Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3876/15.3T8ACB.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE ARCANJO
Descritores: PROCESSO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO
PER
PESSOAS SINGULARES NÃO COMERCIANTES.
Data do Acordão: 04/07/2016
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE LEIRIA – ALCOBAÇA – INST. CENTRAL – 2ª SEC. COMÉRCIO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTºS 17º-A A 17º-I DO CIRE (PER).
Sumário: O Processo Especial de Revitalização (PER) é aplicável às pessoas singulares (não comerciantes).
Decisão Texto Integral:




Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

            1.1.- P... e M... instauraram na Comarca de Leiria processo especial de revitalização.

            Alegaram, em resumo:

            Os requerentes (marido e mulher) encontram-se em situação e económica difícil em virtude de o requerente estar desempregado há cerca de 4 anos, sendo anteriormente empresário em nome individual de vendedor de artigos pré-esforçados para a construção civil, e a requerente mulher trabalha como Educadora de Infância, auferindo um vencimento líquido de € 1.927,00 por mês. É este o único rendimento do agregado familiar composto pelos requerentes e duas filhas maiores, mas dependentes financeiramente.

            A situação económica dos requerentes é susceptível de recuperação, através da renegociação dos créditos bancários assumidos.

            Requereram a nomeação de administrador judicial provisório, nos termos do art.17º-C, nº 3 do CIRE, seguindo-se dos demais termos processuais.

            Com a petição juntaram relação de credores, importando os créditos o valor global de € 212.604, 57.

            1.2.- Por despacho de 15/12/2015 decidiu-se:

            “ Julgo legalmente inadmissível o presente Processo Especial de Revitalização e, em consequência, não nomeio administrador, nos ternos do disposto nos artigos 17-A nº1 e 17-C nº3 a) – este a contrario – do CIRE”.

            Argumentou-se, em síntese, que o processo não é aplicável às pessoas singulares não comerciantes e que apesar da ausência de limitação expressa da lei, o processo está reservado às pessoas colectivas e aos comerciantes.

            1.3.- Inconformados, os requerentes recorreram de apelação, em cujas conclusões defendem que o PER aplica-se a todo e qualquer devedor e a interpretação do despacho não corresponde nem à letra (que não faz a distinção), nem ao espírito da norma do art.17-A do CIRE e, por outro lado, o despacho de indeferimento liminar foi proferido fora do prazo legalmente previsto no art. 27 nº1 CIRE.


FUNDAMENTAÇÃO

            2.1.- O objecto do recurso

            A questão submetida a recurso, delimitado pelas conclusões, consiste em saber se o PER é aplicável às pessoas singulares (não comerciante).

            2.2.- O mérito do recurso

            O processo especial de revitalização (PER) foi introduzido pela Lei nº 16/2012 de 20/4, tratando-se de um processo judicial especial, assumindo, no entanto, uma natureza híbrida, assente no primado da recuperação (arts. 1 nº1 e 17-A CIRE).

            Tem sido problemática a questão de saber do âmbito subjectivo do PER, ou seja, se é aplicável as pessoas singulares, não comerciantes, e sobre a qual existem duas correntes doutrinárias e jurisprudenciais:

            a) Tese de que o PER não se aplica as pessoas singulares, não comerciantes.

            Argumenta-se, em resumo:

            A Resolução do Conselho de Ministros nº 11/2012, de 19/1 que criou o “Programa Revitalizar” refere no preâmbulo a “revitalização de empresas” e a Exposição de Motivos da Proposta de Lei nº 39/XII de 30/12/2011 mencionam “a manutenção do devedor no giro comercial e “empobrecimento do tecido económico português”;

            A intenção do legislador foi a de revitalizar a actividade do devedor, enquanto “agente económico”, mas não na qualidade de consumidor;

A recuperabilidade do devedor está colimada a titularidade de uma empresa;

Para a o devedor não comerciante a lei prevê o “plano de pagamentos” que implica a suspensão da insolvência após a homologação do plano;

            As normas dos arts. 17–A e segs. devem, por isso, ser objecto de interpretação restritiva.

