.
Frustrada a tentativa de conciliação levada a efeito na audiência de partes, a ré contestou, pugnando pela integral improcedência da acção.
Alegou, em resumo, que os horários disponíveis em cada ano lectivo para os docentes ao seu serviço, entre os quais a autora, são atribuídos consoante a disponibilidade de cada professor para leccionar, variando igualmente em função do número de alunos.
Assim, a indisponibilidade manifestada por parte da autora para leccionar após as 18.30 horas e a redução do número de alunos para o ano lectivo de 2013/2014 determinaram a redução do horário de trabalho que era possível distribuir à autora em função dessas condicionantes, redução essa que encontra acolhimento normativo no regime contratual colectivo aplicável à relação de trabalho entre ambas e que implicou a redução salarial denunciada pela autora, não tendo esta sido determinada por qualquer razão associada à dispensa para amamentação requerida pela autora e que lhe foi concedida.
Saneado e condensado o processo, procedeu-se a julgamento com observância dos legais formalismos, logo após o que foi proferida sentença que julgou a acção totalmente improcedente.
Inconformada com o assim decidido, apelou a autora, tendo apresentado as conclusões seguidamente transcritas:
[…]
A ré contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso.
O Exmo. Procurador-Geral Adjunto junto desta Relação emitiu parecer no sentido de que o recurso merece provimento.
Colhidos os vistos legais e nada obstando ao conhecimento do mérito, cumpre decidir.
*
II - Principais questões a decidir

Sendo pelas conclusões que se delimita o objecto do recurso, são as seguintes as questões a decidir:
1ª) se a matéria de facto se encontra incorrectamente julgada, devendo ser alterada;
2ª) se a autora tem algum dos direitos correspondentes aos pedidos que formulou;
3ª) se o tribunal recorrido deveria ter condenado oficiosamente a ré a pagar à autora a diferença entre os 2030,91 euros que passou a pagar a partir de Setembro de 2013 e os 2108,97 euros correspondentes ao horário de 27 horas semanais que a partir desse mesmo mês atribuiu à autora.
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III – Fundamentação

A) De facto

A primeira instância descreveu como factos provados os que a seguir se deixam transcritos:


[...]
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B) De direito


Primeira questão: se a matéria de facto se encontra incorrectamente julgada, devendo ser alterada.

[…]
*
Segunda questão: se a autora tem algum dos direitos correspondentes aos pedidos que formulou.

