Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2065/18.0T8VIS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ANA VIEIRA
Descritores: PROPRIEDADE HORIZONTAL
ASSEMBLEIA DE CONDÓMINOS
PENAS PECUNIÁRIAS
REDUÇÃO
FACTO NOTÓRIO
Data do Acordão: 05/05/2020
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VISEU - VISEU - JL CÍVEL - JUIZ 1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS.810, 812, 1419, 1424, 1430, 1434 CC, 342, 412 CPC
Sumário: I- O “facto notório” serve para a determinação dos factos relevantes da acção, não se adequando à finalidade da modificação da decisão sobre a matéria de facto.

II- Nos termos do disposto no artigo 1434 do CC, a assembleia de condóminos pode fixar penas pecuniárias para a inobservância das suas deliberações, nomeadamente, aplicáveis ao condómino em mora no pagamento das quotas de condomínio.

III-Assiste ao condómino o direito de invocar o excesso da penalidade que lhe tenha sido aplicada, nos termos do artigo 812.º CC, apesar de se manter dentro dos limites do n.º 2 do artigo 1434, º CC, pedindo a sua redução equitativa.

Decisão Texto Integral:

Processo nº 2065/18.0T8VIS.C1

          Origem: Tribunal Judicial da Comarca de Viseu – Juízo Local Cível- Juiz 1

Relatora: Ana Vieira

          1º Adjunto Desembargador Dr. António Carvalho Martins

          2º Adjunto Desembargador Dr. Carlos Moreira

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                                             Sumário


I- O “facto notório” serve para a determinação dos factos relevantes da acção, não se adequando à finalidade da modificação da decisão sobre a matéria de facto.
II- Nos termos do disposto no artigo 1434 do CC, a assembleia de condóminos pode fixar penas pecuniárias para a inobservância das suas deliberações, nomeadamente, aplicáveis ao condómino em mora no pagamento das quotas de condomínio.
III- Assiste ao condómino o direito de invocar o excesso da penalidade que lhe tenha sido aplicada, nos termos do artigo 812.º CC, apesar de se manter dentro dos limites do n.º 2 do artigo 1434, º CC, pedindo a sua redução equitativa.

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Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I- RELATÓRIO

Na presente acção de processo comum instaurada por M (…) contra Condomínio do Prédio sito na Quinta   (...) ,   (...) , em   (...) , actualmente representado pela também ré V (…), Ld.ª, a primeira pede a condenação dos réus a: a) pagarem-lhe a quantia de € 615,00 relativa à factura que identificou, acrescida de € 55,35 a título de juros, b) entregarem-lhe, a título de indemnização por danos não patrimoniais, uma quantia não inferior a € 6.250,00, c) entregarem-lhe, a título de indemnização por danos patrimoniais, a quantia de € 102,00, todas acrescidas de juros de mora desde a citação e até integral pagamento.

Alegou, em resumo, ser dona da fracção que indicou, tendo-se iniciado obras nas partes comuns do prédio, ao nível da sua cobertura, e pintura em Setembro/Outubro de 2014 as quais apenas foram concluídas em Outubro/Novembro de 2015 período durante o qual se queixou à 2ª ré dos atrasos e das constantes infiltrações que as mesmas estavam a provocar na sua fracção.  Refere ainda ter solicitado à 2ª ré, mediante telefonema efectuado a (…), a resolução urgente do problema das infiltrações e que, não obstante aquela nada fez, razão pela qual contratou pessoa para arranjar o tubo de descarga que estava a provocar as infiltrações e pintar a sua cozinha, tendo-lhe pago a quantia de € 615,00. Mais alegou que as infiltrações e humidades referidas a impediram de usar plenamente a sua cozinha, situação que disse ter alterado o seu sistema nervoso, provocando-lhe depressão e tristeza e que se deslocou 3 vezes á CRSS para pedir apoio judiciário e enfrentou longas horas de espera e deslocou-se duas vezes á junta de freguesia e repartição de finanças e 3 vezes ao escritório do patrono e que continua a não usufruir da cozinha na sua plenitude devido a infiltrações. Alega que esses desgostos e tristezas e preocupações geraram ansiedade e depressão e peticiona uma indemnização. Peticiona também a condenação dos réus a pagar o valor de 102,00 euros, a título de taxa de justiça que pagou aquando da instauração da injunção para reembolso dos € 615,00, a qual foi negada por uso indevido do procedimento.

Citado o réu Condomínio contestou, deduziu reconvenção e requereu, a final, a intervenção provocada que foi indeferida por decisão transitada em julgado. Invoca em resumo que as obras a que a autora se reporta tinham o custo global de € 38.000,00, devendo cada condómino pagar a respectiva quota parte em 5 prestações mensais e sucessivas, vencendo-se a 1ª no último dia de Junho de 2014 e a última no último dia do mês de Outubro do mesmo ano, pagamentos que a autora não efectuou nos prazos estipulados pela assembleia de condóminos, apenas tendo liquidado a sua quota parte por conta da quota parte extraordinária aprovada para a realização das obras em 15/12/2017 e após ter sido instaurada uma execução para pagamento coercivo de tais valores. Invocou, pois, que a autora procurou atrasar a realização das obras – no atraso no pagamento da sua quota parte e ao efectuar denúncias. Negou ainda que a autora tivesse denunciado a existência de infiltrações na sua fracção, impugnando ainda não só as invocadas infiltrações bem como a sua origem. Impugnou também o seu invocado estado de saúde e o valor a este título pedido. Disse, pois, que a autora, ao instaurar a presente acção, litiga de má-fé, requerendo a sua condenação, a este título, numa indemnização nunca inferior a € 1.000,00. Reconvindo disse que, considerando o valor global das obras aprovadas - € 38.000,00 – e a permilagem da fracção de que a autora é proprietária – 52,63/1000 – cabia-lhe pagar, por conta das ditas obras, € 1.999,94, a qual atrasou o seu pagamento por período superior a dois trimestres, razão pela qual lhe foi aplicada a pena pecuniária no valor de € 2.079,75, na sequência do deliberado pela assembleia em 05/03/2014. Disse ainda que na assembleia de condóminos realizada em 29/03/2016 foi deliberado, por maioria dos presentes, aprovar novo orçamento para a realização de obras ao nível da fachada, lançando uma quota extraordinária de € 5.000,00 a dividir pelos condóminos em função da permilagem da respectiva fracção, mais tendo sido deliberado que o não pagamento da quota até ao final do prazo estabelecido – 30/07/2016 – implicaria a aplicação de pena pecuniária de valor igual ao triplo da dívida mas nunca inferior a € 1.000,00, correspondendo a quota da autora a € 263,15, da qual é devedora, à acrescer os indicados € 1.000,00 a título de pena pecuniária, dado o atraso no pagamento.

Citada a ré V (…)também contestou dizendo, em resumo e à semelhança do 1º réu, que a assembleia de condóminos deliberou aprovar um orçamento para a realização de obras, no valor de € 38.000,00, devendo cada condómino pagar a sua quota parte em 5 prestações mensais e sucessivas, devendo as obras ter inicio em Setembro de 2014, tendo-se no entanto a autora negado a pagar a sua quota, razão pela qual lhe foi movida, em Janeiro de 2015, uma acção executiva, tendo apenas liquidado a sua quota parte em 15 de Dezembro de 2017. Disse ainda que a autora não estabelece qualquer contacto consigo desde o início de 2014. Impugnou também o pedido efectuado a título de indemnização por danos não patrimoniais, pugnando pela inexistência de nexo de causalidade entre o seu estado de saúde e as obras. Quanto aos € 102,00 disse ter a autora confessado ter feito uso indevido do processo de injunção, não sendo a ré responsável pelo pagamento desse valor.

Foi proferida a sentença recorrida que decidiu nos seguintes termos: «..DECISÃO

Pelo exposto o Tribunal decide:

a) Julgar a acção parcialmente procedente e, em consequência:

i. Condenam-se as rés a entregar à autora a quantia de € 582,63, acrescida de juros vencidos e vincendos contados desde a citação até integral pagamento.

ii. Absolvem-se as rés dos demais pedidos contra si formulados.

b) Julgar a reconvenção parcialmente procedente e, em consequência:

i. Condena-se a autora a entregar ao 1º réu a quantia de € 1.263,15.

ii. Absolve-se a autora/reconvinda do remanescente peticionado pelo 1º réu.

c) Determino que se opere a compensação de créditos entre o crédito da autora referido em a) i., no valor de € 582,63, e o crédito do 1º réu referido em b) i., no valor de € 1.263,15, pelo que a autora/reconvinda não terá direito a receber o referido valor, apenas tendo que proceder ao pagamento ao 1º réu da quantia de € 680,52.

d) Não condenar a autora como litigante de má-fé.

*

Custas eventualmente devidas a juízo a cargo da autora e das rés, na proporção dos respectivos decaimentos e sem prejuízo do benefício de apoio judiciário, na modalidade de pagamento faseado, com que a autora litiga.

Valor da acção: o já fixado a fls. 132.

Registe e notifique. » (SIC).

                                                 *

             Inconformada com tal decisão, veio a autora interpor o presente recurso, o qual foi admitido como apelação, a subir nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

A autora com o requerimento de interposição do recurso apresentou alegações, formulando, a final, as seguintes conclusões: «… Conclusões:

(…)

          O réu Condomínio apresentou contra-alegações tendo elaborado as seguintes conclusões: «… CONCLUSÕES:

(…)
***

          II- DO MÉRITO DO RECURSO

1. Definição do objecto do recurso

          O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – cfr. arts. 635º, nº 4, 637º, nº 2, 1ª parte e 639º, nºs 1 e 2, todos do Código de Processo Civil[1].

          Porque assim, atendendo às conclusões das alegações apresentadas pela apelante, são as seguintes as questões solvendas:


A-Alteração da decisão sobre a matéria de facto e (Im) Procedência do pedido de condenação a titulo de danos não patrimoniais e patrimoniais.
B- (Im) Procedência do pedido reconvencional (determinação sobre a possibilidade de fixação de sanção pecuniária compulsória ou a sua redução).

