Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
400/07.5TBVNO-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ALBERTINA PEDROSO
Descritores: CHEQUE
TÍTULO EXECUTIVO
CHEQUE RASURADO
REVOGAÇÃO
RECUSA DE PAGAMENTO
Data do Acordão: 10/29/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: OURÉM 2º J
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS.1, 3, 4, 12, 25, 29, 32, 51 LUCH, DL Nº 454/91 DE 28/12
Sumário: 1. O facto de uma testemunha ser sócia de uma sociedade e de por essa qualidade ter interesse no litígio, não significa que o seu depoimento não possa ser livremente apreciado pelo tribunal como tendo sido credível, no confronto com os demais meios de prova, mormente documental, existentes nos autos.

2. Demonstrado que a data aposta num cheque foi rasurada pelo exequente para data posterior à inicialmente aposta pela executada, sem o conhecimento nem o consentimento desta, por força do artigo 51.º da LUCH não pode considerar-se tal data posterior como válida para que o mesmo se considere tempestivamente apresentado a pagamento.

3. Desta sorte, sempre poderia ser dada ordem de revogação do mesmo após haver decorrido o período de apresentação a pagamento, contado desde a data inicialmente aposta no mesmo.

4. Porém, no caso dos autos, sendo o cheque pagável à vista e sendo este pós-datado, a executada deu ordem ao Banco para revogar o pagamento do cheque antes da data aposta no mesmo como sendo a acordada para proceder ao pagamento.

5. Não obstante, tal ordem não se confunde com uma revogação do cheque, mas antes com uma recusa legítima de pagamento, em virtude de o mesmo não ser devido, em face da comprovada posterior alteração das circunstâncias em que aquele título foi entregue ao exequente.

Decisão Texto Integral: Acordam na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

I – Relatório

1. E (…) Construções, Ld.ª, por apenso à execução para pagamento de quantia certa que lhe foi movida por A (…), deduziu a presente oposição, pedindo que a mesma seja julgada procedente por provada e, em consequência, a Oponente seja absolvida do pedido.

Para o efeito alegou, em síntese, que:

O exequente adulterou a data de pagamento do cheque que a executada emitiu, com violação do pacto de utilização daquele cheque;

Efectivamente manteve com o exequente relações comerciais no ano de 2006 e, na sequência dessas relações comerciais para efeito de pagamento de transacção comercial emitiu e entregou àquele, no ano de 2006, no mês de Maio, dois cheques;

O primeiro, com o n.º 7254583648 era sacado sobre o M (...) e estava datado para 20 de Maio de 2006; o segundo desses cheques é o dado à execução, sendo que em relação a este refere ter sido a executada que preencheu a totalidade dos elementos nele insertos;

A data correcta como sendo aquela que deveria constar no cheque seria a de 31 de Julho de 2006 e não 31 de Agosto de 2006, como ali consta, o que acontece derivado à alteração da data inicialmente nele aposta;

Tal alteração é causa de revogação do cheque;

Acresce que por via do decurso do prazo previsto no art. 52.º da LUCH o mesmo só pode ser tido como mero quirógrafo da obrigação ainda assim não podendo revestir eficácia executiva pela revogação do mesmo por si operada, em virtude de se ter gorado o negócio inicialmente acordado com o exequente, concluindo nada dever àquele e não poder valer o cheque como título executivo.

2. O exequente contestou, pugnando pela não verificação da alegação da executada em todas as vertentes em que esta discorre para fundar a oposição apresentada, concluindo pela respectiva improcedência.

3. Foi elaborado despacho saneador (fls. 38), dispensando-se a selecção da matéria de facto, atenta a simplicidade da causa.

4. Foi realizada a audiência de discussão e julgamento, após o que a matéria de facto foi respondida nos termos constantes do despacho de fls. 175 a 178, não merecendo qualquer reclamação.

5. Seguidamente foi proferida sentença que julgou procedente a oposição e determinou a extinção da execução.

6. Inconformado com esta decisão o Exequente/Oponido interpôs o presente recurso de apelação que finalizou com as seguintes conclusões:

(…)

7. Pela Recorrida não foram apresentadas contra-alegações.

8. Colhidos os vistos, cumpre decidir.


*****

II. O objecto do recurso[1].

As questões a decidir no presente recurso de apelação são:

- a de saber se deve ser reapreciada a prova produzida e dada como não provada a matéria factual constante dos pontos 3. a 25. sendo, em consequência, a Oposição julgada improcedente prosseguindo a execução os seus termos;

- se inexistiu “falta ou vício na formação da vontade” na emissão do cheque.


*****

III – Fundamentos

III.1. – De facto:

Na decisão recorrida foram considerados assentes os seguintes factos:

1. O exequente deu à execução o cheque n.º 7254583745, datado de 31.08.2006, no montante de €10.000,00 sacado sobre a conta n.º 0033058145278549394 domiciliada no M (...), agência de Santarém.

2. Apresentado a pagamento por depósito na conta do exequente domiciliada no Banco I (...), agência de Fátima veio o cheque a ser devolvido por mandato do banco sacado.

3. A oponente manteve durante o ano de 2006 negócios com o exequente.

4. Para efeito de pagamento de transacção comercial a oponente em Maio de 2006 entregou ao exequente dois cheques.

5. O primeiro cheque com o n.º 7254583648 era sacado sobre o M (...)e estava datado de 20 de Maio de 2006.

6. O segundo desses cheques é o aludido em “1”.

7. Foi a gerência da executada que preencheu a totalidade dos elementos insertos no cheque.

8. A data indicada pela executada para pagamento do cheque foi 31 de Julho de 2006.

9. O exequente alterou a data de pagamento do cheque.

10. O que foi feito sem conhecimento e sem consentimento da oponente.

11. O exequente não informou a executada sobre o que resolveu escrever na data.

12. Durante o ano de 2006 foi convencionado entre o exequente e a executada um negócio nos seguintes moldes: o exequente venderia à executada uma máquina giratória Komatsu PC-240-6LC-Série n.º K30650 pelo preço de €57.475,00; uma máquina giratória Komatsu PC-240-6LCSérie n.º K30465 pelo preço de €63.525,00 e um cilindro AMMANN AV 26 Série 50000309 pelo preço de €12.1000,00.

