Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
208/14.1JACBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: VASQUES OSÓRIO
Descritores: IMPUGNAÇÃO AMPLA DA MATÉRIA DE FACTO
Data do Acordão: 11/16/2016
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COIMBRA (INSTÂNCIA CENTRAL – J2)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 127.º, 412.º E 417.º DO CPP
Sumário: I - O regime disciplinador da impugnação ampla da matéria de facto impõe ao recorrente a observância do ónus de uma tripla especificação: a especificação dos concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; a especificação das concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida; a especificação das provas que devem ser renovadas.

II - Quando as concretas provas tenham sido provas gravadas, as duas últimas especificações devem ser feitas por referência ao consignado na acta da audiência de julgamento, com a concreta indicação das passagens em que se funda a impugnação.

III - Finalmente, devem todas estas especificações constar ou poder ser deduzidas das conclusões formuladas (cfr. art. 417º, nº 3 do C. Processo Penal).

IV - Os meios de prova especificados pelo recorrente são insusceptíveis de imporem a modificação da decisão de facto proferida pela 1ª instância, no sentido por si pretendido.

V - Os factos provados impugnados pelo recorrente têm pleno suporte na prova que o tribunal colectivo, de forma conjugada, apreciou e valorou, à luz do princípio da livre apreciação, previsto no art. 127.º do C. Processo Penal, pelo que se mantêm nos exactos termos em que foram fixados pela 1ª instância.

Decisão Texto Integral:



Acordam, em conferência, na 4ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra

 

I. RELATÓRIO

            No Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra – Coimbra – Instância Central – Secção Criminal – J2, o Ministério Público requereu o julgamento, em processo comum, com intervenção do tribunal colectivo, dos arguidos, A... e B... , ambos com os demais sinais nos autos, imputando-lhes a prática, em co-autoria material, de um crime de tráfico agravado, p. e p. pelos arts. 21º, nº 1 e 24º, h) do Dec. Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, com referência à Tabela I-C, anexa.

            Por acórdão de 15 de Abril de 2016, foram os arguidos absolvidos da prática do imputado crime de tráfico agravado e condenados, pela prática de um crime de tráfico de menor gravidade, p. e p. pelos arts. 21º, nº 1 e 25º do Dec. Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, o primeiro, na pena de um ano e dez meses de prisão, e a segunda, na pena de um ano e quatro meses de prisão, suspensa na respectiva execução pelo mesmo período, com regime de prova.


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            Inconformado com a decisão, recorreu o arguido A... , formulando no termo da motivação as seguintes conclusões:

            1. Vem o presente recurso interposto do acórdão proferido que condenou o recorrente A... , na pena de um ano e dez meses de prisão pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade.

2. Não pode o recorrente conformar-se com tal decisão, quer no que tange à matéria de facto fixada, quer no que concerne à solução de direito.

3. Para efeitos do disposto no artigo 412.º do CPP, impugnam-se os seguintes pontos da matéria dada por provada: Pontos 2, 3, 5, segunda parte do ponto 6, 10 e 14.

4. Para dar esta factualidade como assente, socorreu-se o Tribunal a quo da prova documental junta aos autos e essencialmente do depoimento da testemunha D... , inspetora da Polícia Judiciária e da testemunha C... , antigo companheiro de cela do aqui recorrente, sendo que o depoimento desta última testemunha se encontra gravado entre as 15:31:32 e 15:58:28.

5. Sucede que a testemunha C... teve um depoimento muito pouco credível, contradizendo-se e eximindo-se a qualquer responsabilidade sobre as cartas apreendidas à arguida B... , que foram escritas pelo aqui recorrente, conforme confessou, mas a pedido do seu colega de cela, a testemunha C... .

6. Esta testemunha teve um depoimento completamente "atabalhoado" e contraditório ao explicar o modo como conheceu a arguida B... .

7. Na verdade, de acordo com o que disse em Tribunal, embora, reafirma-se, contradizendo-se a todo o momento, para esta testemunha foi o recorrente quem apresentou a arguida B... à testemunha e não o contrário.

8. Ora, existem nos autos documentos que provam que a arguida B... começou primeiro por visitar a testemunha C... e só depois é que passou a ser visita do recorrente.

9. Por outro lado, estando o aqui recorrente detido a cumprir pena de prisão há vários anos, sem nunca ter usufruído de qualquer precária, ao contrário da testemunha, não é verosímil, que tenha sido ele a apresentar a arguida à testemunha.

10. Na verdade, e como acabou por confessar, a testemunha conheceu a arguida B... numa das precárias que gozou antes de ter sido castigado no E.P., justamente por lhe ter sido apreendido produto estupefaciente.

11. Obviamente a testemunha jamais admitiria em tribunal que tinha pedido ao recorrente para lhe escrever as referidas cartas e fazer os desenhos que constam da mesma.

12. Com efeito, esta testemunha limita-se a defender-se de qualquer culpa que possa ter na existência dos escritos que serviram de suporte à condenação.

13. Pelo exposto, não repugna de modo algum, nem ofende as regras da experiência comum que, ao contrário do que se deu por provado no ponto 2 do douto acórdão, o teor dos escritos apreendidos, embora escritos pelo arguido, tenham sido ditados pela testemunha C... , na altura companheiro de cela do recorrente.

14. Por outro lado, o Tribunal a quo fez tábua rasa das declarações da arguida B... que assumiu e confessou que a droga apreendida se destinava ao seu consumo pessoal.

15. A arguida B... é toxicodependente desde os 18 anos de idade, consumindo todo o tipo de drogas: haxixe, heroína e cocaína.

16. A arguida justificou o porquê de lhe ter sido apreendido, no interior do E.P. de Coimbra, a quantidade correspondente a uma dose de canábis, explicando que a tinha escondido nas cuecas em Aveiro por causa dos NIC'S e quando chegou a Coimbra esqueceu-se de a tirar.

17. Atenta a quantidade de droga apreendida (uma dose – de acordo com o exame pericial junto aos autos), o tipo de estupefaciente (canábis) e o facto de a arguida ser consumidora deste e de outros produtos estupefacientes, não repugna nem ofende as regras da experiência comum que aquela droga se destinasse ao seu próprio consumo e não certamente a entregar ao arguido aqui recorrente para este vender no interior do estabelecimento prisional.

18. Considerar que a mesma se destinava ao recorrente, para este traficar no interior do E.P., só porque ia visitá-lo e porque lhe foram apreendidas duas cartas, que o recorrente assumiu ter escrito em nome de outro recluso e a pedido deste, salvo o devido respeito, não é prova cabal nem suficiente para condenar o arguido pelo crime de tráfico de produtos estupefacientes.

