Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
298/14.7T8CLD.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CARLOS MOREIRA
Descritores: ARRENDAMENTO
CITAÇÃO
ATUALIZAÇÃO DA RENDA
CÔNJUGE
COMUNICABILIDADE DA DÍVIDA
NULIDADE DA SENTENÇA
Data do Acordão: 10/11/2017
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA - C.RAINHA - JL CÍVEL - JUIZ 2
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE
Legislação Nacional: LEI Nº 6/2006 DE 27/2, LEI Nº 31/2012 DE 14/8, ARTS.1691 CPC, 228, 233, 615 CPC
Sumário: I - A devolução da carta exigida pelo artº 233º do CPC - na sequência da recebida por terceira pessoa, nos termos do artº 228º nº2, máxime se esposa do citando e com ele residente-, com a menção “não atendeu”, não afeta a regularidade da citação.

II - Se o aviso de receção tiver sido assinado por pessoa diferente do arrendatário, a comunicação, por carta registada com a/r, do senhorio, para a transição para o NRAU e atualização da renda, perfeciona-se com o envio por aquele de nova carta registada com a/r decorridos que sejam 30 a 60 dias sobre a data do envio da primeira carta – artºs 9º nº1 e 10º nº1 al. b), nº2 al. a) e nº3 da Lei 6/2006 de 27/02.

III - A nulidade por contradição da sentença – artº 615º nº1 al.c) - do CPC apenas emerge quando se verifica uma total contradição lógica entre a decisão e as premissas fáctico-jurídicas em que se alicerça, e não já quando existe uma inadequada apreciação e interpretação de tais fundamentos, o que apenas pode acarretar a ilegalidade de tal decisão.

IV - Os elementos obstativos da intenção do senhorio em transpor para o NRAU o contrato de arrendamento e aumentar a renda – RBAC inferior a 5 RMNA e idade superior a 65 anos- reportam-se ao arrendatário e não ao seu cônjuge, o qual apenas é demandado para assegurar a legitimidade – artºs 30º a 32º do NRAU e 34º do CPC.

V – Por via de regra, o pagamento da renda habitacional deve ser tido como um encargo normal da vida familiar, e, assim, a respetiva dívida, responsabilizar pessoalmente o cônjuge do arrendatário, maxime se que com ele habita no locado.

Decisão Texto Integral:






ACORDAM NO TRIBUNAL DA  RELAÇÃO DE COIMBRA

1.

E (…) e mulher M (…) intentaram contra A (…) e mulher M (…), ação de despejo sob a forma de processo comum.

Pediram:

a) a declaração da cessação do contrato de arrendamento a que os autos se referem, por resolução;

b) a condenação dos RR. a desocuparem o arrendado, entregando-o aos AA. livre e devoluto;

c) a condenação dos RR. a pagarem as rendas já vencidas, no total de 2.416 (dois mil quatrocentos e dezasseis) euros, bem como as que se venham a vencer até entrega do arrendado;

d) a condenação dos RR. nos juros de mora, à taxa legal, sobre a diferença entre a renda peticionada de 300€ e o montante que os RR hajam eventualmente depositado a contar do mês de Junho de 2014, até à entrega do arrendado [conforme redução do pedido formulada pelos autores na audiência prévia].

Alegaram:

Em Junho de 1972 deram de arrendamento ao réu marido o prédio identificado no artigo 1.º da petição inicial; em Abril de 2013, a renda mensal era de 44,00€; procederam à atualização da renda nos termos da Lei 31/2012, de 14.08, propondo o valor mensal de 300,00€;  a ré mulher respondeu, dizendo não aceitar o valor proposto mas sem alegar nem provar quaisquer factos legalmente atendíveis e suscetíveis de obstarem à atualização proposta da renda; na sequência da resposta da  ré, os autores comunicaram que a renda passaria a ser de 300,00€ a partir de Junho de 2014; o prédio tem o valor patrimonial de 72.100,00€; desde Abril de 2013, os réus não procedem ao pagamento da renda.

A ré mulher contestou.

Alegou.

Em 30.01.2013 os autores remeteram ao réu marido proposta de atualização da renda mensal para o valor de 300,00€; A ré recusou tal proposta invocando o seu estado de casada com o arrendatário, rendimento anual  inferior a 5 RMNA e idade superior a 65 anos; remeteu aos autores documentos comprovativos dos factos alegados; em Julho de 2013, os autores remeteram novamente ao réu marido proposta de atualização da renda mensal para o valor de 300,00€;  a ré voltou a recusar tal proposta com fundamentos idênticos à primeira resposta;  remeteu aos autores certidão de nascimento com o casamento averbado e certidão do RABC; em 02.10.2013, os autores comunicaram à ré a recusa da oposição invocada; em Fevereiro de 2014, os autores remeteram ao réu marido nova proposta de atualização da renda mensal para o valor de 300,00€ e que a ré voltou a recusar tal proposta com os mesmos fundamentos; em 31.03.2014, os autores comunicaram à ré que, na ausência de prova dos factos alegados, a renda no valor de 300,00€ seria devida a partir de Junho de 2014; desde Abril de 2013 até Agosto de 2013, o autor devolveu à ré todos os cheques que aquela remeteu para pagamento das rendas vencidas naqueles meses; na sequência da devolução dos cheques por parte dos autores, os réus procederem ao pagamento das rendas mensais desde Abril de 2013 através de depósito na CGD.

Pediu:

A improcedência da ação e a condenação dos autores como litigantes de má-fé, em multa e indemnização.

A ré juntou aos autos os comprovativos do depósito das rendas vencidas a partir de Abril de 2013, com exceção do mês de Maio de 2014, todos no valor mensal de 44,00€

Notificado, vieram os autores impugnar o depósito das rendas alegando que a renda foi validamente aumentada para 300,00€.

Na pendência da ação, veio a falecer o réu A (…), tendo sido habilitada para suceder-lhe na mesma posição processual a co-ré M (…).

Na audiência prévia os autores reduziram o pedido na parte a que se refere a alínea d) da petição inicial, de forma a incluir apenas os juros devidos pela diferença entre a renda peticionada de 300,00€ e o montante que os réus hajam eventualmente depositado a contar do mês de Junho de 2014.

2.

