Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
268/07.1TBSRT.C2
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE ARCANJO
Descritores: DIVÓRCIO
INDEMNIZAÇÃO
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
Data do Acordão: 05/14/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: SERTÃ
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTº 1972º, Nº 1 DO C. CIVIL.
Sumário: I – O art.1972º, nº 1 do CC (na redacção do DL nº 496/77 de 25/11) postula apenas a indemnização pelos danos não patrimoniais causados pela dissolução do casamento, ou seja, pelo próprio divórcio.

II - O dano deve ser perspectivado como um dano ao “projecto de vida“ que o casamento procura alcançar e cuja ruptura pode constituir uma afectação de ordem espiritual na medida em que há um investimento, a vários níveis, numa conjugalidade, como “locus” no qual cada um dos cônjuges procura erigir e desenvolver a sua própria personalidade.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

I - RELATÓRIO

         1.1.- A Autora – L… – instaurou ( 17/05/2007 ) na Comarca da Sertã acção de divórcio, com forma de processo especial, contra o Réu – J...

         Alegou, em resumo:

         Casaram em 12/5/1984, mas o Réu violou culposamente os deveres conjugais de respeito, assistência, coabitação, comprometedores da vida em comum. Porque a Autora é católica praticante e perspectivava o casamento até à morte, o divórcio causa-lhe profundo abalo moral.

         Pediu cumulativamente:

         a) Seja decretado o divórcio entre Autora e Réu, declarando-se este o único culpado;

         b) A condenação do Réu a pagar-lhe, a título de indemnização, o montante de 10.000,00 €, a crescido de juros de mora desde a citação.

         Contestou o Réu defendendo-se por impugnação e em reconvenção pediu o divórcio, com culpa exclusiva da Autora.

         Replicou a Autora.

No saneador afirmou-se a validade e regularidade da instância.

         1.2. - Realizada audiência de julgamento, foi proferida sentença que decidiu:

         a). Julgar parcialmente procedente a acção e

i). Decretar o divórcio entre Autora e Réu, declarando-se este o exclusivo culpado;

         ii). Condenar o Réu a pagar à Autora a indemnização no valor de 5.000,00 €, a crescido de juros de mora desde a citação e até integral pagamento.

         b). Julgar improcedente a reconvenção e absolver a Autora do pedido reconvencional.

         1.3. - Inconformado, o Réu recorreu de apelação com as seguintes conclusões:

         Contra-alegou a Autora no sentido da improcedência do recurso.


II – FUNDAMENTAÇÃO

         2.1. – O objecto do recurso:

         Considerando que o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões, problematiza-se a questão de saber se assiste à Autora o direito à indemnização pelo dano não patrimonial causado pela dissolução do casamento e, em caso afirmativo, a sua quantificação.

         Porque a acção foi instaurada em 2007, ao recurso aplica-se o regime processual anterior à reforma instituída pelo DL nº 303/2007 de 24/8.

         2.2. – Os factos provados:

         2.3. – O mérito do recurso:

         A sentença recorrida decretou o divórcio entre Autora e Réu, declarando este o único culpado, e não tendo sido, nesta parte, impugnada, o recurso limita-se à condenação do Réu no pagamento da quantia de € 5.000,00 a título de dano não patrimonial pela dissolução do casamento.

         A Lei nº 61/2008 de 31/10 (novo regime do divórcio) alterou a redacção do art.1792 do CC e deixou de prever expressamente a possibilidade de o cônjuge (inocente) pedir indemnização pelos danos não patrimoniais causados pela dissolução, ressalvando os casos em que o divórcio tenha por fundamento a al. b) do art.1781 CC (alteração das faculdades mentais), remetendo agora para o regime geral da responsabilidade civil (art.483 e segs. CC), divergindo-se quanto à sua amplitude (cf., por ex., Pamplona Corte-Real, Direito da Família, 2ª ed., 2011, pág. 17 e segs.).

         Mas porque a presente acção foi instaurada em 2007, é convocável o art.1972 do CC na redacção do DL nº 496/77 de 25/11, e não a introduzida pela Lei nº 61/2008 de 31/10, por não se aplicar ao processos pendentes (art.9º).

Dispõe o art.1972 nº1 (redacção do  DL nº 496/77 de 25/11) CC - “ O cônjuge declarado único ou principal culpado ( …) deve reparar os danos não patrimoniais causados ao outro cônjuge pela dissolução do casamento”.

É consensual o entendimento de que esta norma postula apenas a indemnização pelos danos não patrimoniais causados pela dissolução do casamento, ou seja, pelo próprio divórcio, cujo pedido deve ser formulado na respectiva acção de divórcio (art.1972 nº2 CC), e já não a indemnização devida nos termos gerais (art.483 e segs. CC) baseada nos fundamentos do divórcio, a reclamar em acção comum. E, nesta dimensão normativa, foi julgada conforme a Constituição (cf. Ac nº 118/2001 do TC de 29/3/2001 ( DR II de 24/4/2001)).

         Para tanto, o autor terá de alegar e provar (art.342 nº1 CC) os factos constitutivos do seu direito, pois a obrigação de indemnização não nasce “ope legis” pelo simples factos de o cônjuge demandado haver sido declarado o único ou principal culpado.