                                                           ***

          III- FUNDAMENTOS DE FACTO

Visando analisar o objecto do recurso, cumpre enunciar os factos provados e não provados pelo tribunal a quo, tendo-se, no entanto, em conta que essa enunciação terá uma natureza provisória, visto que o recurso versa sobre a matéria de facto pugnando pela sua alteração.

Nesse contexto, cumpre referir que a sentença recorrida consignou a seguinte matéria de facto (factos provados e não provados):« FUNDAMENTAÇÃO

A) MATÉRIA DE FACTO PROVADA

1. A autora é dona e legítima proprietária da fracção autónoma designada pela letra F a que corresponde o 1º andar esquerdo do   (...) , sito no   (...)  Norte.

2. A 2ª ré, V (…), administra, por deliberação maioritária dos condóminos, o Condomínio do prédio sito na Quinta   (...) ,   (...) , em   (...) .

3. Em assembleia de condóminos realizada no dia 3 de Maio de 2014 foi deliberado, por unanimidade dos presentes, aprovar um orçamento no valor de € 38.000,00, para a realização de obras do edifício, ao nível da cobertura e pintura da fachada do prédio, conforme acta da assembleia n.º 03/2014, constante de fls. 49/49 v. e cujo teor se considera reproduzido para todos os efeitos legais.

4. As referidas obras nas partes comuns do prédio tiveram início em Setembro/Outubro de 2014.

5. Tais obras foram dadas por concluídas em Outubro/Novembro de 2015.

6. As paredes da cozinha da fracção da autora apresentavam infiltrações, as quais provocaram humidades, tendo as paredes ficado amareladas.

7. A causa das mencionadas infiltrações foi um tubo exterior de descarga das caleiras da parte frontal do prédio, com o esclarecimento que o mesmo se apresentava partido acima da fracção da autora.

8. Em Janeiro de 2016 a autora contratou o Sr. (…) para proceder à pintura das paredes da sua cozinha e ao arranjo do mencionado tubo de descarga, serviços esses que aquele efectuou, no montante total de € 615,00, e que a autora lhe pagou.

9. Em 18/01/2016 a autora entregou à 2ª ré, na qualidade de administradora do 1º réu, cópia da factura constante de fls. 14 e cujo teor se considera reproduzido para todos os efeitos, exigindo o seu pagamento.

10. Até á presente data nem o 1º réu nem a 2ª ré reembolsaram a autora dos mencionados € 615,00.

11. A autora interpôs injunção a pedir o reembolso dos € 615.00€, com o que despendeu, a título de taxa de justiça, € 102,00, a qual foi negada com fundamento no uso indevido do procedimento de injunção.

12. Na assembleia de condóminos realizada em 5 de Março de 2014, a última em que a autora esteve presente, a assembleia deliberou por unanimidade mandatar a empresa administradora para demandar judicialmente os condóminos que mantenham o pagamento das quotas em atraso por período superior a dois trimestres, mais tendo deliberado que aos condóminos devedores será aplicada uma pena pecuniária correspondente ao triplo do valor em dívida, de valor nunca inferior a € 1.000,00, constando de tal acta que, e além do mais, que o 4º ponto da ordem de trabalhos era “Discussão e deliberação de orçamentos de obras a executar nas partes comuns do edifício” tendo a assembleia decidido, neste ponto, “marcar nova reunião para o dia 5 de Maio de 2014, sendo que quando for enviada a convocatória para a próxima reunião serão enviados os orçamentos de obras apresentados pela empresa administradora bem como algum orçamento que os condóminos queiram apresentar (…)”, conforme acta 01/2014, constante de fls. 50 a 52, cujo teor se considera reproduzido para todos os efeitos legais.

13. Na assembleia de condóminos realizada no dia 3 de Maio de 2014 e indicada em 3. foi ainda deliberado que deveria ser lançada uma quota extra para obras a dividir por todas as fracções por permilagem, devendo cada condómino proceder ao pagamento da respectiva quota-parte em 5 prestações mensais e sucessivas, vencendo-se a primeira no último dia do mês de Junho de 2014 e a última no último dia do mês de Outubro do mesmo ano.

14. Por conta de tal quota extra a quota-parte extra por cujo pagamento era a autora responsável ascende à quantia de € 1.999,94 – considerando o valor global das obras aprovadas (€ 38.000,00) e a permilagem da fracção de que é proprietária (52,63/1000).

15. A autora não procedeu ao pagamento da sua quota-parte extra nos prazos estipulados e referidos em 13.

16. Tendo em vista o pagamento coercivo da referida quantia foi instaurada uma execução contra a aqui autora, que correu termos junto do Juízo de Execução do Tribunal desta Comarca sob n.º 562/15.8T8VIS-A.

17. A aqui autora deduziu embargos à indicada execução, tendo sido proferida sentença em 08/06/2017.

18. No decurso das obras a autora apresentou denúncias junto do Departamento de Planeamento e Gestão Urbanística do Município de   (...) .

19. A autora não participa nas reuniões de condomínio desde Março de 2014.

20. A assembleia de condóminos tomou conhecimento do teor da factura de fls. 14 na reunião realizada no dia 18/01/2016 da qual foi lavrada a ata n.º 01/2016, constante de fls. 66 v. a 68 e cujo teor se considera reproduzido para todos os efeitos legais.

21. Nessa assembleia foi deliberado, por unanimidade, não pagar o valor reclamado pela autora, com o fundamento desta não ter alertado a empresa administradora antes da execução das obras nas partes comuns.

22. Contando com os sótãos existem mais três andares acima do piso onde se situa a fracção da autora.

23. A autora procedeu ao pagamento da quota-parte extra referida em 14. em 15 de Dezembro de 2017.

24. Nessa sequência foi aplicada à aqui autora uma pena pecuniária no valor de € 2.079,75.

25. Em assembleia de condóminos realizada no dia 29/03/2016, cujo ponto primeiro da ordem de trabalhos consistiu na “discussão e deliberação de orçamentos de obras a realizar nas partes comuns”, deliberou a assembleia, por maioria dos presentes, aprovar novo orçamento para realização de obras ao nível das fachadas, tudo conforme resulta do teor da ata n.º 03/2016, constante de fls. 70 v., cujo teor se considera reproduzido para todos os efeitos.

26. Concretamente deliberou tal assembleia mandatar a empresa administradora para lançar quota extraordinária no valor de € 5.000,00, a dividir pelos condóminos em função da permilagem de cada fracção, estabelecendo como prazo limite para pagamento por cada condómino da sua quota-parte o dia 30/07/2016.

27. Mais deliberou unanimemente a assembleia que “no seguimento do orçamento e cota extraordinária aprovada, a assembleia deliberou mandatar a empresa administradora para demandar judicialmente os condóminos que não procedam ao pagamento da quota-parte correspondente até à data prevista. Aos condóminos devedores será aplicada uma pena pecuniária correspondente ao triplo do valor em dívida, de montante nunca inferior a € 1.000,00 (…)”, conforme acta 03/2016, constante de fls. 70v a 71 v e cujo teor se considera reproduzido para todos os efeitos legais.

28. Por conta da quota extra indicada em 27. a quota-parte extra por cujo pagamento era a autora responsável ascende à quantia de € 263,15 – considerando o valor global das obras aprovadas (€ 5.000,00) e a permilagem da fracção de que é proprietária (52,63/1000).

29. A autora ainda não liquidou qualquer valor por conta da quota extra referida em 28.

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B) MATÉRIA DE FACTO NÃO PROVADA

a) Entre o seu início e conclusão a autora queixou-se à 2ª ré dos atrasos nas obras e das constantes e frequentes infiltrações que tais obras estavam a provocar na sua fracção, nomeadamente na cozinha.

b) Após a conclusão das obras a autora comunicou telefonicamente com (…) representante da 2ª ré, alertando-o, mais uma vez para as infiltrações na sua fracção, exigindo-lhe a resolução urgente do problema caso contrário teria que, ela própria, tomar as medidas necessárias para resolver e acautelar a situação que estava a tornar-se insustentável.

c) As infiltrações existentes na cozinha da fracção da autora foram provocadas pela má colocação dos tubos das águas pluviais, ao nível da cobertura.

d) As referidas infiltrações estavam a causar danos materiais graves na fracção da autora, bem como danos ao nível da sua saúde, sendo urgentes as obras de pintura das paredes da cozinha e arranjo do tubo da descarga.

e) As infiltrações e humidades mencionadas, durante o período de Setembro/Outubro de 2014 a Janeiro de 2016 e sobretudo as respectivas consequências impediram que a autora usufruísse da cozinha na sua plenitude, continuando actualmente a autora a não usufruir na plenitude da sua cozinha, nomeadamente na sua marquise, pois as infiltrações, no inverno, são constantes, inundando a cozinha através das paredes frontais, formando poças de água no chão.

f) A autora sofreu enorme preocupação não apenas pela existência dos defeitos mas sobretudo pela demora na sua resolução.

g) A autora, perante a inactividade da 2ª ré, sentiu-se impotente, o que lhe afectou o sistema nervoso, perdendo mais de dez quilos em dois meses.

h) E sofreu depressão.

i) E sente-se triste, enganada, defraudada e ultrajada pois, para além de todo o supra exposto, comunicou á 2ª Ré os defeitos, e esta agora nega peremptoriamente, perante os outros condóminos, tal comunicação.

j) No âmbito do apoio judiciário a autora deslocou-se 3 vezes à Segurança Social, onde enfrentou longas horas de espera, e deslocou-se 2 vezes à Junta de Freguesia e Repartição de Finanças.

k) A situação descrita provocou na autora desgostos, tristezas, arrelias e incómodos geradores de ansiedade e até depressão.

l) Os problemas existentes nas marquises advêm desde o tempo da construção do edifício – que tem mais de 30 anos – e são comuns a todas as fracções têm marquises, as quais, pela falta de vidros duplos, possibilitam a formação de mera condensação no interior.

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C) FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Nos termos do disposto no art. 607º n.º 4 do Código de Processo Civil o Tribunal deve indicar as provas que serviram para formar a sua convicção e bem ainda proceder ao seu exame crítico, provas essas que são livremente apreciadas pelo juiz segundo a sua prudente convicção, tal como deriva do n.º 5 do mesmo artigo.