Prosseguiu a ação os seus termos tendo, a final, sido proferida sentença na qual foi decidido:

«Face ao exposto, julgo a presente acção parcialmente procedente e, em consequência, decido:

A) Decretar a resolução do contrato de arrendamento celebrado em Junho de 1972 entre os autores e A (…), relativo ao prédio urbano sito na (…) em Y (...) , inscrito na matriz predial urbana da freguesia de X (...) , do concelho de Y (...) , sob o artigo 0 (...) e descrito na Conservatória do Registo Predial desta vila com o número 00 (...) ;

B) Condenar a ré M (…), em nome próprio e em representação da herança aberta por óbito do réu A (…), a entregar o imóvel  arrendado aos autores, livre de pessoas e bens, no prazo de um mês após o trânsito em julgado da presente sentença;

C) Condenar a ré M (…), na qualidade de herdeira do réu A (…), a pagar aos autores o remanescente das rendas vencidas e vincendas, sucessivamente, desde Junho de 2014 até à efectiva entrega do locado, acrescidas de juros de mora à taxa legal diferença sobre a diferença entre a renda peticionada de 300,00€ e o montante depositado pelos réus a contar do mês de Junho de 2014.»

3.

Inconformada recorreu a ré.

Rematando as suas alegações com as seguintes conclusões:

(…)

Os autores contra alegaram e recorreram subordinadamente, aduzindo os seguintes argumentos  finais:

(…)

4.

Sendo que, por via de regra: artºs 635º nº4 e 639º  do CPC - de que o presente caso não constitui exceção - o teor das conclusões define o objeto do recurso, as questões essenciais decidendas são as seguintes:

1ª – Nulidade da citação do réu e falta de notificação do arrendatário para o efeito do artº 30º da Lei  6/2006 de 27/02, na redacção dada pela lei 31/2012 de 14/08.

2ª - Nulidade da sentença.

3ª – Improcedência da ação.

4ª – Responsabilização pessoal da ré  no pagamento do remanescente das rendas.

5.

Foram dados como provados os seguintes factos que urge considerar.

1. Os AA. são donos e legítimos possuidores do prédio urbano sito na (…) em Y (...) , inscrito na matriz predial urbana da freguesia de X (...) , do concelho de Y (...) , sob o artigo 0 (...) e descrito na Conservatória do Registo Predial desta vila com o número 00 (...) (cf. certidão predial de fls. 13-14) – artigo 1.º da petição inicial.

2. Em Junho de 1972, os AA. deram de arrendamento ao primeiro R. o prédio referido em 1) supra – artigo 2.º da petição inicial.

3. Em Abril de 2013, a renda mensal era de 44 euros – artigo terceiro da petição inicial.

4. O prédio tem o valor patrimonial de 72.100 euros, determinado no ano de 2012 (cf. caderneta predial urbana de fls. 11-12) – artigo 8.º da petição inicial

5. Através de carta datada de 30.01.2013 dirigida ao réu A (…), constante de fls. 85 dos autos e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, o autor E (…) comunicou àquele, além do mais, que:

«A Lei 31/2012, de 14 de Agosto, que altera o Novo Regime do Arrendamento Urbano, dá nova redacção ao seu artigo 30.º, determinando que os contratos de arrendamento para habitação celebrados antes de 1990 transitam para o novo regime, mediante comunicação do senhorio, pelo que, venho fazer a V.Exª a seguinte proposta

[…]

2. O mesmo [prédio arrendado] foi avaliado pelas Finanças, nos termos do art. 38.º do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis, tendo-lhe sido atribuído o valor patrimonial de 72.100,00 (setenta e dois mil e cem euros) euros.

3. Pela presente, venho propor a V.Ex.ª que o referido contrato [de arrendamento] transite para o novo regime do arrendamento urbano, passando a ser de duração limitada, com o prazo de cinco anos, fixando-se a renda em 300 (trezentos) euros mensais.

Nos termos da lei, poderá V.Ex.ª responder à presente no prazo de trinta dias, a contar da recepção desta, dizendo o que tiver por conveniente, entendendo-se, na falta de resposta, que aceita a proposta que pela presente lhe comunico.

 […]

Em anexo: cópia da caderneta predial» – artigo 2.º da contestação.

6. Por carta datada de 18.02.2013, através de advogada mandatada para o efeito, a ré M (…) respondeu ao autor nos termos constantes de fls. 85vs-86, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, comunicando-lhe que:

«Esclarece antes do mais, que, como é do seu conhecimento, o Sr. A (…) se encontra internado num Lar, em virtude de problema de saúde, encontrando-se a residir no locado a sua esposa M (…) como aliás reitera, é do seu conhecimento.

[…]

Não aceita a inquilina o aumento de renda dos actuais 44,00€ (quarenta e quatro euros) para 300,00€ (trezentos euros mensais)

O rendimento anual da arrendatária é de 4245,22€ (quatro mil duzentos e quarenta e cinco euros e vinte e dois cêntimos), sendo que o rendimento do Sr. A (…) é entregue ao Lar, Santa Casa da Misericórdia de Y (...) para pagamento da prestação do Lar, mais despesas […].

Assim, o rendimento anual da arrendatária é inferior aos cinco RMNA estabelecidos na al. a) do n.º4 do art. 31.º, cfr. doc. n.º1 que junta.

Para além disso, a mesma preenche ainda o requisito previsto na alínea b) do n.º4 do supra citado artigo, ou seja mais de 65 anos de idade, cfr. doc n.º2 que junta.

[…]» – artigo 4.º da contestação.

7. Em face da resposta da ré, veio o autor responder por carta datada de 27.02.2013, constante de fls. 87-87vs, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, invocando desconhecimentos dos factos alegados pela ré e solicitando à ré que «no prazo de 10 dias, aperfeiçoar a comunicação feita, enviando certidão das Finanças –na carta supra incluía-se apenas fotocópia de declaração de IRS-, bem como comprovativo do requisito da idade –que não veio junto, pois acompanhava a carta apenas aquela fotocópia referente ao arrendatário» – artigo 4.º da contestação.

8. Através de carta datada de 11.03.2013, constante de fls. 139 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, respondeu a ré nos seguintes termos:

«Na sequência da V/ resposta datada de 27 de Fevereiro de 2013 sou a informar o seguinte:

O arrendado é casa de morada de família pelo que a minha constituinte na qualidade de cônjuge tem direito ao arrendamento nos termos convencionados, não operando a resolução do contrato como Vª exª erroneamente alega.

