Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
102/12.0TBMIR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA INÊS MOURA
Descritores: COMPETÊNCIA TERRITORIAL
RESPONSABILIDADES PARENTAIS
INCIDENTE
INCUMPRIMENTO
DIVÓRCIO POR MÚTUO CONSENTIMENTO
CONSERVATÓRIA DO REGISTO CIVIL
Data do Acordão: 10/01/2014
Votação: DECISÃO SUMÁRIA
Tribunal Recurso: MIRA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS. 155, 181 OTM, 96 CPC
Sumário: Estando em causa um acordo de regulação do exercício de responsabilidades parentais, homologado no âmbito de processo de divórcio por mútuo consentimento, que teve lugar em Conservatória do Registo Civil, o incidente intentado com referência ao incumprimento de tal acordo tem de ser suscitado no tribunal da área da residência do menor, nos termos do artº 155 da OTM.
Decisão Texto Integral:

O recurso é o próprio quanto à espécie, efeitos e modo de subida.

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A questão a decidir é simples, pelo que se justifica o julgamento sumário do recurso, nos termos do disposto nos artº 652 nº 1 c) e 656 do C.P.C.

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I. Relatório

E (…) deduziu incidente de incumprimento das responsabilidades parentais contra P (…), alegando que este não procedeu ao pagamento da pensão de alimentos devida ao menor filho de ambos, PJ (…)

Alega que, no âmbito do processo de divórcio por mútuo consentimento que correu termos na Conservatória do Registo Civil de Condeixa- a- Nova, foi homologado o acordo quanto ao exercício do poder paternal do menor, em 28 de Janeiro de 2008, tendo ficado estipulado que o Requerido contribuiria com o valor de € 200,00 mensais, a título de pensão de alimentos, actualizada anualmente de acordo com o aumento do vencimento do pai, ou no caso de dúvida, do salário mínimo nacional. Refere que o Requerido não procedeu ao pagamento da pensão de alimentos desde Fevereiro de 2008 a Abril de 2012, estando em dívida o valor total de € 10.578,88 desconhecendo se o mesmo trabalha ou não.

Conclui pedindo o desconto no vencimento do Requerido da pensão de alimentos do menor e caso tal não se revele possível, a intervenção do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores.

Foi proferido despacho a considerar o Tribunal Judicial da Comarca de Mira incompetente em razão do território para tramitar o presente incidente, pelo facto das responsabilidades parentais terem sido reguladas no divórcio decretado na Conservatória do Registo Civil de Condeixa- a-Nova, entendendo-se ser o Tribunal de Família e Menores de Coimbra, com competência na área de Condeixa a Nova, o competente.

Não se conformando com esta decisão vem a Requerente interpor recurso de apelação da mesma, pedindo a sua revogação e substituição por outra que considere o Tribunal Judicial da Comarca de Mira o competente para tramitar e decidir o incidente de incumprimento das responsabilidades parentais, apresentando para o efeito as seguintes conclusões:

1ª - Da conjugação do preceituado no nº 1 do artigo 181º com o artigo 155º ambos da OTM, resulta uma derrogação desta norma, competindo ao Juiz

titular do processo, ou seja, que homologou as questões reportadas ás responsabilidades parentais conhecer do respetivo incumprimento, competência territorial que poderá sofrer alterações como deriva da seguinte expressão “…podem requerer ao Tribunal que no momento for territorialmente competente nova regulação do poder paternal, cfr. nº 1 do artigo 182º in fine da OTM.

2ª - Já o artigo 96º do CPC refere que a competência territorial se “estende” da ação principal ao incidente que lhe siga. Acontece que nos presentes autos, e na nossa modesta opinião, esta interpretação não poderá ser aplicada. Isto porque,

3ª - Tendo em conta o prefácio ao DL 272/22001, de 13/10, a intenção do legislador foi a de proceder “à transferência de competências para as Conservatórias do Registo Civil em matérias respeitantes a um conjunto de processos de jurisdição voluntária relativos a relações familiares”, conferindo este mesmo DL ao Sr. Conservador as competências taxativamente enunciadas no artigo 12º, permitindo e regulando no artigo 14º a separação de pessoas e bens e o divorcio por mutuo consentimento previstos nos artigos 1773º, 1775 a 1778º-A e 1794º todos do C.C.. O legislador não mais pretendeu que, inexistindo litigio, as partes, cumprindo o disposto naquele artigo 14º, tivessem uma solução/decisão mais célere do que nos Tribunais.

4ª – Pese embora a decisão homologatória do divórcio por mútuo consentimento seja definitiva, já não o são por exemplo os acordos relativos ao poder paternal, assim como as questões relativas a alterações das responsabilidades parentais (art. 182º da OTM), ou ao seu incumprimento, que continuam no âmbito dos Tribunais de Menores e Família ou caso não exista tal competência especializada a sua competência recai sobre os Tribunais de Comarca. Logo, a decisão homologatória do Sr. Conservador não tem caracter jurisdicional na medida em que violaria o artigo 202º do CRP.