19. Para além disso, ao aqui recorrente, a quem são apontadas instruções dadas à pessoa da arguida através de uns escritos, em momento algum daquele dia, ou qualquer outro, teve ou manteve qualquer contacto com substâncias estupefacientes ilícitas introduzidas no E.P. pela arguida B... , razão pela qual não se pode subsumir o comportamento deste em qualquer um dos comportamentos enunciados em sede do teor normativo 21º, n.º 1 do DL 15/93 de 22/1.

20. Objectivamente, não pode ser condenado pela prática de um crime de tráfico de produtos estupefacientes de menor gravidade.

21. Por outro lado, e atendendo a que em momento algum, o recorrente acedeu à posse de tais produtos – recorde-se 1,52 gramas de resina de canábis –, não vislumbramos que comportamento foi pelo mesmo adoptado que integre o normativo pelo qual foi condenado.

22. Acresce que, os antecedentes criminais não podem servir para formar a convicção do Tribunal. O facto de o arguido ter sido condenado há pouco tempo pela prática de um crime de tráfico de produtos estupefacientes, não é elemento de prova. Só com factos concretos é que o tribunal pode condenar, tudo o resto são meras especulações ou conclusões que se não forem corroboradas por elementos de prova, não passam disso mesmo, ou seja, de especulações ou conclusões.

23. Por todo o exposto deveria o recorrente ter sido absolvido da prática do ilícito em causa.

24. Com o acórdão proferido foi violado o disposto no art. 25º do DL 15/93 de 22 de Janeiro.

Termos em que deverá ser concedido provimento ao presente recurso, conforme o alegado, assim sendo feita JUSTIÇA!


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            Respondeu ao recurso a Digna Magistrada do Ministério Público, formulando no termo da contramotivação as seguintes conclusões:

            1 – Na discordância que manifestou quanto ao decidido em matéria de facto, o recorrente limita-se a alegar a existência de dúvidas, a desvalorizar as declarações prestadas pela testemunha C... e o teor dos escritos juntos ao processo e a transcrever excertos de um ou outro depoimento que, em seu entender, justificariam interpretação que, sendo diversa daquela a que o tribunal chegou, corresponderia àquela por si pretendida. fá-lo, porém, de forma não integrada, descontextualizada de uma análise de cada meio probatório no seu todo e de uma apreciação concertada de todos eles, apenas de modo a fundamentar uma opinião diferenciada e que mais lhes conviria.

2 – No entanto, a impugnada decisão em matéria de facto resultou de uma livre e fundamentada apreciação da prova, privilegiada pela oralidade e imediação na sua produção e aferida pelas regras da experiência, constituindo o julgamento de facto uma das possíveis soluções, segundo as regras da experiência comum.

3 – A essa apreciação da prova veio a corresponder uma acertada enumeração da factual idade provada e não provada, devidamente fundamentada, e um subsequente e correcto enquadramento dos factos no direito.

4 – Assim e perante a prova produzida e decorrente da factual idade estabelecida, concluiu, o Tribunal, como se impunha, pela verificação de todos os elementos (objectivos e subjectivo) constitutivos do crime imputado e censurado ao arguido.

5 – No crime de tráfico de estupefacientes «punem-se, como realizações do crime consumado, comportamentos recuados, em relação à efectiva consumação, dado o cariz particularmente perigoso das actividades em questão e a ideia do tráfico como processo e não como resultado dum processo, não sendo, pois, concebível a tentativa deste tipo de crimes».

6 – O douto acórdão recorrido não interpretou deficientemente qualquer preceito legal e, designadamente, o disposto nos artigos 21.º e 24.º, alínea h) e 25.º, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro e os artigos 22.º, 23.º e 73.º do Código Penal.

Nestes termos e pelo mais que, Vossas Excelências, Senhores Juízes Desembargadores, segura e sabiamente não deixarão de suprir, negando-se provimento ao recurso interposto e, consequentemente, confirmando-se o acórdão condenatório proferido, far-se-á Justiça.


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Na vista a que se refere o art. 416º, nº 1 do C. Processo Penal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, acompanhando a resposta do Ministério Público, e concluiu pelo não provimento do recurso.

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            Foi cumprido o art. 417º, nº 2 do C. Processo Penal.

            Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir.


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II. FUNDAMENTAÇÃO

            Dispõe o art. 412º, nº 1 do C. Processo Penal que, a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido. As conclusões constituem pois, o limite do objecto do recurso, delas se devendo extrair as questões a decidir em cada caso.

Assim, atentas as conclusões formuladas pelo recorrente, as questões a decidir, sem prejuízo das de conhecimento oficioso, são:

- A incorrecta decisão proferida sobre a matéria de facto; e

- A consequente absolvição do recorrente.


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Para a resolução destas questões importa ter presente o que de relevante consta do acórdão recorrido. Assim:

A) Nele foram considerados provados os seguintes factos:

“ (…).

            1. A arguida B... foi namorada do arguido A... , que se encontra a cumprir pena de prisão no Estabelecimento Prisional de Coimbra.

2. Em dia não concretamente apurado, mas anterior a 10/4/2014, os arguidos A... e B... , de comum acordo e em conjugação de esforços e vontades elaboraram um plano, que permitisse a esta introduzir produtos estupefacientes no Estabelecimento Prisional de Coimbra, para que aquele posteriormente o vendesse a outros reclusos.

3. Para o efeito, em 10/4/2014, o arguido A... enviou à arguida B... uma carta, fazendo-se passar por C... , explicando detalhadamente os processos que esta deveria adoptar para cortar, acondicionar e transportar o produto estupefaciente para o interior do E.P.

4. A arguida B... por diversas vezes visitou o arguido A... , designadamente nos dias 9/5/2014, 19/5/2014. 30/5/2014, 15/6/2014, 28/6/2014, 13/7/2014, 27/7/2014, 23/8/2014 e 31/8/2014.

5. No dia 13/9/2014, seguindo as instruções do arguido A... , a arguida acondicionou um pedaço de haxixe em plástico celofane e ocultou o mesmo no interior das suas cuecas.

6. Nesse mesmo dia, por volta das 10 horas, a arguida B... deslocou-se uma vez mais ao Estabelecimento Prisional de Coimbra, sito nesta cidade, com o intuito de visitar o arguido A... e de lhe entregar o referido produto estupefaciente.

7. A arguida aguardou a sua vez de entrar naquele Estabelecimento Prisional e, na zona de alta segurança, foi sujeita aos procedimentos normais de segurança, evidenciando claros sinais de nervosismo.

8. Após, a arguida foi sujeita a revista pessoal, tendo-se constatado que a mesma levava consigo escondido no interior das suas cuecas 1 (um) pedaço de uma substância vegetal prensada, de cor castanha, envolta em plástico transparente, a qual sujeita a exame pericial, verificou tratar-se de canábis (resina), com o peso líquido, de 1,636 gramas, representando uma dose de produto, considerando o seu grau de pureza, na mala um telemóvel marca Nokia, IMEI (...) , com o cartão telefónico n.º (...) inserido.