Por forma a provar a qualidade de esposa e a sua idade informa Vª Exª que no prazo de 5 dias procederá ao envio de correspondente certidão de nascimento onde consta averbado o casamento provando assim em simultâneo os dois quesitos (estado civil e idade).

Mais esclarece Vª Exª que o documento (declaração de IRS) junto é meio de prova idóneo à sua condição socio económica pelo que se escusará despender montantes que não detém em certidões desnecessárias. […]».

9. Através de carta datada de 25.03.2013, a ré remeteu ao autor certidão de nascimento da própria ré, «com casamento averbado para prova em simultâneo da idade e do estado civil actual» (cf. fls. 88) – artigo 4.º da contestação.

10. Por carta datada de 02.04.2013, dirigida ao réu A (…), constante de fls. 89 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, o autor comunicou:

«Tendo enviado a V.Ex.ª carta destinada a operar a passagem do contrato de arrendamento referente à casa que V.Ex.ª habita, para o novo regime de arrendamento Urbano, recebi resposta com o envio de cópia simples de declaração do IRS, alegando-se no sentido da manutenção do contrato tal como está.

Feito convite no sentido de aperfeiçoar a resposta, a fim de ir ao encontro dos requisitos da lei, nada fez.

Assim, e dado que dos únicos elementos disponíveis –a declaração de IRS- não resulta que reúna os requisitos para obviar à actualização da renda, pois não faz prova de que o agregado familiar tenha um Rendimento Anual Bruto Corrigido relevante para os efeitos de se não aplicar a nova renda, é esta fixada no montante comunicado de 300 euros (inferior, aliás ao que resulta da lei), sendo este o devido já a partir do corrente mês de Abril, nos termos do art. 33.º/4 do NRAU. […]» – artigo 5.º da contestação.

11. O autor devolveu à ré os cheques, no valor de 44,00€, que aquela remeteu para pagamento das rendas vencidas nos meses de Abril, Maio, Junho, Julho e Agosto de 2013 com a seguinte menção: «devolvo o cheque que me enviou, por não corresponder ao montante devido da renda» – artigo 6.º da contestação.

12. No dia 17.07.2013, o autor dirigiu ao réu A (…) nova carta com conteúdo idêntico à carta descrita no ponto 5) supra – artigo 7.º da contestação.

13. Em resposta à mesma, por carta datada de 19.08.2013, através de advogada mandatada para o efeito, a ré remeteu ao autor nova carta com o mesmo conteúdo da carta referenciada no ponto 6) supra – artigo 8.º da contestação.

14. A ré juntou em anexo àquela carta o documento de fls. 82, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido e certidão de nascimento da ré com o casamento averbado – artigo 8.º da contestação.

15. No dia 21.08.2013, o autor remeteu nova carta dirigida ao réu A (…) com menção «2.ª via: art. 10.º/3 NRAU», constante de fls. 141-142 cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, com o mesmo conteúdo da carta referida no ponto 12), acrescentando que:

«[…] Tendo a comunicação enviada a 18 de Julho p.p. sido recebida por outra pessoa, conforme cópia junto, que não V.Exª, fica agora notificado nos termos do Artigo 10.º/3 do NRAU, dispondo de trinta dias para dizer o que tiver por conveniente […]».

16. O autor respondeu à missiva da ré datada de 19.08.2013 por carta datada de 27.08.2013, constante de fls. 90 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, nos seguintes termos:

«Acuso a recepção da carta supra, enviada no interesse da Sr.ª D. M (…), […]

Como V.Ex.ª compreenderá, a mesma não dá resposta às questões a que, nos termos do NRAU, é imperioso responder, sendo que, nomeadamente, se reporta a pessoa diversa do arrendatário.

Por esse motivo, tal resposta não pode ser considerada esclarecedora para o assunto em causa. De qualquer forma, porém, o seu conteúdo não levaria a afastar a  transição do contrato de arrendamento para o NRAU, passando a ser de duração limitada, com o prazo de cinco anos e com a renda de trezentos euros» – artigo 9.º da contestação.

17. A ré respondeu à carta enviada pelo autor em 21.08.2013 por carta datada de 20.09.2013, constante de fls. 90vs-91 e cujo teor aqui se dá integralmente reproduzido, nos mesmos termos das cartas descritas nos pontos 6) e 12) supra – artigo 10.º da contestação.

18. Por carta datada de 02.10.2013, constante de fls. 92vs e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, vem o Autor responder à ré que:

«Lamento verificar que V.Ex.ª parece pretender ignorar o facto de que o arrendatário do prédio a que o contrato de arrendamento se refere é o Sr. A (…), pelo que, salvo o devido respeito, não me parece ter grande utilidade vir-se alegar, no interesse de terceira pessoa, circunstâncias a esta atinentes que a lei exige se refiram ao arrendatário.

Aproveito para informar V.Ex.ª que nesta data o arrendatário se encontra em mora, pelo que tenciono intentar a competente acção de despejo» – artigo 11.º da contestação.

19. Por carta datada do mesmo dia, 02.10.2013, dirigida desta feita ao réu A (…)constante de fls. 146 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, comunicou o autor que:

«Estando V. Ex.ª notificado da proposta de actualização de renda na data de 31 de Agosto p.p., dispôs de trinta dias para dizer o que tivesse por conveniente.

Não o tendo feito e não tendo havido acordo, comunico a V.Ex.ª que a renda do arrendado sito no local indicado no remetente fica submetido ao NRAU, passando a ser de duração limitada e com o prazo certo de cinco anos. Bem assim, e nos limites determinados pelo Artigo 33.º/5b) do NRAU, fixa-se a renda em 300 (trezentos euros) mensais. A primeira renda neste montante vence-se no dia 1 de Dezembro p.f. […].