Reportando-nos agora às pretensões deduzidas pela autora e interpretados devidamente os pedidos por si deduzidos à luz do alegado na petição inicial para os fundamentar, somos levados a concluir que existem duas principais pretensões a considerar: 1ª) reposição do período de trabalho atribuído pela ré à autora em Setembro de 2013 com uma duração igual à que tinha em Agosto de 2013, com a consequente reposição do salário mensal da autora em 2.733, 91 euros; 2ª) pagamento pela ré à autora da quantia de 5.708, 60 euros correspondente a seis horas de dispensa de amamentação solicitadas à ré, por esta concedidas formalmente, mas nunca gozadas entre Setembro de 2013 e Abril de 2014, porque nunca concedidas realmente pela ré.
+
A primeira dessas pretensões tem necessariamente que improceder, como já tinha efectivamente improcedido na primeira instância.
Na verdade, à relação de trabalho entre a autora e a ré aplica-se o CCT outorgado entre a AEEP — Associação dos Estabelecimentos de Ensino Particular e Cooperativo e a FENPROF — Federação Nacional dos Professore e outros, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, nº 11, de 22 de Março de 2007, revisto e republicado no Boletim do Trabalho e Emprego, nº 30, de 15 de Agosto de 2011.
Nos termos do seu artigo 11º:
“1 – O período normal de trabalho dos docentes é de 35 horas semanais sem prejuízo das reuniões trimestrais com os encarregados de educação.
2 – O período normal de trabalho dos docentes integra uma componente lectiva e uma componente não lectiva, onde se incluem as reuniões de avaliação e o serviço de exames, nos termos dos artigos seguintes.
3 – Aos docentes será assegurado, em cada ano lectivo, um período de trabalho lectivo semanal igual àquele que hajam praticado no ano lectivo imediatamente anterior.
4 – A garantia assegurada no número anterior poderá ser reduzida quanto aos professores com número de horas de trabalho lectivo semanal superior aos mínimos dos períodos normais definidos no artigo 11º-A, mas o período normal de trabalho lectivo semanal não poderá ser inferior a este limite.
5 – Quando não for possível assegurar a um docente o período de trabalho lectivo semanal que tivera no ano anterior, em consequência de alteração de currículo ou diminuição do tempo de docência de uma disciplina e diminuição comprovada do número de alunos que determine a redução do número de turmas, poderá o contrato ser convertido em contrato a tempo parcial enquanto se mantiver o facto que deu origem à diminuição, com o acordo do docente e depois de esgotado o recurso ao nº 2 do artigo 14º.
6 – A aplicação do disposto no número anterior impede nova contratação para as horas correspondentes à diminuição enquanto esta se mantiver”.
Comece por dizer-se que o nº 6 acabado de transcrever e que é invocado pela recorrente nas suas alegações de recurso não tem manifestamente aplicação à situação em apreço, pois que o impedimento nele consagrado só opera nas situações previstas no nº 5 que o antecede[1] e nas quais manifestamente não se enquadra a dos autos em que apesar da redução do período de trabalho atribuído pela ré à autora ainda estamos no domínio de um contrato de trabalho a tempo integral com uma componente lectiva de 27 horas – o período normal de trabalho semanal de um docente a tempo integral em situação semelhante à da autora era de 22 horas lectivas semanais.
As normas a ter em conta são, pois, as dos n.ºs 3 e 4 antecedentemente transcritos e dos quais resulta, conjugadamente, que a regra do nº 3 da manutenção do número de horas semanal do docente na transição de um ano lectivo para o outro apenas vale imperativamente para os docentes com um número de horas de trabalho lectivo semanal igual ou inferior aos mínimos dos períodos normais definidos no artigo 11º-A do mesmo CCT, podendo não ser respeitada, designadamente por redução, em relação aos docentes que tenham um número de horas de trabalho lectivo semanal superior a esses mínimos, apesar do que por via dessa redução não podem ser ofendidos os limites mínimos estipulados citado no artigo 11º-A.
Tendo sido atribuídas à autora um período lectivo de 27 horas semanais e respeitado, por isso, o limite de 22 horas lectivas semanais consagrado no art. 11º-A/1/c do CCT, a redução operada pela ré encontra cobertura normativa nos citados números 3 e 4.
Como assim, não tem a autora direito à reposição do período de trabalho que lhe foi atribuído até Agosto de 2013, nem à retribuição superior que correspondia a esse período, no confronto daquela que passou a ser-lhe paga a partir de Setembro de 2013.
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No que toca à segunda das mencionadas pretensões é para nós ponto assente que pelo menos em Setembro de 2013 a autora tinha direito a que lhe fosse concedida dispensa para amamentação.
A autora arrogou-se esse direito na petição inicial e a ré não o pôs em causa na contestação, reconhecendo inclusivamente que tinha concedido a requerimento da autora seis horas de dispensa semanal para amamentação (art. 6º da petição inicial e art. 1º da contestação).
Foi a ré que o reconheceu, igualmente, na carta por si subscrita e remetida à autora com o conteúdo que está documentado a fls. 62 dos autos, carta essa a que se alude no ponto 8º dos factos provados e que data de 24/10/2013, na qual se solicita à autora um esclarecimento sobre as concretas horas de amamentação gozadas pela autora e sobre se as mesmas coincidiam ou não com horas de trabalho da autora.
Ademais, consta expressamente dos factos provados que a ré concedeu à autora seis horas de dispensa semanal para amamentação (ponto 5º dos factos provados).