13. O pagamento pela executada seria feito da seguinte forma: a entrega de uma máquina de rastos Fiat-Allis ( FD20 ); a entrega de um veículo Mercedes E270 cdi no valor de €25.100 e o resto do pagamento €80.000,00 seria feito através de um leasing que o exequente se obrigou a obter.

14. Posteriormente, não estando ainda o leasing aprovado e estando já o exequente na posse dos bens da executada a mesma entregou a máquina giratória Komatsu PC-240-6LC-Série n.º K30650.

15. Solicitou o exequente que a executada lhe entregasse dois cheques no valor de €10.000,00 cada que seriam devolvidos à executada logo que fosse aprovado o leasing.

16. O que esta fez.

17. O primeiro dos cheques foi datado para uma semana depois da entrega da máquina e outro datado para 31 de Julho de 2006.

18. Em Junho de 2006 o exequente informou a executada que tinha vendido para Angola a máquina giratória Komatsu PC-240-6LC-Série n.º K30465.

19. Perante o que exequente e executada combinaram alterar os termos do negócio.

20. Para efeito de acerto de contas e de regularização do negócio em Junho de 2006 exequente e executada combinaram a entrega do cilindro contra a entrega de €6.475,00.

21. E a devolução do cheque datado para 31 de Julho de 2006.

22. Quando a executada tentou proceder ao levantamento do cilindro e do cheque datado para 31 de Julho de 2006 o exequente exigiu, para além do cheque na sua posse o pagamento de mais €20.000,00.

23. Na sequência do que a executada transmitiu ao exequente a perda de interesse no negócio.

24. Posteriormente o exequente informou a executada que tinha novamente a máquina Komatsu PC-240-6LC-Série n.º K30465.

25. Perante o que a executada reiterou a perda de interesse no negócio.


*****

Porque têm relevância para os termos da causa, devem ainda considerar-se provados por documentos os seguintes factos, que se aditam nos termos do artigo 659.º, n.º 3, do Código de Processo Civil[2], aplicável por força do disposto no artigo 713.º, n.º 2:

26. No requerimento executivo datado de 07-03-2007, 19:15:38, para além do referido em 1. e 2., o exequente aduziu que o cheque “foi preenchido, datado, assinado e entregue pela executada ao exequente para pagamento de máquinas a este adquiridas”, e que “a executada deve ao exequente a importância de 10.000,00€, escrita no dito cheque”.

27. A data de 31-08-2006 aposta no cheque dado à execução, encontra-se rasurada, tendo os números correspondentes ao dia e mês um círculo à volta de cada um[3].

28. Conforme carimbo aposto no verso do referido cheque, junto a fls. 8 da execução, este foi devolvido na compensação em 07-09-2006, constando como motivo: “falta ou vício na formação da vontade”.

29. Tal motivo havia sido transmitido ao Banco pela Executada por documento remetido em 20-07-2006.


*****

III.2. - O mérito do recurso

III.2.1. – Reapreciação da matéria de facto

(…)


*****

III.2.2. Da revogação do cheque

Em face da não alteração à matéria de facto nos termos pretendidos pelo Recorrente, a única questão que importa ainda apreciar é a de saber se, como pretende o Exequente, a revogação do cheque foi infundada e em data anterior àquela em que expirou o prazo de apresentação a pagamento e, por tal, nunca poderia produzir efeitos em relação àquele.

Dir-se-á, desde já, que também neste aspecto não lhe assiste razão.

Efectivamente, como é bom de ver, a alegação de que a Executada não tinha fundamento para proceder à revogação do cheque, constitui uma invocação de que a mesma, com tal determinação, incorreu em responsabilidade civil, ao impossibilitar o pagamento do cheque pela instituição bancária, daí que peça agora em execução o pagamento do valor de 10.000,00€ aposto no cheque que, desta feita, sempre valeria como título executivo.

Para o efeito, considera que o cheque foi apresentado a pagamento no prazo legal, já que, encontrando-se datado de 31-08-2006 mercê de solicitação da executada nesse sentido, foi apresentado a pagamento em 07-09-2006, tendo sido devolvido com a referida menção de haver sido revogado com justa causa por falta ou vício na formação da vontade.

Acontece, porém, que ao invés do que havia alegado, o Exequente não demonstrou que tinha havido uma alteração posterior do pacto de preenchimento, configurando um novo pacto entre ele e a executada quanto ao preenchimento da data inicialmente aposta no cheque e que era o dia 31 de Julho de 2006.

Pelo contrário, a executada demonstrou que a data inicialmente aposta no cheque foi o dia 31-07-2006, tendo sido alterada pelo exequente para 31-08-2006, sem o seu conhecimento nem consentimento, e ainda, com vista a demonstrar que o seu comportamento ao revogar o cheque que havia entregue ao exequente não foi ilícito, a executada aduziu factos tendentes a justificar por que razão não tinha que proceder ao pagamento do cheque dado à execução.

Portanto, neste conspecto ao invocar que o cheque é título executivo porque foi atempadamente dado à execução e foi ilicitamente revogado, o exequente estriba-se na ilicitude do comportamento da executada para atribuir a este cheque rasurado a força de título executivo que o cheque possui.

Os pressupostos deste tipo de responsabilidade, designada por responsabilidade por factos ilícitos, agrupam-se num elenco de cinco, a saber: a) o facto; b) a ilicitude; c) a imputação do facto ao lesante; d) o dano; e) um nexo de causalidade entre o facto e o dano[4].