20. Por carta datada de 30.01.2014, dirigida à ré M (…), constante de fls. 93-93vs e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, vem o autor comunicar à ré:

«A Lei 31/2012, de 14 de Agosto, que altera o Novo Regime do Arrendamento Urbano, dá nova redacção ao seu artigo 30.º, determinando que os contratos de arrendamento para habitação celebrados antes de 1990 transitam para o novo regime, mediante comunicação do senhorio, pelo que, venho fazer a V.Exª a seguinte proposta

[…]

2. O mesmo [prédio arrendado] foi avaliado pelas Finanças, nos termos do art. 38.º do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis, tendo-lhe sido atribuído o valor patrimonial de 72.100,00 (setenta e dois mil e cem) euros.

3. Pela presente, venho propor a V.Ex.ª que o referido contrato [de arrendamento] transite para o novo regime do arrendamento urbano, passando a ser de duração limitada, com o prazo de cinco anos, fixando-se a renda em 300 (trezentos) euros mensais.

Nos termos da lei, dispõe V.Ex.ª de trinta dias para dizer o que achar conveniente. […]» – artigo 13.º da contestação.

21. A ré, através de advogada, respondeu por carta datada de 03.03.2014, constante de fls. 93vs-94 cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, nos seguintes termos:

«Esclarece antes do mais, que, como é do seu conhecimento, o Sr. A (…) se encontra internado num Lar, em virtude de problema de saúde, encontrando-se a residir no locado a sua esposa M (…), como aliás reitera, é do seu conhecimento.

[…]

Não aceita a inquilina o aumento de renda dos actuais 44,00€ (quarenta e quatro euros) para 300,00€ (trezentos euros mensais)

O rendimento anual da arrendatária é de 4245,22€ (quatro mil duzentos e quarenta e cinco euros e vinte e dois cêntimos), sendo que o rendimento do Sr. A (…) é entregue  ao Lar, Santa Casa da Misericórdia de Y (...) para pagamento da prestação do Lar, mais despesas […].

Assim, o rendimento anual da arrendatária é inferior aos cinco RMNA estabelecidos na al. a) do n.º4 do art. 31.º, cfr. doc. n.º1 que já peticionou no Serviço de Finanças de Y (...) encontrando-se a aguardar a respectiva emissão pelo que o protesta juntar em 5 dias.

Para além disso, a mesma preenche ainda o requisito previsto na alínea b) do n.º4 do supra citado artigo, ou seja mais de 65 anos de idade, cfr. certidão de nascimento remetida a V.Ex.ª em 25.03.2013. […]» – artigo 14.º da contestação.

22. Por carta datada de 31.03.2014, constante de fls. 95-95vs e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, responderam os autores nos seguintes termos:

«Na mesma [carta da ré], invoca-se a idade da esposa do arrendatário e alegase o seu rendimento, sem que disto se tenha feito prova. Realçamos, outrossim, que o rendimento relevante é o do agregado.

Atenta a idade dos interessados, aplica-se o disposto no art. 36.º do NRAU, sendo a renda actualizada de acordo com o disposto no artigo 35.º/2ª) e b), por força da remissão do artigo 36.º/6 do mesmo diploma.

Assim, tendo o arrendado sido avaliado pelas finanças em 72.100 euros, o limite máximo da renda mensal está fixado em 400,55 euros, pelo que o valor proposto, de 300 euros, se contém dentro este limite e é, assim, o novo valor da renda.

Desta forma, a renda mensal, devida a partir do segundo mês posterior aos da recepção da presente, é de 300 (trezentos) euros, como proposto. […]» – artigos 7.º da petição inicial e 15.º da contestação.

23. A ré procedeu ao depósito na conta bancária n.º9543.007967.050 da Caixa Geral de Depósitos das rendas vencidas entre Abril de 2013 e Novembro de 2014 -com excepção do mês de Maio de 2014-, cada uma delas no valor de 44,00€ – artigo 19.º da contestação.

24. A ré M (…) nasceu no dia 19.11.1972 (melhor seria dito 1942) – cf. o assento de nascimento de fls. 82vs-83.

25. Os réus A (…) e M (…)  casaram no dia 07.01.2010 – idem.

26. O réu A (…) faleceu no dia 22.05.2015, com 73 anos de idade – cf. assento de óbito de fls. 109-109vs.

6.

Apreciando.

6.1.

Primeira questão.

6.1.1.

A ré invoca a nulidade da citação do co-réu A (...) .

Diz, para tanto, que ele foi citado por via postal através de terceira pessoa, nos termos do artº 228º nº2 do CPC, e não foi cumprido o disposto no artº 233º do mesmo diploma, pois que a carta, remetida para este efeito, veio devolvida.

Não lhe assiste razão.

Prescreve o artº 228º nº2:

«A carta pode ser entregue, após assinatura do aviso de receção, ao citando ou a qualquer pessoa que se encontre na sua residência ou local de trabalho e que declare encontrar-se em condições de a entregar prontamente ao citando».

E estatui o artº 233º:

Sempre que a citação se mostre efetuada em pessoa diversa do citando, em consequência do disposto no n.º 2 do artigo 228.º e na alínea b) do n.º 2 do artigo anterior, ou haja consistido na afixação da nota de citação nos termos do n.º 4 do artigo anterior, é ainda enviada, pelo agente de execução ou pela secretaria, no prazo de dois dias úteis, carta registada ao citando, comunicando-lhe:

a) A data e o modo por que o ato se considera realizado;

b) O prazo para o oferecimento da defesa e as cominações aplicáveis à falta desta;

c) O destino dado ao duplicado; e

d) A identidade da pessoa em quem a citação foi realizada.

É, pois, suposto, atento o preceituado no artº 228º nº2, que a carta entregue pelo carteiro ao terceiro seja por este entregue ao citando, na sequência da assinatura que ele aceitou apor no aviso de receção.

Se a carta é entregue pelo distribuidor do correio a terceira pessoa, presume-se que este assim atuou, precisamente porque a assinatura aposta pelo terceiro faz supor que ele foi informado do dever de entrega e que emitiu declaração nesse sentido – artº 349º do CC.

Destarte, o cita(n)do, ou outro interessado que entender tal não ter acontecido, terá de o provar.

Ademais, a carta exigida pelo artº 233º foi enviada para a mesma morada, na qual, comprovadamente, o réu residia ou tinha a sua residência habitual.

E ela foi devolvida com a menção de que o destinatário “não atendeu”.

Pelo menos neste circunstancialismo, o aludido artº 233º não taxa de ineficaz a devolução da carta, mostrando-se o simples envio da mesma o bastante para operar o fito pretendido.

