Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1450/11.2TACBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ABÍLIO RAMALHO
Descritores: DESPACHO DE NÃO PRONÚNCIA
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
Data do Acordão: 07/03/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TIC DE COIMBRA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 97º Nº 5, 308.º, N.º 2, E 283.º, N.º 3, AL. B), DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL
Sumário: 1.- Inexiste qualquer especial regime normativo-disciplinante quer da forma quer do conteúdo justificativo da decisão instrutória de não pronúncia, similar ao que o legislador reservou para as sentenças/acórdãos estabelecidas pelos artºs. 374.º, 375.º, n.º 1, e 379.º, n.º 1, al. a), do CPP;

2.- Assim o referido despacho haverá que simplesmente se conformar pelo dever enunciado pelo n.º 5 do art.º 97.º do mesmo compêndio legal, e, dessarte, apenas deixar revelar, pelo respetivo teor, de modo objetivo e comummente percetível, a respeitante linha de raciocínio lógico-argumentativo e a própria razoabilidade jurídica;

3.- Daí que sempre a concernente falha se quedaria por mera irregularidade, entretanto inelutavelmente sanada em razão da irrealização do ónus legal postulado pelo preceito ínsito sob o n.º 1 do art.º 123.º do CPP, de respetiva arguição, no prazo de três dias, (contado desde a respeitante notificação), diretamente perante o próprio tribunal/julgador (JIC).

Decisão Texto Integral: Acordam na 4.ª Secção (Criminal) do Tribunal da Relação de Coimbra:

TÍTULO I – RELATÓRIO


1 – Irresignada com a vertente da decisão-instrutória – exarada no despacho documentado na peça de fls. 1404/1457 –, que, por ajuizada insuficiência indiciária, concluiu pelo não pronunciamento dos cidadãos-arguidos A... e B... (cônjuges um do outro), pelo assacado e respectivo cometimento, de 3 (três) e 2 (dois) supostos ilícitos criminais de falsificação de documento (actas de assembleia-geral societária), [p. e p. pelo art.º 256.º, n.º 1, al. d), do Código Penal], sendo dois a título de pessoal co-autoria, dela recorreu a sociedade comercial, assistente processual, C..., S.A., pugnando pela correspondente anulação, ou, subsidiariamente, revogação, extraindo da respectiva motivação – ínsita na peça junta a fls. 1459/1470-1526/1548, cujo conteúdo nesta sede se tem por reproduzido – o seguinte – aperfeiçoado[1] – quadro-conclusivo:
«[…]
I. Não se verificando o cabal cumprimento do dever de fundamentação do despacho instrutório, em particular do dever de narração dos factos que possibilitaram chegar à conclusão da suficiência ou insuficiência da prova indiciária, enfermará o mesmo do vício da nulidade, nos termos das disposições conjugadas do art. 308.º, n.º 2 e 293.°, n.º 3, al. b) do CPP.
II. A referida nulidade deverá ser qualificada como nulidade sanável susceptível de ser arguida em sede de recurso, sendo aplicável, por identidade de razão, a norma constante do art. 379.º, n.º 2 do CPP.
III. Não se propugnando semelhante entendimento, deverá, em nome da unidade e coerência lógicas do sistema, concluir-se que estamos perante uma nulidade insanável "sui generis', uma vez que, se a falta de narração dos factos na acusação conduz, nos termos do art. 311.º n.º 2, al. a) do CPP à rejeição desta, não faz sentido que o Tribunal de recurso deva apreciar um despacho de pronúncia ou não pronúncia se o mesmo for omisso quanto à narração dos factos indiciários.
IV. O Tribunal a quo na elaboração do despacho recorrido, não procedeu à enunciação dos factos suficientemente indiciados e dos factos não indiciados, nem procedeu à fundamentação, ainda que sintética, da prova apreciada, antes se limitando a transcrevê-la acriticamente,
V. O que impossibilitou que o presente recurso pudesse reportar-se a todos os crimes imputados aos Arguidos e dificulta seriamente a sua elaboração [em particular o cumprimento do requisito do art. 412.º, n.º 3, al. a) do CPP], pelo que a decisão em crise é nula, nos termos do ano 308.º, n.ºs 1 e 2 e 283.º, n.º 3, alínea b) do CPP, o que deverá ser declarado, com as legais consequências. Sem prejuízo,
VI. No que concerne à matéria de facto, entendeu o tribunal recorrido não pronunciar os arguidos A... e B... pela prática do crime de falsificação de documento da acta (registada) de 3 de Janeiro de 2011 (cf. fls. 124 a 127 dos autos) porquanto, alegadamente não resultaria dos indícios dos autos que os arguidos tenham feito constar factos falsos na acta em questão, designadamente a sua invocada qualidade de únicos sócios da sociedade D...S.A.
VII. Ao sustentar tal entendimento, o Tribunal recorrido julgou incorrectamente a factualidade vertida nos pontos 49 a 53, 59 a 62 e 66 do RAI.
VIII. As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida nestes pontos são, desde logo:
a. O contrato definitivo de transmissão de participações sociais junto como Documento n.º 7 do RAI e celebrado em 2 de Novembro de 2011, através do qual a Recorrente passou a ser detentora de 77,48% das participações sociais da D..., S.A.
b. O Acórdão relativo ao Processo n.º 383/11.7TBCR que correu termos na 1.ª Secção da Vara de Competência Mista de Coimbra entre a assistente e os arguidos e que se juntou como Documento n.º 15 do RAI no qual se reconhece que a falsa resolução do referido contrato engendrada pelos Recorridos nunca poderia produzir quaisquer efeitos – o que os Recorridos bem sabiam.
c. As acções (ao portador) da Recorrente correspondentes a 77,48% do capital social da D..., S.A. (v. fls. 70 a 112 dos autos) e que comprovam que é titular daquela participação social.
IX. Contudo, caso se entenda (como vem sido erradamente entendido) que existe aqui uma questão de natureza cível acerca da validade da conduta dos arguidos que obsta ao seu conhecimento em sede penal (o que não se concede), a verdade é que tal "obstáculo" inexiste no que respeita à titularidade das acções, no valor total de 300€, adquiridas pela assistente e pelos ofendidos E... e F... em proporções iguais aquando do aumento de capital e transformação da sociedade.
X. O que decorre, desde logo, do facto de constar da Acta n.º 41 – junta a fls. 53 a 56 dos autos –, e prévia à celebração do contrato prometido, a se fez constar a qualidade de sócios da D..., S.A. da assistente e dos ofendidos L... e F....
XI. O mesmo decorre da Certidão Permanente constante de fls. 63 a 68 dos Autos (especificamente na Insc. 6, Ap. 319/20081203) onde se refere expressamente a entrada da assistente e dos ofendidos como novos sócios da D..., S.A
XII. E decorre da carta remetida pelos próprios arguidos constante de fls. 113, na qual reconhecem a qualidade de sócios da assistente e dos ofendidos.
XIII. Também decorre do auto de inquirição da Conservadora que procedeu ao registo daquela acta, na qual esta reconheceu, que, sabendo da qualidade da acta, não aceitaria o seu registo – cfr. fls. 227 a 229.
XIV. Por outro lado, e apesar de o que se disse bastar para o preenchimento do tipo, cumpre sublinhar que, também ao sustentar que não existem indícios de que os arguidos já tivessem conhecimento da celebração do contrato prometido o Tribunal a quo andou mal, tendo julgado incorrectamente os factos vertidos nos pontos 59 a 61, 63, 64, 66, 67 e 73 do RAI.
XV. As provas que impõem decisão diversa nestes pontos são, designadamente:
a. A procuração irrevogável que os arguidos passaram a F... para este celebrar o contrato prometido, junta a fls. 49 a 52, que afasta a alegação de desconhecimento absoluto da celebração daquele contrato.
b. A carta junta como Documento n.º 9 do RAI remetida pelo ofendido F... a agendar a próxima Assembleia-Geral (AG) para o dia 15/02/2011 e que, apesar de ter sido recebida pelos Recorridos, não os impediu de realizar uma nova AG secreta no dia 3/01/2011.
XVI. No que concerne à falsificação da acta de 15/02/2011, entendeu o Tribunal a quo que não verificou indícios de que os arguidos nela tenham feito constar factos falsos, o que significa que foram incorrectamente julgados os factos constantes dos pontos 101 a 104 do RAI, sendo aqui aplicável o que se disse nos pontos XIII a XIII das presentes conclusões.
XVII. Foram ainda incorrectamente julgados os pontos 105 e 106 do RAI porquanto entendeu o Tribunal recorrido que não existem indícios de que os arguidos tenham agido dolosamente.
XVIII. Decisão inversa impõe-se, desde logo, pelo facto de os arguidos, tendo conhecimento da providência cautelar requerida e registada pela assistente e pelos ofendidos – a qual correu seus termos no 4.º juízo Cível de Coimbra sob o número de processo 111/2011 – terem renovado a deliberação de 3/01/2011, assim inutilizando a eventual procedência da providência cautelar, da qual já tinham conhecimento – v. acta junta a fls. 213 a 216.
XIX. Foi ainda incorrectamente julgada a matéria concernente aos factos relativos à falsificação da acta de 17 de Maio de 2011, nos termos constantes dos pontos 122 a 130 do RAI.
XX. No que respeita às provas concretas que impõem decisão diversa da recorrida no que respeita a estes factos, em particular à falsidade da informação nela aposta relativa à invocada titularidade de 100% do capital social da D..., S.A, à consciência da mesma e ao dolo na sua aposição também nesta acta, remetemos para o que se disse nas conclusões n.º XIII a XIII e XV a XVIII.
XXI. No que respeita à falsidade da referência plasmada na acta de que foram exibidos os títulos representativos de 100% do capital social da sociedade D..., S.A, afigura-se como manifesto que os elementos que ora se enunciam impõem decisão inversa:
a. As acções (ao portador) da Recorrente correspondentes a 77,48% do capital social da D..., S.A. (v. fls. 70 a 112 dos autos) e que comprovam que é titular daquela participação social – juntas aos autos logo em 7 de Julho de 2011, ao contrário daquelas forjadas pelos Arguidos e que só foram apresentadas em instrução por terem sido judicialmente compelidos a apresentá-las.
b. Cf. Requerimento que originou o processo de rectificação do registo ilegal da deliberação (também ela ilegal) de 3 de Janeiro de 2011 ao qual se juntou cópia de algumas das acções detidas pelos ofendidos – v. fls. 232 dos autos – e do qual o mandatário dos arguidos foi notificado por carta datada de 20/01/2011, nunca tendo vindo alegar a sua falsidade – cfr. fls. 262 dos autos.
c. Carta enviada ao ofendido F... e que data de 20/12/2010 (junta a fls. 113 dos autos), na qual os arguidos lhe solicitavam entregasse as acções.
d. Carta remetida pelos arguidos à assistente e datada de 20/12/2010 (constante de fls. 220 a 223 dos autos), na qual os Arguidos referiram que a assistente deveria entregar as acções adquiridas.
e. Resposta apresentada pelo mandatário dos arguidos – em Fevereiro de 2011 – ao pedido de cancelamento de registo deduzido pela assistente e que consta de fls. 263 a 270, na qual estes referem que as acções cujas cópias foram juntas estariam "ilícita e abusivamente na posse do requerente, o qual se aproveita da condição de antigo administrador para o efeito (cujo mandato já havia caducado em 31 de Dezembro de 2010." – cfr. fls. 269.
f. Petição inicial apresentada pelos arguidos refere-se, no seu ponto 141, que a assistente e os ofendidos deveriam entregar as acções que detinham – cf. fls. 280 a 311.
XXII. Ora, de toda a prova supra transcrita, resulta, claramente, que os arguidos sabiam da existência das acções ao portador representativas do capital social da sociedade D...S.A. em data muito anterior à elaboração da acta da assembleia de 17/05/2011, bem como reconheciam a sua validade e sabiam que era a assistente a sua possuidora.
XXIII. Pelo que não poderão restar dúvidas de que a prova constante dos autos impõe decisão diversa da Recorrida, porquanto demonstra claramente a prática dos crimes imputados aos Arguidos.
[…]»

2 – Quer o M.º P.º – em 1.ª instância – quer os id.os arguidos se pronunciaram pela inconsistência/inconsequência da argumentação recursória, e, consequentemente, pela confirmação do sindicado despacho, (vide referentes peças processuais – de resposta –, a fls. 1481/1487 e 1488/1503, cujo teor identicamente se tem por reproduzido).


TÍTULO II – FUNDAMENTAÇÃO

SUBTÍTULO I – CONTEXTUALIZAÇÃO

CAPÍTULO I


Emerge da economia da motivação recursória, mormente do respeitante quadro-conclusivo (aperfeiçoado) – consabidamente circunscritor do objecto, âmbito e suporte do atinente inconformismo –, a demanda pela id.ª sociedade-recorrente à Relação da verificação/análise/reparação da predita maculação do próprio despacho recorrido e/ou do juízo nele documentado por pretensa/convocada ilegalidade concernentemente às seguintes condições jurídicas:

1 – À estruturação/fundamentação, (cfr. conclusões I a V);

2 – Ao operado ajuizamento de insuficiência indiciária do complexo fáctico-circunstancial típico referente às (três) denunciadas/imputadas infracções criminais de falsificação de documentos (actas de assembleias-gerais da sociedade D..., S.A.), (cfr. conclusões VI a XXIII).