Na situação vertente o Tribunal considerou as declarações das testemunhas (…) valoradas de forma conjugada com os documentos de fls. 12 a 23, 47 a 71 v., 78 a 96 e tudo de forma crítica e de acordo com as regras da lógica e experiência comum, sem prejuízo, claro está, das posições assumidas nos respectivos articulados.

Concretizando:

Os factos provados em 1. a 4. foram admitidos por ambos os réus. Sem prejuízo de tal considerámos também a acta n.º 3/2014, constante de fls. 12/13 e 49 e o que da sua literalidade resulta.

A data em que as obras foram concluídas resultaram das declarações prestadas por (…), funcionário da 2ª ré, daí lhe advindo o conhecimento sobre a matéria em discussão e que de forma espontânea, desinteressada e convincente explicou que as obras ao nível da cobertura terminaram em final de 2015, mais dizendo que após o inicio das obras houve atraso na sua execução porque o construtor abandonou a obra, referindo que as obras ao nível da fachada ocorreram em 2016.

Para prova da existência de infiltrações, humidades, bolores e paredes amareladas na cozinha da autora e bem ainda a origem de tais problemas, bem como o facto da autora ter contratado empresa para resolver tais situações, efectuando o pagamento do preço, o Tribunal considerou o depoimento da testemunha (…), a que atribuímos total credibilidade, face ao carácter técnico e conhecedor do depoimento, de forma conjugada com a factura de fls. 14, que disse ter sido emitida por si logo após os serviços aí descritos. Com efeito instado disse que a factura referida corresponde ao serviço que efectuou no prédio onde a autora vive, serviço esse que lhe foi solicitado e pago pela autora. Concretizando referiu que o tubo exterior da descarga das caleiras do prédio, na parte da frente, estava roto por cima da marquise da autora, estava partido. Densificando os serviços disse ter montado um andaime mais acima do andar da autora, por o tubo estar partido mais a cima. Quanto às causas da ruptura do tubo disse aquilo é tubo de PVC e pode partir com os anos, não sei. Ele estava partido e nós substituímos o tudo desde o partido até cá baixo. Mais relatou que a água que provinha desse buraco entrava, escorria pela janela, estava o tecto todo danificado. (…). A pintura interior foi só no tecto, estava partido encostado ao tecto. Para mim era devido a infiltração. A condensação gera bolor, no caso o estuque estava mesmo podre, era infiltração. Os estuques antigos basta uma infiltração e fica logo danificado, não sei há quanto tempo lá andaria a água. Basta uma chuvada num dia e nos dias seguintes nota-se logo.

Assim, perante o teor do depoimento de (…) e a factura de fls. 14, a qual foi confirmada pela identificada testemunha, e visto que se tratam de elementos probatórios que não foram infirmados por qualquer outro, considerámos demonstrada a factualidade assente em 6. a 8.

Aponta-se ainda que nenhuma credibilidade atribuímos ao declarado por (…) na parte em que procurou demonstrar que a origem das infiltrações decorreu da cobertura do prédio, dado que a mesma não evidenciou nenhum conhecimento técnico e relevante sobre a matéria, por um lado, além de também não ter revelado verdadeiro conhecimento sobre o prédio dos autos, nunca se tendo deslocado à residência da autora, como disse, nem sequer sabendo precisar qual a fracção propriedade da autora, apenas sabendo referir que no seu antigo prédio, contiguo ao dos autos, houve fracções com problemas de infiltrações e que o telhado esteve destapado, na parte em que confinam. Ademais o seu depoimento foi infirmado por (…), a pessoa que reparou o tubo roto, como disse, e que afirmou que estava partido acima da fracção da autora e não ao nível da cobertura.

Assim, e em consequência com o quadro probatório apontado, não ficou demonstrado que a causa das infiltrações se deveu à má colocação dos tubos ao nível da cobertura e em conformidade o facto não provado em c).

A factualidade assente em 9. e 10. teve respaldo no documento de fls. 15, valorado de forma conjugada com o depoimento de (…) que confirmou que a autora entregou a factura de fls. 14, a qual foi apresentada em reunião da assembleia de condóminos mas cujo pagamento foi recusado, conforme também se lê na acta 1/2016, datada de 18/01/2016 e constante de fls. 66 v. a 68, data em que a assembleia de condóminos tomou conhecimento da sua (factura) existência.

A injunção que a autora instaurou, e os custos que despendeu com a respectiva taxa de justiça, fluem de fls. 18 a 21.

As deliberações tomadas pela assembleia de condóminos realizada a 5 de Março de 2014 mostram-se documentadas na acta 01/2014, constante de fls. 50 a 52 e o que da sua literalidade resulta.

As deliberações tomadas pela assembleia de condóminos realizada a 3 de Maio de 2014 mostram-se documentadas na acta 03/2014, constante de fls. 49/49 v. e o que da sua literalidade resulta.

As deliberações tomadas pela assembleia de condóminos realizada a 18 de Março de 2016 mostram-se documentadas na acta 01/2016, constante de fls. 66 v. a 68 e o que da sua literalidade resulta.

As deliberações tomadas pela assembleia de condóminos realizada a 29 de Janeiro de 2016 mostram-se documentadas na acta 03/2016, constante de fls. 70 v. a 72 e o que da sua literalidade resulta.

A permilagem da fracção da autora flui, além do mais, dos quadros constantes de fls. 51, 71.

A factualidade assente em 22., além de ter resultado das declarações prestadas por  S (...) , mostra-se também corporizada na certidão de ónus e encargos de fls. 69/70, relativo ao prédio dos autos, constando da respectiva composição o seguinte: “cave, 1º, 2º, 3º andares e sótão.”

A data em que a autora procedeu ao pagamento da quota extra de € 1.999,94 mostra-se documentada no print de fls. 65, valorado de forma conjugada com as declarações de A (…) e  S (...)  e que responderam, ambos, em consonância entre si e com o que consta de tal print. E fê-lo após a instauração da acção executiva movida para pagamento coercivo desse montante e após a prolação da sentença nessa execução proferida, conforme comprovam o requerimento executivo de fls. 47 e ss. e a sentença proferida nessa execução, constante de fls. 62 a 64 e proferida em 12/06/2017.

Não obstante tenha a autora invocado que na sequência dos atrasos das obras se queixou à 2ª ré das infiltrações que afectaram a sua cozinha e que após a conclusão das mesmas telefonou a (…), representante da 2ª ré, alertando-o para tal situação e exigindo-lhe a resolução urgente do problema a verdade é que tal não ficou demonstrado.

Não se olvida que (…) referiu, com relevo neste ponto, que após ter sido abordada pela autora perguntando-lhe se havia infiltrações no seu prédio (contíguo ao dos autos) aquela lhe disse que já tinha falado com o condomínio 2 duas vezes, disse-me que já tinha falado com V (…) duas vezes, em Novembro de 2015. Atendendo, contudo, à razão de ciência da indicada testemunha neste concreto ponto do seu depoimento – limitando-se o mesmo a reproduzir o que a autora lhe transmitiu – nenhum relevo positivo foi atribuído ao mesmo. E também nenhum relevo atribuímos ao seu depoimento na parte em que declarou ter assistido a uma conversa entre a autora e (…), efectuada por aquela por telemóvel, não só por este segmento do seu depoimento não ter sido corroborado por qualquer outra prova, tendo, ao invés, sido negado pelo identificado  S (...) , recordando-se que o mesmo negou ter recebido telefonemas da autora a queixar-se de infiltrações, mas também por não se ter mostrado crível, face às regras da lógica e experiência comum.

Isto porque, e desde logo, apesar da declarante ter afirmado que a autora telefonou a (…)  à sua frente, tendo posto o telefone em alta voz, alertando-o para a situação das infiltrações, dizendo posteriormente que o senhor se identificou como (…), a verdade é que a mesma admitiu não conhecer o referido (…) nem a sua voz. Sempre ficaria, pois, a dúvida de que o destinatário da conversa seria (…), dado que a testemunha (…)desconhece a sua voz. Mas mais, como declarou (…), a mesma é apenas conhecida da autora, tendo sido vizinhas (já não o sendo), trabalhando ambas no hospital, não se costumando contudo encontrar no local de trabalho, o que também se evidencia pelo facto, como disse, de nem nunca ter ido à residência da autora, desconhecendo inclusivamente o andar em que esta vive mas dizendo que acha que vive no 2º andar (quando efectivamente vive no 1º piso). Face à evidenciada fraca ligação que une autora e a testemunha O (…) então mal se compreenderia que a primeira tivesse efectuado o telefonema a (…) na presença da última … e colocando o telefone em alta voz …

Ademais o indicado (…) negou categoricamente que a autora lhe tenha feito tais queixas, quer pessoal quer telefonicamente, aceitando apenas que a autora apenas lhe fez chegar uma comunicação que leu em assembleia de condómino, reportando-se à carta de fls. 14/15.

E ainda que (…), funcionária da 2ª ré, instada a este propósito também não tenha negado contactos efectuados pela autora a verdade é que também não os confirmou, razão pela qual as suas declarações também não serviram para confirmar a comunicação das queixas alegada pela autora. Com efeito a testemunha referida disse apenas não sei precisar se recebi chamadas da autora, admito que possa ter recebido, nós recebemos muitas chamadas, não me lembro, asseverando no entanto que caso tivesse recebido tal contacto teria encaminhado a autora para o seu colega (…), por ser o responsável pelo departamento das obras.

Em consequência os factos não provados em a) e b).

A factualidade não provada em f) a i), k) e l) deve-se a absoluta ausência de prova nesse sentido, destacando-se que apesar de (…) ter dito que houve uma altura em que a autora esteve em casa, de baixa, a mesma não conseguiu precisar a causa da situação experienciada pela autora, dizendo de forma categórica que não sei se ela teve uma depressão devido a isto.