9. A arguida B... não exerce qualquer actividade remunerada lícita.

10. Todo o produto estupefaciente apreendido à arguida B... destinava-se a ser entregue ao arguido A... , que depois o iria vender a outros reclusos em troca de dinheiro.

11. O arguido A... não é consumidor habitual de produtos estupefacientes.

12. A arguida B... bem sabia a natureza do produto estupefaciente que transportava escondido nas suas cuecas, querendo levá-lo consigo para o interior do Estabelecimento Prisional de Coimbra a fim de entregar tal produto ao arguido A... , que depois o venderia a outros reclusos, dentro do Estabelecimento Prisional onde se encontra, em troca de dinheiro.

13. Os arguidos B... e A... conheciam a natureza e as características do estupefaciente apreendido, bem sabendo que a sua compra, venda, cessão a qualquer título e transporte é proibida e punida por lei penal.

14. Agiram os arguidos B... e A... , de forma livre, voluntária e consciente, em comunhão de esforços e vontades e mediante plano previamente elaborado, com o intuito concretizado de introduzirem produtos estupefacientes, designadamente canábis, no interior do Estabelecimento Prisional de Coimbra, e dessa forma disseminar tal produto pelos reclusos para assim obterem compensação económica.

            15. Mais sabiam os arguidos que as suas condutas eram, proibidas e punidas por lei penal.

16. A... provém de uma família numerosa (6 irmãos), de modesta condição socioeconómica e cuja dinâmica relacional foi marcada por problemas de alcoolismo do pai que, nessa sequência, exercia violência doméstica sobre a mulher c os filhos.

17. Depois de algum insucesso escolar, abandonou o ensino, aos 15 anos de idade, com apenas o 6.º ano de escolaridade concluído.

18. Seguiu-se o ingresso na actividade laboral, tendo trabalhado na construção civil, na limpeza de matas, na venda ambulante por conta de um indivíduo de etnia cigana, na jardinagem, área em que chegou a trabalhar por conta própria e, à data da prisão, era motorista de pesados, no transporte de mercadorias, principalmente, fardos de palha, para Espanha.

19. A... viveu maritalmente, durante 4 anos, com uma cidadã ucraniana, que dele se separou devido às suas ausências por vários dias, como motorista e à vida nocturna que levava.

20. Em Agosto de 2004, o arguido estabeleceu novo relacionamento afectivo com K..., tendo ficado a viver numa casa de renda em (...) , Nazaré.

21. Porém, tal como tinha acontecido com a anterior relação, esta foi afectada pelas ausências daquele, durante as quais a companheira regressava a casa dos pais que, desde o primeiro momento, não o aceitaram, devido à má conotação das pessoas com quem convivia.

22. O arguido recebia os amigos em sua casa, onde K... deixou de morar a partir de Janeiro de 2005, embora a continuasse a frequentar.

            23. Apesar de aquele referir que eram pessoas da sua confiança e com estilos de vida socialmente adequados, a ex-companheira sentia-se constrangida com a sua presença, tendo sido com esses mesmos amigos que praticou o crime de homicídio qualificado, pelo qual cumpre a pena de 25 anos de prisão.

24. A... foi preso em 18-04-2005 pela prática dos crimes de homicídio qualificado, profanação de cadáver e furto qualificado, encontrando-se, à data dos factos, a viver sozinho e a trabalhar sem qualquer vínculo contratual, mas mediante solicitação pontual, ora como motorista, ora como jardineiro.

25. Embora tivesse terminado a relação com companheira, esta visitou-o, ainda, durante alguns meses no estabelecimento prisional, apesar de guardar alguma mágoa pelo facto do arguido lhe ter mentido relativamente a alguns aspectos da sua vida pessoal e, principalmente, pelos crimes cometidos, que o mesmo negava.

26. Dos contactos efectuados, na altura, com a PSP da Nazaré, apurou-se que o mesmo era tido, pela comunidade em geral, um indivíduo socialmente integrado.

27. Entrado, inicialmente, no E.P. de Leiria, o arguido veio transferido para o E.P. de Coimbra em 24-05-2006, apresentando um percurso prisional com algumas oscilações de comportamento, registando algumas infracções, nomeadamente, por agressões a colegas, desobediência, tráfico de droga e posse de dinheiro.

28. Em contrapartida, tem manifestado interesse e motivação por adquirir competências, vindo a ocupar o tempo de reclusão de forma útil quer no exercício de actividades laborais, no gabinete de desenho e no sector de encadernação, quer na frequência de cursos.

            29. Fez um curso de carpintaria que lhe deu equivalência ao 9.º ano de escolaridade e, desde Outubro de 2014, encontra-se a frequentar um curso de climatização e refrigeração que terminará em Outubro do ano em curso e que lhe dará equivalência ao 12.º ano de escolaridade.

30. Desde que entrou no E.P. de Coimbra, o arguido passou a ser acompanhado pela médica psiquiatra que então ali exercia funções, vindo a dar continuidade a essas consultas nos Serviços de Psiquiatria dos HUC com a toma regular de medicação – anti-depressivos e estabilizador de humor.

31. Tendo cumprido já um longo período de reclusão (aproximadamente 11 anos), sem ter beneficiado de saídas jurisdicionais, o arguido tem contado com o apoio da família, embora os pais, só pontualmente, o venham visitar, devido a problemas de saúde.

32. Os pais são reformados e têm no seu agregado o filho mais novo, que é deficiente mental.

33. O arguido conta, também, com o apoio de uns tios matemos, que residem em Braga, em cujo agregado pretende integrar-se futuramente, uma vez ser seu propósito afastar-se do meio onde cometeu o crime de homicídio, que teve grande impacto social.

34. O seu percurso prisional nem sempre tem sido regular, registando várias punições, o que demonstra ter grande dificuldade na interiorização de regras e no controlo dos seus impulsos, parecendo pouco intimidado com a reclusão, apesar de revelar algum constrangimento relativamente ao desfecho do presente processo.

35. O arguido apresenta, no entanto, alguns factores positivos, nomeadamente, apoio e enquadramento familiar adequados e o interesse que tem vindo a manifestar por adquirir competências, vindo a manter-se regularmente activo no exercício de actividades laborais c formativas.

            36. O processo de desenvolvimento da arguida B... decorreu em Aveiro, integrada num agregado familiar monoparental desde o primeiro ano de vida, em virtude da morte do progenitor.