5ª - Seguindo nós o entendimento do Exmº. Juiz Tomé D`Almeida podemos concluir que o incidente de incumprimento dará origem a distribuição autónoma, embora com o processamento previsto no artigo 181º da OTM.”

6ª – Logo, o incumprimento da decisão homologatória do Sr. Conservador, não foi proferida nem pelo Tribunal de Família e Menores e nem pelo Tribunal de Comarca, logo para conhecer o presente incidente é o Tribunal da área de residência do menor (artigo 181º,nº 1 ex vi artigo 155, nº 1 da OTM).

7ª – Em conclusão, pese embora estramos no âmbito de um incidente de incumprimento – que deve, em regra, seguir os seus trâmites no Tribunal onde foi regulado o exercício das responsabilidades – na situação dos sub judice, o exercício das responsabilidades do menor PJ (…) foi regulado por acordo no âmbito de divorcio por mútuo consentimento, decretado na Conservatória do Registo Civil de Condeixa-a- Nova. Pelo que, neste caso concreto, o incumprimento de tal acordo deve ser suscitado no Tribunal territorialmente competente nos termos gerais, dando origem a uma distribuição autónoma (cfr. Organização Tutelar de Menores, anotada e comentada, Tomé d`Almeida Ramião, pag. 114).

8ª - A competência territorial para decretar as providências relativas aos

menores estabelecidas naquela lei é fixada em função da residência do menor no momento em que o processo foi instaurado (nos termos do disposto no artigo 155ºda OTM).

9ª – A decisão ora impugnada deve ser revogada e substituída por outra que considere o Tribunal Judicial da Comarca de Mira como o competente para

tramitar e decidir o incidente de incumprimento das responsabilidades parentais.

O Requerido, notificado, não veio apresentar contra-alegações.

II. Questões a decidir

Tendo em conta o objecto do recurso delimitado pela Recorrente nas suas conclusões -artº 635 nº 3 e nº 4 e artº 639 nº 1 a 3 do C.P.C.- salvo questões de conhecimento oficioso- artº 608 nº 2 in fine:

- da (in)competência do Tribunal Judicial da Comarca de Mira para tramitar e decidir o incidente de incumprimento das responsabilidades parentais do menor.

III. Fundamentos de Facto

            Os factos provados com interesse para a decisão da causa são os que constam do relatório elaborado, a que se adita os seguintes factos assentes:

            - no âmbito da regulação das responsabilidades parentais, acordaram os progenitores que o menor ficaria entregue à guarda e cuidados da mãe;

            - a mãe do menor e o menor residem na Rua (…), Mira.

IV. Razões de Direito

- da (in)competência do Tribunal Judicial da Comarca de Mira para tramitar e decidir o incidente de incumprimento das responsabilidades parentais do menor.

A única questão a resolver é a de saber qual o tribunal competente para apreciar e decidir o incidente de incumprimento instaurado: se é o Tribunal de Família e Menores de Coimbra, com competência na área territorial de Condeixa-a-Nova, em cuja Conservatória do Registo Civil foi decretado o divórcio dos progenitores do menor, no âmbito do qual foram reguladas as responsabilidades parentais; ou se, como pretende a Recorrente, é competente o Tribunal Judicial da Comarca de Mira por corresponder ao tribunal da residência do menor.

Não pode deixar de entender-se, o que se adianta, desde já, que a razão está com a Recorrente. Senão vejamos.

O artº 155 da OTM a respeito da competência territorial do tribunal, estabelece, no seu nº 1, que para decretar as providências é competente o tribunal da residência do menor à data em que o processo for instaurado, acrescentando o nº 3 que, se os titulares do poder paternal tiverem residências diferentes, é competente o tribunal da residência daquele a cuja guarda o menor estiver confiado.

O primeiro critério atributivo da competência é assim o da residência do menor à data em que o processo for instaurado, sendo irrelevantes as modificações que ocorram posteriormente, de acordo com o que dispõe o nº 6 do mesmo artigo.

O legislador estabelece depois alguns desvios a este princípio geral, como seja o expresso no artº 181 nº 2 da OTM que se reporta precisamente ao incidente de incumprimento das responsabilidades parentais. Aí se prevê que o requerimento em que é solicitada alguma providência, quando não tiver sido cumprido o acordado ou decidido quanto à situação do menor, seja autuado ou junto ao processo, onde foi proferido tal acordo ou decisão.