Da guia de tratamento de fls. 16 e recibo da farmácia de fls. 17 retira-se apenas que o destinatário de ambos é a aqui autora, ambos datados de 2018. Desconhece-se já se a medicação prescrita e aviada se destina a qualquer situação clínica compatível com a alegada depressão, não havendo sequer qualquer informação clinica que ateste tal quadro depressivo. E mesmo que houvesse documentação clínica que atestasse tal – o que não se verifica – sempre ficaria por estabelecer qual a causa do quadro, não tendo ficado demonstrado que tenha sido o problema das obras e infiltrações subsequentes.

Quanto à perda de peso, pese embora (…) tenha respondido afirmativamente, (…) responderam o oposto, tendo ainda (…), arrolado pela ré, relatado neste particular que a autora estava normal, como hoje. Não estava doente, abatida, tristonha.

Não obstante a autora litigue com apoio judiciário a verdade é que de tal não resulta, sem mais, o número de vezes que teve de se deslocar à Segurança Social e demais instituições, impondo-se ainda ter presente que o pedido de apoio judiciário pode ser efectuado por terceiros que não os requerentes.

Em conformidade os factos provados e não provados…»(sic).

                                                                     ***

IV - FUNDAMENTOS DE DIREITO


A- Alteração da matéria de facto

De acordo com o teor das alegações recursivas a recorrente defende que, pelo facto de se ter dado como provada a matéria vertida nos pontos 6, 7, 8, 10, 11, e 21, deveria o tribunal a quo ter dado também necessariamente como provados alguns dos factos constantes das alíneas e), f), j) e k) da factualidade dada como não provada, pedindo que a sentença recorrida seja substituída por outra que julgue a ação parcialmente procedente no que a alguns danos não patrimoniais diz respeito.

Pugna a recorrente que a existência de infiltrações na fracção da recorrente desde 2015 e todas as implicações resultantes de tais infiltrações e sobretudo o tempo decorrido e demora na resolução (desde o surgimento problema em 2015, o seu arranjo e a demora no reembolso da quantia despendida) deveria ter levado o Tribunal, atento o quadro temporal superior a quatro anos, a atribuir uma indemnização por danos não patrimoniais a favor da recorrente. E que é notório e necessariamente, presume-se que a recorrente, durante este período de tempo, teve preocupações, arrelias e incómodos e sentiu-se frustrada por os RR. não lhe pagarem o que era devido.

Refere que atendendo a toda a factualidade dada como provada supra, deveria o Tribunal ter dado como provado alguns dos factos manifestos e notórios constantes das alíneas e), f), j), e k) dos factos dados como não provados (estranho seria que a recorrente em mais de quatro anos não tivesse sofrido qualquer dano real com a factualidade dada como provada pela Douta Decisão).

 E de igual modo, sendo beneficiária do Apoio Judiciário, necessariamente teve que se deslocar á Segurança Social e á Repartição de Finanças e ao escritório do seu patrono oficioso e nessa medida essa factualidade deveria ser considerada provada.

          Em resumo a autora considera que o seu pedido de condenação dos réus no pagamento do valor de 6.250.00 Euros (a titulo de danos morais) e do valor de 102,00 Euros (indemnização pelo valor que pagou pela injunção) deveria ser julgado procedente considerando-se provada a factualidade enunciada que não foi considerada provada, invocando estarmos perante factos notórios.

A factualidade que a recorrente pretende integrar o conceito de factos notórios e ser considerada provada é a seguinte (face a se ter considerado provados os facos 6, 7, 8, 10, 11, e 21): e) As infiltrações e humidades mencionadas, durante o período de Setembro/Outubro de 2014 a Janeiro de 2016 e sobretudo as respectivas consequências impediram que a autora usufruísse da cozinha na sua plenitude, continuando actualmente a autora a não usufruir na plenitude da sua cozinha, nomeadamente na sua marquise, pois as infiltrações, no inverno, são constantes, inundando a cozinha através das paredes frontais, formando poças de água no chão.

f) A autora sofreu enorme preocupação não apenas pela existência dos defeitos mas sobretudo pela demora na sua resolução.

j) No âmbito do apoio judiciário a autora deslocou-se 3 vezes à Segurança Social, onde enfrentou longas horas de espera, e deslocou-se 2 vezes à Junta de Freguesia e Repartição de Finanças.

k) A situação descrita provocou na autora desgostos, tristezas, arrelias e incómodos geradores de ansiedade e até depressão.

         

          Nos termos do artigo 412 do CPcivil são considerados factos notórios os que são do conhecimento geral, não carecendo, por isso, nem de alegação, nem de prova - nº 1 do artigo 514 do CPC. Um facto é notório quando o juiz o conhece como tal, colocado na posição do cidadão comum, regularmente informado, sem necessitar de recorrer a operações lógicas e cognitivas, nem a juízos presuntivos (A. dos Reis, CPC Anot, 3º-259, Castro Mendes, "Do Conceito de Prova", 711 e Vaz Serra, Provas, BMJ 110º-61).

Os factos notórios não carecem sequer de alegação e muito menos de prova.

Todavia, os factos que a recorrente pretende que sejam considerados como provados não se traduzem em factos notórios mesmo a se considerar a matéria provada quanto ao não pagamento do valor peticionado, dado que a factualidade em causa não ficou provada por ausência de prova quanto á mesma.

Nestas condições, não pode admitir-se um facto, por presunção judicial, quando o quesito, compreendendo a mesma realidade, obteve uma resposta negativa.

Em face do que precede, não estando provados os factos a consubstanciar o dano não patrimonial alegado, subsiste a falta de verificação do pressuposto do dano, cuja prova cabia à apelante, como facto constitutivo do direito invocado (art.º 342.º, n.º 1, do CC), não podendo, nesses termos, considerar-se provada essa factualidade.

Tal como resulta da lei civil quanto aos danos morais, estatui o artigo 496, nº1, que na fixação da indemnização deve atender-se aos danos que pela sua gravidade mereçam a tutela do direito.

 E tem-se doutrinalmente e jurisprudencialmente entendido que a merecem aqueles danos que espelham uma dor, angústia, desgosto ou sofrimento, ( o receio natural pela integridade física, dado a imprevisibilidade dos resultados ( Para maiores considerações, Delfim Maia de Lucena, in « Danos Não Patrimoniais», pág. 19 e segs.; e Américo Marcelino, « Acidentes de Viação, Responsabilidade Civil», e Ac. S.T.J de 8-6-83, Cj ano 1983, t.2, pág.38 e A. Varela, CCIvil Anotado, V.1, pág. 499 e ss.).

          Assim, não serão em princípio indemnizáveis, nomeadamente os simples incómodos, o desgosto por uma casa não estar construída na data prevista, o desgosto causado pela morte de um cavalo numa pista, etc.( Ac. STJ de 19-11-75, BMJ ,251.º, 148) , sendo no entanto objecto de reparação aqueles danos morais naturais cuja reparação pecuniária se destina a compensar, embora indirectamente, os sofrimentos físicos, morais e desgostos e que, por serem factos notórios, não necessitam de ser alegados nem quesitados, mas só pedidos ( Vaz Serra, RLJ, ano 105.º e 108.º, p 37 sgs. e 223; Ac STJ de 27-12-69, BMJ, 141.º, 331; Ac STJ de 22-11-78, BMJ , 204.º, 262) .

          A gravidade do dano mede-se por um padrão objectivo, embora atendendo às particularidades de cada caso, e não à luz de factores subjectivos (como uma sensibilidade exacerbada ou requintada), e tudo segundo critérios de equidade ( cfr A. Varela, ob. cit., pág. 576; Vaz Serra, RLJ, ano 109.º, p. 115), devendo ter-se ainda em conta a comparação com situações análogas decididas em outras decisões judiciais ( Acs do STJ de 2-11-76, de 23-10-79, de 22-1-80,  de 13-5-86, in BMJ 261.º-236, 290.º-390, 239.º-237, 357.º-399) e que a indemnização a arbitrar tem uma natureza mista: a de compensar esses danos e a de reprovar ou castigar, no plano civilístico, a conduta do agente (cfr A. Varela, ob. cit., p. 529 e 534 ; Ac STJ de 26-6-91, BMJ, 408.º, 538).

          Assim, não tendo a autora logrado demonstrar a existência de danos não patrimoniais que conforme exige o artigo 496 do Ccivil, que pela sua gravidade mereçam a tutela do direito, terá de improceder o seu pedido de indemnização e nessa medida a acção terá de ser julgada improcedente quanto a este segmento.

No que concerne ao pedido de condenação no pagamento do valor de 102,00 euros a titulo de taxa de justiça paga pela injunção indeferida, mantem-se a decisão recorrida, dado que não existe nexo de causalidade entre o gasto desse valor e qualquer conduta dos réus, sendo que a opção por instaurar essa injunção foi uma opção exclusiva da autora.

Acresce que a questão de ter apoio judiciário e patrono não demonstra por si só o número de idas á CRSS ou a outras entidades nem essas eventuais deslocações por si só não demonstram a existência de qualquer dano não patrimonial nos termos do artigo 496 do CCivil.
Pelo exposto, não existe nenhuma razão para se realizar qualquer alteração á matéria de facto fixada na sentença recorrida. 

Em conclusão, a factualidade a atender no âmbito da apelação em julgamento é a fixada pelo tribunal a quo.

Dado que não existe alteração á matéria de facto improcede o recurso no segmento de se pretender a condenação dos réus no pagamento da indemnização peticionada a titulo de danos não patrimoniais e quanto ao valor pago pela injunção.

                                                 *


B- (Im) Procedência do pedido reconvencional (determinação sobre a possibilidade de fixação de sanção pecuniária compulsória ou a sua redução).

 Alega a recorrente que não tendo estado presente na Assembleia de Condóminos que determinou a fixação da pena pecuniária constante da acta nº 3/2016 de 29/3/2016, não poderá ser exigida á ora recorrente o seu pagamento, pois não manifestou o seu assentimento ou acordo expresso, declarado e formal, antes foi-lhe impingida por algum dos condóminos que assistiram á Assembleia( “por maioria dos presentes”- ponto 25) e que nessa medida a pena pecuniária constante da acta supra referida não preenche, em relação á recorrente, os pressupostos e o condicionalismo do artigo 810º do C.C., sendo, portanto a mesma nula em relação á ora recorrente.