Acresce que in casu quem recebeu a primeira missiva foi a ré, ora recorrente, esposa do citando e com ele residente, pelo que, acrescidamente, é suposto que ela tenha cumprido o dever imposto pelo mencionado nº2 do artº 228º.

Finalmente, e se assim não fosse, que é, sempre este vício estaria extemporaneamente arguido, pois que ele o deveria ter sido até à contestação – artº 191º nº2 do CPC.

6.1.2.

No atinente à falta de notificação do arrendatário para o efeito do artº 30º da Lei  6/2006 de  27/02 na redacção dada pela lei 31/2012 de 14/08, relevam os seguintes preceitos daquela Lei.

Artigo 9.º

Forma da comunicação

1 - Salvo disposição da lei em contrário, as comunicações legalmente exigíveis entre as partes relativas a cessação do contrato de arrendamento, atualização da renda e obras são realizadas mediante escrito assinado pelo declarante e remetido por carta registada com aviso de receção.

Artigo 10.º

Vicissitudes

1 - A comunicação prevista no n.º 1 do artigo anterior considera-se realizada ainda que:

a) A carta seja devolvida por o destinatário se ter recusado a recebê-la;

b) O aviso de receção tenha sido assinado por pessoa diferente do destinatário.

2 - O disposto no número anterior não se aplica às cartas que:

a) Constituam iniciativa do senhorio para a transição para o NRAU e atualização da renda, nos termos dos artigos 30.º e 50.º;

b) Integrem título para pagamento de rendas, encargos ou despesas ou que possam servir de base ao procedimento especial de despejo, nos termos dos artigos 14.º-A e 15.º, respetivamente, salvo nos casos de domicílio convencionado nos termos da alínea c) do n.º 7 do artigo anterior.

c) Sejam devolvidas por não terem sido levantadas no prazo previsto no regulamento dos serviços postais.

3 - Nas situações previstas no número anterior, o senhorio deve remeter nova carta registada com aviso de receção decorridos que sejam 30 a 60 dias sobre a data do envio da primeira carta.

4 - Se a nova carta voltar a ser devolvida, nos termos da alínea a) do n.º 1, considera-se a comunicação recebida no 10.º dia posterior ao do seu envio.

O caso vertente subsume-se  na previsão do artºs 9º nº1, e 10º nº1 al.b) e nº2 al.a).

Porém e como resultou provado – pontos 5, 12 e 15 dos factos provados – os autores deram cumprimento ao disposto no nº3 deste preceito.

Inexiste, pois, qualquer irregularidade na notificação do réu, tendo os autores cumprido, quiçá  ad abundantiam, as comunicações que a lei manda efetivar.

Acresce que as novas missivas nem sequer foram devolvidas - caso em que, se a devolução for motivada por recusa da sua receção, tal é irrelevante e a comunicação se considera efectivada: nº4 do artº 10º -, antes tendo sido recebidas, ao que parece pela recorrente.

Consequentemente, valem aqui, mutatis mutandis, as considerações  supra aduzidas em 6.1.1.

6.2.

Segunda questão.

6.2.1.

Estatui, no que para o caso interessa, o artº 615º do CPC:

1 - É nula a sentença quando:

b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;

c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;

d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;

Da falta de motivação.            

Nos termos do artigo 205º, nº1 do Constituição:

«As decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei».

E estatui o artº 154º do CPC:

1. As decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas.

2. A justificação não pode consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição, salvo quando, tratando-se de despacho interlocutório, a contraparte não tenha apresentado oposição ao pedido e o caso seja de manifesta simplicidade.

A necessidade da fundamentação prende-se com a garantia do direito ao recurso e tem a ver com a legitimação da decisão judicial.

Na verdade a fundamentação permite fazer, intraprocessualmente, o reexame do processo lógico ou racional que lhe subjaz.

Ela é garantia de respeito pelos princípios da legalidade, da independência do juiz e da imparcialidade das suas decisões.

Porque a decisão não é, nem pode ser, um ato arbitrário, mas a concretização da vontade abstrata da lei ao caso particular submetido à apreciação jurisdicional, as partes, maxime a vencida, necessitam de saber as razões das decisões que recaíram sobre as suas pretensões, designadamente para aquilatarem da viabilidade da sua impugnação.

E mesmo que da decisão não seja admissível recurso o tribunal tem de justificá-la.

É que, uma decisão vale, sob o ponto de vista doutrinal, o que valerem os seus fundamentos, pois que estes destinam-se a convencer que a decisão é conforme à lei e à justiça, o que, para além das próprias partes a sociedade, em geral, tem o direito de saber – cfr. Alberto dos Reis, Comentário, 2º, 172 e Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, 1982, 3º vol., p.96.

Mas se assim é, dos textos legais e dos ensinamentos doutrinais se retira que apenas a total e absoluta falta de fundamentação pode acarretar a nulidade.

Na verdade a lei não comina com tão severo efeito uma motivação escassa, ou, mesmo deficiente. E onde a lei não distingue não cumpre ao intérprete distinguir.

Nem tal exigência seria de fazer considerando a «ratio» ou finalidade do dever de fundamentação supra aludidos.

O que a lei pretende é evitar é a existência de uma decisão arbitrária e insindicável. Tal só acontece com a total falta de fundamentação. Se esta existe, ainda que incompleta, errada ou insuficiente tal arbítrio ou impossibilidade de impugnação já não se verificam.

O que nestes casos apenas sucede é que a própria decisão pode convencer menos, dada a debilidade ou incompletude dos seus fundamentos. Mas pode ser sempre atacável e modificável.

Assim sendo, a grande maioria da nossa jurisprudência tem-se pronunciado no sentido de que só a carência absoluta de fundamentação e não já uma motivação escassa, deficiente, medíocre, incompleta ou errada, acarreta o vício da nulidade da decisão – cfr. Entre outros, Ac. do STA de 18.11.93, BMJ, 431º, 531 e Acs. do STJ de 26.04.95, CJ(stj), 2º, 57, de 17.04.2004 e de 16.12.2004, dgsi.pt.

Poder-se-á fazer aqui, «mutatis mutandis», uma equiparação com o que sucede com a ineptidão petição inicial, por falta de «causa petendi», a qual origina a nulidade de todo o processado -  artº 193, nº1 e nº2, al.a) do CPC.