37. Integrou o agregado familiar da avó materna até aos seis anos de idade, vendo alterada a estrutura familiar com o início de nova relação conjugal por parte da progenitora, alterando-se também o seu contexto sócio residencial com a mudança de domicílio para bairro social da cidade, Bairro (...) , onde decorreu todo o seu processo de desenvolvimento e onde viveu até início do ano transacto.

38. Figura como a segunda descendente do primeiro relacionamento da mãe, tendo mais três irmãos uterinos fruto do segundo relacionamento desta.

39. Ao longo do seu crescimento, descreve condições de vida modestas mas adequadas, suportadas pela actividade laboral desenvolvida pela mãe (limpezas), companheiro desta (construção civil) e recurso a apoios sociais, não referindo quaisquer privações ao nível da satisfação das necessidades básicas.

40. Ao nível da sua formação escolar, B... refere ter progredido até ao 5.º ano de escolaridade, com progressiva manifestação de níveis insuficientes de investimento e desmotivação para a prossecução dos estudos, seguido de abandono do sistema de ensino por vontade própria, por volta dos 14 anos de idade, vindo mais tarde a frequentar alguns cursos de formação profissional os quais não concluiu.

41. No plano laboral faz referência ao desenvolvimento de actividades na área das limpezas, empregada de mesa em cafés, repositora em supermercado, entre outras.

            42. Estas experiências laborais revestiram-se de um carácter precário, sem qualquer vínculo contratual e de curta duração, sendo predominantes os períodos de inactividade.

43. Ao longo do seu crescimento relacionou-se essencialmente com pares do seu meio sócio residencial, avaliando esse contexto como problemático, onde considera ter sido exposta a inúmeros factores de risco, nomeadamente, pelo convívio com pares com comportamento desviante, associado aos consumos aditivos, os quais veio a iniciar por volta dos 18 anos de idade.

44. O consumo dessas substâncias marcou significativamente o seu percurso de vida, comprometendo a sua inserção sócio familiar e profissional assumindo um papel totalmente desestruturante nas suas vivências, passando estas a centrar-se na satisfação desses consumos.

45. Neste âmbito, é acompanhada pela Equipa de Tratamento do Centro de Respostas Integradas de Aveiro (CRI) desde 30/04/2002.

46. Desde Janeiro/2008 está integrada em Programa de Manutenção com Agonista Opiáceo (Metadona), para tratamento da sua dependência.

47. Esteve internada em Unidade de Desabituação de 27/03/2015 a 08/04/2015, dando entrada nessa data na Comunidade Terapêutica Lua Nova (Coimbra), onde permaneceu até 21/09/2015, tendo sido expulsa por incumprimento de regras.

48. Retoma acompanhamento no CRI de Aveiro a 22/09/2015 para tratamento da sua toxicodependência e encaminhamento para Centro de Acolhimento Temporário (CAT), face à indisponibilidade de familiares para a receberem.

49. Deu entrada em CAT da Fundação CESDA – Centro Social do Distrito de Aveiro, em 29/09/2015.

            50. No plano afectivo, B... manteve relacionamentos pouco estáveis, tendo sido mãe pela primeira vez aos 20 anos de idade e aos 24 anos.

51. Os filhos, E... (11 anos) e F... (7 anos), encontram-se aos cuidados de uma tia materna, mantendo contactos regulares com a arguida.

52. A família (mãe, irmãos e tia materna) apesar das dificuldades, têm-se afirmado como elementos de suporte na sua vida.

53. B... , actualmente com 31 anos de idade, encontra-se acolhida no CAT da Fundação CESDA – Centro Social do Distrito de (...) , desde 29/09/2015.

54. No plano laboral, está desempregada há longa data, aguardando estabilização pessoal e ao nível do seu estado de saúde para efectuar a sua inscrição no IEFP de Aveiro, para procura de trabalho e autonomização.

55. No presente, refere viver exclusivamente com o apoio da instituição onde se encontra acolhida e de familiares.

56. Ocupa o tempo no desenvolvimento de actividades dentro da instituição, colaborando nas tarefas solicitadas, mantendo um comportamento adequado.

57. Ainda não existe previsão de data de saída da sua instituição, sendo que, quando tal acontecer, a arguida poderá vir a beneficiar de apoio económico através do Rendimento Social de Inserção, o que lhe permitirá assegurar a sua subsistência e arrendar espaço habitacional.

58. Mantém acompanhamento na Equipa de Tratamento – CRI de Aveiro, comparecendo para consultas com periodicidade semanal ou quinzenal. Segundo a Equipa de Tratamento, desde que retomou o acompanhamento (22/09/2015), a arguida tem aderido positivamente ao acompanhamento médico, psicológico e social, cumprindo as prescrições medicamentosos, apresentando resultados negativos nas pesquisas de substâncias psicoactivas, confirmando a sua abstinência.

59. Apresenta nesta fase um afastamento de anteriores pares e locais associados ao consumo de drogas, convivendo predominantemente com pessoas da instituição e com familiares, os quais continuam a prestar-lhe apoio.

60. A arguida encontra-se em acompanhamento nesta Equipa no âmbito de uma Suspensão da Pena com Regime de Prova, pelo período de 3 anos e 9 meses, de 04/05/2015 a 04/04/2019, (Processo n.º 866/14.7PBAVR, Comarca de Aveiro, Aveiro – Inst. Local – Secção Criminal – J3) e de uma medida de Trabalho a Favor da Comunidade (Processo n.º 1542/13.3PBAVR, Comarca de Aveiro, Aveiro – Inst. Local – Secção Criminal – J2).

61. No âmbito desses acompanhamentos, desloca-se a esta Equipa com periodicidade mensal, assumindo uma postura de adesão, aceitando a intervenção dos técnicos da DGRSP e colaborando no cumprimento do estipulado judicialmente.

62. Justifica a sua ligação ao sistema da justiça pela dependência de substâncias psicoactivas.

63. Relativamente ao presente processo situa a ocorrência dos factos num período de significativa desorganização pessoal em que residia sozinha no Bairro (...) , sem condições na habitação (sem água e luz), ausência de recursos económicos ou apoio familiar e sem auxílio médico especializado.

64. No percurso de vida da arguida destaca-se o início do consumo de estupefacientes por volta dos 18 anos de idade que, progressivamente, determinou um quotidiano desestruturado, predominantemente caracterizado pela satisfação das necessidades de consumo, por relações sociais pró-criminais e, a certa altura, por prática criminal.

65. B... apresenta como necessidades de intervenção prioritárias as áreas da problemática aditiva, emprego e das relações sociais que privilegiam os contactos pró-criminais.

66. A arguida B... foi condenada pela prática de um crime de roubo e de violação de domicílio, na pena de 110 dias de multa e 13 meses de prisão, substituída por 390 horas de prestação de trabalho a favor da comunidade, por factos praticados em 16 de Outubro de 2013, tendo a decisão sido proferida em 1 de Julho de 2014, transitada em julgado em 16 de Setembro de 2014.