E alega por fim que o Tribunal deveria ter usado a faculdade de redução da pena pecuniária, nos termos do artigo 812º do C.C., pois havia elementos que, segundo um critério de equidade e de justiça, apontava para um manifesto excesso da pena pecuniária, e que o tribunal por assim não ter entendido violou os artigos 473º e 812º do C.C. Neste segmento e para concretizar, invoca que  em assembleia de condóminos realizada no dia 29/03/2016, deliberou, lançar quota extraordinária no valor de € 5.000,00, sendo a autora responsável pelo pagamento da quantia de € 263,15 – considerando o valor global das obras aprovadas (€ 5.000,00) e a permilagem da fracção de que é proprietária (52,63/1000), para a realização de obras ao nível das fachadas, devendo aos condóminos devedores ser aplicada uma pena pecuniária correspondente ao triplo do valor em dívida, de montante nunca inferior a € 1.000,00 – pontos 25, 26, 27 e 28. E que apesar da ora recorrente ainda não ter liquidado a quota extra referida de 263.15€, por não concordar com as referidas obras, a verdade é que, pelo que é referido pelos RR. as obras foram efectuadas, não tendo havido qualquer dano ou prejuízo significativo. E que não compreende a recorrente, que inicialmente era responsável por cerca de 5,2% da obra a realizar, passe, com a clausula penal e a sua quota parte, a ser responsável por mais de 25% do pagamento total da obra.

Mais refere tratar-se de um enriquecimento sem causa do Condomínio á custa da ora recorrente, pois atenta a natureza do contrato entre as partes, do valor das obras a realizar (5.000.00€), a situação económica e social da recorrente que litiga com Apoio Judiciário e aos parcos prejuízos sofridos pelo Condomínio, é manifesto que condenar a recorrente a suportar o pagamento de mais de 25% de uma obra de empreitada do Condomínio quando a sua quota parte era só de 5,2%, é manifestamente desproporcional e excessiva.

Conclui que o tribunal deveria ter usado a faculdade de redução da pena pecuniária, nos termos do artigo 812º do C.C., pois atento o supra exposto, havia elementos que, segundo um critério de equidade e de justiça, apontava para um manifesto excesso da pena pecuniária.

          Quanto a este segmento do recurso, conforme resulta da matéria provada  (pontos 25 a 20) em assembleia de condóminos realizada no dia 29/03/2016, cujo ponto primeiro da ordem de trabalhos consistiu na “discussão e deliberação de orçamentos de obras a realizar nas partes comuns”, deliberou a assembleia, por maioria dos presentes, aprovar novo orçamento para realização de obras ao nível das fachadas, tudo conforme resulta do teor da ata n.º 03/2016, tendo deliberado tal assembleia mandatar a empresa administradora para lançar quota extraordinária no valor de € 5.000,00, a dividir pelos condóminos em função da permilagem de cada fracção, estabelecendo como prazo limite para pagamento por cada condómino da sua quota-parte o dia 30/07/2016.

 Mais deliberou unanimemente a assembleia que “no seguimento do orçamento e cota extraordinária aprovada, deliberou mandatar a empresa administradora para demandar judicialmente os condóminos que não procedam ao pagamento da quota-parte correspondente até à data prevista. Aos condóminos devedores será aplicada uma pena pecuniária correspondente ao triplo do valor em dívida, de montante nunca inferior a € 1.000,00 (…)”, conforme acta 03/2016, constante de fls. 70v a 71 v e cujo teor se considera reproduzido para todos os efeitos legais.

 Por conta da quota extra indicada a quota-parte extra por cujo pagamento era a autora responsável ascende à quantia de € 263,15 – considerando o valor global das obras aprovadas (€ 5.000,00) e a permilagem da fracção de que é proprietária (52,63/1000), não tendo a autora pago esse valor.

          Referiu a sentença recorrida quanto a este segmento do recurso, que, tendo a assembleia de condóminos deliberado aprovar novo orçamento para as obras a efectuar no prédio ao nível das fachadas, lançando uma quota extraordinária de € 5.000,00, a dividir pelos condóminos em função da permilagem das respectivas fracções, fixando como prazo limite para que cada condómino pague a sua quota 30/07/2016, sendo a autora responsável a este título pelo valor de € 263,15 é evidente que a mesma, dado que ainda não liquidou tal valor, será condenada a pagá-lo.

          Mais referiu que na referida assembleia datada de 29/03/2016 mais deliberou unanimemente a assembleia que “no seguimento do orçamento e cota extraordinária aprovada (de € 5.000,00), deliberou mandatar a empresa administradora para demandar judicialmente os condóminos que não procedam ao pagamento da quota-parte correspondente até à data prevista. Aos condóminos devedores será aplicada uma pena pecuniária correspondente ao triplo do valor em dívida, de montante nunca inferior a € 1.000,00 (…)”.

Considerou a sentença que não se vislumbra, pois, neste ponto qualquer obstáculo para o funcionamento da cláusula penal aplicada, a qual corresponde ao limite mínimo fixado, razão pela qual se mantém nos € 1.000,00 peticionados.

E concluiu que a autora é devedora ao primeiro réu a título de quotas em atraso e penas pecuniárias, da quantia de € 1.263,15

          Cumpre decidir.

          Resulta do teor da caderneta predial urbana documento de fls. 52 dos autos que o valor patrimonial da fracção da autora e de 55.460,oo Euros.

          Entende a recorrente que dado não ter estado presente na Assembleia de Condóminos que determinou a fixação da pena pecuniária constante da acta nº 3/2016 de 29/3/2016, não poderá ser exigida á ora recorrente o seu pagamento, pois não manifestou o seu assentimento ou acordo expresso, declarado e formal, antes foi-lhe «impingida» por algum dos condóminos que assistiram á Assembleia.

          As obrigações referidas no artigo 1424º, do CCivil referem-se a despesas de conservação e fruição das partes comuns do prédio, sendo que tais obrigações têm ligação funcional com a titularidade do direito real.

          A participação de cada um nas despesas é estabelecida em função do valor relativo das referidas fracções, estando tal valor pré-fixado no título constitutivo da propriedade horizontal em percentagem ou permilagem.

           Tal como refere o Ac. do STJ de 16/5/2000, in CJ 2000, Tomo II, 64, estamos perante uma obrigação proter rem, o que determina que no âmbito da propriedade horizontal um condómino nunca se poderá recusar  a contribuir para as despesas de fruição e conservação das partes comuns.

          A este propósito, vide o Ac da RP de  17/10/2000, disponível na INTERNET, na Página da DGSI (local de origem de toda a jurisprudência citada sem menção de origem), cujo sumário refere: «Sumário: Perante as despesas efectuadas no seu conjunto com obras de conservação efectuadas em partes comuns de edifício constituído em regime de propriedade horizontal devem comparticipar todos os condóminos em proporção do valor das respectivas fracções expresso em percentagem ou permilagem.».

          Nos termos do artigo 1424º, do CCivil o pagamento dos encargos referentes à conservação e fruição das partes comuns de um edifício está a cargo dos respectivos condóminos, salvo disposição legal em contrário, sendo que para que a divisão dos encargos comuns possa obedecer a um critério diferente deste normativo (proporção do valor das fracções) é preciso que o título constitutivo disponha de modo diverso (artigo 1419º, do CCivil).

          Resultando apurado que a autora é condómina da mencionada fracção do prédio identificado, e nessa medida impõe-se-lhes suportar a quota parte para as despesas com encargos de conservação e fruição das partes comuns de tal prédio - art. 1424º do C. Civil.

         
Como é sabido nos termos do artigo 1305 do Civil o proprietário goza de modo exclusivo dos bens que lhe pertencem, sem prejuízo de fazer restrições de direito que se traduzem nas relações de vizinhança.

É pacificamente aceite entre nós que as regras gerais do direito de vizinhança se aplicam não só a prédios independentes, mas também às fracções autónomas de um edifício constituído em propriedade horizontal. As restrições de vizinhança são restrições derivadas da necessidade de coexistência, que visam regular os conflitos de interesses que surgem entre vizinhos, “em consequência da solidariedade dos seus direitos, ou seja, em vista da impossibilidade de os direitos do proprietário serem exercidos plenamente sem afectação dos direitos de vizinhança.

 Como nos diz YVES GRAFMEYER, Sociologia urbana, E.E.A., 1994, pág. 56, “a composição social da vizinhança e do bairro é fonte de um certo número de efeitos. Embora o espaço residencial não seja propriamente um sistema de interacção, suscita, por sua vez, ocasiões de interacção ou, pelo menos, situações de coexistência. Quer seja desejada ou inesperada, quer induza sociabilidades, tensões ou condutas evasivas, a proximidade do outro não é nunca completamente indiferente. Mesmo quando se desconhecem praticamente os vizinhos, a maneira como deles se fala traduz categorias de juízo, formas de se situar a si mesmo e de situar os outros (...)”.

Sempre que um prédio se encontre dividido em fracções autónomas (unidades independentes e isoladas), diz-se que o mesmo se encontra constituído em propriedade horizontal (1414 e 1415º CC). Quando as referidas fracções pertençam a diferentes proprietários, estaremos perante um condomínio, e no caso de existirem mais de quatro condóminos, deve existir um Regulamento de condomínio disciplinando uso, fruição e conservação das partes comuns (1429º-A CC).