         Apontam-se como danos não patrimoniais causados pela dissolução do casamento “ a desconsideração social que, no meio em que vive, o divórcio terá trazido ao divorciado ou à divorciada; a dor sofrida pelo cônjuge que verá destruído o casamento, tanto mais quanto mais longa tenha sido a vida em comum e mais forte o sentimento que o prendia ao outro cônjuge, etc. “ (cf. Pereira Coelho / Guilherme de Oliveira, Curso de Direito da Família, vol I, 2ª ed., pág. 689).

         O dano deve ser concebido, não tanto pelo desvalor social da condição de divorciado, já que na sociedade actual pouco ou nada releva negativamente, mas sobretudo como um dano ao “projecto de vida “ que o casamento, não obstante ser um contrato, visa alcançar, e cuja ruptura pode constituir uma afectação de ordem espiritual na medida em que há um investimento, a vários níveis, numa conjugalidade, como “locus” no qual cada um dos cônjuges procura erigir e desenvolver a sua própria personalidade.

         Esta perspectiva do dano, assim caracterizado, como “o ruir de um projecto de vida” a que o divórcio põe fim (cf., por ex., Ac STJ de 3/11/2005 ( proc. nº 04BAA05 ), em www dgsi.pt) arranca da ratio legis da norma, por influência do direito francês.

         Como o art.1792 do CC postula uma situação específica de responsabilidade civil, impõe-se conjuga-lo com o critério do art.496 do CC, significando que a ressarcibilidade dos danos causados pela dissolução do casamento exige uma gravidade, merecedora de tutela, aferida objectivamente, implicando o recurso ao pensamento tópico, com o indispensável apelo ao casuísmo.

         Em termos factuais, comprova-se que a Autora é uma pessoa católica praticante (catequista, faz parte do coro da igreja paroquial, frequenta retiros religiosos e cursos de cristandade), sendo bem estima e considerada no seu meio social. De resto, sabe-se que inicialmente também o Réu a acompanhava com alguma frequência a retiros e reuniões católicas.

         Por seu turno, está provado que a Autora concebeu o casamento para sempre (até à morte), tem vivido os últimos anos com a angústia e tristeza pelo espectro de se divorciar, o divórcio causa-lhe profunda tristeza e abalo e encara com vergonha a situação de divorciada, sendo que o casamento durou 23 anos, mas desde 2006 que o Réu faz uma vida autónoma. Acresce que em virtude da situação conjugal sofre de depressão nervosa, estando medicada.

         Num juízo de ponderação, resulta da factualidade apurada que a ruptura do projecto de vida em comum para a Autora causa-lhe perturbação emocional, desgosto, com uma patologia depressiva, assumindo suficiente gravidade para merecer a tutela do direito ( cf., por ex., Ac STJ de 28/5/1998, BMJ 477, pág. 518; Ac STJ de 18/5/2004 - proc. nº 04B4405; Ac STJ de 25/3/2010 - proc. nº 554/06, disponíveis em www dgsi.pt ).

         A quantificação do dano:
A sentença estimou equitativamente o dano em €5.000,00, mas o Réu/Apelante considera exagerado.
Como se sabe, a indemnização pelos danos não patrimoniais não visa reconstituir a situação que existiria se não ocorresse o evento, mas sim compensar o lesado, tendo também uma função sancionatória sobre o lesante.
Para a determinação equitativa do dano não patrimonial (arts.496 nº3 e 494 do CC) há que atender à natureza e intensidade, ao grau de culpa, à situação económica do lesado e do responsável, bem como ao valor actual da moeda e aos padrões jurisprudenciais. Deste modo, para a quantificação do dano, o nosso sistema assenta no recurso à equidade (art.4 do CC) e a desvinculação relativamente a puros critérios de legalidade estrita.
Pois bem, afora a escassez dos elementos de facto, já que se ignora a concreta situação económica de ambos, sabendo-se apenas que o Réu está emigrado na Suíça desde Março de 2001 e que durante largo período foi comerciante, tendo em conta a afectação da Autora, designadamente psicológica, e que o casamento perdurou 23 anos, o montante estimado (€ 5.000,00) não parece exagerado, sendo idêntico ao atribuído em vários arestos (cf., por ex., Ac STJ 16/1/2003 ( proc. nº 4725/02), de 30/1/2003 ( proc. nº 02B4593 ), de 2/12/2003 ( proc. nº 03A3584), disponíveis em www dgsi.pt ), e ficando aquém do fixado (montante de € 20.000,00) em decisões mais recentes ( cf., por ex., Ac STJ de 25/3/2010 ( proc. nº 554/06 ), em www dgsi.pt ).
         Em síntese, improcede a apelação, confirmando-se a sentença.
         2.4. – Síntese conclusiva:

1. O art.1972º nº1 do CC (na redacção do DL nº 496/77 de 25/11) postula apenas a indemnização pelos danos não patrimoniais causados pela dissolução do casamento, ou seja, pelo próprio divórcio.

2. O dano deve ser perspectivado como um dano ao “projecto de vida “ que o casamento procura alcançar e cuja ruptura pode constituir uma afectação de ordem espiritual na medida em que há um investimento, a vários níveis, numa conjugalidade, como “locus” no qual cada um dos cônjuges procura erigir e desenvolver a sua própria personalidade.

III – DECISÃO
         Pelo exposto, decidem:
1)
         Julgar improcedente a apelação e confirmar a sentença recorrida.
2)
         Condenar o Apelante nas custas.
        
( Jorge Arcanjo - Relator)
( Teles Pereira )
( Manuel Capelo )