Assim, o facto é ilícito quando viola um direito subjectivo de outrem, de natureza absoluta, ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios, como ocorre quando a norma violada protege interesses particulares, mas sem conceder ao respectivo titular um direito subjectivo, dependendo, então, a indemnização a arbitrar que a tutela dos interesses particulares figure, de facto, entre os fins da norma violada e que o dano se tenha registado no círculo de interesses privados que a lei visa tutelar[5].

            Já quanto à imputação do facto ao lesante, a responsabilidade civil pressupõe, em regra, a culpa, que se traduz numa determinada posição ou situação psicológica do agente perante o facto, consistindo, em sentido amplo, na referida imputação do facto ao agente[6], ou ainda num enquadramento normativo, entendida como a omissão da diligência que seria exigível ao agente medida de acordo com o padrão de conduta que a lei impõe[7].

No tocante ao nexo de causalidade entre o facto e o dano, o artigo 563.º do CC, consagrou a doutrina da causalidade adequada, segundo a qual, na sua formulação positiva, para que um facto seja causa de um dano é necessário, antes de mais, que no plano naturalístico, ele seja condição sem o qual o dano não se teria verificado, e ainda que, em abstracto ou em geral, o facto seja causa adequada do dano; e, na sua formulação negativa, a condição deixa de ser causa do dano sempre que, segundo a sua natureza geral, a mesma era de todo indiferente para a produção do dano e só se tornou condição dele, em virtude de outras circunstâncias extraordinárias, sendo, portanto, inadequada para a ocorrência desse dano[8].

            Já quanto à existência de um dano o mesmo é condição essencial da obrigação de indemnizar: o facto ilícito e culposo tem que causar um prejuízo a alguém, o sofrimento de uma perda nos seus interesses patrimoniais ou mesmo não patrimoniais.

            Ora, volvendo ao caso dos autos e sendo este pressuposto essencial para que o cheque dado à execução possa valer como título executivo analisaremos, em primeiro lugar, se na situação em apreço se verificou ou não um facto ilícito.

            Para tal determinarmos importa antes de mais atentar se o cheque foi apresentado a pagamento no prazo legal, pelo seu legítimo portador.

            Ora, não contendo a Lei Uniforme relativa ao Cheque[9] uma definição de cheque, em face dos requisitos estabelecidos nos respectivos artigos 1.º a 3.º, «[n]a lição dos tratadistas, o cheque é um título cambiário, à ordem ou ao portador, literal, formal, autónomo e abstracto, contendo uma ordem incondicionada, dirigida a um banqueiro, no estabelecimento do qual o emitente tem fundos disponíveis, ordem de pagar à vista a soma nele inscrita.[10]»

            Daqui resulta que, em conformidade com o disposto no artigo 3.º da LUCH, a emissão de um cheque tem na sua base duas relações jurídicas distintas mas ambas estabelecidas entre o respectivo emitente (o sacador, que neste caso é a executada) e o Banco a quem é dirigido (o sacado): a relação cambiária e a relação de provisão.

            A primeira destas relações é a denominada convenção de cheque – acordo que a instituição de crédito (o banco) celebra com o cliente/sacador, pelo qual este, com recurso ao cheque, levanta dinheiro ou efectua pagamentos a terceiro(s) à custa de fundos depositados naquela ou por ela disponibilizados[11] -, a qual é expressa ou tacitamente celebrada entre o cliente titular da conta e o banco, no momento em que este lhe concede os cheques dando-lhe o direito a dispor de fundos por esta via, e que do mesmo passo constitui uma modalidade de mandato específico, sem representação, com vista à realização dos actos jurídicos destinados ao pagamento do montante do cheque quando exista a referida ordem incondicionada de pagamento do montante nele inscrito.

            A segunda das sobreditas relações, prende-se com a existência na conta do emitente de fundos disponíveis, resultando da mesma que o cheque é sacado sobre um banqueiro que tenha fundos à disposição do sacador, o que vale por dizer que só quando se verifique esta relação de provisão é que o banco se obriga por via da convenção de cheque ao cumprimento daquela ordem, só nesse momento se podendo considerar perfeito o mandato e a emissão regular.

            Porém, por força da segunda parte do artigo 3.º da LUCH, a existência de fundos no banco à disposição do sacador não é pressuposto da validade do título apresentado como cheque, o qual não fica ferido de qualquer nulidade nos termos genericamente previstos no artigo 294.º do CC, assim se consagrando o princípio da autonomia da relação cambiária, quer relativamente à relação causal subjacente, quer às diversas relações extracartulares[12]

            De facto, o artigo 12.º da LUCH estabelece que o sacador garante o pagamento, na qualidade de emitente do cheque, o que acontece por forma a facilitar a circulação do cheque enquanto meio de pagamento, por forma a tentar assegurar a boa fé dos respectivos portadores.

            Do exposto decorre que “o Banco sacado não é co-obrigado cambiário, no sentido de que não interveio na relação cartular, nem assinou o cheque – o sacado não pode, nos termos previstos nos artigos 4.º e 25.º da LUCH, aceitar o cheque (título pagável à vista) ou avalizá-lo -, não estando compreendido no elenco dos co-obrigados referidos no artigo 40.º da referida Lei.

            Não existe também qualquer relação jurídica entre o sacado e o tomador do cheque, já que o tomador não participa na convenção de cheque celebrada entre o titular da provisão e o Banco, nem o sacado participa no negócio de emissão[13]”.

            Porém, apesar da inexistência de uma vinculação contratual entre as instituições bancárias e os tomadores de cheques, o certo é que o Banco, em regra, está vinculado ao pagamento do cheque, razão pela qual, nesse sentido, é também um obrigado cambiário[14].

            De facto, sendo certo que o Banco não se encontra na relação dos obrigados cambiários prevista no artigo 40.º da LUCH, não é menos certo que o mesmo, em princípio - caso exista provisão e o cheque tenha sido apresentado no prazo legal -, está legalmente obrigado a proceder ao pagamento do cheque, daí que se entenda que, nessa precisa medida, a tutela da confiança no uso de um meio de pagamento que potencia a circulação do crédito, o erigiu em obrigado cambiário por via da tutela do título de crédito.