CAPÍTULO II


Para cabal compreensibilidade, esclarecimento e dirimência de tal enunciada problemática importa reter a concernente essencialidade do respectivo requerimento de abertura de instrução (doravante RAI) – pela dita sociedade-assistente formulado (na peça de fls. 918/943 – 4.º vol.) na sequência de despacho de arquivamento processual produzido por Ex.ma magistrada do Ministério Público no termo da pertinente fase de inquérito, (documentado pela peça de fls. 886/898v.º – 3.º vol.) –, bem como a da sindicada decisão-instrutória (por transcrição):

§ 1.º

RAI

«[…]
6. A assistente, doravante referida apenas como C..., é uma sociedade gestora de participações sociais que nos últimos dez anos tem vindo a adquirir participações em sociedades na área dos serviços médicos e de saúde,
7. Detendo, actualmente, participações em mais de 30 sociedades do sector de laboratórios de análises, entre outras sociedades.
8. No final do ano de 2006, os denunciados A... e B... eram os únicos sócios das sociedades por quotas:
a. Laboratório de Análises D...., Lda., a qual era dona de um laboratório de análises clínicas sito em Coimbra, e
b. Laboratório de Análises Clínicas N..., Lda., a qual era dona de um laboratório de análises clínicas sito em Oliveira de Azeméis.
c. Laboratório de Análises Clínicas Dra. O..., Lda., a qual era dona de um laboratório de análises clínicas em Lisboa.
9. Pelo que, a ora assistente C..., por intermédio do ora ofendido F..., na qualidade de seu Presidente, contactou os primeiro e segundo denunciados, no sentido de venderem àquela os referidos laboratórios ou de lhe cederem as quotas das sociedades respectivas.
10. Tendo os ora primeiro e segundo denunciados manifestado interesse em iniciar negociações.
11. No que respeita à terceira sociedade supra enunciada, a Laboratório de Análises Clínicas Dra. O..., Lda., foi celebrada escritura pública de cessão total das quotas dos primeiro e segundo denunciados à ora assistente, pelo valor nominal das quotas (€ 50.000,00), não tendo decorrido quaisquer complicações do referido negócio.
12. No que respeita às primeira e segunda sociedades supra referidas – a Laboratório de Análises D..., Lda e a Laboratório de Análises Clínicas N..., Lda. –, foi celebrado, em 16/01/2007, contrato-promessa de cessão de participações sociais das mesmas, entre a assistente ora requerente e os ora primeiro e segundo denunciados (cfr. Documento n.º 1).
13. Nos termos do referido contrato, os primeiro e segundo denunciados prometeram ceder à ora assistente, que prometeu adquirir-lhes, quotas correspondentes a 77,50% do capital social das primeira e segunda sociedades supra referidas – doravante designadas por D...e N..., respectivamente – pelo preço global de € 4.350.000,00 (quatro milhões e trezentos e cinquenta mil euros).
14. Os primeiro e segundo denunciados prometeram ainda transformar as sociedades por quotas D...e N... em sociedades anónimas.
15. Em 24/04/2007, foi celebrado um aditamento ao referido contrato-promessa (cfr. Documento n.º 2 que se dá por integralmente reproduzido).
16. Conforme estipulado na Cláusula Quinta daquele aditamento, foram entregues à ora assistente os livros de actas das sociedades D...e N....
17. Na mesma data, a denunciada B... renunciou à gerência das sociedades D...e N..., tendo, então, sido nomeados gerentes o ofendido L... e M....
18. Tendo, no mesmo dia conforme estipulado na Cláusula Terceira do referido aditamento, e em cumprimento do acordado na Cláusula Vigésima Primeira do contrato-promessa, os primeiro e segundo denunciados outorgado uma procuração irrevogável a favor do ofendido F... (cfr. Documento n.º 3).
19. Através da referida procuração irrevogável, os primeiro e segundo denunciados conferiram a F... os poderes necessários para, em nome e representação dos denunciados, ceder 77,50% das participações sociais que detinham no capital social das sociedades D...e N....
20. Bem como lhe conferiram "(...) os mais amplos poderes para representar os mandantes em qualquer Assembleia-Geral das Sociedades em relação à referida percentagem de setenta e sete vírgula cinco por cento do capital social das mencionadas sociedades, actuando e votando em representação dos mandantes na sua qualidade de sócios ou de accionistas (...)".
21. Tendo ficado estipulado na procuração que a mesma "é conferida também no interesse do mandatário, pelo que não pode ser revogada sem o acordo deste, salvo havendo justa causa reconhecida por sentença judicial com trânsito em julgado".
22. Em 2008, como acordado na Cláusula Décima Nona do contrato-promessa (junto como Documento n.º 1), a sociedade por quotas D...foi transformada em sociedade anónima.
23. A transformação foi acompanhada de um aumento de capital da sociedade D..., acordado em Assembleia-Geral (cfr. acta da Assembleia-Geral e certidão permanente do registo comercial que se juntam como Documentos n.º 4 e 5, respectivamente), no qual participaram:
a. a assistente C... e os queixosos F... e L... como novos sócios com entradas de valor nominal de €100 cada, e
b. os denunciados A... e B..., com entradas de € 21,01, cada um.
24. Assim, o capital social da D...passou a ser de € 465.300,00, representado por 93.060 acções, no valor nominal de € 5,00 cada, repartidos do seguinte modo:
a. A...: uma participação social no valor nominal de € 242.500,00, num total de 48.500 acções;
b. B...: uma participação social no valor nominal de € 222.500,00, num total de 44.500 acções;
c. C...: uma participação social no valor nominal de € 100,00, num total de 20 acções;
d. F...: uma participação social no valor nominal de € 100,00, num total de 20 acções;
e. L...: uma participação social no valor nominal de € 100,00, num total de 20 acções;
25. Deste modo, o capital social da D...passou a estar distribuído pelos três queixosos (a assistente C..., F... e L...), e os primeiro e segundo denunciados ( A... e B...).
26. Sendo que, na mesma Assembleia-Geral, foram designados como Presidente do Conselho de Administração e Presidente da Mesa da Assembleia-Geral para o triénio 2008/2010, L... e F..., respectivamente (cfr. Acta que se juntou como Documento n.º 4 e contrato de sociedade que se junta como Documento n.º 6 e que foi objecto de registo comercial, conforme certidão permanente de registo comercial que se juntou como Documento n.º 5 – Ap. 319 de 2008/12/03).
27. Em 2009 foi efectuada a fusão das sociedades D...e N..., por incorporação desta na primeira, com transferência global do património para aquela, cujo capital social passou a ser de € 565.300,00, representado por 113.060 acções ao portador, no valor de € 5,00 cada (cfr. Documento n.º 5 – Ap. 7 de 2009/05/31 convertida em definitiva pela Ap. 10 de 2009/08/07).
28. Em meados de Outubro, vieram os denunciados propor à ora assistente e demais queixosos a recompra das participações sociais que prometeram vender (correspondentes a 77,50% do capital social) ou, caso esta assim não quisesse, a venda das participações sociais que lhes restavam (correspondentes a 22,50% do capital social da D..., S.A.).
29. Tendo a ora assistente recusado ambas as propostas.
30. Pelo que, em 02/11/2010, foi celebrado o contrato (prometido) de transmissão de participações sociais da D..., S.A., entre os primeiro e segundos denunciados e a assistente ora requerente C... (contrato que se junta como Documento n.º 7).
31. O qual foi regularmente celebrado com recurso à procuração irrevogável passada a F... para esse efeito (cfr. Documento n.º 3) tudo nos termos estipulados no contrato-promessa e respectivo aditamento.
32. Em cumprimento do contrato-promessa supra referido, os primeiro e segundo denunciados cederam à C..., livres de quaisquer ónus, encargos, responsabilidades ou dívidas (cfr. cláusula lado contrato de cessão de participações sociais junto como Documento n.º 7):
a. 45.338 acções da D..., S.A., representando uma participação social no valor nominal de € 226.690,00, de que o A... era titular, pelo preço de € 2.251.991,15;
b. 42.237 acções da D..., S.A., representando uma participação social no valor nominal de € 211.185,00, de que a B... era titular, pelo preço de € 2.098.008,85.
33. Tendo sido dada quitação do preço global de € 4.350.000,00 devido pela transmissão das acções (vd. cláusula 2ª do contrato junto como Documento n.º 7), que foi liquidado do seguinte modo (cfr. a este respeito, cópias dos cheques juntas a fls. 331 a 394):
a. pagamentos efectuados sucessivamente aos denunciados, até à data da assinatura do contrato definitivo, no montante global de € 3.080.000,00;
b. compensação com saldos devedores das contas das sociedades identificadas nos considerandos IV e V, e dívidas dos denunciados pagas pela queixosa C... indicadas no considerando VI, cujo montante global era superior ao valor remanescente do preço da cessão das participações sociais, conforme declarado no considerando VII.
34. Deste modo, a ora requerente C... passou a deter efectivamente 87.595 acções da D..., S.A.2, no valor nominal de € 437.975,00, correspondendo a uma participação de 77,48% no capital social.
35. Continuando os queixosos F... e L... a serem portadores, cada um deles, de 20 acções da D..., S.A., correspondendo a participação de 0,02% no capital social, no valor nominal de € 100,00.
36. Sendo que os ora primeiro e segundo denunciados, A... e B..., passaram a ser detentores de 25.425 acções, correspondentes a 22,50% do capital social da D..., S.A.
37. Por carta datada de 20/12/2010 (e que se junta como Documento n.º 8), dirigida a F..., os denunciados A... e B..., vieram, com base num pretenso incumprimento do contrato-promessa, proceder à "resolução do contrato intitulado contrato-promessa de cessão de participações sociais celebrado entre os ora signatários e a C... em 16 de Janeiro de 2007".
38. Sendo que, esta pretensa e intentada resolução do contrato-promessa foi comunicada a F... após a celebração do contrato prometido, isto é, após se ter consumado a cessão das participações sociais respeitantes a 77,48% do capital social da D...para a C....
39. Bem como após a assistente e demais queixosos terem informado os denunciados da proibição de estes se servirem das contas da sociedade para pagarem, entre outros, as suas Vias Verdes, os colégios dos seus netos, alugueres de automóveis, revistas de golfe, e ainda outras despesas com recurso aos cartões de crédito da D..., S.A.
40. Tudo isto com clara intenção de funcionar como represália face à recusa das propostas de recompra das participações vendidas, bem como de venda dos 22,5% que detinha,
41. Na mesma carta, os denunciados A... e B... solicitaram a F... que procedesse à convocação de uma Assembleia-Geral de accionistas da D..., S.A., tendo como ordem de trabalhos, designadamente, a destituição do Conselho de Administração e demais órgãos sociais e eleição de novos órgãos sociais.
42. Para a realização da referida reunião, avançaram os primeiro e segundo denunciados a data de 3/01/2011.
43. Tendo o queixoso F..., por carta remetida em 28/12/2010, procedido à convocação da Assembleia-Geral para o dia 15/02/2011 – assim respeitando os requisitos constantes do art. 377.º do Código das Sociedades Comerciais (doravante CSC), bem como os requisitos de publicidade legalmente exigidos (cfr. carta que se junta como Documento n.º 9).
44. Sucede que, no dia 23/12/2010, os denunciados A... e B..., deslocaram-se ao Cartório Notarial de Arganil com vista à revogação da procuração (irrevogável) por eles outorgada a favor de F....
45. Apesar de bem saberem – porquanto consta do texto da mesma – que a procuração fora conferida também no interesse de F...,
46. Pelo que não poderia ser revogada sem o acordo deste, salvo havendo justa causa reconhecida por sentença judicial com trânsito em julgado.
II. Da factualidade penalmente relevante.
a) Da falsa Assembleia-Geral de 03/01/2011 e conduta posterior
47. Não obstante o termo do mandato dos órgãos sociais da D...estar previsto para 31/12/2010, os membros do conselho de administração supra identificados no art. 26º mantiveram-se em funções depois dessa data, segundo o preceituado no art, 391º, n.º 4, do CSC, uma vez que não foram destituídos, nem renunciaram ao cargo.
48. Devendo a eleição do conselho de administração para o triénio 2011-2013 ocorrer na Assembleia-Geral regularmente agendada para o dia 15/02/2011 e notificada aos primeiro e segundo denunciados.
49. Sucede que, através da consulta online da certidão do registo comercial da D..., S.A., os queixosos verificaram que tinham sido designados novos membros para os órgãos sociais, por alegada "deliberação" ocorrida numa suposta "Assembleia-Geral" de 03/01/2011 e que fora lavrada em acta.
50. Sendo que, na acta da referida "Assembleia-Geral", a que (inexplicavelmente) foi atribuído o número 1 (constante de fls. 124 a 127), os ora denunciados fizeram constar que estiveram presentes na mesma "os accionistas Sr. A... e B..., respectivamente titulares de 52,15% e de 47,85% do capital social" […], cuja soma perfaria 100% do capital.
51. Mais tendo sido declarado pelos denunciados que «Sendo os dois accionistas os únicos accionistas da sociedade, (...), deliberam os dois accionistas presentes, por unanimidade, constituir em assembleia universal, nos termos do art. 54º do Código das Sociedades Comerciais» […].
52. A acta em causa foi assinada pelos denunciados A... e B..., que aprovaram, "por unanimidade", a eleição de novo conselho de administração e nova mesa da Assembleia-Geral da D...para o triénio 2011-2013 (vd. pontos 2 e 3 da ordem de trabalhos).