Como assim, a discussão que a ré pretende introduzir nestes autos relativamente à inexistência de prova do facto determinante do direito à mencionada dispensa, qual seja o do nascimento do descendente da autora, corresponde a uma questão nova que, por isso, não pode ser conhecida por este tribunal, sabido que os recursos servem para o reexame de questões suscitadas perante os tribunais recorridos e não para a apreciação ex-novo de questões naquele não apreciadas, salvo questões de conhecimento oficioso que na situação em análise não estão em equação.
Assente, assim, que a autora tinha direito a seis horas de dispensa para amamentação, é evidente que essas seis horas de dispensa deveriam ser gozadas durante o período normal de trabalho a que a autora estava obrigada, sem perda de quaisquer direitos e sendo consideradas como prestação efectiva de trabalho (art. 65º/2 do CT/09).
Assente este direito potestativo[2] da autora e na ausência de referência nos factos provados a qualquer acordo entre a trabalhadora e a empregadora sobre o concreto regime de gozo dessa dispensa, competia à trabalhadora o exercício do mesmo, através da comunicação prevista no art. 48º/1 do CT/09, com indicação dos dois períodos distintos aludidos no nº 3 do art. 47º durante os quais pretendia gozar efectivamente a dispensa para amamentação.
Na verdade, em sentido legal e como regime supletivo legal mínimo a que estão vinculados trabalhadores e empregadores, a dispensa para a amamentação deve concretizar-se em dois períodos distintos, no máximo de uma hora cada (art. 47º/3/1ª parte do CT/09), podendo apesar disso ser acordado entre ambos outro regime (art. 47º/3/2ª parte do CT/09).
Na falta de acordo, e dentro dos condicionalismos legais supletivos acabados de referir, deve atender-se ao horário indicado unilateralmente pela trabalhadora como o adequado para o exercício do direito que reclama.
Com efeito, como refere Catarina Carvalho (A protecção da Paternidade e da Maternidade no novo Código do Trabalho, RDES, 2004, ano XLV, pág. 41 e ss), na falta de acordo entre entidade patronal e trabalhadora parece que não poderá, de modo algum, ser o empregador a fixar estes períodos de acordo com as conveniências da empresa, pois  “(…) a alimentação da criança não pode secundarizar-se em função dos interesses empresariais.” (cfr. também, Júlio Vieira Gomes, Direito do Trabalho, I, p. 447).
Por isso mesmo, embora desejavelmente o horário de trabalho deva compatibilizar as pretensões da trabalhadora e do empregador, o certo é que em caso de conflito entre ambos, devem prevalecer os interesses relacionados com o direito da criança de ser amamentada pela mãe/trabalhadora durante todo o período em que esta o considere conveniente.
Na ausência de acordo entre empregador e trabalhadora sobre os concretos períodos em que a dispensa por amamentação deve ser gozada e sem imposição unilateral desses períodos por parte da trabalhadora ao empregador, mas com observância do regime supletivo legal mínimo previsto para o efeito no art. 47º/3/1ª parte do CT/09, tudo se passará como se a trabalhadora ainda não estivesse constituída no direito ao gozo efectivo da dispensa por amamentação e como se o empregador não estivesse constituído na correspondente obrigação de conceder aquele gozo efectivo e de contabilizar o período assim concedido como sendo de trabalho.
A autora pretendeu gozar dessa dispensa num único período de duas horas, a partir das 18h15m (fls. 60), contrariando assim o regime supletivo legal mínimo previsto no CT/09 e sem que dos factos provados resultasse o acordo da ré com essa alteração ao regime supletivo dos dois períodos distintos acima aludidos, com a consequente impossibilidade da autora impor potestativamente essa sua pretensão à ré.
Por outro lado, pela carta de 24/10/2013 que está referida no ponto 8º) dos factos provados, a ré solicitou à autora esclarecimentos sobre as horas concretas em que a mesma pretendia gozar de dispensa de amamentação e se as mesmas coincidiam ou não com horas de trabalho da autora, sem que dos factos provados conste qualquer referência a uma resposta da autora a tal interpelação da ré.
Serve quanto vem de referir-se que por ausência de acordo entre a autora e a ré sobre o concreto regime de gozo efectivo do período de dispensa de amamentação de seis horas entre ambas consensualizado e não tendo a autora providenciado pela imposição unilateral de um regime concreto de gozo que respeitasse o regime supletivo legal mínimo consagrado no art. 47º/3 do CT/09, não chegou a autora a constituir-se no direito ao gozo efectivo da dispensa por amamentação que abstractamente lhe foi reconhecido pela ré com uma duração semanal de 6 horas.
Como assim, não pode agora pretender ver-se ressarcida pecuniariamente pelo não gozo efectivo daquele período de dispensa a que só a própria deu causa.
De tudo flui, pois, que não pode reconhecer-se à autora qualquer crédito sobre a ré com fundamento em violação por esta da obrigação de conceder à autora o efectivo gozo de dispensa para amamentação.
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Terceira questão: se o tribunal recorrido deveria ter condenado oficiosamente a ré a pagar à autora a diferença entre os 2030,91 euros que passou a pagar a partir de Setembro de 2013 e os 2108,97 euros correspondentes ao horário de 27 horas semanais que a partir desse mesmo mês atribuiu à autora.
Como a própria autora reconhece, pois só assim faz sentido invocar o estatuído no art. 74.º do CPT para fundamentar a sua pretensão que está em apreço, a mesma não deduziu anteriormente à data da sentença qualquer pedido de condenação da ré  a pagar-lhe a diferença ora em questão.