            Esta obrigação legal decorre do disposto no artigo 29.º da LUCH quanto ao prazo de apresentação a pagamento, e está consagrada no artigo 32.º da LUCH, nos termos do qual, a revogação do cheque só produz efeito depois de findo o prazo de apresentação, já que a revogação pelo sacador no referido prazo é ineficaz, daqui se devendo concluir que não existem dúvidas sobre a possibilidade de revogação depois de expirado aquele prazo.

            Postas estas considerações gerais, e voltando então ao caso dos autos, sendo certo que o exequente apresentou o cheque a pagamento no dia 07-09-2006, urge verificar se podemos considerar que o fez dentro do prazo legal.

            Mostra-se assente que o cheque dado à execução foi apresentado a pagamento quando estava datado de 31-08-2006, portanto, aparentemente no prazo legal.

            Antes de mais, cabe afirmar que “a apresentação a pagamento não se deve confundir com o depósito do cheque em conta. Esta operação só corresponde àquela se o beneficiário depositar o cheque em conta aberta no banco sacado. De outro modo, o cheque terá de ser objecto de compensação, só esta operação correspondendo à sua apresentação a pagamento”[15].

            Assim, no caso dos autos, deve entender-se que a menção a considerar é a data constante do carimbo da compensação, ou seja, 07-09-2006.

            Relativamente ao prazo de apresentação a pagamento dos cheques, estabelece o artigo 29.º da LUCH que o cheque pagável no país onde foi passado deve ser apresentado a pagamento no prazo de oito dias, donde decorre que, caso a data do mesmo fosse efectivamente o dia 31-08-2006, o mesmo teria sido apresentado no prazo legal.

            Acontece, porém, que a executada logrou demonstrar que a data constante do pacto de preenchimento inicialmente firmado entre as partes era o dia 31 de Julho de 2006 e não o dia 31 de Agosto de 2006, data aposta pelo Exequente no cheque sem o conhecimento nem consentimento.

            Desta sorte, tratando-se de cheque pós-datado, em face da data acordada entre as partes para apresentação a pagamento do cheque – o dia 31 de Julho de 2006 – e demonstrada a sua efectiva apresentação a pagamento em 07-09-2006, dúvidas não existem de que a apresentação a pagamento do cheque emitido pela sacadora não foi efectuada dentro do prazo legal de 8 dias concedido pela Lei Uniforme, concluindo-se que não foi tempestivamente apresentado a pagamento, porquanto a data aposta no mesmo que determinava tal tempestividade foi rasurada pelo exequente.

            Demonstrado que o cheque não foi apresentado a pagamento no prazo legal pelas razões indicadas, e provado que, depois de ter sido regularmente preenchido, assinado e entregue o cheque ao tomador e ora exequente, a sacadora ora executada, solicitou à instituição bancária a respectiva revogação, tendo os mesmos sido devolvidos na compensação com a indicação de haver sido revogado por justa causa, por falta ou vício na formação da vontade, cumpre apreciar se esta conduta da sacadora podia ou não ter sido adoptada, levando ao não pagamento do cheque pelo banco sacado.

            Para o efeito e, em primeiro lugar, cabe reafirmar que o artigo 32.º da LUCH apenas dispõe que no prazo legal de apresentação a pagamento, o cheque não possa ser revogado pelo sacador, referindo que “a revogação do cheque só produz efeito findo o prazo de apresentação”, o que implica não existirem dúvidas sobre a viabilidade da revogação decorrido que seja esse prazo[16].

            Como assentámos supra, o prazo de apresentação a pagamento não pode ser contado, como faz a exequente, desde o dia 31-08, data por si colocada em clara violação do preenchimento inicialmente efectuado, mas sim a partir do dia 31-07, isto em face do preceituado no artigo 51.º da LUCH, de acordo com o qual, no caso de alteração do texto do cheque, os signatários originários ficam obrigados nos termos do texto original.

            Desta sorte, daqui decorre que, nesta perspectiva, sempre existiria viabilidade da revogação do cheque porque se encontrava decorrido o prazo legal de apresentação a pagamento, já que o exequente não demonstrou, conforme invocou e cujo ónus da prova sobre si impendia, que a data de 31-08, havia sido rasurada pelo sócio da executada que lhe tinha pedido para apresentar o mesmo apenas nessa altura.

            Ademais, diga-se ainda que no caso em apreço, e em conformidade com o disposto no artigo 8.º, n.º 3, do Regime Jurídico do Cheque previsto no DL n.º 454/91, de 28 de Dezembro, não havia obrigatoriedade de pagamento do cheque rasurado na data pelo Banco sacado porquanto, constitui, nomeadamente, justificação de recusa de pagamento a existência de sérios indícios de falsificação, furto, abuso de confiança ou apropriação ilegítima do cheque. 

            No caso dos autos, surpreende-se, porém, outra questão quanto à validade da revogação do cheque e que devemos ainda salientar. De facto, como a revogação do cheque foi pedida ainda antes da data aposta no mesmo para pagamento, já que está claramente demonstrado que estamos perante um cheque pós-datado, tal situação pode situar-nos ainda na problemática da revogabilidade do cheque enquanto decorre o prazo de apresentação a pagamento, ou seja, na proibição do seu pagamento pelo Banco ao terceiro que o apresenta a pagamento, depois de o mesmo haver sido emitido e colocado em circulação pelo titular, já que, apesar de pós-datado, o título é pagável à vista.

            E esta problemática coloca-se porquanto, apesar da letra do referido artigo 32.º, existem divergências na doutrina e na jurisprudência relativamente ao momento em que a revogação pode operar.