53. Tendo o denunciado A... logrado efectuar o registo comercial da designação dos novos órgãos sociais, com base naquela "Acta n.º 1", o que viria a ser efectuado pela Conservatória do Registo Comercial de Arganil, através da Ap. 1 de 2011/01/05 (cfr. Documento n.º 5 e 5-A).
54. Motivo pelo qual, em 17/01/2011, os queixosos deram entrada de um requerimento de processo de rectificação com vista ao cancelamento do registo de 05/01/2011, relativo à "Assembleia-Geral" de 03/01/2011.
55. Tendo tal requerimento vindo a ser objecto de despacho de indeferimento, datado de 01/06/2011, por parte da Conservadora do Registo Civil e Predial de Arganil, P..., a qual fora igualmente responsável pelo registo impugnado.
56. Sendo certo que a mesma Conservadora reconheceu, aquando da sua inquirição, que, no que respeita ao registo de 05/01/2011, o "efectuou de boa fé, com base na documentação que lhe foi presente, sendo facto que, a acta n.º 1, que assumiu como 'avulsa', não seria suficiente e, sabendo a sua qualidade, não aceitaria" […] – cfr. Auto de Inquirição de P... que se junta como Documento n.º 10.
[…]
59. Com efeito, os ora denunciados forjaram uma acta, que lograram registar, na qual fizeram constar uma "deliberação" ilegal tomada numa suposta "Assembleia-Geral", organizada à revelia dos accionistas detentores de mais de três quartos do capital social, bem como do próprio presidente da mesa.
60. Tudo isto, apesar de terem sido regularmente notificados para a verdadeira Assembleia-Geral que iria ocorrer no dia 15/02/2011 e cuja marcação foi solicitada ao presidente da mesa pelos próprios denunciados.
61. Com a referida conduta, os denunciados criaram uma acta de uma suposta "Assembleia-Geral" datada de 03/01/2011, na qual fizeram constar informações que bem sabiam ser falsas, com o claro intuito de causar prejuízo aos queixosos, despojando-os dos cargos de administração da sociedade de que eram detentores, bem como de obterem para si benefício ilegítimo, como seja o acesso a cargos para os quais não tinham legitimidade e os poderes inerentes (designadamente, o acesso incontrolado às contas e finanças da sociedade).
62. Entre as informações falsas plasmadas na acta, destaca-se a referência à titularidade da totalidade das acções da D..., S.A. por parte "[d]os accionistas Sr. A... e B..., respectivamente titulares de 52,15% e de 47,85% do capital social".
63. O que bem sabiam ser falso, uma vez que a assistente é detentora de 77,48% do capital social da D..., S.A.
64. Conhecimento esse que facilmente se comprova pelo facto de, na carta dirigida a F... (junta como Documento n.º 8), os denunciados terem incluído o seguinte parágrafo: "Consideraremos a falta de qualquer dos accionistas ligados à C... da exclusiva responsabilidade desta" […].
65. Com a agravante que os denunciados conseguiram aproveitar-se da boa fé da Conservadora do Registo Comercial e Predial de Arganil de forma a conseguirem registar a deliberação tomada ilegalmente e à revelia dos sócios detentores de mais de três quartos do capital social.
66. O que apenas conseguiram em virtude de se terem arrogado a qualidade, que bem sabiam ser falsa, de únicos sócios da sociedade D..., S.A.
67. Tendo a conduta dos denunciados tido como claro e inequívoco objectivo a tomada (ilícita) formal e material do controlo da sociedade, em detrimento dos verdadeiros accionistas maioritários da sociedade.
68. Motivo pelo qual nomearam a denunciada B... como presidente do conselho de administração, juntamente com pessoas da sua confiança pessoal para vogais desse órgão,
69. Como sejam o seu genro G...como vogal do conselho de administração.
70. Ou H... como TOC, cujas filha e genro, a Sra. I...e seu marido J..., como vogais do conselho de administração.
71. Assim usurpando os cargos para cujo exercício sabiam não ter legitimidade e logrando ganhar acesso exclusivo às contas bancárias da sociedade e respectiva contabilidade, imiscuindo-se, deste modo, de qualquer dever de prestação de contas aos verdadeiros accionistas maioritários, designadamente à ora requerente.
72. Daqui se extrai que os denunciados A... e B... actuaram com dolo directo de burlar a assistente ora requerente – e restantes queixosos –, tendo-a levado a fazer uma disposição patrimonial de valor consideravelmente elevado a título de contraprestação pela aquisição das participações sociais da sociedade D..., S.A., para, posteriormente, se locupletarem com o montante pago, anulando o negócio e organizando uma assembleia secreta na qual usurparam o controlo da referida sociedade e despojaram a assistente dos seus legítimos direitos decorrentes do seu estatuto de sócia maioritária.
73. Bem como agiram com o dolo necessário no que respeita à falsificação da acta, tendo aposto na mesma informação que sabiam ser falsa, com vista ao seu posterior registo e subsequente utilização na consumação do seu intuito criminoso final, a tomada de controlo da sociedade D..., S.A..
[…]
85. Como resultado de toda a conduta descrita, os denunciados A... e B... locupletaram-se com o valor pago pela C... e restantes queixosos pela transmissão das participações sociais da D..., S.A.,
86. Tendo aguardado pela celebração do negócio prometido para, posteriormente, procederem à resolução do contrato-promessa, assim ficando com as participações sociais que detinham antes do negócio, bem como com o valor pago.
87. Assim levando a ora assistente a proceder ao pagamento de uma participação social que nunca lhe pretenderam ceder.
88. Procedendo ainda à marcação de uma Assembleia-Geral secreta na qual despojaram os legítimos detentores dos cargos da administração da D..., S.A., das suas funções e se auto-nomearam para os mesmos cargos.
89. Logrando, por meios astuciosos e ardilosos, registar a deliberação ilegalmente realizada, na esperança de assim cristalizarem a falsidade plasmada naquela acta.
90. Sendo que toda esta conduta resultou num prejuízo patrimonial consideravelmente elevado para a assistente, uma vez que ficou sem o valor efectivamente pago e sem a administração efectiva da sociedade D..., S.A..
91. Tendo, em contrapartida, tal conduta resultado num benefício ilegítimo para os denunciados A... e B..., uma vez que beneficiaram do pagamento efectuado pela assistente, sem terem fornecido a contraprestação a que estavam obrigados e mantendo a titularidade da administração da sociedade.
[…]
b) Da Assembleia-Geral de 15/02/2011
95. Nos termos da convocatória regularmente efectuada pelo presidente da mesa F... a pedido dos denunciados A... e B... (junta como Documento n.º 9), a Assembleia-Geral da sociedade D..., S.A. encontrava-se agendada para as 11 horas do dia 15/02/2011, na sua sede.
96. Nessa data, e um pouco antes da hora, os denunciados A... e B... compareceram na sala onde iria decorrer a Assembleia-Geral.
97. Igualmente, um pouco antes das 11 horas, os queixosos F... e L... compareceram na mesma sala acompanhados de dois advogados, onde encontraram os denunciados A... e B....
98. Contudo, alguns minutos antes do início dos trabalhos, os denunciados A... e B... abandonaram as instalações da D...S.A., aí deixando os queixosos F... e L....
99. Tendo aguardado no exterior do edifício que os queixosos terminassem aquela reunião para, posteriormente, se introduzirem nas instalações da D..., SA., e organizarem eles próprios uma outra assembleia.
[...]
101. Pouco tempo depois, novamente nas instalações da D..., S.A., o denunciado A... tomou a presidência e deu início a uma nova assembleia com a presença de B..., onde deliberaram, designadamente, renovar a deliberação de 3 de Janeiro de 2011 – conforme cópia da acta que se junta como Documento n.º 15.
102. Tendo esta assembleia como objectivo o de causar a inutilidade da providência cautelar de suspensão da "deliberação social" de 03/01/2011 entretanto requerida e registada pelos accionistas C..., F... e L... – que correu seus termos no 4.º Juízo Cível de Coimbra sob o número de processo 111/2011.
103. Portanto, com a renovação da deliberação social de 03/01/2011, os denunciados pretenderam defraudar os efeitos de qualquer decisão judicial que viesse a declarar a nulidade da deliberação transcrita na acta por si forjada.
104. Na acta elaborada nesta reunião de 15/02/2011, os denunciados não só repristinaram os efeitos da deliberação que bem sabiam ser ilegal, como reafirmaram serem "os accionistas Sr. A... e B..., respectivamente titulares de acções representativas de 52,15% e de 47,85% do capital social" […].
105. O que, novamente, bem sabiam ser falso.
106. Não tendo o conhecimento da falsidade daquela declaração evitado que os denunciados a transcrevessem para a acta.
107. Simultaneamente, na sala que os denunciados abandonaram, os queixosos F... e L... deram inicio à verdadeira Assembleia-Geral, no cumprimento da convocatória enviada a todos os accionistas (que se juntou como Documento n.º 9), tendo a acta sido lavrada pela notária Sónia Marisa Ramos Pereira que se encontrava presente – cfr. certidão da acta que se junta como Documento n.º 14.
108. Tendo participado nesta Assembleia-Geral os queixosos F... em sua representação e da C... e L..., encontrando-se representado 77,50% do capital social.
109. Nesta Assembleia-Geral designaram-se os novos órgãos sociais para o triénio 2011-2013, o que se registou, tendo F... sido designado Presidente do Conselho de Administração – cfr. Certidão Permanente junta como Documento n.º 5.
110. Tendo igualmente sido deliberado que todas as deliberações tomadas na assembleia de 03/01/2011 são nulas.
111. O que significa que, no dia 15/02/2011, foram realizadas duas "assembleias" de accionistas da D..., S.A., ambas na sede social desta e com accionistas diferentes que alegavam a qualidade e legitimidade para a sua realização.
112. Ora, na sequência da deliberação tomada na Assembleia-Geral presidida por F..., veio a denunciada B... instaurar procedimento cautelar para suspensão de deliberação social, na qual peticionou que fosse decretada a suspensão das deliberações que elegeram novos órgãos sociais, incluindo o Conselho de administração, tomadas a 15/02/2011.
113. Tendo, no entanto, o referido procedimento cautelar sido julgado improcedente, numa decisão que, adiante-se, em tudo corrobora a factualidade aqui invocada – cfr. acórdão[2] relativo ao Processo N.º 383/11.7TBCR que correu termos na 1ª Secção da Vara de Competência Mista de Coimbra e que ora se junta como Documento n.º 15.
114. Destacam-se do texto da referida decisão, os seguintes excertos:
"Compulsados os documentos juntos aos autos e a factualidade dada como não provada claramente se extrai, que através da procuração entregue, os sócios A... e B... conferiram ao mandatário a possibilidade de realizar o negócio, não se provando que esta tinha apenas uma junção de garantia, aliás contraditória com o teor da revogação da procuração […]
Significa o que fica exposto, que a revogação da procuração em causa não tem a virtualidade de produzir qualquer efeito, designadamente o efeito pretendido pela requerente, pelo que tendo sido celebrado o contrato de cessão de parte (as previstas no contrato-promessa) das participações sociais que eram detidas pelo A... e B... e não se vislumbrando que nesta sede e face ao provado possa ser assacada a invalidade de tal contrato de cessão, sendo certo que a desta padecer haveria que ser reconhecida judicialmente, não podendo a requerente e o accionista A... partir da respectiva invocação para se auto-intitularem titulares da totalidade do capital social da requerida (aliás, veja-se que também a arguida simulação da subscrição de acções – aquando da transformação da sociedade em sociedade anónima – por parte do L..., do F... e da C..., não resulta provada, o que significa que estes são também accionistas da sociedade) teria que ser declarada Judicialmente, o que significa que nunca os accionistas A... e B... poderiam cooptar para si a totalidade do capital social.
[...]
Pelo exposto, entendemos não existirem factos que nesta sede possam ser atendidos para considerar inválida a celebração do contrato de cessão de participações sociais e assim colocar em causa a sua titularidade pelos accionistas presentes na assembleia realizada no dia 15.02.2011, colocada em causa no presente procedimento cautelar." […]
115. Sucede que, desde 15/02/2011, data das "assembleias", os denunciados A... e B... continuam a impedir o acesso às instalações da D..., S.A.
116. Apesar de bem saberem que a ora assistente e os restantes queixosos são os seus legítimos administradores.
117. Assim, desde 05/01/2011 até aos dias de hoje, os denunciados A... e B... têm vindo a ocupar as salas destinadas à administração na sede da D..., S.A., as quais são lugares vedados ao público.
118. Bem como têm aberto, sem legitimidade ou autorização de qualquer espécie, a correspondência enviada à sociedade pelos diversos fornecedores, instituições bancárias e clientes.
119. Apesar de saberem que, na sua qualidade de sócios minoritários não detentores de qualquer cargo social, não detêm a legitimidade necessária à prática desses actos.
120. Além de que, antecipando a improcedência do procedimento cautelar por si instaurado, vieram os denunciados, no dia 17/05/2011, realizar nova "assembleia geral" na sede da D..., S.A..
121. A qual foi organizada com vista à anulação das deliberações tomadas na assembleia de 15/02/2011, regularmente convocada e presidida por F....