A assembleia dos condóminos é o órgão deliberativo composto por todos os condóminos, competindo-lhe decidir sobre os problemas do condomínio que se refiram às partes comuns, encontrando soluções para os resolver, delegando no administrador a sua execução e controlando a actividade deste. O administrador é o órgão executivo da administração, cabendo-lhe desempenhar as funções referidas no art. 1436º, próprias do seu cargo, assim como as que lhe forem delegadas pela assembleia ou cometidas por outros preceitos legais.
          Resulta que nos termos do artigo 1434 do CCivil a assembleia pode estabelecer penas pecuniárias pela inobservância de disposições do código, da assembleia ou administrador, e apesar destas decisões não poderem ser alvo de recurso (conforme refere Rui Miller, A Propriedade Horizontal no Código Civil, pág.286), as mesmas podem ser impugnadas por outra via uma vez que se tratam de deliberações da assembleia, e que se um dos condóminos não concordar e entender que foi violada a lei ou regulamento, tem a faculdade de requerer a sua anulação nos termos do artigo 1433 do CCivil.
Por outras palavras o condomínio visado tem sempre a hipótese de se defender de uma condenação que considere injusta.
          Conforme ensina Sandra Passinhas (A Assembleia de Condóminos e o Administrador na Propriedade Horizontal, pág.258), as deliberações da assembleia contrárias á lei e regulamento são anuláveis a requerimento de qualquer condómino que não as tenha aprovado, sendo que o direito de requerer a anulação de deliberações só é irrenunciável quando nos referimos ao chamado direito abstrato, dado que o direito de impugnar uma decisão pode ser objecto de renúncia.

Nos termos do disposto no art. 1434 do CC (n.º 1, 2.ª parte), a assembleia de condóminos pode fixar penas pecuniárias para a inobservância das disposições do código, das deliberações da assembleia ou das decisões do administrador.

O n.º 2 do mesmo artigo estabelece um teto para aquelas sanções: o montante das penas aplicáveis em cada ano nunca excederá a quarta parte do rendimento coletável anual da fração do infrator.

Estas sanções, afastam-se da cláusula penal, prevista nos artigos 810 a 812 do CC, por não dependerem do acordo dos condóminos, e afastam-se da sanção pecuniária compulsória, prevista no art. 829-A , por não dependerem de decisão jurisdicional – Anotação ao art. 1434, in Código Civil Anotado, II, Ana Prata (coord.), Coimbra: Almedina, 2017, p. 289.

          No sentido de a assembleia de condóminos ter legitimidade para fixar penas pecuniárias, vide o Ac RL 286/18.4T8SNT.L1-7, Relator:HIGINA CASTELO, 30-04-2019:«Sumário:    I. A assembleia de condóminos pode fixar penas pecuniárias para a inobservância das suas deliberações, nomeadamente, penas pecuniárias a aplicar ao condómino em mora no pagamento das quotas de condomínio.

II. A ata da reunião da assembleia de condóminos que deliberou a aplicação e o montante dessas penas constitui título executivo contra o proprietário em mora.»(sic).


          Assim, dado o teor do artigo 1434 do CCivil, que estabelece que a Assembleia tem legitimidade para fixar essas penas pecuniárias, é manifesto que a circunstância de a autora não ter estado presente nessa assembleia não é impeditivo da aplicação dessa pena pecuniária e nessa medida improcede esse segmento do recurso.


Cumpre agora analisar a questão sobre a existência do alegado enriquecimento sem causa e da redução dessa sanção.

          No caso dos autos foi aplicada uma sanção no valor de 1.000,00 euros á autora em consequência de não ter pago o valor das obras.
         

          Nos temos do artigo 1433 do CCivil as deliberações da assembleia contrárias á lei ou a regulamentos anteriormente aprovados são anuláveis a requerimento de qualquer condómino que as não tenha aprovado.
Seguindo os ensinamentos de A. Varela e Pires de Lima (Código Civil Anotado, volume III, pág. 447) no contexto deste normativo não estão incluídos as deliberações que violem preceitos de natureza imperativa ou que exorbitem a esfera de competência da assembleia de condóminos (sendo que nestes casos a deliberação que infrinja normas de interesse publico serão nulas e as que se pronunciem sobre assuntos para as quais não tenha competência a deliberação deverá considerar-se ineficaz.).
A intervenção dos órgãos judiciários está cingida á violação da lei ou dos regulamentos em vigor, limitando-se a uma simples fiscalização da legalidade da deliberação. Tal como ensinam Pires de Lima e A. Varela (in obra citada, pág. 449) não cabe ao tribunal apreciar o mérito da deliberação, para saber se ela foi ou não a mais conveniente para os interesses do condomínio
          Estabelece o artigo 1434 do CCivil que a Assembleia –geral de Condóminos pode fixar penas pecuniárias aplicáveis face á inobservância das disposições da lei civil, das deliberações da assembleia ou das decisões do administrador, com o limite correspondente á quarta parte do rendimento colectável anual da fracção em causa.
Essas penas da assembleia são sanções estabelecidas por um grupo – a assembleia de condóminos a fim de fazer respeitar as suas deliberações ou decisões.
          Ensinam Pires de Lima e A. Varela que a possibilidade de fixação de penas pecuniárias para a inobservância de certos comandos jurídicos, (quer emitidos pela via legislativa, quer pela autoridade competente) corresponde, sempre que da violação desses possam advir danos para alguém, a um princípio geral de direito (artigo 810 do CCIvil).
          Segundo Moitinho de Almeida (Propriedade Horizontal, pág. 108, 111, 114 e 129) as deliberações da assembleia de condóminos tem carácter de decisões de natureza administrativa sendo susceptíveis sempre de revogação ou modificação, ainda que sejam tomadas por unanimidade, dado que as mesmas têm um carácter contingente e transitório.

Conforme ensina Aragão Seia in Propriedade Horizontal, pág. 182, o artigo 1433 do CCivil comina com a sanção da anulabilidade as deliberações da assembleia que sejam contrarias á lei ou a regulamentos anteriormente aprovados, isto é, são anuláveis as deliberações que tomadas na área da sua competência, atinente as partes comuns do edifício, desde que violem a lei ou regulamentos. A deliberação anulável pode ficar sanada no caso de uma deliberação posterior ou por falta de impugnação tempestiva e igualmente a invalidade de uma deliberação não acarreta a invalidade de tudo, podendo existir uma anulação parcial em conformidade com o princípio da redução do negócio jurídico.

          A administração das partes comuns do edifício cabe à Assembleia dos condóminos e a um administrador (cfr. artigo 1430º do Código Civil), cabendo a este, entre outras, as funções de cobrar as receitas e efetuar as despesas comuns, bem como de exigir dos condóminos a sua quota-parte nas despesas aprovadas (alíneas d) e e) do artigo 1436º do Código Civil).

Nos termos do disposto no art. 1434 do CC (n.º 1, 2.ª parte), a assembleia de condóminos pode fixar penas pecuniárias para a inobservância das disposições do código, das deliberações da assembleia ou das decisões do administrador.

O n.º 2 do mesmo artigo estabelece um teto para aquelas sanções: o montante das penas aplicáveis em cada ano nunca excederá a quarta parte do rendimento coletável anual da fração do infrator.

Ora, o montante da indemnização pelos danos resultantes de incumprimento é, em princípio, apurado em concreto, mas as partes podem fixar o mesmo por acordo mediante uma sanção ou pena pecuniárias, que no caso visa punir, extrajudicialmente, o condómino pela inobservância das disposições legais, das deliberações da assembleia e das decisões do administrador do condomínio, fixando antecipadamente a indemnização a pagar em caso de não cumprimento de determinada obrigação.

Nos termos do disposto nos artigos 810º e 812º do Código Civil, as partes são livres de fixar o montante da cláusula penal, contudo o mesmo para além dos limites legais referidos, está também sujeito a outros limites, sob pena de verificarmos situações manifestamente excessivas, podendo até ser classificadas como abuso de direito ou mesmo negócios usurários.

Provando-se que a cláusula penal é manifestamente excessiva, desproporcionada ou francamente exagerada, face aos danos efectivos, poderá ela ser reduzida pelo tribunal de acordo com a equidade (redutibilidade judicial da cláusula penal - cfr. artigo 812.º, n.º 1 e n.º 2, do Código Civil).

Não devemos esquecer que estamos perante uma cláusula penal de natureza compulsória, que visa, não apenas a reparação do dano do credor, mas também compelir ao cumprimento de uma determinada obrigação.

Como refere Antunes Varela (Código Civil Anotado, Vol. III, Coimbra Editora, 2.ª Edição, 1987, pág. 450) a cláusula penal visa constituir em regra um reforço (um agravamento) da indemnização devida pelo obrigado faltoso, uma sanção calculadamente superior à que resultaria da lei, para estimular de modo especial o devedor ao cumprimento. Por isso mesmo se lhe chama cláusula penal ou pena convencional.

           O tribunal tem, pois, a pedido expresso do devedor, o poder de reduzir, mas não o de invalidar ou suprimir a cláusula penal que seja manifestamente excessiva, devendo usar da faculdade de redução da cláusula penal, quando houver elementos que, segundo um critério de equidade e de justiça, apontem para um manifesto excesso da cláusula penal.

Nos termos do artigo 1434.º, a assembleia de condóminos pode fixar penas pecuniárias para a inobservância das suas deliberações e das decisões do administrador.

A valoração das deliberações da assembleia de condóminos ou das decisões do administrador, no âmbito do artigo 1436.º, g), dependerá, assim, sempre das circunstâncias concretas do caso. Note-se que não há uma obrigação formal de fundamentação dos actos por parte destes órgãos

          Em geral as sanções pecuniárias assim estabelecidas têm claramente por finalidade o sancionamento de uma dada conduta que viole os estipulado no Regulamento, ou no caso de atraso no pagamento das quotas visam sancionar a mora do condómino devedor no pagamento das comparticipações e despesas extraordinárias do condomínio, funcionando como modalidade de fixação indemnizatória a forfait pelos prejuízos que possam resultar desse atraso.

            Importa reter o preceituado no artigo 1434.º do CC, segundo o qual:

1 – A assembleia pode … fixar penas pecuniárias para a inobservância das disposições deste código, das deliberações da assembleia ou das decisões do administrador.

2 – O montante das penas aplicáveis em cada ano nunca excederá a quarta parte do rendimento colectável anual da fracção do infractor.    

            Sobre a natureza das mencionadas penas pecuniárias, o Professor António Pinto Monteiro (In Cláusula Penal e Indemnização, Almedina, Coimbra, 1990, pg. 139 e seguintes)  considera que as penas estabelecidas pela assembleia de condóminos são sanções destinadas “a fazer respeitar as suas deliberações, as disposições legais pertinentes ou as decisões do administrador”, radicando a legitimidade do condomínio, para tal determinação, nas exigências de convivência e de sociabilidade resultante da unidade estrutural do edifício. Segundo o mesmo Autor, tais penas apresentam forte analogia com as chamadas penas associativas, a que reconhece finalidade intimidativa e de expiação para assegurar a disciplina dos membros da associação e o respeito pelos deveres associativos.