67. A arguida B... foi condenada pela prática de um crime de roubo, na pena de 3 anos e 9 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, mediante regime de prova, por factos praticados em 23 de Junho de 2013, tendo a decisão sido proferida em 26 de Março de 2015 e transitada em julgado em 4 de Maio de 2015.

68. A arguida B... foi condenada pela prática de um crime de roubo, na pena de 17 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, por factos praticados em 20 de Fevereiro de 2014, tendo a decisão sido proferida em 26 de Fevereiro de 2015 e transitada em julgado em 27 de Abril de 2015.

69. O arguido A... foi condenado no Proc. Sumário n.º 1192/00APBLRA do 1º juízo criminal do Tribunal Judicial de Leiria, pela prática, em 24.08.2000, de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, por decisão de 13.09.2000, transitada em julgado em 28.09.2000 na pena de 60 dias de multa.

70. O arguido A... foi condenado no Proc. Sumário nº 163/99 do Tribunal Judicial da Nazaré, pela prática em 11.10.99, de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, por decisão de 16.10.99, transitada em julgado em 02.11.99 na pena de 70 dias de multa.

71. O arguido A... foi condenado no P.C.C. nº 98/05.5TALRA do Tribunal Judicial da Nazaré, pela prática em 11.04.2005 de um crime de homicídio qualificado, um crime de profanação de cadáver ou de lugar fúnebre e um crime de furto qualificado, por decisão de 12.07.2006, transitada em julgado em 01.08.2006 na pena de 25 anos de prisão.

72. O arguido A... foi condenado no P.C.S. nº 21/05.7GAACB do 3º juízo do Tribunal Judicial de Alcobaça, pela prática em 16.01.2005 de um crime de desobediência, por decisão de 16.03.2007, transitada em julgado em 10.04.2007 na pena de 7 meses de prisão.

73. O arguido A... foi condenado no P.C.C. n.º 193/13.7JACBR, da Instância Central Criminal de Coimbra, pela prática em 2 de Maio de 2013 de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, por decisão de 12 de Fevereiro de 2015, transitada em julgado em 11 de Novembro de 2015, na pena de 5 anos e 6 meses de prisão.

(…)”.

B) Nele foram considerados não provados os seguintes factos:

“ (…).

1. O telemóvel apreendido à arguida B... foi um objecto utilizado na actividade de tráfico de estupefacientes desenvolvida pelos arguidos, que lhe pertencia e tinha sido por ela adquirido com os proveitos económicos auferidos na venda de estupefacientes, sendo utilizado nos contactos relacionados com esta actividade.

2. A arguida B... não era consumidora de produtos estupefacientes.

            3. Nas visitas efectuadas pela arguida B... ao recluso A... , mencionadas em 4) dos factos dados como provados, aquela tenha agido com o intuito concretizado de entregar ao A... produto estupefaciente que previamente havia ocultado na roupa.

            (…)”.

            C) E dele consta a seguinte motivação de facto:

            “ (…).

            A prova é apreciada de acordo com as regras da experiência e a livre convicção do julgador (art. 127º do C. Processo Penal), liberdade que não pode nem deve significar o arbítrio ou a decisão irracional "puramente impressionista-emocional que se furte, num incondicional subjectivismo, à fundamentação e à comunicação" (Prof. Castanheira Neves, citado por Prof. Germano Marques da Silva. Curso de Processo Penal, I, 43).

Pelo contrário, a livre apreciação da prova exige uma apreciação crítica e racional fundada, é certo, nas regras da experiência, mas também nas da lógica e da ciência, e tudo para que dela resulte uma convicção do julgador objectivável e motivável únicas características que lhe permitem impor-se a terceiros.

Ensina o Prof. Figueiredo Dias (Lições de Direito Processual Penal, 135 e ss.), que no processo de formação da convicção há que ter em conta os seguintes aspectos: - a recolha dos dados objectivos sobre a existência ou não dos factos com interesse para a decisão, ocorre com a produção de prova em audiência, - é sobre estes dados objectivos que recai a livre apreciação do tribunal, como se referiu, motivada e controlável, balizada pelo princípio da busca da verdade material, - a liberdade da convicção anda próxima da intimidade pois que o conhecimento ou apreensão dos factos e dos conhecimentos não é absoluto, tendo como primeira limitação a capacidade do conhecimento humano, portanto, as regras da experiência humana, assim, a convicção assenta na verdade prático-jurídica, mas pessoal, porque para a sua formação concorrem a actividade cognitiva e ainda elementos racionalmente não explicáveis como a própria intuição.

            Esta operação intelectual, não é uma mera opção voluntarista sobre a certeza de um facto, e contra a dúvida, nem uma previsão com base na verosimilhança ou probabilidade, mas a conformação intelectual do conhecimento do facto (dado objectivo) com a certeza da verdade alcançada (dados não objectiváveis), e para ela concorrem as regras impostas pela lei, como sejam as da experiência, da percepção da personalidade do depoente – aqui relevando, de forma especialíssima, os princípios da oralidade e da imediação – e da dúvida inultrapassável que conduz ao princípio “in dubio pro reo” (cfr. Ac. do T. Constitucional de 24/03/2003, DR. II, nº 129, de 02/06/2004, 8544 e ss.).

Por fim, é de atender ao facto de a subjectividade da conduta, o dolo e a consciência da ilicitude ou ainda a intenção específica que lhe presidiu, há-de revelar-se de modo indirecto, pela análise da conduta material e concreta empreendida à luz das regras da experiência (salvo os casos de confissão).

Como se menciona no Acórdão do S.T.J. de 12.9.2007, publicado em «(…) o indício apresenta-se de grande importância no processo penal, já que nem sempre se tem à disposição provas directas que autorizem a considerar existente a conduta perseguida e então, ante a realidade do facto criminoso, é necessário fazer uso dos indícios, como o esforço lógico-jurídico intelectual necessário antes que se gere a impunidade (…) O juízo de inferência deve ser razoável, não arbitrário, absurdo ou infundado, respeitando a lógica da experiência da vida; dos factos base há-de derivar o elemento que se pretende provar, existindo entre ambos um nexo preciso, directo, segundo as regras da experiência» (in www.dgsi.pt). Ou, como se afirma no Acórdão da Relação do Porto de 23.2.1993, in B.M.J. 324, pág. 620 especificamente no que concerne ao elemento subjectivo da infracção ; "(…) dado que o dolo pertence à vida interior de cada um, é portanto de raiz subjectiva, insusceptível de directa apreensão. Só é possível captar a sua existência através de factos materiais comuns de que o mesmo se possa concluir, entre os quais surge com maior representação o preenchimento dos elementos integrantes da infracção. Pode comprovar-se a verificação do dolo por meio de presunções ligadas aos princípios da normalidade ou das regras da experiência." (in www.dgsi.pt).