            Acresce que, sintomático da manutenção de divergências de fundo na doutrina e jurisprudência quanto a parte da questão em apreço é o facto de, poucos meses após ter sido tirado o Acórdão n.º 4/2008 das secções cíveis reunidas do Supremo Tribunal de Justiça, o mesmo Tribunal, desta feita pelas suas secções criminais, ter proferido um outro acórdão de uniformização de jurisprudência, relativo ao alcance do crime de emissão de cheque sem provisão, previsto e punido pelo artigo 11.º, n.º 1, alínea b), do DL n.º 454/91, de 28 de Dezembro, no qual considerou que integra tal ilícito “a conduta do sacador de um cheque que, após a emissão deste, falsamente comunica ao banco sacado que o cheque se extraviou, assim o determinando a recusar o seu pagamento com esse fundamento”, tendo assumido na sua fundamentação posição divergente do referido Acórdão n.º 4/2008, por considerar revogada a segunda parte do corpo do artigo 14.º do Decreto n.º 13 004, de 12 de Janeiro de 1927, em clara oposição àquele que havia concluído pela manutenção em vigor desse preceito.

            A profundidade das divergências que têm pautado esta questão, ficou desde logo plasmada no próprio acórdão uniformizador, tirado com onze votos de vencido, dos quais resulta claramente, para além de outras questões de natureza processual que aqui não têm agora interesse, que as divergências não são de mero pormenor, determinando a decisão da causa de forma oposta, como as declarações de voto espelham. Daí que se nos afigure que a questão está longe de se ter por definitivamente aceite, já que, ao contrário dos Assentos de carácter vinculativo quanto ao sentido a dar à norma na respectiva vigência, o Acórdão Uniformizador “só serve para enfatizar um carácter vinculativo ou obrigatório de uma decisão que é, apenas, meramente persuasiva e mutável”[17], isto apesar de ser vinculativa para os tribunais inferiores.

            Tentando trazer aqui alguma luz sobre a questão das posições que têm sido assumidas a propósito da eficácia da revogação determinada no período legal de apresentação a pagamento e das respectivas consequências, designadamente ao nível da qualificação e efeitos da actuação do sacado em termos de responsabilidade perante o portador do cheque, a que ora nos importa, surpreendemos três posições distintas[18]:

            1 - a que defende que o Banco está vinculado às instruções do seu cliente;

            2 - a que entende que o Banco está vinculado ao cumprimento da obrigação inerente à posição cambiária;

            3 - a que sufraga o entendimento de que o Banco pode optar por seguir ou não as instruções do seu cliente.

            Não pretendendo fazer elenco exaustivo, até porque a questão é lateral relativamente ao caso em apreço, numa breve síntese das mesmas, sempre diremos que:

            - a primeira corrente assenta na ideia base de que o sacado não se obriga perante o sacador uma vez que este, por força do artigo 40.º da LUCH, só tem acção contra o sacador, o endossante e o avalista, razão pela qual o portador do cheque não tem direito de acção contra o sacado nem por via da acção cambiária nem por via da responsabilidade civil por facto ilícito, quando este não pagou o cheque no prazo da apresentação em virtude de determinação do sacador nesse sentido[19];

            - a segunda corrente apoia-se essencialmente no facto de o próprio texto do artigo 32.º da LUCH, não impedindo a revogação durante o prazo de apresentação do cheque a pagamento cominar a sua ineficácia durante esse período, o que determinaria a responsabilização do Banco pelo não pagamento, para alguns fundada na responsabilidade contratual e para outros na extracontratual[20];

            - e, por último, a posição intermédia que entende não ser o sacado obrigado a obedecer à ordem de revogação, mas também não estar vinculado ao cumprimento da obrigação decorrente da sua posição cambiária, podendo escolher entre seguir as instruções do seu cliente, - uma vez que o portador não pode exigir dele o pagamento com base no título de crédito por não ser subscritor nem obrigado cartular -, ou não o fazer porquanto não se encontra vinculado à revogação unilateral que lhe é transmitida pelo seu cliente porque a revogação do cheque só produz efeitos depois de terminado o prazo de apresentação a pagamento[21].

            Sendo certo que esta posição intermédia não tem tido acolhimento na jurisprudência e nem sequer foi focada no acórdão uniformizador n.º 4/2008, temos que este aresto, pelos fundamentos ali vertidos e que aqui nos dispensamos de reproduzir, entre a primeira e segunda posições enveredou pela segunda, uniformizando jurisprudência no sentido de que a instituição bancária que recusa o pagamento de cheque, apresentado dentro do prazo estabelecido no art. 29.º da LUCH, com fundamento em ordem de revogação do sacador, comete violação do disposto na 1.ª parte do art. 32.º do mesmo diploma.

            E esta é a situação que o Exequente entende ter ocorrido no caso dos autos.

            Acontece, porém, que o mesmo confunde duas situações completamente diversas.

            Na verdade, se uma parte das divergências se pode considerar definida pelo Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 4/2008, de 28 de Fevereiro, quanto à questão da revogabilidade do cheque no decurso do prazo de apresentação a pagamento, que uniformizou jurisprudência no sentido de que “[u]ma instituição de crédito sacada que recusa o pagamento de cheque, apresentado dentro do prazo estabelecido no art. 29.º da LUCH, com fundamento em ordem de revogação do sacador, comete violação do disposto na 1.ª parte do art. 32.º do mesmo diploma, respondendo por perdas e danos perante o legítimo portador do cheque, nos termos previstos nos arts. 14.º, 2.ª parte do Dec. n.º 13.004 e 483.º,n.º 1, do Código Civil”, o certo é que o mesmo apenas se reporta a este segmento do problema deixando de fora, por exemplo, as causas que poderão justificar a admissibilidade da revogação do cheque no referido período temporal.

            Efectivamente, da simples leitura do referido acórdão decorre claramente “que nele se distinguiu nitidamente entre a revogação pura e simples do cheque durante o período de apresentação a pagamento e as situações de “revogação” por justa causa, que claramente admitiu, explicitando concretamente que estas últimas situações, “embora muitas vezes referenciadas como justificando a respectiva revogação, exorbitam do âmbito da previsão do Art.º 32 da LUCH, não decorrendo desta mesma norma qualquer obstáculo à recusa do pagamento de tais cheques pelo sacado” porque na verdade, nessas situações de justa causa, não se coloca a questão de revogação, havendo antes uma proibição legítima do pagamento do cheque, que não pode ser negada”[22].