Ora, do atraso no pagamento das comparticipações dos condóminos podem resultar danos colaterais lesivos do bom funcionamento da administração do condomínio e da sã convivência do colectivo de condóminos, não só de difícil determinação quantitativa, mas que até extravasem o estrito valor patrimonial decorrente da demora na prestação.           

            Segundo o n.º 2 do citado artigo 1434.º do CC, o montante das penas aplicáveis em cada ano nunca excederá a quarta parte do rendimento colectável anual da fracção do infractor.    

          No caso dos autos não foi impugnada a deliberação em causa e nessa medida a mesma não poderá ser anulável.

          Mas a recorrente pugna pela sua redução  e invoca o enriquecimento sem causa face ao valor da sua quota e o valor da penalidade.

Contudo, na linha do entendimento perfilhado no acórdão da Relação do Porto  de 31 de Março de 2011, no âmbito do processo n.º 1842/05. 6TVLSB.L1-6, disponível em www.dgsi.pt, ainda que a deliberação não seja anulável, assiste ao condómino o direito de invocar o excesso da penalidade que lhe tenha sido aplicada, nos termos do artigo 812.º CC, apesar de se manter dentro dos limites do n.º 2 do artigo 1434,º CC, pedindo a sua redução equitativa.

Com efeito, o artigo 812.º do CC, prevê que a cláusula penal possa ser reduzida pelo tribunal de acordo com a equidade, quando for manifestamente excessiva, ainda que por causa superveniente, valendo o mesmo ainda que a obrigação tenha sido parcialmente cumprida.
Quanto á possibilidade de se reduzir essas sanções vide o Ac da RL de  13-11-2012:«Sumário: 1. As penalidades previstas no artigo 1434.º do CC, quando visem sancionar a mora no cumprimento das comparticipações devidas ao condomínio, traduzem-se numa cláusula penal moratória, nos termos do n.º 1 do citado artigo 811.º do CC, sujeita aos limites previstos no artigo 811.º e 812.º, além do preceituado no n.º 2 do artigo 1434.º do CC, que não numa mera sanção compulsória de natureza puramente coercitiva.

2. O rendimento colectável como critério de limite máximo estabelecido no n.º 2 do artigo 1434.º do CC deve ser aferido com base da aplicação do factor 15 ao valor patrimonial tributário, nos termos do artigo 6.º, n.º 1, do Dec.-Lei n.º 422-C/88, por ser um critério mais estável, seguro e objectivo, e não em função da colecta resultante da aplicação das taxas municipais previstas no artigo 112.º do CIMI.

3. A cláusula penal moratória estabelecida para o incumprimento temporário das comparticipações devidas ao condomínio deve ser equitativamente reduzidas, quando excessiva, nos termos do artigo 812.º do CC, tomando-se em conta a dupla função da cláusula penal e, em especial, a sua finalidade específica, ressarcitória e coercitiva, no domínio do regime da propriedade horizontal, que não de forma confinada aos estritos parâmetros estabelecidos para os juros moratórios da generalidade das obrigações pecuniárias, em particular no domínio dos contratos de mútuo.

4. A liquidação parcelar, por parte do condómino devedor, feita com vista ao pagamento das quotizações vencidas em determinado período, sem nada ressalvar a respeito de cada uma delas, equivale ao reconhecimento tácito das contribuições que, apesar daquela liquidação, ainda se mantenham em falta, para efeito de interrupção do respectivo prazo prescricional.

         

         

 

                                                 *

Com efeito, o artigo 812.º do CC, prevê que a cláusula penal possa ser reduzida pelo tribunal de acordo com a equidade (redutibilidade judicial da cláusula penal, quando for manifestamente excessiva, ainda que por causa superveniente, valendo o mesmo ainda que a obrigação tenha sido parcialmente cumprida.

O tribunal tem, pois, a pedido expresso do devedor, o poder de reduzir, mas não o de invalidar ou suprimir a cláusula penal que seja manifestamente excessiva.

No tocante aos elementos de ponderação a considerar na redução da cláusula penal manifestamente excessiva contam-se a gravidade da infracção, o grau de culpa do devedor e as vantagens que para este resultem do incumprimento, o interesse do credor na prestação; a situação económica de ambas as partes; a sua boa ou má fé; a índole do contrato e das condições em que foi negociado e a finalidade da cláusula penal (António Pinto Monteiro, Cláusula Penal e Indemnização, 1999, p. 730-746).

... “A cláusula penal pode exercer uma função indemnizatória e/ou uma função coercitiva ou compulsória. No primeiro caso os contraentes fixam, desde logo, a indemnização que será devida em caso de incumprimento da obrigação, no segundo recorrem à cláusula penal, com o intuito de incentivar o devedor ao cumprimento, servindo a importância que venham a fixar como medida compulsória destinada a fazer cumprir as obrigações assumidas. A figura pode assim desempenhar alternativa ou simultaneamente uma e outra função.” (Ac. STJ de 4/5/2004, Proc. 04A504, acessível através de www.dgsi.pt).

Trata-se também de um meio de conferir mais eficácia à administração do condomínio, nomeadamente à cobrança oportuna da quota-parte dos condóminos, dissuadindo comportamentos faltosos e prevenindo dificuldades de gestão do condomínio, que podem provir do atraso no pagamento da quota-parte das despesas do condomínio.

          No caso concreto resulta que o Condomínio aplicou a pena pecuniária no valor de 1.000,00 euros devido á recorrente não ter pago o valor de 263,15 euros atinente á sua parte no valor de obras deliberadas a 29-3-2016, não tendo sido paga essa quantia desde essa data.

Resulta que o valor patrimonial da fracção é de 55.460,oo euros e deve multiplicar-se pelo factor 0,15, que fixa o valor máximo fixado no artigo 1434 nº2 do CCivil e nessa medida o valor máximo seria de 2.079. 75 Euros o qual está respeitado dado se ter aplicado o valor de 1.000,00 euros.

Assim, constata-se que o valor fixado na quantia de 1000,00 euros (abaixo do limite máximo) não é excessivo dado que o limite de pagamento do valor a cargo da autora 263,15   foi a data de 30-7-2016 e a autora durante quase 4 anos não pagou essa quantia e não o fez dado conforme refere, não concordar com as obras aprovadas pela Assembleia. Tratando-se de um lapso temporal excessivo para o cumprimento dessa obrigação por parte da autora, não tendo sido invocada nenhuma circunstância justificativa para o não pagamento dessa quantia (a mera discordância da realização das obras não permite o seu não pagamento face á deliberação aprovada pelo condomínio e a ausência de impugnaçaõ).

Para além de a autora já ter deixado de pagar uma prestação da mesma natureza ao condómino desde outubro de 2014 ate Dezembro de 2017, o que demonstra  uma repetição desse incumprimento e nessa medida afigura-se-nos que o valor fixado não deverá ser reduzido.

          Por fim, invoca a recorrente que estaremos perante um enriquecimento sem causa do condomínio á custa da recorrente porque condenar a mesma a pagar 1.000,00 euros faria com que pagasse 25% do valor da obra, quando só pagaria 5,2 % ( o valor de 263,15 Euros), e que haveria parcos prejuízos do condomínio e face á situação económica da recorrente, seria um valor desproporcional e excessivo.

          Dispõe o art. 473, nº1: "Aquele que, sem causa justificativa, enriquecer à custa de outrem é obrigado a restituir aquilo com que injustamente se locupletou", acrescentando o nº2 do referido art. que "A obrigação de restituir, por enriquecimento sem causa, tem de modo especial, por objecto o que for indevidamente recebido(...)".

O Enriquecimento sem causa, nos termos dos artºs 473º e 474º do CC, depende da verificação cumulativa dos seguintes requisitos: a existência de um enriquecimento, que esse enriquecimento não tenha causa que o justifique;  que ele seja obtido à custa do empobrecimento de quem pede a restituição; que não haja um outro acto jurídico entre o acto gerador do prejuízo deste e a vantagem obtida pelo enriquecido.

          Esta figura do enriquecimento sem causa, tem a sua razão de ser, atentas as palavras de R. Bastos (Das Obrigações em Geral, v.2, pág.9), «...  em que por vezes, o direito se vê na necessidade de fazer com que se não produzam consequências injustas ou não equitativas.».

          A obrigação de restituir fundada no enriquecimento sem causa pressupõe a verificação cumulativa de três requisitos: a existência de um enriquecimento, que seja obtido à custa de outrem, e que o enriquecimento não tenha causa justificativa.

          Como escreveu Vaz Serra ( in R.L.J. 102º; p.337 nota 2 ), "o enriquecimento consiste numa melhoria da situação patrimonial do obrigado a restituir, representando a diferença entre o estado actual do seu património e o estado em que ele se encontraria se não tivesse tido lugar a deslocação, sem causa, de valores"; o enriquecimento consiste na obtenção de uma vantagem de carácter patrimonial, seja qual for a forma que essa vantagem revista, podendo traduzir-se quer num aumento do activo patrimonial ( maxime, preço da alienação da coisa alheia ou, pelo menos, parcialmente alheia...), quer no uso ou consumo de coisa alheia ou no exercício de direito alheio.

          Quanto ao segundo requisito, que consiste em o enriquecimento ser obtido à custa de outrem, é necessário compreender que a obrigação de restituir pressupõe que o enriquecimento tenha sido obtido à custa de quem quer a restituição.

          Relativamente a este requisito, deve referir-se que Pires de Lima e A. Varela (in, C.Civil anotado, 2ª edição, pág.401) entendem que este princípio sofre excepções quando se esteja perante um caso em que o enriquecimento injusto não corresponda ao empobrecimento de outrem, bastando que o enriquecido se tenha intrometido na utilização de bens alheios. No entanto, Galvão Telles (in, Direito das Obrigações, 5ª edição, pág. 160) sustenta que, se uma pessoa alcança o enriquecimento mas não há outra que seja vítima de empobrecimento, nada daquela pode ser exigido.