A decisão recorrida invoca também o artº 96 nº 1 do C.P.C. (em vigor à data em que a decisão foi proferida) que se refere à competência do tribunal em relação às questões incidentais, dispondo que: “O tribunal competente para a acção é também competente para conhecer dos incidentes que nela se levantam e das questões que o réu suscite como meio de defesa.”

Não há assim dúvidas, e merece o nosso acordo o que expressa nesta parte a decisão recorrida, quando refere que a lei estabelece que o incidente de incumprimento do acordado quanto ao exercício das responsabilidades parentais deve correr por apenso ao processo onde foi fixado o acordo violado, nos termos do artº 181 nº 2 da OTM, preterindo assim a regra do artº 155 que define a competência do tribunal em função da residência do menor.

Já não pode concordar-se é com a conclusão que de seguida é retirada na mesma decisão, no sentido de ser territorialmente competente para conhecer do incidente de incumprimento o tribunal da comarca a que pertence a conservatória que decretou o divórcio. Não há aliás qualquer razão lógica que o justifique, a partir do momento em que tem que ser instaurado um processo novo.

Por um lado, já se vê que, pelo facto de se tratar de um processo de divórcio que correu termos na Conservatória do Registo Civil está inviabilizada a autuação ou a junção do requerimento que suscita o incumprimento, a tal processo, como prevê o artº 181 nº 2 da OTM. Na Conservatória não corre nenhum processo no sentido jurisdicional do termo, bastando verificar que para além de não ser um tribunal na previsão do artº 202 da CRP e não tendo competência para decidir o incidente suscitado, o recurso das partes à Conservatória só pode ter lugar quando existe acordo e não quando existe litígio.

Por outro lado, quer o artº 181 da OTM, quer o artº 96 do C.P.C., têm de ser interpretados no sentido de estarmos perante uma acção ou processo com natureza jurisdicional, que correu ou corre termos no tribunal, o que justifica nesse caso a “extensão” da competência da acção aos incidentes.

Estando em causa um acordo de regulação do exercício de responsabilidades parentais, homologado no âmbito de processo de divórcio por mútuo consentimento, que teve lugar na Conservatória do Registo Civil, o incidente intentado com referência ao incumprimento de tal acordo tem de ser suscitado no tribunal da área da residência do menor, nos termos do artº 155 da OTM. Neste sentido pronuncia-se também Tomé d’Almeida Ramião, in. Organização Tutelar de Menores Anotada e Comentada, em anotação ao artº 181, pág. 92, bem como o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 06/10/2011, in. www.dgsi.pt

É que, neste caso, não existindo processo que anteriormente tenha corrido termos no tribunal, não há fundamento para a derrogação do princípio geral de competência territorial- não pode sequer ter lugar a autuação ou apensação a que alude o artº 181 nº 2 da OTM, o que determina obrigatoriamente a realização de uma distribuição autónoma.

Nesta medida, importa revogar a decisão recorrida, por se entender que o Tribunal competente à data em que o incidente foi suscitado é o Tribunal Judicial da Comarca de Mira, o que se declara.

Tal não obsta à transferência do processo para a 2ª secção do Tribunal de Família e Menores da Comarca de Coimbra, como sede na Figueira da Foz, cuja competência abrange a área territorial de Mira, por força da entrada em vigor a 1 de Setembro de 2014 da Lei 62/2013 de 26 de Agosto e do disposto no artº 75 do Decreto-lei 49/2014 de 27 de Março, para onde são transferidos os processos da jurisdição de família e menores pendentes no Tribunal Judicial da Comarca de Mira.

V. Sumário:

Estando em causa um acordo de regulação do exercício de responsabilidades parentais, homologado no âmbito de processo de divórcio por mútuo consentimento, que teve lugar em Conservatória do Registo Civil, o incidente intentado com referência ao incumprimento de tal acordo tem de ser suscitado no tribunal da área da residência do menor, nos termos do artº 155 da OTM.

VI. Decisão:

Em face do exposto, julga-se procedente o recurso interposto pela Requerente, revogando-se a decisão recorrida que se substitui por outra que considera o Tribunal Judicial da Comarca de Mira o competente para a tramitação do presente incidente, à data em que o mesmo foi instaurado.

Sem custas.

Notifique.

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Tenha em conta a alteração da competência que resulta da Lei 62/2013 de 26 de Agosto, que entrou em vigor em 1 de Setembro de 2014 e o disposto no artº 75 do Decreto-Lei 49/2014 de 27 de Março, por força do que, a partir daquela data, os presentes autos passam a correr termos na 2ª secção do Tribunal de Família e Menores de Coimbra, com sede na Figueira da Foz, para onde são transferidos os processos da jurisdição de família e menores pendentes no Tribunal Judicial da Comarca de Mira.

                                                           *

                                               Coimbra, 1 de Outubro de 2014

                                               Maria Inês Moura (relatora)