            E esta é claramente a situação dos presentes autos, porquanto, estamos no domínio das relações imediatas, entre sacador e tomador, podendo, consequentemente, discutir-se a relação jurídica subjacente.

            Efectivamente, no caso dos autos não existiu uma revogação pura e simples do cheque durante o período da sua apresentação a pagamento, mas sim uma designada revogação por justa causa, caso em que, em bom rigor, não se coloca a questão da revogação, “mas antes uma proibição legítima do pagamento do cheque, que não pode ser negada”[23].

            Em fundamento dessa distinção salienta-se que “embora muitas vezes referenciadas como justificando a respectiva revogação, exorbitam do âmbito da previsão do artigo 32.º, da LUC, não decorrendo desta norma qualquer obstáculo à recusa do pagamento de tais cheques pelo sacado”[24].

            Assim, tem-se considerado que o sacador dispõe de justa causa para a revogação do cheque quando este for roubado, furtado, falsificado, se extraviar ou, em geral, quando se encontrar na posse de terceiro, em consequência de acto fraudulento, abuso de confiança ou de apropriação ilegítima[25], e também em caso de coacção moral, de incapacidade acidental ou de qualquer situação em que se manifeste falta ou vício na formação da vontade[26], desde que o motivo do não pagamento seja indicado no verso do título.

            Porém, exige-se para a recusa justificada de pagamento “a existência de sérios indícios de falsificação, furto, abuso de confiança ou apropriação ilegítima do cheque”, como claramente resulta do artigo 8.º, n.º 3, do DL nº 454/91, de 28 de Dezembro.

            “Tal entendimento afigura-se isento de reparos, tanto mais que qualquer outro conduziria à inutilização da legislação que, laboriosamente, foi estruturada com vista à protecção do cheque.

            Aliás, só uma recusa motivada e não a mera recusa que se apresente, externamente, desprovida da intencionalidade vinculada pela lei se mostrará, normativamente, justificada, razão pela qual o sistema jurídico associa, em geral, à falta de fundamentação consequências graves, que podem atingir, radicalmente, a validade dos actos jurídicos praticados[27].

            Daí que inclusivamente se considere que, quando demandado por não ter pago o cheque revogado, o fundamento da sua actuação deve ser declarado pelo sacado que recusou o pagamento dos cheques, porquanto se não pagar sem justificar os motivos para tanto, limitando-se a justificar tal actuação com a fórmula tabelar que do verso dos mesmos consta, ou seja, «revogação com justa causa - falta ou vício na formação da vontade», e sem alegar e provar que curou de averiguar da existência indiciária dos vícios invocados pelo sacador, viola o disposto nos artigos 40.º, da LUCH, e 8.º, n.ºs 2 e 3, do DL n.º 454/91, de 28 de Dezembro, na redacção do DL n.º 316/97, de 19 de Novembro, caso em que se mostra desde logo efectivamente verificada a ilicitude do não pagamento[28].

            Efectivamente, a simples aposição no verso dos cheques da menção “revogado por justa causa – falta ou vício na formação da vontade”, desprovida de quaisquer outros elementos factuais que a suportem, constituiria uma enunciação meramente conclusiva e retórica, sem qualquer espécie de relevância indiciária para os fins em vista porquanto seria meramente conclusiva e conceitual, isto quer perante a fórmula vaga utilizada, quer em face de qualquer uma das espécies concretas que a mesma compreende, e que vão desde a simulação à coacção física e moral, passando pelas várias modalidades de erro que podem configurar a existência de «falta ou vício na formação da vontade»[29].

            Ciente desta diferença essencial entre a revogação pura e simples e o não pagamento do cheque com fundamento na invocada justa causa, na matéria de facto foram convocados os factos pertinentes que a este respeito haviam sido alegados pela Executada, sendo agora tempo de aqui relembrar o que se provou, com interesse para a qualificação jurídica em causa.

            E provou-se que na sequência do negócio inicialmente acordado entre as partes e enquanto o leasing não fosse aprovado, tendo procedido à entrega da primeira máquina, o exequente solicitou à executada que lhe entregasse dois cheques no valor de €10.000,00 cada que seriam devolvidos à executada logo que fosse aprovado o leasing, o que esta fez, tendo o primeiro dos cheques sido datado para uma semana depois da entrega da máquina e outro datado para 31 de Julho de 2006.

Acontece que, em Junho de 2006 o exequente informou a executada que tinha vendido para Angola a máquina giratória Komatsu PC-240-6LC-Série n.º K30465, perante o que exequente e executada combinaram alterar os termos do negócio, e para efeito de acerto de contas e de regularização do negócio, em Junho de 2006, exequente e executada combinaram a entrega do cilindro contra a entrega de €6.475,00, bem como a devolução do cheque datado para 31 de Julho de 2006.

Porém, quando a executada tentou proceder ao levantamento do cilindro e do cheque datado para 31 de Julho de 2006 o exequente exigiu, para além do cheque na sua posse o pagamento de mais €20.000,00, na sequência do que a executada transmitiu ao exequente a perda de interesse no negócio.

            No entanto, como vimos, o exequente manteve ilegitimamente em seu poder o cheque dado à execução, uma vez que, considerando os valores do negócio em causa e o acordo quanto à devolução deste cheque contra a entrega de €6.475,00, no pressuposto da entrega do cilindro pelo exequente, é bem claro que, mesmo que lhe fosse entregue esta máquina, a executada já não devia ao exequente os 10.000,00€ constantes do cheque mas apenas o indicado valor, daí a devolução do cheque. Acontece que, como demonstrado, nem sequer o cilindro foi entregue, donde resulta que a executada demonstrou que o exequente não é credor dos 10.000,00€ apostos no cheque dado à execução.