122. Tendo sido deliberado em 17/07/2011 – em acta assinada pelo denunciado A... enquanto (pretenso) presidente da mesa da Assembleia-Geral e o terceiro denunciado J... enquanto (pretenso) secretário da mesa da assembleia – o seguinte:
a. Revogar as deliberações tomadas na assembleia de 15/02/2011 e que fora presidida por F...;
b. Destituir os órgãos sociais eleitos naquela Assembleia-Geral e eleger, em substituição, para o triénio 2011-2013, um novo Conselho de Administração, presidido pela B..., sendo vogais G... e E....
123. Na acta em causa, os denunciados fizeram constar, novamente, a seguinte informação: compareceram apenas «os accionistas Sr. A... e B..., os quais exibiram, respectivamente, títulos representativos de 58.200 acções, correspondentes a um capital de 292.600700 euros, e de 54.540 acções, correspondentes a um capital de 272.700700 euros, perfazendo respectivamente 52,15% e de 47,85% do capital social» […], cuja soma seria 100% do capital social da D....
124. O que fizeram bem sabendo que é completamente falso que detenham, em conjunto, a totalidade do capital social da D..., S.A..
125. Não tendo a consciência daquela falsidade coibido os ora denunciados de fazerem constar tais efabulações em documento com relevância jurídica, bem sabendo que era proibido e punido por lei, como crime, o seu comportamento.
126. O que fizeram com intenção de despojar os queixosos dos seus cargos legítimos, nos quais foram investidos em Assembleia-Geral regularmente convocada, após votação efectuada por si enquanto sócios detentores de mais de três quartos do capital social da D..., S.A..
127. Na verdade, os três queixosos são portadores de acções representativas de mais de três quartos do capital social da D..., S.A., como resulta provado pelos docs. 6 a 8 e 10 juntos à primeira queixa-crime, tendo o A... e a B... conhecimento desse facto.
128. Além de que, tratando-se de acções ao portador, nunca poderiam os denunciados ter alegado, como alegaram e fizeram constar da acta da "assembleia" de 17/07/2011, que "exibiram, respectivamente, títulos representativos de 58.200 acções, correspondentes a um capital de 292.600,00 euros, e de 54.540 acções, correspondentes a um capital de 272.700,00 euros, perfazendo respectivamente 52,15% e de 47,85% do capital social".
129. Pelo que, aquela alegação nos obriga a tirar uma de duas conclusões:
a. o A... e a B... fabricaram falsos títulos representativos de acções da D..., S.A., que depois exibiram na "assembleia geral" de 17/05/2011;
ou
b. o A... e o J... fizeram constar da acta da "assembleia geral" de 17/05/2011 que foram exibidos títulos representativos da totalidade das acções da D..., S.A., quando tal não sucedeu.
130. Sendo igualmente inquestionável que:
a. os denunciados sabiam serem falsos os documentos supostamente representativos da totalidade das acções da D...exibidos na dita "assembleia geral";
e/ou
b. o A... e o J... sabiam da falsidade do "facto" juridicamente relevante que fizeram constar da "Acta n.º 3", relativo à exibição de títulos representativos da totalidade das acções.
Do Direito
I. Do crime de falsificação de documentos.
131. Entendeu a Digníssima Magistrada do Ministério Público que, das condutas supra descritas, não se extrai a factualidade suficiente para o preenchimento do tipo legal do crime de falsificação de documentos, p. e p. no art. 256.º, n.º 1, alíneas d) e e).
a) Da inexistência de questões prejudiciais que obstem à prolação de despacho de pronúncia.
132. O despacho de arquivamento começa por fundamentar a não prolação de despacho de acusação em virtude de que "[n]a verdade, haverá que apreciar em sede cível, por um lado, a validade dos contratos celebrados, e, pelo outro, o respectivo incumprimento e alegada perda de eficácia destes, face à sua invocada resolução e revogação, pois a assumpção por parte dos arguidos A... e B... parece assentar uma série de argumentos aparentemente válidos embora se nos afigure inválido o documento que fundamentou o reassumir da gestão por parte desses arguidos." […]
133. Sucede que, salvo melhor entendimento, inexiste qualquer questão prévia e prejudicial à prolação de despacho de acusação (ou, agora, de pronúncia), porquanto, para tal ocorrer, sempre seria necessária a existência de duas (ou mais) posições antagónicas juridicamente válidas, o que, efectivamente, não se verifica.
134. Não podendo o mero levantamento de objecções de natureza civil sem qualquer suporte jurídico ou até lógico ser suficiente para fundamentar a alegação da existência de uma questão prejudicial a ser decidida pelos tribunais cíveis, até porque a decisão dos tribunais apenas poderá ser uma: a saber, a plasmada decisão já proferida nesta matéria que se juntou como Documento n.º 14.
Senão vejamos,
135. No que respeita à validade do contrato-promessa e respectivo aditamento, decorre da ordem cronológica dos factos que a tentativa de resolução do mesmo não tem qualquer cabimento.
136. A verdade é que o contrato prometido foi celebrado no dia 2 de Novembro de 2010, tendo a suposta resolução do contrato-promessa ocorrido passado mais de um mês e meio, no dia 20 de Dezembro de 2010.
137. Ainda para mais, a suposta resolução do contrato-promessa baseou-se numa pretensa, mas inexistente, falta de pagamento de uma das tranches acordadas para a transmissão as participações sociais.
138. O que, ainda que se tivesse verificado, não seria susceptível de configurar uma situação de incumprimento definitivo apta a fundamentar a resolução do contrato-promessa, mas seria apenas uma situação de mora, cuja conversão para incumprimento definitivo estaria dependente de uma interpelação admonitória nunca ocorrida, na qual fosse fixado prazo peremptório razoável para cumprimento da obrigação.
139. O mesmo foi sustentado no acórdão oportunamente junto como Documento n.º 14, designadamente no seguinte excerto:
"Por outro lado, a existir algum incumprimento este assentaria na mora e não no incumprimento definitivo, já que não resulta dos autos que os accionistas e contraentes A... e B... tivessem efectuado qualquer interpelação admonitória para o efeito. Não pode também deixar de se salientar a circunstância de que ao que tudo indica dos factos sumariamente provados o negócio de cessão ocorre antes da comunicação de resolução do contrato pelos cedentes." […]
140. De igual modo, também a pretensa, e ilegítima, revogação da procuração irrevogável, outorgada a favor de F... não abre espaço a qualquer conjectura jurídica susceptível de carecer de apreciação prévia e prejudicial à matéria criminal.
141. Em primeiro lugar porque nos termos do texto da própria procuração, a mesma "é conferida também no interesse do mandatário, pelo que não pode ser revogada sem o acordo deste, salvo havendo justa causa reconhecida por sentença judicial com trânsito em julgado" – cfr. procuração irrevogável junta como Documento n.º 3.
142. Não tendo havido acordo do queixoso F... nem sentença judicial com trânsito em julgado apta a permitir a revogação da referida procuração.
143. Sendo que, ainda que tivesse havido acordo ou sentença judicial com trânsito em julgado aptas a permitir a revogação da procuração, a mesma apenas produziria efeito a partir do momento em que pudesse ser do conhecimento do procurador (cfr. art. 265.º, n.º 2, do CC).
144. O que significa que, ainda que tivesse ocorrido uma revogação válida da procuração, a mesma apenas produziria efeitos a partir da data da recepção da sua comunicação, a qual se deu no dia 31/12/2010.
145. Sendo que o contrato prometido fora celebrado no dia 2 de Novembro de 2010, pelo que nunca aquela revogação seria suficiente para inquinar os efeitos jurídicos produzidos com base na procuração que, à data da celebração do contrato, se encontrava inequivocamente em vigor – e esta é questão incontroversa.
146. A este respeito, atente-se no seguinte excerto da motivação do acórdão junto como Documento n.º 14:
"Constata-se, por outro lado, que tal contrato foi celebrado antes de ser comunicada ao procurador/mandatário a revogação da citada procuração, e mesmo antes de esta revogação ser realizada, a qual, sem curar aqui da necessidade de justa causa para o efeito, atento o facto de a procuração também ter sido conferida no interesse do mandatário, apenas produziria os seus efeitos depois de ser devidamente comunicada ao mandatário/procurador, o que, conforme resulta da factualidade provada apenas foi efectuado por carta de 31.12.2010, e portanto muito depois do negócio ter sido celebrado e, diga-se também, depois de tal celebração ter sido comunicada aos mandantes, tudo conforme se extrai dos factos 56 A 61.
Significa o que fica exposto, que a revogação da procuração em causa não tem a virtualidade de produzir qualquer efeito, designadamente o efeito pretendido pela requerente, pelo que tendo sido celebrado o contrato de cessão de parte (as previstas no contrato-promessa) das participações sociais que eram detidas pelo A... e B... e não se vislumbrando que nesta sede e face ao provado possa ser assacada a invalidade de tal contrato de cessão, sendo certo que a desta padecer haveria que ser reconhecida judicialmente, não podendo a requerente e o accionista A... partir da respectiva invocação para se auto-intitularem titulares da totalidade do capital social da requerida (aliás, veja-se que também a arguida simulação da subscrição de acções – aquando da transformação da sociedade em sociedade anónima – por parte do L..., do F... e da C... não resulta provada, o que significa que estes são também accionistas da sociedade) teria que ser declarada Judicialmente, o que significa que nunca os accionistas A... e B... poderiam cooptar para si a totalidade do capital social" […]
147. Resta, pois, concluir que:
a. Ainda que se tivesse verificado, e tal não ocorreu, uma situação de mora no pagamento da contraprestação pecuniária devida pela aquisição das acções, a mesma apenas poderia ser convertida em incumprimento definitivo se tivesse havido interpelação admonitória, que também não houve.
b. Pelo que, não poderia ter sido resolvido o contrato-promessa, uma vez que a resolução presume o incumprimento definitivo. Sendo que:
i. Ainda que tivesse havido incumprimento definitivo, a revogação do contrato-promessa não poderia produzir os efeitos pretendidos porquanto ocorreu após a celebração do contrato prometido.
c. A procuração apenas poderia ter sido revogada com o consentimento de F... ou com base em justa causa reconhecida por sentença judicial transitada em julgado, não se tendo verificado nenhuma destas hipóteses.
i. Ainda que a procuração tivesse sido regularmente revogada, tal revogação apenas produziria efeitos a partir do momento da sua recepção pelo procurador, a qual apenas viria a acontecer em momento posterior à sua utilização para a celebração do contrato para o qual a mesma foi outorgada.
148. Cumpre ainda referir que qualquer decisão tomada em sede civil nesta matéria será sempre insuficiente, uma vez que os denunciados, em manifesto desrespeito pela própria Justiça, constantemente renovam as deliberações impugnadas judicialmente em "Assembleias-Gerais" organizadas para o efeito com vista a provocar a inutilidade de quaisquer decisões judiciais que venham a ser proferidas para o efeito.
149. Daí que tenham sido organizadas as "Assembleias-Gerais" de 15/02/2011 e de 17/05/2011, nas quais se repristinaram as deliberações tomadas na "Assembleia" de 3/01/2011.
b) Do preenchimento do tipo legal
150. Entendeu a Digníssima Magistrada do Ministério Público que, no caso em apreço, não se encontraria "suficientemente indiciado que os arguidos tenham actuado com a intenção de obter um benefício ilegítimo, como também não se pode dar por certo que desse facto tenha resultado um prejuízo para os queixosos."
151. Na fundamentação do arquivamento, encontra-se mesmo a referência a que "os actos imputados aos arguidos podem ter visado não a obtenção de um benefício ilegítimo para eles ou para outrem mas sim o reassumir da gerência da sociedade em causa com vista à prossecução do seu objecto social sem que daí se tenha em mente alcançar vantagens patrimoniais. E, nessa hipótese, não se descortina qual o prejuízo daí decorrente para os queixosos, pois se tiver sido esse o objectivo a alcançar não será por força da participada falsificação que os queixosos ficarão monetariamente lesados." […]
152. Ora, da leitura da fundamentação aduzida podemos começar por suscitar duas objecções do ponto de vista jurídico-penal.
153. A primeira prende-se com o facto de se verificar uma alternância de critérios do ponto de vista da apreciação dos factos que começa por abordar a intenção danosa ou a intenção de obter um benefício ilegítimo enquanto elemento determinante para a verificação do crime de falsificação de documento e acaba por excluir a aplicabilidade do normativo em causa em virtude da invocada ausência de efectivos dano ou benefício ilegítimo.
154. Isto é, não obstante a abordagem jurídica começar, a nosso ver correctamente, com a referência à existência de um tipo de dolo específico para a consumação do crime de falsificação de documento – o que é consentâneo com a categoria dogmática de crime de resultado cortado em que se insere o ilícito em apreço –, a verdade é que no plano da subsunção dos factos ao direito, o raciocínio expendido aparenta abster-se de qualificar a conduta como crime em virtude da falta de resultado que consumisse, ou melhor mesmo, exaurisse aquela intenção.