No caso em apreço, ouvidos os arguidos os mesmos apresentaram uma versão dos factos perfeitamente inverosímil, na medida em que a arguida referiu que destinava a droga que tinha dissimulada no interior das suas cuecas para seu consumo e que se tinha esquecido de a tirar aquando da visita ao seu namorado, como perfeitamente inverosímil foi a versão do arguido ao confirmar a autoria dos escritos que foram apreendidos na carteira da arguida e que, para além do mais, fornecia instruções a esta sobre o modo de introduzir droga na cadeia, referindo que se limitou a escrever o que lhe foi ditado pelo seu companheiro de cela, C... , quando do próprio teor se infere, sem margem para quaisquer dúvidas, que as cartas foram escritas pelo arguido e correspondem a uma comunicação entre ambos, embora o arguido tenha indicado como remetente o nome de C... , claramente numa manobra para se eximir a eventuais responsabilidades penais, se as mesmas viessem a ser lidas por terceiros ou apreendidas. Estas versões não lograram convencer o tribunal, desde logo porque a arguida denotou nervosismo quando foi sujeita aos procedimentos normais de segurança e caso a droga fosse para seu consumo, certamente não a transportaria acondicionada naquele local para o interior do Estabelecimento Prisional, Aliás, os escritos trocados entre os arguidos evidenciam que os mesmos combinaram estratagemas para introdução de droga na cadeia.

Não só estas versões são muito pouco credíveis tendo presente as regras de experiência, como o próprio teor dos escritos o desmente, pelo seu teor e conteúdo. Foi ainda tido em consideração, para firmar a convicção do Tribunal, a informação de serviço de fls. 29, auto de revista e apreensão de fls. 31, auto de apreensão de fls. 32 a 39, fotografias de fls. 41 e 42, auto de notícia de fls. 43, registo de visitas do arguido A... de fls. 115 a 117, documentos de fls. 199 a 203, nos termos já assinalado supra.

            Foi ainda tido em consideração o testemunho de D... , inspectora da Polícia Judiciária de Coimbra e que confirmou as circunstâncias em que apreendeu a droga que a arguida B... tinha na sua posse, bem como os escritos que guardava na sua mala, tendo o próprio C... refutado a versão (inverosímil) apresentada pelo arguido A... .

Mais se considerou a prova pericial existente nos autos, vertida nos relatórios de toxicologia forense de fls. 105 e 364 quanto à qualidade e quantidade de droga apreendida, relatório de perícia à letra de fls. 194 a 198 e no auto de exame de conteúdo do telemóvel apreendido à arguida de fls. 120 a 125 e constantes no suporte digital que consta nos autos a fls. 119, elucidativo do relacionamento existente entre os arguidos e proximidade existencial tida entre os dois.

Quanto às condições económicas e sociais dos arguidos atendeu-se aos relatórios da DGRSP e também relativamente à arguida B... à informação médica de fls. 389 e 390, dali resultando que a mesma tem, desde há longos anos, problemas de toxicodependência, contrariamente ao arguido, não sendo o mesmo tido pela DGRSP como toxicodependente ou com problemas de adição, circunstância aliás corroborada pelo próprio nas declarações que prestou em audiência de discussão e julgamento.

No que diz respeito aos antecedentes criminais, o Tribunal atendeu ao teor dos CRC junto aos autos.

No que concerne à factual idade dada como não provada, tal ficou a dever-se a ter ficado por demonstrar que o telemóvel havia sido utilizado para a actividade de tráfico, na medida em que, das conversas que surgem espelhadas a fls. 124, não resulta que os arguidos tivessem utilizado este meio para combinar o modo de introduzir droga no Estabelecimento Prisional, ficando ainda por demonstrar, que a arguida B... tivesse feito entregas de droga, das vezes que visitou o recluso e anteriores à apreensão registada no dia 13 de Setembro de 2014.

            Por outro lado, as informações sociais e médicas coligidas nos autos apontam claramente para a situação de adição da arguida B... , pelo que se desconsiderou que a mesma não fosse consumidora habitual de estupefacientes, o que não invalida, como é evidente, que o Tribunal ficasse plenamente convencido que a porção que a arguida tinha na sua posse no Estabelecimento Prisional não se destinava ao seu consumo, mas antes o destinava a ser entregue ao recluso A... , aqui arguido e com quem mantinha uma relação amorosa, dadas as circunstâncias evidencias supra.

            (…)”.


*

*


Da incorrecta decisão proferida sobre a matéria de facto

1. Alega o recorrente – conclusões 3 a 22 – que os pontos 2, 3, 5, segunda parte do 6 e 10 e 14 dos factos provados como tal não poderiam ter sido considerados, uma vez que a convicção do tribunal colectivo se fundou no depoimento da testemunha C... que foi atabalhoado, contraditório e desresponsabilizador, carecendo, por isso, de credibilidade, e na desconsideração das declarações da arguida que é dependente do consumo de haxixe, heroína e cocaína e assumiu que a droga apreendida se destinava ao seu consumo pessoal, não violando as regras da experiência comum que se considere que as cartas apreendidas à arguida, embora escritas por si [recorrente], foram ditadas pela testemunha C... e que o estupefaciente apreendido era para consumo da arguida e não, para ser traficado no estabelecimento prisional, tanto mais que nunca esteva na sua [do recorrente] posse pelo que não pode, e muito menos, com base na sua recente condenação por crime de tráfico, ser condenado por idêntico crime, ainda que de menor gravidade.   

Contrária é a posição da Digna Magistrada do Ministério Público para quem o específico teor dos escritos apreendidos e as conversações por telemóvel havidas entre recorrente e arguida demonstram a relação de intimidade entre ambos e o real significado daqueles escritos, tudo em ordem à introdução de estupefaciente no estabelecimento prisional pela arguida a fim de, aí, o entregar ao recorrente.

Vejamos.

Vimos repetidamente sublinhando a circunstância de a lei configurar o recurso de facto como um remédio para sanar o que tem por excepcional no julgamento feito pela 1ª instância, o erro na definição do facto. Por isso, o recurso não foi e não pode ser perspectivado como um novo julgamento, como se o efectuado na 1ª instância não tivesse existido.

Nesta decorrência, e de acordo com a estrutura legal do recurso, compete exclusivamente ao recorrente fixar o seu objecto, através da indicação precisa do erro ou dos erros que entende terem sido cometidos pelo julgador. E a forma como tal indicação deve ser feita consta do art. 412º, nºs 3 e 4 do C. Processo Penal.