            Como assim, verifica-se uma proibição legítima do pagamento do cheque, que, por tal motivo, não podia ser negada pela instituição bancária e que não faz incorrer a executada na responsabilidade cambiária resultante do cheque, por ter ficado indemonstrada a relação jurídica subjacente ao mesmo.


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III.3. Síntese conclusiva:

I - O facto de uma testemunha ser sócia de uma sociedade e de por essa qualidade ter interesse no litígio, não significa que o seu depoimento não possa ser livremente apreciado pelo tribunal como tendo sido credível, no confronto com os demais meios de prova, mormente documental, existentes nos autos.

II - Demonstrado que a data aposta num cheque foi rasurada pelo exequente para data posterior à inicialmente aposta pela executada, sem o conhecimento nem o consentimento desta, por força do artigo 51.º da LUCH não pode considerar-se tal data posterior como válida para que o mesmo se considere tempestivamente apresentado a pagamento.

III - Desta sorte, sempre poderia ser dada ordem de revogação do mesmo após haver decorrido o período de apresentação a pagamento, contado desde a data inicialmente aposta no mesmo.

IV - Porém, no caso dos autos, sendo o cheque pagável à vista e sendo este pós-datado, a executada deu ordem ao Banco para revogar o pagamento do cheque antes da data aposta no mesmo como sendo a acordada para proceder ao pagamento.

V - Não obstante, tal ordem não se confunde com uma revogação do cheque, mas antes com uma recusa legítima de pagamento, em virtude de o mesmo não ser devido, em face da comprovada posterior alteração das circunstâncias em que aquele título foi entregue ao exequente.


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IV - Decisão

Pelos fundamentos expostos, acorda-se em julgar improcedente o recurso, confirmando-se a sentença recorrida.

Custas pelo Recorrente/Exequente.


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Coimbra, 29 de Outubro de 2013

Albertina Pedroso ( Relatora )