155. Daí a referência, no corpo do despacho de arquivamento, a que "não se pode dar por certo que desse facto tenha resultado um prejuízo para os queixosos" e ainda que "não se descortina qual o prejuízo daí decorrente para os queixosos, pois se tiver sido esse o objectivo a alcançar não será por força da participada falsificação que os queixosos ficarão monetariamente lesados."
156. Em segundo lugar, o raciocínio expendido centra-se na análise da "intenção danosa" e do "benefício ilegítimo" referidos no n.º 1 do art. 256.º do CP, enquanto meras vantagens patrimoniais, abstendo-se de se pronunciar quanto à eventual intenção de obtenção de vantagens não patrimoniais, como, aliás, se extrai da leitura do parágrafo transcrito no ponto anterior (apesar de, a título genérico e abstracto se referir, no final, a susceptibilidade de a intenção de obter vantagens não patrimoniais ter relevância, sem, contudo, mais uma vez mal, se relacionar esta consideração com o caso).
157. Analisando: dispõe o art. 256.º do Código Penal o seguinte:
1 – Quem, com intenção de causar prejuízo a outra pessoa ou ao Estado, de obter para si ou para outra pessoa benefício ilegítimo, ou de preparar, facilitar, executar ou encobrir outro crime:
[...]
d) Fizer constar falsamente de documento ou de qualquer dos seus componentes facto juridicamente relevante;
[...]
É punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa.
[...]
3 – Se os factos referidos no n.º 1 disserem respeito a documento autêntico ou com igual força, a testamento cerrado, a vale do correio, a letra de câmbio, a cheque ou a outro documento comercial transmissível por endosso, ou a qualquer outro título de crédito não compreendido no artigo 267.º, o agente é punido com pena de prisão de seis meses a cinco anos ou com pena de multa de 60 a 600 dias. [...]"
158. Como se teve ocasião de enunciar na exposição dos factos, os denunciados A... e B... organizaram uma "Assembleia-Geral", no dia 3/01/2011, à revelia dos sócios detentores de 77,50% do capital social da D..., S.A., finda a qual lavraram uma acta na qual fizeram constar falsamente que seriam os únicos dois accionistas daquela sociedade, sendo respectivamente titulares de 52,15% e de 47,85%.
159. No mesmo documento fizeram falsamente constar ainda que fora aprovada, por unanimidade, a eleição de novo conselho de administração e nova mesa da Assembleia-Geral da D..., S.A. para o triénio 2011-2013, tendo vindo a registar a referida acta.
160. Entendeu o Ministério Público que a conduta em causa não é susceptível de preencher o tipo legal do crime de falsificação de documento, rectius, de falsificação intelectual ou ideológica em documento.
Permitimo-nos discordar:
161. Começando pela análise do tipo objectivo do ilícito, haverá que aferir se as informações falsas que os denunciados A... e B... fizeram constar da acta consubstanciam "facto juridicamente relevante" para efeito de preenchimento da al. d) do n.º 1 do art. 256.º do CP.
162. Ora, como vem sustentando o Tribunal da Relação de Coimbra, designadamente no acórdão[3] (por mera coincidência) de 20/12/2011, Processo n.º 40/08.1TAPNH.C17, "a relevância jurídica existe sempre que o facto inscrito no documento produza uma alteração no mundo do Direito, isto é, que abra ensejo à obtenção de um benefício." […]
163. O facto juridicamente relevante será, nas palavras de Figueiredo Dias – ou, mais precisamente, de von Liszt – "um facto que por si só ou ligado a outros dá origem a relações jurídicas, as extingue ou altera".
164. Ora, a elaboração e subsequente registo de uma acta na qual se faz constar a existência de uma repartição de quotas diferente da real, assim se excluindo por completo a referência àqueles que são os verdadeiros accionistas maioritários, bem como a nomeação de novos dirigentes para os órgãos sociais, é facto apto a produzir modificações no mundo direito.
165. Com a agravante de que o registo daquela factualidade falsa faz com que a mesma beneficie do efeito presuntivo da existência da situação jurídica invocada, nos termos do art. 11.º do Código de Registo Comercial.
166. O que implica que a assistente e restantes queixosos, apesar de verdadeiros sócios maioritários da D..., S.A., tenham de fazer prova de tal facto com vista a afastar aquela presunção.
167. Pelo que não pode deixar de ter-se por verificado o preenchimento do tipo objectivo do crime, uma vez que as informações falsas apostas na acta consubstanciam "facto juridicamente relevante", nos termos da al. d) do n.º 1 do art. 264.º do CP.
168. Posição que, aliás, parece ser sufragada no despacho de arquivamento, designadamente no seguinte excerto: "Ainda que se nos afigure que, in casu, não se encontrem reunidos os pressupostos da prática de ilícitos criminais, abstractamente, a elaboração e utilização do supra referido documento pode fazer incorrer os participados, para além do mais, na prática do crime de falsificação, p. e p. pelo art. 256.º, n.ºs 1 e 3 do Cód. Penal".
169. No que respeita ao preenchimento do tipo subjectivo, haverá que aferir se, com a falsificação ideológica do documento, os denunciados tiveram intenção de causar prejuízo (patrimonial ou não patrimonial) a outra pessoa ou ao Estado, de obter para si ou para outra pessoa benefício (patrimonial ou não patrimonial) ilegítimo, ou de preparar, facilitar, executar ou encobrir outro crime.
170. E aqui reside o principal motivo de discordância com o despacho de arquivamento, uma vez que, no entendimento da Digníssima Magistrada do Ministério Público, a possibilidade de os visados terem tido como objectivo, com a falsificação do documento, o de reassumir a gerência da sociedade (ainda que tomando ilegitimamente o poder) e prosseguir o seu objecto social (ainda que com abusiva exclusão da requerente) é susceptível de afastar a qualificação criminosa da sua atitude.
171. Tal parece querer significar que, se os sócios minoritários de uma empresa entenderem que os sócios maioritários estão a fazer uma gestão incorrecta da mesma e decidirem reagir, falsificando uma acta na qual se auto-intitulam de únicos sócios dessa mesma empresa e nomeando pessoas da sua confiança para a direcção dos órgãos sociais, então não haverá verdadeiro prejuízo para os sócios maioritários e anteriores directores dos órgãos sociais, porquanto a finalidade prosseguida é consentânea com o objecto social da empresa, o que não os lesiona monetariamente.
172. Ora isto é o absurdo total!
173. Tal é, efectivamente, o que se extrai do seguinte excerto do despacho de arquivamento:
"os actos imputados aos arguidos podem ter visado não a obtenção de um benefício ilegítimo para eles ou para outrem mas sim o reassumir da gerência da sociedade em causa com vista à prossecução do seu objecto social sem que daí se tenha em mente alcançar vantagens patrimoniais. E, nessa hipótese, não se descortina qual o prejuízo daí decorrente para os queixosos, pois se tiver sido esse o objectivo a alcançar não será por força da participada falsificação que os queixosos ficarão monetariamente lesados." […]
174. Naturalmente, a assistente e restantes queixosos não podem deixar de discordar com semelhante solução injusta e claramente violadora da lei, mais a mais quando dubitativamente se diz se tiver sido.
175. Nem se compreende como será essa "tese" coadunável com o facto de os denunciados terem tentado, primeiro, vender a sociedade à ora assistente, pois que, se o seu objectivo era a prossecução do objecto social, motivado por um qualquer desejo altruísta de prover ao sustento dos seus trabalhadores, então não faria sentido que se tivessem tentado "desfazer" das acções que lhes restavam.
176. Nem será coadunável com o facto de os assistentes apenas terem reassumido o controlo da sociedade após terem sido proibidos de se servirem das contas da mesma em seu próprio proveito ou com o facto de terem mantido essa conduta após a "manobra" sub judice.
177. Com efeito, ao falsificarem e registarem a acta – rectius, as actas –, os denunciados tiveram como claro e inequívoco objectivo o de assumir o controlo formal e material de uma empresa da qual eram detentores de somente 22,5% do capital social, o que consubstancia, inequivocamente, a obtenção de um benefício ilegítimo.
178. Com a conduta descrita, os denunciados pretenderam usurpar acções correspondentes a 77,50% de uma sociedade comercial, apesar de bem saberem que tal participação não lhes pertencia, alegadamente por acharem (ou tentarem transmitir para mera justificação da sua conduta e em manifesto acto de defesa) que conseguiam fazer um trabalho melhor na sua gestão!
179. Pretenderam ainda tomar o controlo do conselho de administração e da mesa da Assembleia-Geral, assim obtendo acesso irrestrito e não fiscalizado às contas da sociedade e tendo "carta branca" para aprovar quaisquer deliberações que lhes aprouvesse.
180. Ora isto não é, claramente, uma vantagem, até com contornos patrimoniais, ainda que indirectos?
181. E que dizer dos gastos sucessivos de meios da sociedade com o intuito de fazer face a despesas pessoais e familiares que nada têm que ver com o objecto da sociedade e a actividade empresarial – facto que a junção da documentação contabilística da sociedade inevitavelmente revelará?
182. Tudo isto com prejuízo da sociedade, dos seus accionistas, dos seus fornecedores e credores e do próprio Estado.
183. Afigura-se, inclusivamente, como de diminuta relevância que os objectivos prosseguidos sejam egoístas ou altruístas (embora se saiba que são do primeiro tipo), uma vez que a expropriação abusiva e ilegítima dos accionistas maioritários das acções correspondentes a três quartos do capital social que por si foram legitimamente adquiridas é claramente susceptível de provocar óbvios e inequívocos prejuízos patrimoniais e não patrimoniais nos visados.
184. Prejuízos esses que os denunciados não podem ter deixado de conceber e de querer, pois de outro modo não teriam agido como agiram, dissimuladamente e com recurso a manobras astuciosas e ardilosas óbvias.
185. Aliás, bem expressivo da má fé dos denunciados é o facto de, imediatamente após a usurpação do controlo da sociedade, estes terem procedido à imediata ocultação dos documentos contabilísticos, ordenando que os mesmos fossem colocados em sacos pretos e transportados por seguranças para local desconhecido.
[…]
187. Em suma, face ao exposto não pode deixar de se ver na conduta dos denunciados uma clara intenção de obter benefícios ilegítimos, bem como o de provocar os correspondentes prejuízos na esfera jurídica da requerente e ainda, como se verá melhor de seguida, o de facilitar ou executar outro crime.
188. Aliás, bem expressivo da consciência da ilegitimidade da sua conduta é o facto de os ora denunciados A... e B... terem vindo sucessivamente a repristinar as deliberações impugnadas pelos queixosos, de modo a poderem inutilizar o resultado de qualquer sentença que as anule ou suspenda os seus efeitos, em conduta que manifestamente é, no mínimo, de má fé processual e desrespeito pelos tribunais.
189. Efectivamente, as deliberações de 15/02/2011 e de 17/05/2011, mais não foram do que meios de perpetuar os efeitos da Assembleia-Geral de 3/01/2011, a qual receavam que viesse a ser judicialmente anulada.
190. Sendo que, também nessas "assembleias" os denunciados elaboraram actas com conteúdo que sabiam ser falso, pelo que, salvas as devidas adaptações, lhes será aplicável a argumentação supra expendida.
191. Com a ressalva de que na acta lavrada na sequência da reunião de 17/05/2011 os denunciados fizeram ainda constar da acta que "exibiram, respectivamente, títulos representativos de 58.200 acções, correspondentes a um capital de 292.600,00 euros, e de 54.540 acções, correspondentes a um capital de 272.700,00 euros, perfazendo respectivamente 52,15% e de 47,8% do capital social".
192. Sendo absolutamente impossível que os denunciados A... e B... tenham exibido acções relativas a 100% do capital, uma vez que os portadores de acções relativas a 77,50% do capital social da D..., S.A. são os queixosos.
193. A menos que os denunciados tenham fabricado as acções de modo a poderem ser exibidas naquela assembleia, o que consubstanciaria a prática do crime de falsificação de documento agravada, p. e p. no art. 256.º, n.º 1, al, a) e n.º 3 ou, no limite, o crime de contrafacção de título de crédito ou de passagem de título de crédito, nos termos dos arts. 262.º e 265.º, respectivamente, em conjugação com a al. a) do n.º 1 do art. 267.º.
194. Assim, e em suma, face ao inequívoco preenchimento, quer do tipo objectivo, quer do tipo subjectivo do crime de falsificação de documento, deverá ser proferido despacho de pronúncia contra todos os denunciados nesta matéria.
195. Pelo que, deverá ser proferido despacho de pronúncia relativamente aos denunciados A..., B... e J..., pela prática de três crimes de falsificação de documento.
[…]
230. Todos os arguidos A..., B... e J... agiram consciente e deliberadamente, bem sabendo que eram proibidas e punidas por lei, como crime, as suas condutas supra descritas.
Termos em que deverão os denunciados A... e B... ser pronunciados pela prática, em co-autoria material, de:
a) Dois crimes de falsificação de documento, p. e p., nos termos do art. 256.º, n.º 1, al. d) do CP, um deles em co-autoria com o denunciado J....
[…]
Devendo ainda os denunciados A... e J... ser pronunciados pela prática, em co-autoria, de um crime de falsificação de documento, p. e p., nos termos do art. 256.º, n.º 1, al. d) do CP.
[…]»