É que como ensina o Mestre Alberto dos Reis, Comentário, 2º, 372: «Importa não confundir petição inepta com petição simplesmente deficiente …quando a petição, sendo clara e suficiente quanto ao pedido e à causa de pedir, omite facto ou circunstâncias necessários para o reconhecimento do direito do autor, não pode taxar-se de inepta; o que então sucede é que a ação naufraga».

Da oposição dos fundamentos com a decisão.

A oposição dos fundamentos com a decisão reconduz-se a um vicio lógico no raciocínio do julgador, em que as premissas de facto e de direito apontam num sentido e a decisão segue caminho oposto, ou, pelo menos, direção diferente.

Distinguindo-se das situações em que tal disparidade advém de mero erro material, pois, neste caso, a oposição não é substancial mas apenas aparente, dando apenas direito à retificação, enquanto que no caso invocado e que ora nos ocupa a invocada contradição, a existir, é autentica e real - pois que o juiz escreveu o que queria escrever -, a qual, verificando-se, acarreta um vício de conteúdo da sentença que implica a sua nulidade  – cfr. Alberto dos Reis, Anotado, 1981, 5º, 141, Castro Mendes, Direito Processual Civil, ed. AAFDL, 1978, 3º, 302 e Abílio Neto, Breves Notas ao CPC, 2005, 195.

Da omissão de pronúncia.

Este segmento normativo ínsito na al. d) do artº 615º do CPC  conexiona-se com o estatuído nos arts. 154º e 608º do mesmo diploma, ou seja, com o dever do juiz administrar a justiça proferindo despachos ou sentenças sobre as matérias pendentes – artº 152º - e com a necessidade de o juiz dever conhecer das questões processuais que possam determinar a absolvição da instância, segundo a ordem imposta pela sua precedência lógica e de resolver todas as questões – e só estas questões, que não outras, salvo se de conhecimento oficioso - que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras –artº608º.

 Há decisão “ultra petitum” sempre que o julgador não confina o julgamento da questão controvertida ao pedido formulado pelo autor ou ao pedido reconvencional deduzido pelo réu e conhece, fora dos casos em que tal lhe é permitido “ex officio”, questão não submetida à sua apreciação.

Para que não se verifique tal vício terá de existir uma correspondência entre a pronúncia e a pretensão, isto é, a sentença não pode decidir para além do que está ínsito no pedido, nos termos formulados pelo demandante. Este princípio é válido quer para o conhecimento excessivo em termos quantitativos, quer por condenação em diverso objeto - excesso qualitativo – cfr. Ac. do STJ de 28.09.2006, dgsi.pt, p.06A2464

Por outro lado e como é consabido e constituem doutrina e jurisprudência pacíficas, não se devem confundir «questões» a decidir, com considerações, argumentos, motivos, razões ou juízos de valor produzidos pelas partes.

A estes não tem o tribunal que dar resposta especificada ou individualizada, mas apenas às pretensões formuladas e aos elementos inerentes ao pedido e à causa de pedir –cfr. Rodrigues Bastos, in Notas ao CPC, 2005, p.228; Antunes Varela in RLJ, 122º,112 e, entre outros, Acs. do STJ de 24.02.99, BMJ, 484º,371 e de 19.02.04, dgsi.pt.

6.2.2.

O caso vertente.

Bem vistas as coisas, a recorrente não substancia devidamente qualquer um dos vícios apontados.

Limita-se a proferir asserções genéricas que, de todo em todo, não integram o conteúdo dos mesmos, e que se atêm ao demérito do decidido, face aos factos provados e às normas legais convocadas e convocáveis e à interpretação que a insurgente delas opera.

No entanto, e em todo o caso, sempre se dirá que a sentença não padece dos mesmos.

Na verdade, nela, perante certos factos dados como provados, e convocadas as normas tidas por pertinentes, foi decidido no estrito âmbito de certo pedido formulado –  essencialmente a resolução do contrato e o pagamento do remanescente das rendas -.

Está, pois, devidamente fundamentada e respeitadora do pedido.

Ademais, no raciocínio efectivado, quer na subsunção dos factos, quer na exegese jurídica das normas, não se enxerga vicio lógico ou silogístico ou antítese insanável e dos quais decorra a sua contradição intrínseca.

Perspetiva diferente  - e, bem vistas as coisas, nisto se traduz o inconformismo da recorrente - é saber se tal pronúncia é a mais curial e consentânea com os factos provados, os dispositivos legais pertinentes e a melhor  interpretação que de tais factos e normas deve ser feita.

Por conseguinte, o cerne do problema não se prende com a nulidade da sentença mas sim com o (de)mérito do decidido, isto é, com a sua (i)legalidade.

O que infra se dilucidará.

6.3.

Terceira questão.

6.3.1.

Relevam, determinantemente, os seguintes normativos do NRAU:

Artigo 30.º

Iniciativa do senhorio

A transição para o NRAU e a atualização da renda dependem de iniciativa do senhorio, que deve comunicar a sua intenção ao arrendatário, indicando, sob pena de ineficácia da sua comunicação:

a) O valor da renda, o tipo e a duração do contrato propostos;

b) O valor do locado, avaliado nos termos dos artigos 38.º e seguintes do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), constante da caderneta predial urbana;

c) Cópia da caderneta predial urbana;

d) Que o prazo de resposta é de 30 dias;

e) O conteúdo que pode apresentar a resposta, nos termos do n.º 3 do artigo seguinte;

f) As circunstâncias que o arrendatário pode invocar, isolada ou conjuntamente com a resposta prevista na alínea anterior, e no mesmo prazo, conforme previsto no n.º 4 do artigo seguinte, e a necessidade de serem apresentados os respetivos documentos comprovativos, nos termos do disposto no artigo 32.º;

g) As consequências da falta de resposta, bem como da não invocação de qualquer das circunstâncias previstas no n.º 4 do artigo seguinte.