Assim, o regime disciplinador da impugnação ampla da matéria de facto, ali previsto, impõe ao recorrente a observância do ónus de uma tripla especificação: a especificação dos concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; a especificação das concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida; a especificação das provas que devem ser renovadas [esta, nos termos do art. 430º, nº 1 do C. Processo Penal, apenas quando se verificarem os vícios da sentença e existam razões para crer que a renovação permitirá evitar o reenvio]. Acresce que, quando as concretas provas tenham sido provas gravadas, as duas últimas especificações devem ser feitas por referência ao consignado na acta da audiência de julgamento, com a concreta indicação das passagens em que se funda a impugnação. Finalmente, devem todas estas especificações constar ou poder ser deduzidas das conclusões formuladas (cfr. art. 417º, nº 3 do C. Processo Penal).

 Porém, não basta para a procedência da impugnação e, portanto, para a modificação da decisão de facto, que as provas especificadas permitam uma decisão diversa da proferida pelo tribunal. É que, decidindo este, salvo existência de prova tarifada, de acordo com as regras da experiência e a livre convicção [o que, não raras vezes, é ignorado pelos recorrentes], é necessário que as provas por si especificadas, na observância do referido ónus, imponham decisão diversa da recorrida. A demonstração desta imposição recai também sobre o recorrente, que deve, para tanto, relacionar o conteúdo específico de cada meio de prova que impõe decisão diversa da recorrida com o facto individualizado que considera incorrectamente julgado (Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, 2007, Universidade Católica Editora, pág. 1135).

Dito isto.

2. No cumprimento do ónus de especificação dos concretos pontos de facto considerados incorrectamente julgados, o recorrente como tal indicou os pontos 2, 3, 5, segunda parte do 6 e 10 e 14 dos factos provados do acórdão recorrido portanto, todos os factos que conduzem ao preenchimento, por si, do crime de tráfico por cuja prática foi condenado.

No cumprimento do ónus de especificação das concretas provas que impõem decisão diversa o recorrente fez referiu a relevância probatória dada pelo tribunal colectivo, na motivação de facto do acórdão, ao depoimento da testemunha D... e ao depoimento da testemunha C... , a relevância probatória dada aos escritos apreendidos à co-arguida e a desconsideração probatória dada às suas [do recorrente] declarações e às declarações da co-arguida, embora os segmentos da prova gravada transcritos pertençam às declarações da co-arguida e ao depoimento da testemunha C... .

É assim claro que é com base na análise que faz destes dois depoimentos conjugados com o teor dos identificados documentos que o recorrente suporta a impugnação deduzida e pretende a modificação da decisão de facto, no sentido de passarem a não provados os factos sindicados.

i) Diz o recorrente que a co-arguida, na audiência de julgamento, afirmou se consumidora de drogas, e que o estupefaciente que lhe foi aprendido se destinava ao seu consumo pessoal, trazendo-a consigo para a consumir ao longo do dia e tendo entrado com ela no estabelecimento prisional, nas cuecas porque, simplesmente, se esqueceu de a tirar.

As transcrições dos segmentos deste depoimento que constam do corpo da motivação vão no sentido de comprovarem a alegação feita.   

Ouvido o registo gravado de tais declarações, dele resulta ter a arguida assumido a qualidade de consumidora de haxixe, heroína e cocaína, ter afirmado que conheceu o co-arguido, que na data dos factos era seu namorado, através da testemunha C... , ter afirmado que levava a droga apreendida, que era para seu consumo, nas cuecas, para não ser apanhada pela polícia, não a tendo deixado em casa porque já estava na estação, ter afirmado que, depois, se esqueceu que levada droga mas que esta não era para entregar ao co-arguido, ter afirmado que as cartas que lhe foram apreendidas foram enviadas pela testemunha C... .

O consumo de drogas designadamente, de heroína, por parte da co-arguida está provado [pontos 43 a 49 dos factos provados]. Está também provado que lhe foi apreendida no estabelecimento prisional, quando ia a uma visita, uma porção de resina de canabis, com o peso líquido de 1,636 gramas, que levava escondida no interior das cuecas, envolta em plástico transparente [pontos 7 e 8 dos factos provados].

Podendo admitir-se que a impugnada segunda parte do ponto 6 dos factos provados respeita apenas ao segmento «(…) e de lhe entregar o referido produto estupefaciente.» não é, no entanto, absolutamente seguro que assim seja, podendo a impugnação abranger o segmento «(…) com o intuito de visitar o arguido A... e de lhe entregar o referido produto estupefaciente.». Se assim for, tendo a co-arguida admitido que na data dos factos namorava com o recorrente, e resultando da informação da Direcção-Geral dos Serviços Prisionais, Estabelecimento Prisional de Coimbra, de fls. 117, que a co-arguida era, desde 9 de Maio de 2014, visita assídua do recorrente tendo, inclusivamente, visita marcada para 13 de Setembro de 2014, mostra-se plenamente suportado pela prova produzida e valorada pelo tribunal colectivo o facto de a co-arguida, quando se dirigiu ao Estabelecimento Prisional de Coimbra, na manhã do dia 13 de Setembro de 2014, aí ia visitar o recorrente e co-arguido A... .

É evidente que a detenção por uma cidadã que é dependente, há mais de uma década, do consumo de estupefacientes, designadamente, de heroína, de uma porção de canabis com o peso líquido de 1,636 gramas é plenamente compatível com o consumo próprio, como destino do estupefaciente detido.

Mas o que escapa, plenamente, a qualquer padrão de normalidade, é que a dita cidadã saia de casa levando a droga escondida nas cuecas, para não ser apanhada pela polícia, quando ia visitar o namorado que estava preso num estabelecimento prisional, onde sabia, por ser visitante assídua, que ia ser sujeita a revista pessoal, conseguindo ainda, não obstante a zona corporal, naturalmente sensível, onde levava a droga escondida que, por isso mesmo, não poderia deixar de a incomodar.

Aliás, a audição do registo gravado das declarações da co-arguida – não obstante as limitações que a imediação da prova sofre, nesta âmbito – expõe, de forma inequívoca, a inconsistência e consequente falta de credibilidade deste meio de prova.

ii) Por outro lado, basta atentar na carta que foi apreendida à co-arguida também no dia 13 de Setembro de 2014, no Estabelecimento Prisional de Coimbra, com data de 10 de Abril de 2014, junta a fls. 201 a 202, para afastar a versão por aquela apresentada relativamente ao destino da droga que, nas descritas circunstâncias, ali lhe foi apreendida.

Na verdade, não restam dúvidas sobre a identidade de quem a escreveu. Foi o recorrente, como o próprio reconheceu nas declarações que prestou na audiência de julgamento [facto que reafirma na alegação do recurso] e se mostra também suportado pela conclusão do Relatório de Exame Pericial de fls. 194 a 196. 