§ 2.º

– Decisão-instrutória, (com realces do ora relator)

«[…]
Vem a assistente “ C..., S.A.” requerer a abertura de instrução em virtude de não concordar com o despacho de arquivamento proferido nos autos.
Em síntese, alega que contactou o A... e B... no sentido de lhe venderem os laboratórios que detinham ou de lhe cederem as quotas das sociedades respectivas; contrataram nesse sentido, como referido nos artigos 11º a 14º do RAI; foram entregues á assistente os livros das actas das sociedades D... e LAC N...; B... renunciou á gerência destas sociedades e foi nomeado gerentes L... e M...; A... e B... outorgaram uma procuração irrevogável a favor do ofendido F..., através da qual este podia ceder os 77,50% das participações sociais que detinham no capital social das sociedades D... e LAC N...; também lhe conferiram poderes para representar os mandantes em qualquer Assembleia-Geral das Sociedades; em 2008, a sociedade por quotas D... foi transformada em sociedade anónima, acompanhada de um aumento de capital da sociedade D..., como consta no artigo 24º do RAI; o capital social da D... passou a estar distribuído por C..., F... e L..., A... e B...; em meados de Outubro, os denunciados vieram propôr á assistente e demais queixosos a recompra das participações sociais que prometeram vender ou a venda das participações sociais que lhes restavam; a assistente recusou ambas as propostas; foi usada a procuração irrevogável como referido nos artigos 31º a 33º do RAI; A... e B... passaram a ser detentores de 22,50% do capital social da D..., S.A.; por carta de 20.12.2010, A... e B... vieram, com base num pretenso incumprimento do contrato-promessa, proceder á resolução do contrato intitulado contrato-promessa de cessão de participações sociais; esta resolução foi comunicada após a celebração do contrato prometido; na mesma carta de resolução, A... e B... solicitaram a F... que procedesse á convocação de uma Assembleia-Geral de accionistas da D..., SA, tendo como ordens de trabalhos, designadamente a destituição do Conselho de Administração e demais órgãos sociais e eleição de novos órgãos sociais; F... convocou a Assembleia para o dia 15.2.2011; a 23.12.2010 A... e B... foram ao Cartório Notarial para revogar a procuração irrevogável por eles outorgada; através da conduta on line da certidão do registo comercial da D..., SA, os queixosos verificaram que tinham sido designados novos membros para os órgãos sociais, por alegada deliberação ocorrida numa suposta “Assembleia-Geral” de 3.1.2011 e que fora lavrada em acta; na acta da referida Assembleia-Geral os denunciados fizeram constar que estiveram presentes na mesma os accionistas A... e B..., respectivamente titulares de 52,15% e de 47,85% do capital social; mais foi declarado que sendo eles os únicos accionistas da sociedade, deliberaram os dois, por unanimidade, constituir em assembleia universal, nos termos do artigo 54º do CSC; a acta foi assinada pelo A... e pela B... que aprovaram por unanimidade a eleição de novo conselho de administração e nova mesa da Assembleia-Geral da D... para o triénio 2011-2013; o A... procedeu ao registo comercial com base naquela acta nº 1; os denunciados forjaram uma acta, que lograram registar, na qual fizeram constar uma deliberação ilegal tomada numa suposta Assembleia Geral, organizada á revelia dos accionistas detentores de mais de ¾ do capital social, bem como do próprio presidente da mesa; tudo isto, apesar de terem sido notificados para a verdadeira Assembleia-geral que iria ocorrer no dia 15.2.2011 e cuja marcação foi solicitada ao presidente da mesa pelos próprios denunciados; com a referida conduta os denunciados criaram uma acta de uma suposta assembleia-geral datada de 3.1.2011, na qual fizeram constar informações que bem sabiam ser falsas, com o intuito de causar prejuízo aos queixosos, despojando-os dos cargos de administração da sociedade de que eram detentores, bem como de obterem para si benefício ilegítimo, como seja o acesso a cargos para os quais não tinham legitimidade e os poderes inerentes (designadamente o acesso incontrolado ás contas e finanças da sociedade); entre as informações falsas plasmadas na acta, consta a referência á titularidade das acções da D..., S.A. por parte dos accionistas A... e B..., o que bem sabiam ser falso, uma vez que a assistente é detentora de 77,48% do capital social da D..., S.A.; a conduta dos denunciados teve como objectivo a tomada, ilícita, formal e material do controlo da sociedade, em detrimento dos verdadeiros accionistas maioritários da sociedade; assim, foi nomeada B... como presidente do conselho de Administração e pessoas da sua confiança para vogais desse órgão; usurpou cargos para os quais sabia não ter legitimidade, imiscuindo-se, deste modo, de qualquer dever de prestação de contas aos verdadeiros accionistas maioritários, e daqui se extrai que os denunciados A... e B... actuaram com dolo directo de burlar a assistente, tendo-a levado a fazer uma disposição patrimonial de valor consideravelmente elevado a título de contraprestação pela aquisição das participações sociais da D..., SA, para, posteriormente se locupletarem com o montante pago, anulando o negócio e organizando uma assembleia secreta na qual usurparam o controlo da referida sociedade e despojaram a assistente dos seus legítimos direitos decorrentes do seu estatuto de sócia maioritária; […] toda esta conduta resultou num prejuízo patrimonial consideravelmente elevado para a assistente, uma vez que ficou sem o valor efectivamente pago e sem a administração efectiva da sociedade D..., SA; em contrapartida, tal conduta resultou num benefício ilegítimo para os denunciados A... e B..., uma vez que beneficiaram do pagamento efectuado pela assistente, sem terem fornecido a contraprestação a que estavam obrigados e mantendo a titularidade da administração da sociedade; […] a assembleia da D... encontrava-se agendada para as 11 horas do dia 15/2/2011; pouco antes o A... e a B... compareceram na sala onde iria decorrer a assembleia mas antes desta começar abandonaram a sala, lá deixando F... e L...; depois de terminada a assembleia, os denunciados introduziram-se nas instalações da sociedade para organizarem uma outra assembleia; nesta deliberaram renovar a deliberação de 3.1.2011; com tal renovação, os denunciados pretenderam defraudar os efeitos de qualquer decisão judicial que viesse a declarar a nulidade da deliberação transcrita na acta forjada; na assembleia de 15.2.2011, os queixosos designaram os novos órgãos sociais, tendo F... sido designado Presidente do Conselho de Administração; na sequência da deliberação tomada pela Assembleia-geral presidida por F..., veio a B... instaurar procedimento cautelar para suspensão de deliberação social, peticionando que fosse decretada a suspensão das deliberações que elegeram novos órgãos sociais, incluído o CA, tomadas a 15.2.2011; […] a 17.5.2011, A... e B... vieram realizar nova Assembleia geral, com vista á anulação das deliberações tomadas a 15.2.2011, na Assembleia presidida por F...; nesta assembleia J... era o pretenso secretário da mesa da assembleia e o A... o presidente dessa mesa; foram tomadas as deliberações referidas no artigo 122 do RAI; fizeram constar o vertido no artigo 123 do RAI, o que sabiam ser falso e fizeram-no com intenção de despojar os queixosos dos seus cargos legítimos, nos quais foram investidos em Assembleia geral regularmente convocada; deve ser proferido despacho de pronúncia em relação aos arguidos A..., B... e J... por 3 crimes de falsificação de documento; […].
[…]
Pugna a assistente pela pronúncia dos arguidos A... e B... por:
- dois crimes de falsificação de documento, previstos e punidos pelo artigo 256º, nº 1, alínea d), do Código Penal (um deles em co-autoria com o arguido J...);
[…]         
Pugna ainda a assistente pela pronúncia dos arguidos A... e J... pela prática, em co-autoria, de um crime de falsificação de documento, previsto e punido pelo artigo 256º, nº 1, alínea d), do Código Penal.
[…]
No que respeita ao crime de falsificação de documento
[…]
A falsificação material verifica-se quando se forja, total ou parcialmente, o documento ou quando se alteram os termos do documento já existente e a alteração verifica-se quando o agente o vicia, alterando-lhe parte do seu conteúdo. É a contrafacção parcial, que se preenche com os chamados actos acessórios falsos, ou seja, com actos falsos que acrescem a documento verdadeiro (por exemplo, endosso ou aval falsos em títulos verdadeiros).
Quanto ao elemento subjectivo (dolo), como requisito essencial do delito em apreço, cumpre referir que se traduz na intenção de causar prejuízo a outrem ou ao Estado ou de alcançar para si ou para terceiro um benefício ilegítimo.
A primeira componente (intenção danosa) tanto pode ser de natureza patrimonial como moral ou envolver até redução de direitos ou outras garantias, em resultado da falsificação.
Quanto á segunda componente (benefício ilegítimo) deve entender-se que é da essência do crime a obtenção ou possibilidade de obtenção de uma vantagem ilícita ou injusta, isto é, não protegida pelas leis em vigor. Com esta exigência o legislador teve em consideração certas situações em que dificilmente se vislumbra um prejuízo causado a outrem ou ao Estado, mas o legislador ou terceiro conferem vantagens jurídicas ou de facto a que não têm direito […].
[…]
Cumpre agora apreciar os indícios recolhidos quer em sede de inquérito quer em sede de instrução.
L..., um dos participantes, foi ouvido a fls. 155 e seguintes. Confirmou, no geral, o teor da participação efectuada e depôs, assim, no sentido dos factos vertidos no RAI.
[…]
F... prestou declarações a fls. 186 e seguintes. Confirmou o teor da participação que efectuou e depôs no sentido dos factos vertidos no RAI.
[…]
A fls. 280 e seguintes consta cópia de uma petição inicial de uma acção intentada pelos ora arguidos A... e B... contra a ora assistente, F... e L..., em que se pede a declaração de ineficácia em relação aos autores do negócio de alienação das participações sociais da sociedade feita por F..., com uso da procuração e em execução do contrato-promessa, a favor da C... ou de terceiro; mais pedem que seja declarado que os ora arguidos são os únicos sócios da sociedade, por via da resolução do contrato-promessa; entre outros pedidos, consta ainda o de que deve ser declarado de que apenas os aí autores têm legitimidade para participar e votar nas assembleias-gerais da 2ª ré com a totalidade do capital (…).
Nessa petição inicial os aí autores, aqui arguidos, defendem que os réus não pagaram parte do preço devido pelos 77,5%, nos termos estabelecidos no contrato e ainda não cumpriram um acordo lateral relativamente á remuneração dos 22,5% que os autores conservaram e, sobretudo, encetou uma administração da sociedade que se caracteriza pela descapitalização, directa ou indirecta, da sociedade a favor de outras sociedades ou pessoas ligadas ao grupo e á sua absoluta descredibilização no mercado. Em consequência, os autores optaram por resolver o contrato, quer para salvaguardar o seu crédito, quer também por ser essa a opção que melhor defendia a subsistência da empresa, revogando também a procuração. Mais defendem que a resolução operou a extinção do contrato-promessa e, a par com a revogação da procuração e os limites ao seu uso, tornam qualquer negócio que tenha sido realizado ao abrigo do contrato e da procuração ineficaz em relação aos autores.
A fls. 395 e seguintes foi ouvido H.... Disse que é técnico oficial de contas há cerca de cinquenta anos, estando ligado ao D..., SA, desde o início de Janeiro de 2011. Ao iniciar as suas funções na referida Sociedade veio a constatar que a anterior administração havia delapidado em muito, o património da empresa, tendo como base a análise do Balancete relativo ao mês de Novembro de 2010. Objectivamente, verificou a existência de diversas irregularidades, prendendo-se com incumprimentos perante os fornecedores, prestadores de serviços, bancos e finanças, verificando igualmente desvios de quantias importantes para outras sociedades ligadas à C... e a inclusão de despesas com empregados da sociedade, de pessoas que, na verdade, trabalham para outras sociedades. Na verdade, o Balancete da sociedade, a 31.10.2010, revela, na conta 26, que diz respeito a accionistas – créditos e débitos sobre accionistas ou sócios – registos com 41 sociedades, uns a crédito e outros a débito. Mais era perceptível que se encontravam aí inscritos movimentos a favor de alguns desses sócios de montantes relevantes, nomeadamente para a C..., , Q..., Lda., R..., Lda. e S..., SA, num montante global a rondar 2.500.000,00 € (dois milhões e quinhentos mil euros). Mais disse que não quer deixar de realçar o facto estranho de, no balancete de 2008, surgir como devedor, pela conta 2689008, um senhor de seu nome F..., dos corpos sociais da C..., no valor 525.770,02€ e, no Balancete de 2009, a conta com o mesmo número, devedora, ter assinalado um montante idêntico mas, alegadamente devido por antigos sócios. Tanto quanto pode verificar pelos documentos a que teve acesso constatou que variadíssimas vezes, o D...SA, entrou em incumprimentos fiscais e sociais, bem como a fornecedores e parceiros, não podendo deixar de referir que teve conhecimento, recentemente, por parte da administração do laboratório, que outros laboratórios e fornecedores, intentaram acções judiciais contra o D..., por débitos de fornecimentos/prestação de serviços, todos eles tendo origem na gestão da C..., ocorrida entre 2007 e 2010. Curiosamente, a maior parte das acções intentadas, têm como autoras, sociedades ligadas ao universo da C.... Para efeitos de melhor conhecimento da realidade das contas da D...SA foram solicitados os documentos de suporte à C..., até para regularização da situação fiscal, sendo facto que tal nunca lhes foi fornecido. Deste modo, mesmo a regularização fiscal e social foi feita com recurso à listagem da documentação remetida para a sede da C..., em Lisboa, o que pode não espelhar a real situação da sociedade.
Menciona-se agora parte do teor da carta enviada pelos arguidos A... e B... á C..., de 20.12.2010 (cfr. fls. 568 e seguintes) a resolverem o contrato-promessa. Dizem eles que estão esgotadas as possibilidades de cumprimento do contrato por parte da ora assistente. A resolução funda-se no incumprimento grave de parte substancial da contrapartida fixada contratualmente – cfr. fls. 569.
Porém, já antes, a 7.12.2010, os ora arguidos A... e B... tinham dirigido carta á aqui assistente, referindo-se a uma outra carta de 29 de Novembro. Afirmam a 7.12.2010 que face á complexidade do assunto, as verbas envolvidas, a existência de um dia feriado de permeio e a vontade real de obter uma solução adequada para a situação gerada, que possa passar, inclusivamente, pelo cumprimento integral do contrato, vêm prorrogar o prazo o qual terminará a 14.12.2010.
[…]
A testemunha Dora Serra foi ouvida a fls. 728 e seguintes. Disse ela que é funcionária dos D...SA desde o ano de 2000, tendo trabalhado sempre de forma estreita com os actuais sócios/accionistas. É do seu conhecimento que, a Dr.ª B... e o seu marido A... celebraram um contrato-promessa de cessão de participações sociais que detinham na sociedade Laboratório de Análises D..., S.A., com a sociedade comercial C... S.G.P.S, sociedade gestora de participações sociais S.A. Foi estipulado no contrato-promessa que prometiam vender àquela sociedade 77,5% das suas participações sociais na sociedade laboratório de Análises D..., Lda., continuando como sócios com os 22,5% restantes. O contrato envolveu grande confiança por parte dos dois sócios, que emitiram até procuração irrevogável a favor do Presidente da promitente compradora C... S.G.P.S, pela qual aquele podia realizar o negócio. Tal contrato, com data de 16 de Janeiro de 2007, foi celebrado entre os sócios, com a C... S.G.P., pelo preço de 4.350.000,00. Vieram a receber, como sinal e princípio de pagamento, individualmente, a quantia de 250.000,00 €. Posteriormente, com data de 24 de Abril de 2007, é lavrado um “ADITAMENTO AO CONTRATO-PROMESSA DE CESSÃO DE PARTICIPAÇÕES SOCIAIS”, tendo como outorgantes A... e B... e a C... – SGPS. Desse aditamento infere-se, fundamentalmente, que os primeiros, respectivamente, 1º e 2º outorgantes, reconhecem e aceitam que, a realização imediata de escritura pública de cessão das participações sociais não é possível, uma vez que não se encontra realizada a transformação das sociedades comerciais por quotas – D...Lda. e N..., Lda., em sociedades anónimas, equacionando-se, assim, uma liquidação faseada, constatando-se o pagamento, naquela data, de entrega, a cada um, da quantia de 375.000,00 €. Mais disse que ainda segundo o explicitado na Cláusula Primeira prevê-se a total liquidação em 31.12.2009, ainda que, as letras referentes a tal pagamento, no valor de 575.000,00 €, individualmente a cada um, conforme declaração apensa ao Aditamento, ficarem dependentes do apuramento dos saldos referidos na cláusula quarta do contrato-promessa de cessão de participações sociais, celebrado no dia 16 de Janeiro de 2007. No âmbito deste contrato-promessa a C... S.G.P.S. elegeu órgãos sociais (com mandato até 31 de Dezembro de 2010), tendo sido escolhidos para a Presidência da Mesa da Assembleia Geral F... e para a Administração L..., e M..., para além do sócio A..., muito embora este nunca tenha exercido efectivamente a administração desconhecendo em absoluto mesmo as decisões tomadas pelos outros administradores, nem nunca tendo comparecido às reuniões do Conselho de Administração. Acrescenta ainda que é do seu conhecimento pessoal a ausência do mesmo nas assembleias-gerais, dado que, o mesmo, numa ocasião, ao assinar uma das actas fez alusão de que o “fazia de cor” uma vez que não estivera presente. Todavia, aquela confiança teve como contrapartida, por parte da C... S.G.P.S, os seguintes comportamentos: não só não pagou parte do preço devido pelos 77,5%, nos termos estabelecidos no contrato, como, além de não cumprir um acordo lateral relativamente à remuneração dos 22,5% que os sócios B... e A... conservaram, encetou uma administração da sociedade que se caracterizou pela descapitalização, directa ou indirecta, da sociedade a favor de outras sociedades ou pessoas ligadas ao grupo C... S.G.P.S, e à sua absoluta descredibilização no mercado. Sobre esta matéria não pode deixar de referir, com base nos balancetes de 2008 (Dezembro) e 2009 (Dezembro), de que existiu uma saída de um montante no valor de 525.772,02 € do laboratório para o Sr. F.... Tal, só por si, não seria relevante, não fora o facto de na mesma conta, no balancete de 2009, tal montante, se encontrar na mesma rubrica, com referência distinta, ou seja, na denominada “antigos sócios”. Deste modo, o ónus da dívida passou para “antigos sócios”.