            Neste sentido:

            Carvalho Fernandes/João Labareda, Código da Insolvência e Recuperação de Empresas Anotado, pág.143; Paulo Olavo Cunha II Congresso do Direito da Insolvência, pág. 220; Ac STJ de 10/12/2015 ( proc. nº 1430/15), Ac RP de 23/6/2015 ( proc. nº 1243/15), Ac RE de 9/7/2015 ( proc. nº 718/15), Ac RL de 24/11/2015 ( proc. nº 22219/15), disponíveis em www dgsi.pt.

            b) Tese de aplicação do PER as pessoas singulares ( não comerciantes )

            Tópicos de argumentação:

            Os arts. 17-A a 17-I não limitam a aplicação as pessoas colectivas ou equiparadas, prevendo-se expressamente que pode ser utilizado “por todo o devedor”.

            Isto é, as normas dos arts.17-A e segs., inserindo-se no âmbito das “Disposições introdutórias” ( Título I), não impõem qualquer limitação ou condicionamento ao disposto no art.2º (sujeitos passivos da insolvência), cuja norma, pela inserção sistemática, se projecta no PER.

            Da redacção do art.17-D nº11 (“ O devedor, bem como os seus administradores de direito ou de facto, no caso de aquele ser uma pessoa colectiva (…)” resulta o âmbito de aplicação ao devedor, pessoa singular.

            Para além do “plano de pagamentos”( art. 249 e segs. ), o PER apresenta-se como meio alternativo para a resolução do endividamento das pessoas singulares, sendo que tanto os pressupostos, como a finalidade, são diferentes. Basta atentar, por exemplo, que o PER é um instrumento que visa obstar à insolvência, e por conseguinte, um procedimento recuperatório, já o “plano de pagamentos” destina-se prioritariamente à satisfação dos credores, razão pela qual com a homologação é também decretada a insolvência do devedor. A circunstância de a lei prever para as pessoas singulares não titulares de empresas o “plano de pagamentos”, não dispensa a abertura de um processo de insolvência, com todas as consequências e estigma social.

            O tópico baseado na Resolução do Conselho de Ministros nº11/12 e da Exposição de Motivos da Proposta de Lei nº39/XII, ao referir designadamente a “manutenção do devedor no giro comercial” nem sequer parece decisivo, porque mesmo na exposição de motivos não se limita ou restringe o devedor ao comerciante ou empresário, mas ao devedor que esteja em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente (cf. art.1º nº2 CIRE).

            Neste sentido:

            Catarina Serra, O Regime Português da Insolvência, 5ª ed., pág. 176, O Processo Especial de Revitalização na Jurisprudência, 2016, pág. 33 e segs; Luís Martins, Recuperação de Pessoas Singulares, vol.1º, 2ª ed., pág. 15 e segs; Fátima Reis, Processo Especial de Revitalização – Notas Práticas e Jurisprudência Recente, 2014, pág. 21 e segs; Maria do Rosário Epifânio, O Processo Especial de Revitalização, 2015, pág. 15 e segs; Nuno Casanova/ David Dinis, PER o Processo Especial de Revitalização, pág. 13. Ac RC de 30/6/2015 ( proc. nº 1687/15), Ac RE de 9/7/2015 ( proc. nº 1518/14), Ac RE de 5/11/2015 ( proc. nº 371/15), Ac RP de 16/12/2015 ( proc. nº 2112/15), disponíveis em www dgsi.pt.

            No balanceamento dos argumentos adere-se a esta orientação, no sentido de que o PER também se aplica às pessoas singulares (não comerciantes) por se evidenciar ser a solução mais razoável.

            2.3.- Síntese conclusiva

            O Processo Especial de Revitalização (PER) é aplicável às pessoas singulares (não comerciantes).


III – DECISÃO

            Pelo exposto, decidem:

1)

            Julgar procedente a apelação e revogar a decisão recorrida, ordenando-se o prosseguimento do processo.

2)

            Custas pela parte vencida a final.

Coimbra, 7 de Abril de 2016.


( Jorge Arcanjo )

( Manuel Capelo )

( Falcão de Magalhães )