Porém, a versão por este apresentada – limitou-se a escrever o que a testemunha C... lhe ditava – mostra-se completamente carecida de razoabilidade. Em primeiro lugar porque sendo a co-arguida sua namorada [nas declarações prestadas na audiência de julgamento o recorrente admitiu ter conhecido a co-arguida numa visita desta a outro recluso, que no Verão de 2014 passaram a namorar, que no dia 13 de Setembro de 2014 ia receber uma visita da co-arguida, que a droga a esta apreendida não era para si, e que há muito não consumia estupefacientes, consumo que, no entanto, sempre foi esporádico], o conteúdo da missiva tem, em parte, conteúdo manifestamente pessoal e, mesmo, sexual, revelador de uma relação íntima com a destinatária, incompatível, portanto, com os esforços do mandante [na versão do recorrente] para iniciar uma relação de namoro com aquela, não fazendo então sentido que o recorrente a tenha escrito em nome e por conta de terceira pessoa. Em segundo lugar porque [não obstante os, manifestamente inconsistentes, esforços do recorrente para o justificar], na parte em que a carta descreve um procedimento de fragmentação e embalamento de porções maiores de haxixe, é feita expressa referência ao dito C... , como terceira pessoa [no segmento «(…) tens que as fazer bem feitas para entregares a outra pessoa e não acontecer o que aconteceu, já uma vez com o C... que não trazia plástico. Tu quando isolas podes dar um pouco de calor no plástico e colar … Fala então com a Cátia para nós começarmos a ter visita juntos e ao mesmo tempo tu acompanhas todos os passos dela e juntos podemos observar na visita o comportamento destes dois e assim se houver falhas termos tempo de as corrigir.»], o que não é compatível, dada a mais do que razoável capacidade epistolar do recorrente, com a afirmada circunstância de a missiva estar a ser escrita pelo recorrente de acordo com aquilo que o C... lhe ditava.

Acresce que a testemunha C... , tendo admitido, nas declarações que prestou na audiência de julgamento, que tinha estado preso com o recorrente e, pelo menos, entre Fevereiro e Agosto de 2014, na mesma cela, afirmou, num primeiro momento, que conheceu a co-arguida numa visita que lhe foi marcada pelo recorrente, e que teve uma ou duas visitas dela, visitas que acabaram quando começou a perceber o propósito dela [sem que o tenha esclarecido, limitando-se a uma mera insinuação], negou, de forma veemente, ter ditado quaisquer cartas ao recorrente, negou ter tentado namorar a co-arguida e ter sido aliciado para introduzir droga no estabelecimento prisional.

É verdade que, a pergunta de Ilustre Advogada, rectificou a primitiva afirmação quanto ao conhecimento da co-arguida, afirmou já não saber se conheceu a co-arguida da forma inicialmente descrita ou numa saída precária.

Não sendo de esperar que a testemunha viesse admitir qualquer responsabilidade nos factos objecto dos autos, nem que, atenta até a sua condição de ex-recluso e aos ‘códigos de conduta’, chamemos-lhe assim, a que está ou se sente sujeito, viesse produzir um depoimento absolutamente rectilíneo, certo é que, no que respeita à negação de responsabilidade no conteúdo da carta apreendida, ele se mostra conforme à análise que sobre o conteúdo desta supra deixamos expresso [a respeito deste conteúdo, uma palavra apenas para, com todo o respeito, afastar o argumento da Digna Magistrada do Ministério Público de que, tendo a testemunha C... olhos verdes – e concedemos que assim seja, embora tal não conste dos factos provados do acórdão em crise – não faz sentido que, tal como consta da carta apreendida, pretendesse – se fosse o autor da mesma – ter um filho com olhos azuis, pois que as leis de Mendel não afastam tal possibilidade].

Deste modo, se em tese, é possível que um qualquer cidadão escreva uma carta em nome e sob a orientação de outro cidadão, in casu, a comprovada relação existente entre o escrevedor da carta e a sua destinatária, e o específico conteúdo da mesma, afastam, sob pena de violação das regras da normalidade, a possibilidade de ter tal circunstância ocorrido nos autos.

iii) Para terminar, três notas breves.

Lida e relida a motivação de facto do acórdão recorrido não vemos onde, com ressalva do devido respeito, dele se pode concluir que os antecedentes criminais do recorrente serviram para formar a convicção do tribunal colectivo, quando os mesmos apenas foram ponderados, em estrita obediência aos critérios legais aplicáveis, na determinação da medida concreta da pena.

A testemunha D... apenas revelou conhecimento sobre a revista à co-arguida e apreensão, de droga e documentos, então feita.

A circunstância de o recorrente não ter estado nunca na posse da canabis apreendida à co-arguida é irrelevante no que respeita ao cometimento dos factos, na forma que resultou provada, por se integrar no âmbito de uma co-autoria, tal como consta dos impugnados pontos 6, 10 e 14 dos factos provados.

3. Em conclusão do que fica dita, os meios de prova especificados pelo recorrente são insusceptíveis de imporem a modificação da decisão de facto proferida pela 1ª instância, no sentido por si pretendido isto é, no sentido de passarem a não provados os pontos de facto provados por si impugnados.

Por outro lado, atenta a forma como a co-arguida transportava a droga, quando foi revistada à entrada do estabelecimento prisional, conjugada com a circunstância de namorar com o recorrente e o ir, então, visitar, com o teor da carta apreendida e com a circunstância de o recorrente não ser consumidor de estupefacientes, é razoável concluir, por ser conforme às regras da normalidade, que a droga seria entregue pela co-arguida ao recorrente e que este, posteriormente, a disseminaria por reclusos do estabelecimento prisional, mediante compensação.

Os factos provados impugnados pelo recorrente têm, assim, pleno suporte na prova que o tribunal colectivo, de forma conjugada, apreciou e valorou, à luz do princípio da livre apreciação, previsto no art. 127º do C. Processo Penal pelo que se mantêm nos exactos termos em que foram fixados pela 1ª instância.

4. Os factos provados preenchem o tipo do crime de tráfico de menor gravidade, p. e p. pelos arts. 21º, nº 1 e 25º do Dec. Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, por cuja prática foi o recorrente condenado.

A pena fixada respeita os critérios legais previstos nos arts. 40º e 71º do C. Penal.


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Improcedem, portanto, as conclusões do recurso.

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III. DECISÃO

Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes do Tribunal da Relação em negar provimento ao recurso e, em consequência, confirmam o acórdão recorrido.

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 UCS. (art. 513º, nº 1, do C. Processo Penal, art. 8º, nº 9, do R. Custas Processuais e Tabela III, anexa).

Coimbra, 16 de Novembro de 2016



(Heitor Vasques Osório – relator)


(Helena Bolieiro – adjunta)