Por outro lado, como é perceptível do balancete de (Novembro) de 2010, verificam-se entradas e saídas de dinheiro, quer do laboratório para a C..., quer desta para outras empresas do grupo, dando ideia de suprir necessidades momentâneas das diferentes empresas mas que, no fim, permitem verificar que existe uma dívida de 2.119.643,06 ao D.... Do mesmo modo, está em condições de referir que existiam inúmeras dívidas, como sendo as referentes à DGCI, bem como as de fls. 497 a 566, quer de Bancos, Edp, Águas de Coimbra e fornecedores, e ainda, à Segurança Social. De entre estas dívidas, não pode deixar de particularizar uma, referente à Segurança Social, em que constataram em Janeiro/Fevereiro de 2011, que os pagamentos àquela entidade se encontravam em débito desde Setembro de 2010, sendo facto que a C... alegava que estava tudo pago, exibindo mesmo uma certidão com data de Setembro de 2010 que atestava ter tudo em dia. É facto, que tal não correspondia à verdade uma vez que foi solicitado o pagamento de uma quantia a rondar os 33.000,00 €, dado que estavam por pagar as prestações dos trabalhadores desde Setembro. A C... tinha funcionários do D...a trabalhar para outras empresas e a serem pagos pelo D..., situação em que ela era um dos exemplos, uma vez que exercendo funções no Laboratório Aeminium, a meio tempo, era paga pelo D....
Em consequência, do atrás explanado, bem como do facto de, entretanto, em Outubro de 2010, a Caixa Geral de Depósitos, ter solicitado uma reunião urgente com o Sr. A..., dando-lhe conhecimento de uma grande descapitalização da empresa, com saldos devedores, motivo pelo que, a menos que a anterior administração voltasse a tomar conta da empresa, estariam na eminência do cancelamento das operações bancárias, os sócios B... e A..., optaram por resolver o contrato promessa, quer para salvaguardar o seu crédito, quer também por ser essa a opção que melhor defendia a subsistência da empresa Laboratório de Análises D..., S.A., revogando também a procuração supra mencionada. Esta resolução operou a extinção do contrato-promessa e, a par com a revogação da procuração e os limites ao seu uso, tornou qualquer negócio que tenha sido realizado ao abrigo do contrato e da procuração ineficaz em relação aos denunciantes nos autos. A partir da Assembleia realizada em 03.01.2011, os dois sócios da sociedade decidiram reconhecer a cessação dos mandatos dos órgãos sociais em 31 de Dezembro de 2010 e eleger novo Conselho de Administração, nova Mesa da Assembleia Geral e novo revisor oficial de contas. Após a data de 3 de Janeiro de 2011 os sócios assumiram efectivamente a administração e o controlo da sociedade Laboratório de Análises D..., S.A, assumindo também as dívidas da anterior gestão, algumas mesmo de 2008, uma vez que têm aparecido notificações para pagamento e acções judiciais contra o laboratório, para pagamento das dívidas. […].
Gina Lourenço foi ouvida a fls. 772 e seguintes. Diz ela que é funcionária do D...SA há cerca de 25 anos. Nessa qualidade acompanhou a transformação do laboratório de sociedade por quotas em sociedade anónima sabendo da existência de desacordo entre os diferentes sócios, sem que possua no entanto, pormenores relativamente aos termos do contrato que veio a ser efectuado entre os sócios A... e a esposa B... e a empresa C.... É do seu conhecimento que o negócio não correu bem, motivo que levou o Sr. A... e a esposa a rescindir o contrato, assumindo de novo os destinos do Laboratório D.... […].
[…]
A fls. 787 e seguintes foi interrogada a arguida B.... Disse que ela, juntamente com seu marido A... celebraram um contrato-promessa de cessão de participações sociais que detinham na sociedade Laboratório de Análises D..., S.A., com a sociedade comercial C... S.G.P.S, sociedade gestora de participações sociais S.A. Foi estipulado no contrato-promessa que prometiam vender àquela sociedade 77,5% das suas participações sociais na sociedade laboratório de Análises D..., Lda., continuando como sócios com os 22,5% restantes. O contrato envolveu grande confiança por parte da declarante e marido A..., que emitiram até procuração irrevogável a favor do Presidente da promitente compradora C... S.G.P.S, pela qual aquele podia realizar o contrato prometido. Tal contrato, com data de 16 de Janeiro de 2007, foi celebrado entre si e o seu marido A..., com a C... S.G.P., pelo preço de 4.350.000,00 €. Com a celebração do contrato-promessa vieram a receber, como sinal e princípio de pagamento, individualmente, a quantia de 250.000,00 €. Posteriormente, com data de 24 de Abril de 2007, é lavrado um “ADITAMENTO AO CONTRATO-PROMESSA DE CESSÃO DE PARTICIPAÇÕES SOCIAIS, do qual se infere, fundamentalmente, que os primeiros, respectivamente 1º e 2º, outorgantes, reconhecem e aceitam que, a realização imediata de escritura pública de cessão das participações sociais não é possível, uma vez que não se encontra realizada a transformação das sociedades comerciais por quotas D...Lda. e N..., Lda., em sociedades anónimas, equacionando-se, assim, uma liquidação faseada, constatando-se o pagamento, naquela data, de entrega, a cada um, da quantia de 375.000,00 euros. Segundo o explicitado na Cláusula Primeira prevê-se a total liquidação em 31.12.2009, ainda que, as letras referentes a tal pagamento, no valor de 575.000,00 €, individualmente a cada um, conforme declaração apensa ao Aditamento, ficarem dependentes do apuramento dos saldos referidos na cláusula quarta do contrato-promessa de cessão de participações sociais, celebrado no dia 16 de Janeiro de 2007. No âmbito deste contrato-promessa a C... S.G.P.S. elegeu órgãos sociais (com mandato até 31 de Dezembro de 2010), tendo sido escolhidos para a Presidência da Mesa da Assembleia Geral F..., e para a Administração L..., e M..., para além do seu marido A..., muito embora este nunca tenha exercido efectivamente a administração, desconhecendo em absoluto mesmo as decisões tomadas pelos outros administradores, nem nunca tendo comparecido às reuniões do Conselho de Administração. Todavia, aquela confiança teve como contrapartida, por parte da C... S.G.P.S, os seguintes comportamentos: não só não pagou parte do preço devido pelos 77,5%, nos termos estabelecidos no contrato, como, além de não cumprir um acordo lateral relativamente à remuneração dos 22,5% que a ora arguida e o marido conservaram, encetou uma administração da sociedade que se caracterizou pela descapitalização, directa ou indirecta, da sociedade a favor de outras sociedades ou pessoas ligadas ao grupo C... S.G.P.S, e à sua absoluta descredibilização no mercado. Em consequência, optaram por resolver o contrato-promessa, quer para salvaguardar o seu crédito, quer também por ser essa a opção que melhor defendia a subsistência da empresa Laboratório de Análises D..., S.A., revogando também a procuração supra mencionada. Aliás, quer deixar bem explícito que, em Outubro e Novembro de 2010, ocorreram duas reuniões, em Lisboa, com a C..., tendo sido inclusive equacionada a venda total da participação. Nessa altura, o que foi referido é que o contrato não havia sido accionado. Esta resolução operou a extinção do contrato-promessa e, a par com a revogação da procuração e os limites ao seu uso, tornou qualquer negócio que tenha sido realizado ao abrigo do contrato e da procuração ineficaz em relação aos denunciantes nos autos. Resolvido o contrato e revogada a procuração, ficaram não só titulares dos 22,50% do capital que não haviam sido objecto do contrato, como são titulares livres do compromisso de venda dos restantes 77,5%, cuja transmissão consistia no contrato-prometido que, com a resolução e a revogação, fica sem efeito e sem base legítima de realização. Aliás, qualquer negócio que tenha sido feito ao abrigo da procuração, que apenas permitia a venda nos termos do contrato-promessa, é ineficaz. Resulta assim, que a arguida B... e o marido A..., são os únicos sócios da sociedade comercial Laboratório de Análises D..., S.A., e por isso nenhuma outra entidade ou pessoa (em especial a referida C... S.G.P.S) tem legitimidade para intervir como sócio na sociedade. Por isso que, verificando-se a caducidade dos mandatos dos órgãos sociais em 31 de Dezembro de 2010, em 20 de Dezembro de 2010, solicitaram pela segunda vez, por escrito, ao referido F... (então presidente da assembleia geral), a realização urgente de uma assembleia geral para 3 de Janeiro de 2011, na sede social da sociedade Laboratório de Análises D..., S.A, pelas 15 horas. Em resposta, o então presidente da assembleia geral, F..., efectuou a marcação da assembleia geral para 15 de Fevereiro de 2011. Entretanto, e porque a situação financeira da sociedade se agravava fortemente colocando em perigo a sua subsistência, no dia 3 de Janeiro de 2011, pelas 15 horas, a arguida e o marido A... compareceram na sede social da sociedade Laboratório de Análises D..., S.A., e permaneceram nela até depois das 16 horas, reunidos em Assembleia Geral. Sem que F... ou qualquer pessoa ligada à referida C... S.G.P.S., ou os outros administradores cessantes tivessem comparecido ou dado notícia de impedimento ou de data alternativa. Na Assembleia realizada os dois sócios da sociedade decidiram reconhecer a cessação dos mandatos dos órgãos sociais em 31 de Dezembro de 2010 e eleger novo Conselho de Administração, nova Mesa da Assembleia Geral e novo revisor oficial de contas. Com esta assembleia e as suas deliberações, mais não fizeram do que executar parte das consequências da resolução do contrato e reassumir o controlo da sociedade Laboratório de Análises D..., S.A, na qualidade de sócios totalitários. Após a data de 3 de Janeiro de 2011 a declarante assumiu efectivamente a administração da sociedade Laboratório de Análises D..., S.A. e assumiram efectivamente o controlo da sociedade, como qualquer legítimo sócio o faria, o que ocorreu com o pleno apoio de trabalhadores, fornecedores e prestadores de serviços, bancos e entidades e clientes. […]
Por último, a fls. 797 e seguintes foi interrogado o arguido A.... Prestou declarações no mesmo sentido da arguida B..., sua esposa. Esclareceu ainda que foi na sequência de uma reunião com o gerente da Caixa Geral de Depósitos, solicitada por aquele, que veio a ter noção do verdadeiro caminho, de desgraça, para que caminhava o D..., quando lhe foi revelada a descapitalização sofrida, com saídas de verbas, facto que, segundo o que lhe foi dado a conhecer, ou tomaria conta de novo da administração ou veria a execução das dívidas por parte das entidades bancárias. Ou seja, de tal modo a situação era grave, com dívidas a fornecedores e descapitalização das contas, das quais o declarante era avalista, que nada mais lhe restava que entrar em contacto com a administração ligada à C..., ou para se ver livre de toda a ligação ou, a contrario, voltar a liderar os destinos do laboratório.
Foi neste contexto que entrou em contacto com a C..., em finais de Outubro/início de Novembro de 2010, sem que a mesma revelasse vontade, ou saber, em resolver o problema, de tal forma que teve necessidade de proceder à rescisão unilateral do contrato-promessa de cessão das participações sociais, depois de ter tido a garantia, por parte do Sr. F..., que o contrato não tinha sido executado. […].
Por sua vez, em sede de instrução, a testemunha Conceição Duarte, secretária da assistente, referiu que o livro original de actas da D... está na C..., em Lisboa, assim como a totalidade das acções de L... e F....
Foi ouvido F..., tendo referido que em 2007 o arguido A... fez uma aproximação para fazer negócio; em 2007 fez-se o contrato-promessa e depois um aditamento ao mesmo. Em 2010 o A... sabe que já recebeu mais do que o estipulado no contrato e queria marcar uma reunião. As coisas começaram a correr mal em Outubro de 2010 e o arguido A... foi ao seu escritório. Em Novembro de 2010 teve lugar o contrato definitivo com a procuração irrevogável. Em 2010 o arguido A... queria voltar a comprar os laboratórios. […]. Os arguidos falsificaram a acta porque só tinham 22%. […]. As reuniões com os arguidos tiveram lugar a 28/Outubro e a 18/Novembro, não se recordando de ter recebido comunicação a pedir reunião para o dia 3/1.
L..., director financeiro da assistente, pessoa que faz parte da Administração desta, disse que na base do desentendimento estiveram despesas dos arguidos. O desentendimento teve lugar em 2010 e porque essas despesas avançaram muito nesse ano, em virtude do arguido A... ter o cartão de crédito da sociedade. Tem as acções na sua posse e neste momento nem sabe o que se passa na sociedade. Disse que recebeu uma carta para a assembleia de 3/1 mas não era a forma de marcar a assembleia.
[…]
Para além desta prova foram juntos vários documentos.
                                                                                 *
Entende-se que estes são os indícios mais relevantes e suficientes para a decisão a proferir nos autos.
Cumpre agora analisá-los á luz dos crimes que são imputados aos arguidos. 
[…]
Dizem os arguidos que tomaram conhecimento em Outubro de 2010, através de um elemento da CGD, da real situação da sociedade D..., entraram em pânico e para salvar a empresa resolveram rescindir o contrato e assumir novamente a administração da empresa.
Estes factos estão em consonância com a versão de F... quando afirma que em Outubro de 2010 o arguido A... foi ao seu escritório porque queria comprar os laboratórios outra vez.
[…]
Os indícios existentes apontam para uma contratação livre, da vontade de ambas as partes, baseada em grande confiança, cujos efeitos perduraram ainda por anos. A partir de certa altura as partes desentenderam-se e os arguidos pretenderam revogar o contrato-promessa. Não o fizeram de repente, nem sem disso darem conhecimento á outra parte. Houve reuniões, houve cartas, houve tentativas de resolução da questão, o que não foi possível.
Então os arguidos enviaram carta á assistente a revogar o contrato. Quanto á procuração irrevogável entendiam que a mesma perderia efeito útil uma vez que o seu fim era a celebração do contrato definitivo. Estando revogado o contrato-promessa não haveria lugar á celebração do contrato definitivo.
Independentemente de saber se o que fizeram tinha ou não força para revogar o contrato-promessa (uma vez que nesta sede não cabe tratar de tal questão), o certo é que os arguidos estavam convictos de que assim era.
Aliás, segundo afirmou o arguido A..., o F... tinha-lhe dito que ainda não tinha sido celebrado o contrato definitivo. Bem ou mal era disto que o A... estava convencido.
Por outro lado, não se pode deixar de referir que, pelas datas constantes dos autos, o contrato definitivo teria sido celebrado com o uso da procuração irrevogável numa altura em que a assistente já sabia que os arguidos já não pretendiam celebrar o contrato definitivo e que pretendiam voltar a comprar os laboratórios.
Por último, diga-se que também não existem indícios de qualquer enriquecimento ilegítimo dos arguidos, de que resulte prejuízo patrimonial da assistente. Os arguidos dizem que estão prejudicados, a assistente diz que está prejudicada e os autos não contêm elementos para apurar quem sofreu efectivamente prejuízo. Aliás, quer se queira quer não, essas são questões que não podem ser resolvidas em sede criminal e são nitidamente do foro cível.
[…]
No que respeita aos crimes de falsificação, dos indícios dos autos também não resulta que os arguidos tenham feito constar factos falsos nas actas em questões.
Segundo eles, os arguidos A... e B... já tinham revogado o contrato-promessa, não tinham conhecimento da celebração do contrato prometido (nem disso há indícios nos autos), a anterior administração terminava no final do ano de 2010; assim, segundo eles, nada fizeram de ilegal. O crime é doloso e do dolo necessário para a existência de crime não há indícios. Nem mesmo há indícios para se afirmar que é falso ter havido exibição dos títulos representativos das acções.
Assim, tanto em relação ao A... como em relação á B..., bem como em relação ao arguido J..., entende-se que não estão preenchidos os elementos típicos do crime de falsificação.
Também em relação aos vários crimes de falsificação e em relação a todos os arguidos deve ser proferido despacho de não pronúncia. Caso os arguidos fossem a julgamento muito provavelmente seriam absolvidos.
*
Assim sendo, o Tribunal não pode deixar de proferir despacho de não pronúncia em relação a todos os crimes e em relação a todos os arguidos. De facto, pelo que acaba de ser dito, não existe uma probabilidade de futura condenação de nenhum dos arguidos em relação a nenhum dos crimes imputados pela assistente no seu RAI.
*
Nestes termos e sem necessidade de tecer mais considerações, decide-se proferir despacho de não pronúncia dos arguidos A..., B... e J..., pelos crimes que lhe foram imputados pela assistente no seu RAI; […]
[…]»