Carvalho Martins

Carlos Moreira


[1] Com base nas disposições conjugadas dos artigos 660.º, 661.º, 664.º, 684.º, n.º 3, 685.º-A, n.º 1, e 713.º, n.º 2, todos do Código de Processo Civil, é pacífico que o objecto do recurso se limita pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo evidentemente daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, não estando o Tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos produzidos nas conclusões do recurso, mas apenas as questões suscitadas, e não tendo que se pronunciar sobre as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.
Doravante abreviadamente designado CPC, aqui aplicável na redacção decorrente do Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto.
[3] No caso, as partes estão de acordo acerca da existência de uma rasura no cheque. Tal facto deve ser, assim, considerado assente. No que as partes não estão de acordo é no que diz respeito à concreta natureza e características da rasura e às circunstâncias em que ela foi feita (estes, sim, factos controvertidos a carecer de prova que foi efectuada) - e, bem assim, nas respectivas consequências jurídicas, o que já constitui matéria de direito.
[4] No entender do Professor Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. I, pág. 478, entendimento que é maioritariamente seguido. Já o Professor Pessoa Jorge, Ensaio sobre os pressupostos da responsabilidade civil, Coimbra - 1995, pág. 55, reduz esses mesmos pressupostos a dois: acto ilícito e prejuízo reparável.
[5] Autor e obra citada, págs. 362 a 369.
[6] No dizer de Galvão Teles, Direito das Obrigações, 7ª edição, revista e actualizada, 1997, pág. 346. Note-se que esta imputação do facto ao agente, para além do dolo em qualquer uma das suas modalidades, pode ainda resultar, no âmbito da denominada mera culpa, de negligência consciência - quando o agente prevê a produção de um facto ilícito como possível, mas, por leviandade, precipitação, desleixo ou incúria, crê na sua não verificação, e só, por isso, não toma as providências necessárias para o evitar -, ou mesmo de negligência inconsciente, que ocorre quando o agente não chega sequer a conceber a possibilidade de o facto se verificar, por imprevidência, descuido, imperícia ou inaptidão, podendo e devendo prevê-lo e evitar a sua verificação, se usasse da diligência devida – cfr. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, I, págs. 394 e 395.
[7] Vd. Menezes Leitão, Direito das Obrigações, I, 8ª edição, 2009, pág. 313; Menezes Cordeiro, Direito das Obrigações, 2º volume, AAFDL, 1990, pág. 309.
[8] Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, I, pág. 651 e ss..
[9] Resultante da Convenção Internacional de Genebra, de 19 de Março de 1931, e doravante designada abreviadamente LUCH.
[10] Ferrer Correia e António Caeiro (Revista de Direito e Economia, Ano IV, n.º 2 Julho/Dezembro de 1978, pág. 457), que transcrevem a definição de cheque da autoria de Giorgio de Semo, in Diritto Cambiaro, Giuffrè, Milano, 1953, pág. 718.
[11] Na definição de Paulo Olavo Cunha, em anotação ao Acórdão de Uniformização de Jurisprudência, n.º 4/2008, de 28 de Fevereiro, publicada nos Cadernos de Direito Privado, n.º 25, Janeiro/Março 2009, pág. 17.
[12] Cfr. José Maria Pires, O Cheque, Rei dos Livros, Lisboa, 1999, pág. 28.
[13] Cfr. Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 4/2008, de 28 de Fevereiro, processo n.º 542/06 – 1.ª secção, disponível em www.dgsi.pt.
[14] No sentido defendido por Paulo Olavo Cunha, loc. cit., pág. 22.
[15] Cfr. Paulo Olavo Cunha, loc. cit., pág. 17.
[16] Cfr. Paulo Olavo Cunha, ob. cit. Pág. 17.
[17] Cfr. declaração de voto do Cons. Salvador da Costa no citado Acórdão Uniformizador n.º 4/2008. Note-se que o art.º 2.º do Código Civil determinava a força vinculativa geral dos "assentos" do Supremo Tribunal de Justiça. Porém, pela revisão operada pelo Dec.-Lei n.º 329-A/95, de 12-12, foi eliminado tal preceito, tendo os art.ºs 678.º, n.ºs 4 a 6, 732.º-A, 732.º-B e 762.º, n.º 3 do CPC permitido a "revista ampliada", pela qual é uniformizada ou fixada jurisprudência vinculativa para os Tribunais, sendo sempre recorríveis as decisões proferidas contra essa uniformização.
[18] Veja-se a sistematização adoptada por Paulo Olavo Cunha, loc. cit., págs. 20 e 21.
[19] Cfr. neste sentido, na doutrina, FILINTO ELÍSIO, “A Revogação do Cheque”, “O Direito”, Ano 11º, 1968, Fascículo nº 4, Outubro/Dezembro, páginas 450 a 505; FERRER CORREIA e ANTÓNIO CAEIRO, “Revista de Direito e Economia, Ano IV, nº 2, Julho-Dezembro, 1978, páginas 462, a 471; MANUEL COUCEIRO NOGUEIRA SERENS, “Natureza Jurídica e Função do Cheque”, Revista da Banca, nº 18, Abril/Junho 1991, página 99; SOFIA DE SEQUEIRA GALVÃO, “Contrato de Cheque”, Lisboa, 1992; ALBERTINO SOARES PARENTE, “Revogação do Cheque e Ordem de não Pagamento”, Lisboa, 1994 - tese de mestrado; ARMINDO SARAIVA MATIAS, “Direito Bancário”, Coimbra, 2000, páginas 264 a 267; GERMANO MARQUES DA SILVA, “Proibição de Pagamento do Cheque, Da Necessária Articulação da Lei Uniforme Relativa ao Cheque, do Regime Jurídico do Cheque Sem Provisão e do Regulamento do Sistema de Compensação Interbancária”, “Estudos de Homenagem ao Professor Doutor Raul Ventura, Volume II, 2003, páginas 81 a 101; e ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, “Manual de Direito Bancário”, Coimbra, 2005, páginas 486 e 487. Na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, os acórdãos proferidos antes do referido Acórdão Uniformizador n.º 4/2008: de 22 de Outubro de 1943, de 20 de Dezembro de 1977, de 10 de Maio de 1989, de 14 de Janeiro de 1998, de 19 de Junho de 2001, de 20 de Novembro de 2003, de 3 de Fevereiro de 2005, de 7 de Dezembro de 2005 e de 21 de Novembro de 2006.
[20] Cfr. defendendo a responsabilização da instituição bancária por via da responsabilidade contratual para os que qualificam a convenção de cheque como um contrato a favor de terceiro, e da responsabilidade extracontratual, pela violação dos deveres decorrentes da sua actividade, JOSÉ OLIVEIRA ASCENSÃO, “Direito Comercial”, volume III, Títulos de Crédito, 1992, páginas 256 e 257; EVARISTO MENDES, Cheque, Crime de Emissão de Cheque Sem Provisão, Inconstitucionalidade, Revista de Direito e Estudos Sociais, Abril-Setembro - 1999, Ano XXXX (XIII da 2ª Série), nºs 2 e 3; JOSÉ MARIA PIRES, “ O Cheque”, Lisboa, 1999, páginas 93 a 101; ALBERTO LUÍS, “O Problema da Responsabilidade Civil dos Bancos por Prejuízos que Causem a Direitos de Crédito”, Revista da Ordem dos Advogados, Ano 59º, Dezembro de 1999, páginas 895 a 914; PAULO OLAVO CUNHA, “O Cheque Enquanto Título de Crédito, Evolução e Perspectivas”, Estudos de Direito Bancário, Coimbra, 1999, páginas 243 a 261; JORGE HENRIQUE DA CRUZ PINTO FURTADO, “Títulos de Crédito”, Coimbra, 2000, páginas 264 a 267; e JORGE SIMÕES PATRÍCIO, “Direito Bancário Privado”, Lisboa, 2004, páginas 197 a 214. Na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, 6 de Dezembro de 1990, de 19 de Outubro de 1993, de 6 de Fevereiro de 1997, de 19 de Janeiro de 2000 (Assento), de 5 de Julho de Julho de 2001, de 2 de Novembro de 2004, de 15 de Março de 2005 e de 10 de Maio de 2007.
[21] Cfr. anotação de Paulo Olavo Cunha, dando conta desta posição adoptada pelo Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, no seu Parecer n.º 39/88, de 7 de Março de 1991.
[22] Cfr. Acórdão do STJ, de 29-04-2010, Processo n.º 4511/07.9TBLRA.C1.S1, in www.dgsi.pt.
[23] Cfr. Acórdãos STJ, de 29-04-2010, Proc.º n.º 4511/07.9TBLRA.C1.S1, e de 13-07-2010, Proc.º n.º 5478/07.9TVLSB.L1.S1, disponíveis in www.dgsi.pt.
[24] Cfr. citado Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 4/2008.
[25] Cfr. Artigos 14.º, § único, do Decreto n.º 13.004, de 12 de Janeiro de 1927, e 8.º, n.º 3, do DL n.º 454/91, de 28 de Dezembro, com as alterações introduzidas pelo DL n.º 316/97, de 19 de Novembro.
[26] Cfr. Instrução n.º 125/96, Instrução n.º 25/2003 (que entrou em vigor no dia 27 de Outubro de 2003, revogando integralmente a Instrução nº 125/96 (BNBP nº 5, 15.10.96, e se aplica ao tempo dos facto), e actualmente Instrução n.º 3/2009, do Regulamento do Sistema de Compensação Interbancária.
[27] Cfr. Acórdão STJ, de 12-10-2010, Proc.º n.º 2336/07.0TBPNF.L1.S1, disponível in www.dgsi.pt.
[28] Cfr. neste sentido, Acórdão Uniformizador e o que acabamos de citar.
[29] Cfr. neste sentido, Acórdão STJ, de 29-04-2010, Proc.º n.º 4511/07.9TBLRA.C1.S1, disponível in www.dgsi.pt.