Nos termos do art. 74.º do CPT “O juiz deve condenar em quantidade superior ao pedido ou em objecto diverso dele quando isso resulte da aplicação à matéria provada, ou aos factos de que possa servir-se, nos termos do artigo 514.º do Código de Processo Civil, de preceitos inderrogáveis de leis ou instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho.” – sobre este dispositivo legal podem consultar-se Alberto Leite Ferreira, Código de Processo do Trabalho Anotado, Coimbra Editora, 1972, p. 250, e Código de Processo do Trabalho Anotado, Coimbra Editora, 1989, p. 293, Albino Mendes Baptista, Código de Processo do Trabalho Anotado, 2000, p. 146, Joana Vasconcelos, Condenação Extra Vel Ultra Petitum – Um Mecanismo Ultrapassado?, Estudos do Instituto de Direito do Trabalho, Volume VI, IDT, Instituto de Direito do Trabalho da Faculdade de Direito de Lisboa, Almedina, 2012, p. 191, acórdão da Relação de Lisboa de 5/7/2006, proferido no âmbito da apelação 4556/2006-4, relatado pelo aqui primeiro adjunto, acórdão da Relação de Évora de 8/4/2012, proferido no âmbito da apelação 1088/07.9TTSTB.E1, acórdão da Relação do Porto de 30/9/2013, proferido no âmbito da apelação 237/11.7TTVNF.P1.
E, “…o art. 74.º (…) constitui precisamente um caso em que a lei impõe ao julgador um dever oficioso de aplicar a lei aos factos de que possa servir-se, em homenagem ao interesse e ordem pública que constituem pressuposto das normas imperativas e indisponíveis de natureza laboral, interesse este que é mais vasto do que o interesse individual dos titulares dos inerentes direitos na sua satisfação efectiva e que justifica a impossibilidade de afastamento de aplicação destas normas por livre determinação da vontade das partes.”, sendo certo que “Têm a doutrina e a jurisprudência feito uma distinção básica entre os direitos de existência necessária, mas que não são de exercício necessário, como é o caso do direito ao salário após a cessação do contrato, e os direitos cuja existência e exercício são necessários, aí situando justamente o caso dos direitos a reparação por acidente de trabalho (…) e, também, do direito ao salário na vigência do contrato. É pacífico que a condenação “extra vel ultra petitum” só se justifica neste segundo tipo de direitos, que têm subjacentes interesses de ordem pública, cabendo ao juiz o suprimento dos direitos de exercício necessário imperfeitamente exercidos pelo seu titular (ou seu representante).” – Abílio Neto, Código de Processo do Trabalho Anotado, Ediforum, 2011, p. 193.
Esta possibilidade de o magistrado judicial condenar para além do pedido, resulta da circunstância nada despicienda de estarmos na presença de direitos imbuídos de uma natureza muito específica. Respeitam a aspectos de assistência na doença e na invalidez. Buscam, portanto, a sua indisponibilidade absoluta em razões de interesse e de ordem pública, isto é, em interesses supra-individuais. Destarte, é da mais elementar justiça material que, se o interessado não actua, exercendo os direitos com vista à indemnização por acidente de trabalho ou doença profissional (reitere-se, direitos de exercício necessário), o juiz se lhe deva sobrepor, atribuindo-lhe e arbitrando-lhe as indemnizações resultantes de previsão legal no ordenamento jurídico-laboral nacional.” – Paulo Sousa Pinheiro, A condenação extra vel ultra petitum, Revista de Ciências Empresariais e Jurídicas, nº 12, 2007, p. 231.
 “Os limites da condenação ultra vel extra petitum devem então encontrar-se nos direitos, que, do ponto de vista do trabalhador, são irrenunciáveis, quer quanto à sua existência, quer quanto ao seu exercício” (…) – Pedro Madeira de Brito, A tramitação do Processo Declarativo Comum no Código do Processo do Trabalho, Estudos do Instituto de Direito do Trabalho, volume 3, p. 471.
Ora, o direito à diferença salarial que ora está em apreço não é, no sentido supra exposto, de exercício necessário, não estando, nessa exacta medida e consequência, abrangido pela faculdade legal excepcional consagrada no referido art. 74º do CPT.
Consequentemente, não tendo a recorrente peticionado o reconhecimento de que tinha direito a quaisquer diferenças do tipo da que está agora em apreço, não podia o tribunal recorrido atribuir-lhe tais diferenças salariais.
Assim, do ponto de vista da questão em análise, a sentença recorrida não merece qualquer censura.
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IV - Decisão


Acordam os juízes que integram a secção social do Tribunal da Relação de Coimbra no sentido de julgar a apelação improcedente, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas pela recorrente.
Coimbra, 8/7/2013

 (Jorge Manuel Loureiro - Relator)
 (Ramalho Pinto)
 (Azevedo Mendes)




[1] Conversão de um contrato de trabalho a tempo integral em contrato a tempo parcial determinada pela impossibilidade de se assegurar a um docente um período de trabalho lectivo semanal igual ao que tivera no ano anterior, em consequência de alteração de currículo ou diminuição do tempo de docência de uma disciplina e diminuição comprovada do número de alunos que determine a redução do número de turmas – não é deste tipo a situação em causa nestes autos.
[2] Sobre o conceito e características do direito potestativo consulte-se, por exemplo, Pietro Perlingieri, Perfis de direito civil: introdução ao direito civil constitucional, 1999, Rio de Janeiro, p. 123, Francisco Amaral, Direito Civil, Introdução, 1998, p. 191, Oliveira Ascensão, Direito Civil, Teoria Geral, 2010, pp. 59-60, Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 1991, pp. 174-175.