SUBTÍTULO II – APRECIAÇÃO

CAPÍTULO I

VÍCIO DE NULIDADE DA DECISÃO INSTRUTÓRIA:

1 – Funda a sociedade-assistente a arguição de tal invalidade jurídico-formal em afirmada omissão pela Ex.ma decisora da precisa enunciação descritivo-distintiva da factualidade que, alegada no RAI, houvesse necessária/indiciariamente por revelada, bem como da tida por indemonstrada, cuja estruturação sustenta ser imposta, sob tal consequência (nulidade), pela dimensão normativa resultante da conjugada interpretação dos dispositivos ínsitos nos arts. 308.º, n.º 2, e 283.º, n.º 3, al. b), do Código de Processo Penal (doravante também CPP).

2 – Com o devido respeito por tal empenhado engenho jurídico-interpretativo, bem como por outras (reais ou virtuais) consonantes discorrências jurisprudenciais – que, naturalmente, não desconhecemos (!) – acerca da particular disciplina técnico-jurídico-processual, mormente da que a propósito convoca em apoio da respectiva tese motivacional, somos seguros – com a larga maioria dos julgadores dos diversos tribunais superiores deste país, máxime desta Relação de Coimbra[4], [de cuja corrente são exemplificativamente significativos os seguintes acórdãos: da Relação de Lisboa, de 14/10/2004, CJ, IV, pág. 145; da Relação de Guimarães, de 15/05/2006, CJ, III, pág. 298; desta Relação de Coimbra, de 06/04/2011, (Proc. n.º 1303/09.4PBLRA.C1), e de 18/05/2011, (Proc. n.º 1801/06.1TAAVR-A.C1), e da Relação do Porto, de 17/10/2012, (Proc. n.º 833/03.6TAVFR.P2), consultáveis em http://www.dgsi.pt/] – da inexigibilidade legal de tal especificidade estrutural do despacho de não pronúncia, pela seguinte nuclear ordem-de-razões:

2.1 – A constitucional exigência de fundamentação de decisões que não sejam de mero expediente, postulada pelo n.º 1 do art.º 205.º da Constituição nacional[5], designadamente no âmbito do processo criminal – que ora releva, e de que exclusivamente se cuida –, haver-se-á que estritamente pautar, como aí expressamente estabelecido, pela particular disciplina formal que o competente legislador fizer corresponder aos actos da correspectiva natureza jurídico-processual. Reger-se-á, pois, apenas, pelas regras legais concernentes à respeitante/casuística formalidade, sob as específicas consequências de invalidade que a própria lei a propósito inequivocamente consagrar e regimentar, como indubitavelmente se elucida no art.º 118.º, ns. 1 e 2, do CPP[6].

Por conseguinte, inexistindo qualquer especial regime normativo-disciplinante quer da forma quer do conteúdo justificativo da decisão instrutória de não pronúncia, quiçá similar ao que o legislador reservou para as sentenças/acórdãos finais – sequentes a pertinente fase de julgamento –, máxime pelos arts. 374.º, 375.º, n.º 1, e 379.º, n.º 1, al. a), do CPP, haver-se-la-á (decisão de não pronúncia) que simplesmente conformar pelo rigor enunciado pelo n.º 5 do art.º 97.º do mesmo compêndio legal[7], e, dessarte, apenas deixar revelar, pelo respectivo teor, de modo objectivo e comummente perceptível, a respeitante linha de raciocínio lógico-argumentativo e a própria razoabilidade jurídica;

2.2 – Sendo sempre de presumir – em conformidade com a estatuição normativa do n.º 3 do art.º 9.º do Código Civil[8]que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados, haver-se-á necessariamente que depreender que apenas quis sancionar com o vício de nulidade a decisão instrutória cujo conteúdo justificativo, conducente à pronúncia, represente alguma alteração substancial dos factos descritos na acusação (pública ou particular) ou no requerimento para abertura da instrução, bem como a que, pronunciando, não respeite a disciplina injuntiva estabelecida no n.º 3, máxime als. b) e c), do art.º 283.º do C. P. Penal – enunciação da factualidade indiciada e das normas aplicáveis[9] –, posto que só da exclusiva prevenção de tais desvios cuidou (o legislador) de acautelar pelos dispositivos ínsitos nos arts. 309.º e 308.º, n.º 2, respectivamente, do mesmo compêndio legal[10], e não já do conteúdo justificativo da decisão de não pronúncia, conclusão que se nos apresenta como evidente, dado que, reportando-se a remissão operada pelo comando normativo do referido n.º 2 do art.º 308.º ao preceito regente do despacho acusatório – peça necessariamente definitória do objecto do processo e, assim, delimitativa do âmbito da ajuizanda responsabilização do/s sujeito/s-arguido/s em futuro julgamento, e, por isso, de conteúdo formal inevitavelmente exigente, por contraponto ao despacho de arquivamento, prevenido sob os números 1 e 2 do art.º 277.º, de idêntica natureza daqueloutro (de não pronúncia), isento de particular formalismo –, se visou, logicamente, por óbvias razões, e talqualmente, exclusivamente disciplinar o despacho de pronúncia, de análoga essência jurídica. Caso outra solução tencionasse decerto a não deixaria de expressamente fazer consagrar em específico/s preceito/s normativo/s, a par, máxime, da que destinou ao formalismo da sentença/acórdão – seja condenatória/o ou absolutória/o – nos citados arts. 374.º, n.º 2, e 379.º, n.º 1.

3 – Como assim, irrealizando-se qualquer base de sustentação jurídica da lobrigada invalidade – nulidade – do sindicado despacho de não pronúncia, ainda que, hipoteticamente, se lhe virtualmente encontrasse algum lacunar passo lógico-justificativo – de todo, aliás, irreconhecido, posto que a documentada construção do respectivo silogismo se nos representa de mediana inteligibilidade, (vd., supra, correspondente extracto) –, sempre a concernente falha se quedaria por mera irregularidade, entretanto inelutavelmente sanada em razão da irrealização do ónus legal postulado pelo preceito ínsito sob o n.º 1 do art.º 123.º do CPP, de respectiva arguição, no prazo de três dias, (contado desde a respeitante notificação), directamente perante o próprio tribunal/julgador (JIC).


CAPÍTULO II


JUÍZO INDICIÁRIO:

1 – Consabidamente, o instituto recursório, enquanto instrumento jurídico-processual de estrito controlo da observância da pertinente legalidade – vigente no ordenamento jurídico nacional – na realização/produção do acto de julgar e decidir doutro órgão judiciário, mecanismo exclusivamente vocacionado, pois, à expurgação/correcção de concretas e relevantes viciosidades e/ou de específicas ilegalidades eventualmente corruptivas seja do procedimento ajuizativo ou do próprio acto decisório de competente tribunal – e não já à sobreposição/substituição de divergentes sensibilidades sobre a ajuizanda problemática e, logo, à desautorização do correspondente julgador –, confere ao respectivo sujeito-interessado a incumbência da efectiva materialização, no segmento motivacional da própria peça recursiva e, resumidamente, no referente quadro-conclusivo, do ónus de específica e precisa inventariação e caracterização dos hipotéticos defeitos técnico-jurídico-decisórios cuja reparação impetre, bem como dos meios e/ou bases legais condicionantes/determinativos da propugnada solução[11], sempre – no âmbito do procedimento criminal, que ora releva – com rigorosa observância das apertadas regras formais postuladas pelos ns. 1, 2, 3 e 4, máxime, do art.º 412.º do C. P. Penal (naturalmente das que forem aplicáveis, em função do objecto recursório).

2 – Ora, tendo presentes tais inelutáveis postulados, e visando-se, como é o caso, subsidiariamente questionar a licitude do criticado ajuizamento de exígua indiciação da dolosa inserção pelos id.os sujeitos-arguidos – pessoalmente ou por terceiro por si instruído – nas sinalizadas actas de assembleia-geral societária (da sociedade comercial – anónima D..., S.A.) de 03/01/2011, 15/01/2011 e 17/01/2011 de inverdades juridicamente relevantes, impor-se-ia à id.ª entidade recorrente a concludente demonstração da objectiva irrazoabilidade jurídico-processual do respectivo silogismo, cuja pretensa ilegalidade constitui o âmago da sua processual dissidência.

Assim, posto que todas as convocadas falsídias e respectiva consciência, factores argumentativamente estruturantes das discernidas infracções criminais de falsificação de documento, na economia da tese recursiva necessariamente teriam emergido do voluntário desprezo/desrespeito por tais pessoas dos efeitos jurídicos decorrentes do contrato definitivo de transmissão de participações sociais, datado de 02/11/2010 [cuja cópia se encontra junta a fls. 78/84 (1.º vol.) e 975/981 (4.º vol.)] – prometido realizar pelo contrato-promessa de cessão de participações sociais, celebrado, em 16/01/2007, entre os ditos cidadãos A... e B... e a própria sociedade C..., S.A., [junto, por cópia, a fls. 30/40 (1.º vol.) e 944/949 (4.º vol.)], com o aditamento formalizado em 24/04/2007, (identicamente documentado a fls. 41/46 e 950/952v.º) –, de alegada transferência para a sua ( C...) titularidade de 77,48% das participações sociais da D..., S.A., demandar-se-lhe-ia (a si, recorrente), desde logo, incontornavelmente, a inequívoca e cabal comprovação quer da sua (deles) prévia notificação, por carta registada com aviso de recepção, com oito dias de antecedência da data projectada para a prometida realização do dito contrato, formalidade a cuja observância se encontrava vinculada pelo item 1 da cláusula 15.ª do próprio contrato-promessa, quer, naturalmente, de que lhes houvesse dado conhecimento, em data anterior a 20/12/2010 – correspondente à da noticiação, pela expedição da carta cuja cópia se encontra documentada a fls. 568/571, da sua (deles) manifestação de vontade de resolução do referido contrato-promessa –, da efectiva formalização de tal contrato-prometido.

Nada disso, porém, processualmente significou, ou, sequer, alegou na peça recursiva, como inexoravelmente lhe incumbiria – por força da enunciada disciplina jurídica estabelecida pelos ns. 1 e 3, al. b), do CPP –, meramente se confortando na divergente interpretação do mesmo acervo probatório que soberanamente fora ponderado pelo tribunal, por si marcadamente inidónea à modificação do criticado julgado, que, aliás, como antes se deixou consignado, se nos representa cabalmente explicado – em conformidade com o estatuído no citado art.º 97.º, n.º 5, do CPP –, e, assim, bastantemente compreensível, aceitável e razoável.

Por conseguinte, como bem assisadamente se observou no sindicado despacho, independentemente quer da eficácia jurídica da celebração do referenciado contrato-prometido, pela singela utilização da invocada procuração irrevogável – cuja adequada indagação não cabe no âmbito deste processo, mas que, aliás, tudo inculca haver sido aleivosamente firmado, porquanto, como se dá pertinente nota no referido despacho instrutório, já antes, máxime em 28/10/2010 (em reunião realizada em Lisboa), havia sido dado conta a representante da sociedade C... do desinteresse dos próprios promitentes-cedentes na respectiva celebração –, quer da manifestada resolução do contrato-promessa, nenhuma sólida base-de-sustentação da interiorização pelos ditos arguidos da existência e vinculatividade de tal contrato-definitivo aquando da realização pelas suas pessoas das enunciadas assembleias-gerais da sociedade D..., S.A. – em 03/01/2011, 15/01/2011 e 17/01/2011 –, e da construção das correspondentes actas, se mostra relevantemente consolidada, e, dessarte, juridicamente adequada à significação seja da falsidade de qualquer dos dados consignados no referidos documentos (actas) seja do respectivo e atinente dolo, e, decorrentemente, do necessário juízo de probabilidade – de razoável possibilidade, no dizeres legais – de condicionamento de concernente condenação, como inelutavelmente exigido pela dimensão normativa decorrente da conjugada interpretação dos dispositivos ínsitos sob os arts. 308.º, ns. 1, 1.ª parte, e 2, e 283.º, n.º 2, do C. P. Penal.

3 – Como assim, não se observando qualquer vício jurídico-processual do processo de formação da convicção da Ex.ma julgadora, nem se alcançando que no exercício do seu poder-dever de livre apreciação das provas (não vinculadas) e de respectiva susceptibilidade de decorrente convencimento – conferido pelo art.º 127.º do CPP – tivesse irrazoavelmente divergido do sentido do acervo probatório reunido nos autos, nenhuma razão juridicamente válida se antolha com aptidão modificativa do definido julgado – despacho de não pronúncia – que, assim, se haverá por apodicticamente incensurável, [vide, ainda, art.º 431.º, proémio, e al. b), do CPP, em sentido inverso].


TÍTULO III – DISPOSITIVO


Destarte – sem outras considerações, por despiciendas –, delibera-se:

1 – O improvimento do avaliando recurso da assistente C..., S.A., com a consequente confirmação do questionado impronunciamento dos id.os cidadãos-arguidos A... e B....

2 – A sua própria (assistente) condenação ao pagamento da soma pecuniária equivalente a 6 (seis) UC, a título de taxa de justiça, pelo decaimento na correspondente acção recursiva, [cfr. normativos 515.º, n.º 1, al. b), e 524.º, do CPP, e 8.º, n.º 9, do Regulamento das Custas Processuais, na redacção introduzida pela Lei n.º 7/2012, de 13/02, com referência à anexa TABELA III].


***

 (Abílio Ramalho, relator)

 (Luís Ramos)


[1] Na sequência de atinente convite formulado pelo ora relator pelo despacho de fls. 1518/1520.
[2] Nota do ora relator: A referência a acórdão traduz manifesto equívoco, posto que, tratando-se de acto decisório produzido por tribunal singular (Ex.ma juíza) assume obviamente a natureza de sentença, (vd., máxime, art.º 97.º, n.º 2, do CPP).
[3] Vide nota anterior.
[4] Pelo que nos é dado a conhecer, em razão do já longo período experiencial de exercício da judicatura.
[5] Artigo 205.º (Decisões dos tribunais)
1. As decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei.
[…]
[6] Artigo 118.º (Princípio da legalidade)
1 – A violação ou a inobservância das disposições da lei do processo penal só determina a nulidade do acto quando esta for expressamente cominada na lei.
 2 – Nos casos em que a lei não cominar a nulidade, o acto ilegal é irregular.
[…]
[7] Artigo 97.º (Actos decisórios)
[…]
 5 – Os actos decisórios são sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão.
[8] Artigo 9.º (Interpretação da lei)
[…]
 3. Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados. 
[9] Artigo 283.º (Acusação pelo Ministério Público)
[…]
3 – A acusação contém, sob pena de nulidade:
[…]
b) A narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada;
c) A indicação das disposições legais aplicáveis;
[…]
[10] Artigo 309.º (Nulidade da decisão instrutória)
1 – A decisão instrutória é nula na parte em que pronunciar o arguido por factos que constituam alteração substancial dos descritos na acusação do Ministério Público ou do assistente ou no requerimento para abertura da instrução. (realces do ora relator)
 2 – A nulidade é arguida no prazo de oito dias contados da data da notificação da decisão.
Artigo 308.º (Despacho de pronúncia ou de não pronúncia)
1 – Se, até ao encerramento da instrução, tiverem sido recolhidos indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, o juiz, por despacho, pronuncia o arguido pelos factos respectivos; caso contrário, profere despacho de não pronúncia.
 2 – É correspondentemente aplicável ao despacho referido no número anterior o disposto nos n.ºs 2, 3 e 4 do artigo 283.º, sem prejuízo do disposto na segunda parte do n.º 1 do artigo anterior.
[…] 
[11] Sem prejuízo, naturalmente, do dever de oficioso conhecimento pelo tribunal superior dalgumas invalidades processuais, (vide, máxime, Ac. n.º 7/95 – para fixação de jurisprudência –, do Plenário do STJ, de 19/10/1995, publicado no DR, I-A Série, de 28/12/1995).