Artigo 31.º

Resposta do arrendatário

3 - O arrendatário, na sua resposta, pode:

a) Aceitar o valor da renda proposto pelo senhorio;

b) Opor-se ao valor da renda proposto pelo senhorio, propondo um novo valor, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 33.º;

c) Em qualquer dos casos previstos nas alíneas anteriores, pronunciar-se quanto ao tipo e à duração do contrato propostos pelo senhorio;

d) Denunciar o contrato de arrendamento, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 34.º

4 - Se for caso disso, o arrendatário deve ainda, na sua resposta, invocar, isolada ou cumulativamente, as seguintes circunstâncias:

a) Rendimento anual bruto corrigido (RABC) do seu agregado familiar inferior a cinco retribuições mínimas nacionais anuais (RMNA), nos termos e para os efeitos previstos nos artigos 35.º e 36.º;

b) Idade igual ou superior a 65 anos ou deficiência com grau comprovado de incapacidade igual ou superior a 60 /prct., nos termos e para os efeitos previstos no artigo 36.º

5 - As circunstâncias previstas nas alíneas do número anterior só podem ser invocadas quando o arrendatário tenha no locado a sua residência permanente ou quando a falta de residência permanente for devida a caso de força maior ou doença.

9 - A falta de resposta do arrendatário vale como aceitação da renda, bem como do tipo e da duração do contrato propostos pelo senhorio, ficando o contrato submetido ao NRAU a partir do 1.º dia do 2.º mês seguinte ao do termo do prazo previsto nos n.os 1 e 2.

  Artigo 32.º

Comprovação da alegação

1 - O arrendatário que invoque a circunstância prevista na alínea a) do n.º 4 do artigo anterior faz acompanhar a sua resposta de documento comprovativo emitido pelo serviço de finanças competente, do qual conste o valor do RABC do seu agregado familiar.

2 - O arrendatário que não disponha, à data da sua resposta, do documento referido no número anterior faz acompanhar a resposta do comprovativo de ter o mesmo sido já requerido, devendo juntá-lo no prazo de 15 dias após a sua obtenção.

3 - O RABC refere-se ao ano civil anterior ao da comunicação.

4 - O arrendatário que invoque as circunstâncias previstas na alínea b) do n.º 4 do artigo anterior faz acompanhar a sua resposta, conforme os casos, de documento comprovativo de ter completado 65 anos ou de documento comprovativo da deficiência alegada, sob pena de não poder prevalecer-se das referidas circunstâncias.

Como claramente dimana dos preceitos citados, os elementos obstaculizantes da transição do contrato de arrendamento para o regime do NRAU  e da consequente actualização da renda - RBAC inferior a 5 RMNA e idade superior a 65 anos -  reportam-se ao arrendatário, ou seja, ao outorgante que, no contrato atinente, consta com tal qualidade.

A instauração da acção contra o cônjuge do arrendatário apenas é exigível nos termos do artº 34º do CPC.

E  tem como pressuposto a atribuição de legitimidade aos demandados – pois que estamos perante um caso de litisconsórcio necessário –, não atribuindo tal acção a qualidade de arrendatário aquele cônjuge.

Destarte, a oposição através dos aludidos elementos tem de ser efectivada pelo arrendatário, ele próprio.

E sendo que o seu teor, desde logo e ab initio, se reporta e diz  respeito somente a si – a idade – ou, eventualmente - o RBAC - ao seu cônjuge; mas nunca a idade se pode reportar ao cônjuge, e o RBAC, apenas, eventualmente, o poderá ser, mas apenas se este tiver rendimentos.

6.3.2.

No caso vertente o Sr. Juiz decidiu nos seguintes termos:

«…logrou-se apurar que a autora, comunicou ao réu A (…), arrendatário do prédio identificado no facto provado, a sua intenção de que o contrato de arrendamento com aquele celebrado ficasse sujeito a prazo certo, com duração de cinco anos, renovável, passando a renda que, no ano de 2012, era de 44,00€, para 300,00€.

Esta proposta foi recusada pela ré M (…) que, na qualidade de mulher do réu arrendatário, invocou ter mais de 65 anos e RABC inferior a cinco RMNA.

Porém, não se apurou que o réu A (…), na qualidade de arrendatário, haja demonstrado junto dos autores, senhorios, os fundamentos legais que permitiriam a válida oposição, como lhe competia, uma vez que não se apurou terem os réus remetido com a oposição dirigida aos senhorios documento comprovativo da idade do arrendatário ou do RMNA do respectivo agregado familiar.

De facto, em face da factualidade provada (facto provado n.º 2), apenas o réu A (…) detinha a qualidade de arrendatário, sendo certo que, inclusive, tendo celebrado contrato de arrendamento em Junho de 1972, apenas veio a contrair matrimónio com a ré M (…) em 07.01.2010 (facto provado n.º 25).

Assim sendo, é forçoso concluir que a oposição apresentada pela ré M (…) junto dos autores [ou as várias oposições apresentadas de acordo com as sucessivas oportunidades que lhe foram conferidas pelos autores] não foi validamente efectuada, na medida em que não comprovou documentalmente a idade do arrendatário A (...) , nem tão-pouco, que o RABC do agregado familiar deste (que necessariamente teria de incluir os rendimentos do próprio) fosse inferior a cinco RMNA.»

Este discurso argumentativo está em consonância com o supra expendido.

E, percorrido o acervo factual apurado, ele não merece censura.

Efetivamente, dele dimana que os autores comunicaram ao réu, arrendatário, a sua intenção de transição do contrato para o regime do NRAU, bem como a de, no âmbito deste regime, aumentarem a renda, aliás, segundo alegam e parece que com verdade, para valor inferior ao dimanante da aplicação dos preceitos legais e em função dos requisitos sobre os quais incidiram: vg. valor patrimonial do locado.

Mas a ré respondeu como se fosse ela a inquilina.

Erradamente o fez, como se viu.

E não obstante para tal lapso os autores terem alertado, informando adrede, mais do que uma vez – pontos 16 e 18 dos factos provados - que inquilino era o falecido e não a sua esposa ora recorrente, e que os elementos de oposição apenas a ele diziam respeito, esta, vá-se lá saber porquê, mas talvez porque mais lhe conviesse, insistiu no seu erro, indicando apenas o seu rendimento e a sua idade – ponto 21.

Decorrentemente, é mais do que evidente que a sua oposição é ineficaz para obstar ao efeito pelos autores pretendido.

6.4.

Quarta questão.