          O Ac. RP de 6/1/1996 (Cj ano 1996, t.1, pág. 183) vai neste último sentido, atento o texto legal que vai no sentido de se pressupor sempre a aplicação do instituto à existência do empobrecimento. Tanto mais que o objecto da restituição derivada do enriquecimento é uma restituição que supõe a existência de uma deslocação de um valor entre patrimónios, havendo um património beneficiado e outro desfalcado.

          Por outras palavras, pode dizer-se que a correlação exigida por lei entre a situação dos dois sujeitos traduz-se, em regra, no facto de a vantagem patrimonial alcançada por um deles resultar do sacrifício económico correspondente suportado pelo outro. Ao enriquecimento injusto de uma pessoa corresponde o empobrecimento da outra.

          É aquilo que certos autores e parte da jurisprudência designam por "nexo causal", no sentido que "à custa de outrem" "(...) significa que entre o enriquecimento e o empobrecimento deve existir uma certa conexão ou correspondência, de tal modo que o primeiro tenha sido obtido directa e imediatamente do segundo, derivando a vantagem e o sacrifício do mesmo facto ( Ac. S.T.J. de 18/1/94 in C.J. S.T.J. I. 44).

          O último requisito desta fonte de obrigação consiste em o enriquecimento não ter causa justificativa.

          Como se refere no acórdão do STJ de 3/7/1970 (in, BMJ nº199, pág. 190), «o enriquecimento sem causa supõe uma deslocação patrimonial injustificada, ilegítima, injusta e, portanto indevida».

          Embora a lei não dê uma noção de causa não justificada do enriquecimento, o legislador deixou-nos no nº2 do artigo 473 do CC, algumas pistas, ao estabelecer que: «A obrigação de restituir, por enriquecimento sem causa, tem de modo especial por objecto o que for indevidamente recebido, por virtude de uma causa que deixou de existir ou em vista de um efeito que não se verificou».

          Para Almeida Costa ( in Direito das Obrigações, 4ªed. p.327 ) "reputa-se que o enriquecimento carece de causa quando o direito o não aprova ou consente, porque não existe uma relação ou um facto que, de acordo com os princípios do sistema jurídico, justifique a deslocação patrimonial" ou, na expressão de Larenz ( in A. Varela e P. Lima, C.C. anot. 1976 p.320 ), "o enriquecimento é destituído de causa, quando, segundo a ordenação jurídica dos bens, ele cabe a outrem".

          Nos termos do art. 480º C.C. "O enriquecido passa a responder também (...) pelos juros legais das quantias a que o empobrecido tiver direito, depois de se verificar alguma das seguintes circunstâncias:

          a) Ter sido o enriquecido citado judicialmente para a restituição.

          b) Ter ele conhecimento da falta de causa do seu enriquecimento ou da falta do efeito que se pretendia obter com a prestação.

          Para outros desenvolvimentos quanto á natureza deste instituto vide o Ac do STJ de  27-09-2011:«Sumário :  I - Constituem pressupostos do enriquecimento sem causa a existência de um enriquecimento obtido à custa do empobrecido e sem qualquer causa justificativa, tendo o mesmo carácter subsidiário como fonte de obrigação.

II - O enriquecimento sem causa pode configurar-se como enriquecimento por prestação, por intervenção, por despesas realizadas em benefício doutrem e por desconsideração de um património intermédio.

III - O enriquecimento tem ou não causa justificativa consoante, segundo os princípios legais, há ou não razão de ser para ele, cumprindo ver, em cada hipótese e no âmbito do instituto jurídico aplicável, se o enriquecimento corresponde à vontade profunda da lei. 

  d) – Não pode haver lugar à restituição por enriquecimento quando a lei faculta ao empobrecido outro meio de ser indemnizado ou restituído, constituindo a pretensão de obter a restituição com base no enriquecimento sem causa uma acção subsidiária da qual só é legítimo lançar mão quando o titular do respectivo direito não dispõe de uma acção alternativa;

e) – Estando a recorrente, na tese do recorrido, obrigada à restituição ao património do recorrido do imóvel dos autos por força daquele acordo ou da nulidade do mesmo por falta de forma, o recorrido poderia e deveria ter feito valer este seu alegado direito, quer por via do incumprimento contratual, quer através da nulidade ou anulação do negócio;

g) – Não poderá, assim, a restituição em causa nos presentes autos reger-se pelas normas do enriquecimento sem causa, nem o recorrido se podia ter socorrido deste instituto, uma vez que a causa de pedir que serve de fundamento à acção não é adequada ao respectivo pedido;

          Conforme se refere:«...    I – Conforme dispõe o art. 473º do CC: “Aquele que, sem causa justificativa, enriquecer à custa de outrem é obrigado a restituir aquilo com que injustamente se locupletou (1)” E “A obrigação de restituir, por enriquecimento sem causa, tem de modo especial por objecto o que for indevidamente recebido, ou o que for recebido por virtude de uma causa que deixou de existir ou em vista de um efeito que não se verificou (2)”.

       Em consonância, são, uniformemente[2], alinhavados os seguintes pressupostos constitutivos do enriquecimento sem causa:

a) – Existência de um enriquecimento;

 b) – Obtenção desse enriquecimento à custa de outrem; e

 c) – Ausência de causa justificativa para o enriquecimento.

       Sendo, ainda, de salientar que o enriquecimento sem causa como fonte de obrigação tem carácter subsidiário (art. 474º). Ou seja, se alguém obtém um enriquecimento à custa doutrem, sem causa, mas a lei faculta ao empobrecido algum meio específico de desfazer a deslocação patrimonial, será a esse meio que ele deverá recorrer...».

Igualmente, vide o Ac da RL de 29-01-2009 :«I – São requisitos (cumulativos) deste instituto: a) a existência de um enriquecimento; b) a inexistência de causa justificativa para o acréscimo de património do enriquecido; c) que esse enriquecimento tenha sido obtido à custa de quem pretende a restituição.

II – Trata-se, como decorre do artº 474° do CC, de uma fonte das obrigações com natureza subsidiária, já que só tem aplicação se a lei não facultar ao empobrecido outro meio de ser indemnizado ou restituído e não lhe negar direito à restituição nem atribuir outros efeitos ao enriquecimento.».

                    Noutro segmento, e no contexto da subsidiariedade, conforme refere A. Varela in CCivil anotado, pág. 458 e ss, a acção baseada nas regras do enriquecimento sem causa tem natureza subsidiária, só podendo recorrer-se a ela quando a lei não faculte ao empobrecido outros meios de reacção.

          Acompanhado a dissertação de doutoramento em ciências jurídicas da Faculdade Coimbra de Diogo José Paredes Leite de Campos, in A Subsidiariedade da Obrigação de Restituir o Enriquecimento (pag.316 e ss) resulta que nos casos em que uma situação de facto preenche os pressupostos do enriquecimento sem causa e de mais outro instituto (concurso de normas) o artigo 474 do CCivil impede o recurso às normas do enriquecimento. Entende o citado autor que a justificação para este carácter subsidiário resulta da necessidade de economia de meios, dado que a norma concorrente enquadra o problema de modo mais complexo e completo esgotando o caso.

                                                           *

Face a este quadro, desde logo, resulta que em nosso entender a recorrente não poderá invocar este instituto porque não logrou provar qualquer questão relativa á existência de uma deslocação e muito menos logrou demonstrar a ausência de uma causa justificativa. Resulta que o valor peticionado tem uma causa que reside no atraso de pagamento da prestação para despesas.

Portanto, não existindo deslocação patrimonial nem existindo ausência de causa justificativa, não estão preenchidos os pressupostos desta figura.

Neste sentido, vide o Ac do STJ de  16-10-2008 :«...4) O enriquecimento sem causa só pode ser invocado a título subsidiário, sendo que a alegação e prova daqueles pressupostos cumpre ao demandante devendo “in dubio” considerar-se que a deslocação  patrimonial teve justa causa.».

Conforme se refere: «..A disciplina do artigo 473.º do Código Civil dispõe os pressupostos deste instituto que são a demonstração de um enriquecimento; o mesmo ter sido logrado à custa de outrem e sem causa justificativa. (cf., v.g., os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 16 de Setembro de 2008 – 08B1644 – e de 20 de Setembro de 2007 – 07B2156).

Neste último aresto refere-se que “no caso de enriquecimento por prestação e correlativo empobrecimento, o autor, para beneficiar do instituto do enriquecimento sem causa tem de alegar e demonstrar para além dos factos integrantes de tais requisitos, outros que conduzam a uma das conclusões seguintes: que a obrigação de restituir tem por objecto o que foi indevidamente recebido; que o que foi recebido o foi por causa que deixou de existir, ou em vista de efeito que não se verificou.”

Ora, a Autora não logrou demonstrar qualquer deslocação patrimonial indevida para o património do condomínio, dado que tinha como fundamento uma sanção aplicada pela assembleia.

E incumbia-lhe, nos termos do artigo 342.º do Código Civil o ónus da prova dos pressupostos enunciados.

E “in dubio” deve entender-se que o eventual enriquecimento derivou de justa causa, já que a deslocação sem causa não é consentânea com a normalidade negocial. (cf., neste sentido, Dr. Moitinho de Almeida, in “Enriquecimento sem causa”, 101, Profs. P. de Lima e A. Varela, ob. cit., I, 4.ª ed., 456 e Conselheiro Rodrigues Bastos, “Notas ao Código Civil”, II, 269, além, e v.g., dos Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 3 de Outubro de 1970 – BMJ 199-190, de 15 de Dezembro de 1977 – BMJ 272-196 e de 29 de Maio de 2007). »(sic).

Pelo exposto, improcede este segmento do recurso.

                                                           ***

III- DISPOSITIVO

Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar a apelação improcedente, confirmando-se a decisão recorrida.

Custas a cargo da apelante (art. 527º, nºs 1 e 2).

                    Coimbra, D S

Ana Vieira ( Relatora )

António Carvalho Martins

          Carlos Moreira                                                     


[1] Diploma a atender sempre que se citar disposição legal sem menção de origem.