Neste particular conspeto o Sr. Juiz fundou a decisão nos seguintes termos:

«No que concerne à ré M (…) não tendo sido demonstrada a sua qualidade de arrendatário, nem tendo sido invocada a comunicabilidade da dívida, sendo-lhe devida a entrega do locado (por falta de título que legitime a sua ocupação) não lhe é, porém, devido, a título pessoal, o pagamento de quaisquer rendas.»

Já os autores, ora recorrentes, entendem que a condenação da ré a título pessoal é devida nos termos do artº 1691º nº1 al. b) do CC que estatui: que responsabilizam ambos os cônjuges «as dívidas contraídas por qualquer dos cônjuges, antes ou depois da celebração do casamento, para ocorrer aos encargos normais da vida familiar».

Dilucidemos.

Desde logo o argumento invocado na sentença não colhe.

As partes apenas têm, por imposição dos basilares princípios da substanciação e do dispositivo, ao menos nuclearmente e por via de regra, de alegar os factos em que fundam a sua pretensão e formular os correspondentes pedidos – artº 5º nº1 do CPC.

Quanto ao direito, de jure novit curia – artº 5º nº3 do CPC.

Ora a «comunicabilidade» da dívida é uma conclusão e uma asserção jurídica que tem de ser formulada e retirada dos factos alegados e provados.

No caso vertente, tal ónus encontra-se cumprido pelos autores: eles demandaram ambos os cônjuges, tendo como pressuposto o contrato de arrendamento, e pediram a condenação de ambos a, nomeadamente e no que para o que aqui releva, pagarem-lhes «as rendas já vencidas, no total de 2.416 (dois mil quatrocentos e dezasseis) euros, bem como as que se venham a vencer até entrega do arrendado;».

Resta, pois, saber se, in casu, nos encontramos, ou não, perante uma situação de comunicabilidade da dívida, por, vg. e tal como alegam os recorrentes, ela ter sido contraída para ocorrer aos «encargos normais da vida familiar».

E a resposta não pode deixar de ser afirmativa.

Correlacionados com o segmento supra citado estão os artºs 1674º e 1675º do CC , os quais, no âmbito do contrato de casamento, definem o dever de assistência como compreendendo  « a obrigação de prestar alimentos e de contribuir para os encargos da vida familiar».

Estes encargos abrangem aqueles alimentos, mas enquanto o dever/direito a alimentos se reporta, tout court e ab initio, ao cônjuge, os encargos referem-se outrossim aos filhos, parentes ou empregados a cargo dos cônjuges - A. Varela, Direito da Família, 1987, p.337

O quid nuclear da presente questão reside em saber quais devem ser considerados os encargos «normais» da vida familiar.

Ora esta qualificação deve advir da perspetivação, essencialmente, da natureza, finalidade e valor  da dívida, tendo-se ainda em conta o padrão de vida do casal – cfr. A. Varela, ob. cit. p.385.

Nesta conformidade, deve entender-se que os encargos normais da vida familiar são as despesas, anteriormente designadas de «despesas domésticas – cfr. art- 1416º do CPC pretérito -, neles se incluindo, em termos de normalidade, entre outros, os havidos com  alimentação, o vestuário,  calçado, transportes, despesas de saúde,   educação, cultura.

E, bem assim, as despesas resultantes da casa de habitação, como seja com a água, eletricidade, renda e encargos com empregada(o)s doméstica(o)s, se existirem cfr. A. Delgado, in O Divórcio, 1994, p.253 e Acs. da RL de 16.01.1979, in CJ, 1979, 4º, 87 e do STJ de 08.05.1979, in BMJ, 287ª, 311.  

Por conseguinte, a final conclusão a retirar é que,  pelo menos por via de regra, de que o presente caso não constitui exceção, o pagamento da renda de casa de habitação dos cônjuges deve ser tido como um encargo normal da vida familiar, e, assim, a respetiva dívida, responsabilizar pessoalmente o cônjuge do arrendatário, principalmente se, como no caso sub judice, ele sempre  habitou no locado.

Improcede o recurso principal da ré e procede o recurso subordinado dos autores.

7.

Sumariando- artº 663º nº7 do CPC.

I - A devolução da carta exigida pelo artº 233º do CPC - na sequência da recebida por terceira pessoa, nos termos do artº 228º nº2,  máxime  se esposa do citando  e com ele residente-, com a menção “não atendeu”, não afeta a regularidade da citação.

II - Se o aviso de receção tiver sido assinado por pessoa diferente do arrendatário, a comunicação, por carta registada com a/r, do senhorio, para a transição para o NRAU e atualização da renda, perfeciona-se com o envio por aquele  de nova carta registada com  a/r decorridos que sejam 30 a 60 dias sobre a data do envio da primeira carta – artºs 9º nº1 e 10º nº1 al. b), nº2 al. a) e nº3 da Lei 6/2006 de 27/02.

III - A nulidade por contradição da sentença – artº 615º nº1 al.c)  - do CPC apenas emerge quando se verifica uma total contradição lógica entre a decisão e as premissas fáctico-jurídicas em que se alicerça, e não já quando existe uma inadequada apreciação e  interpretação de tais fundamentos, o que apenas pode acarretar a ilegalidade de tal decisão.

IV - Os elementos obstativos da intenção do senhorio em transpor para o NRAU o contrato de arrendamento e aumentar a renda – RBAC inferior a 5 RMNA e idade superior a 65 anos- reportam-se ao arrendatário e não ao seu cônjuge, o qual apenas é demandado para assegurar a legitimidade – artºs 30º a 32º do NRAU e 34º do CPC.

V – Por via de regra, o pagamento da renda habitacional deve ser tido como um encargo normal da vida familiar, e, assim, a  respetiva dívida, responsabilizar pessoalmente o cônjuge do arrendatário, maxime se que com ele habita no locado.

8.

Deliberação.

Termos em que se acorda:

a) julgar o recurso principal da ré improcedente e, consequentemente, manter a sentença neste particular.

b)  julgar o recurso subordinado dos autores procedente e, consequente, agora condenar a ré, a titulo pessoal/nome próprio, no pagamento das rendas em dívida.

Custas na proporção de 1/6 para os autores e 5/6 para a ré.

Coimbra, 2017.10.11.

Carlos Moreira ( Relator )

Moreira do Carmo

Fonte Ramos