Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
275/19.1T8TCS-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ANTÓNIO CARVALHO MARTINS
Descritores: PROVA TESTEMUNHAL
CREDIBILIDADE
PRINCÍPIO DA LIVRE APRECIAÇÃO
BENS IMPENHORÁVEIS
OBJETOS DE TRABALHO
Data do Acordão: 02/09/2021
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DA GUARDA – JUÍZO DE COMPETÊNCIA GENÉRICA DE TRANCOSO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 736º, 737º E 823º DO NCPC.
Sumário: 1. A prova testemunhal, apesar de falível e precária, é aquela que, na prática, assume a maior importância, por ser a única a que pode recorrer-se na demonstração da realidade de muitos factos. O Tribunal, não podendo prescindir de tal meio de prova, deve ter «prudente senso crítico» no interrogatório e na ponderação do depoimento testemunhal, relembrando o vetusto brocardo do Digesto «testium fides diligenter examinanda».

2. Em sede de recurso, suscitada a questão da sua credibilidade, na equivalência desse pretender (apenas) questionar a razão por que o tribunal atribuiu, eventualmente, maior, ou menor, crédito a uma dada testemunha, dentro da margem da formação da sua livre convicção, a sua apreciação, no universo da prova integral produzida, foi considerado como permitindo a inferência específica expressa.

3. É certo que o princípio da livre apreciação da prova nunca atribui ao juiz “o poder arbitrário de julgar os factos sem prova ou contra as provas”, ou seja, a livre apreciação da prova não pode confundir-se “com uma qualquer arbitrária análise dos elementos probatórios”, sendo “antes uma conscienciosa ponderação desses elementos e das circunstâncias que os envolvem”.

4. Em direito processual, sendo a prova o acto ou série de actos processuais através dos quais há que convencer o juiz da existência ou inexistência dos dados lógicos que tem que se ter em conta na causa, o ónus da prova (342º Código Civil) é a obrigação que recai sobre os sujeitos processuais da realidade de tais actos. A traduzir-se para a parte a quem compete no encargo de fornecer a prova do facto visado, incorrendo nas desvantajosas consequências de se ter como líquido o facto contrário, quando omitiu ou não logrou realizar essa prova.

5. Fundamentando o juiz a sua convicção na razão de ciência das testemunhas inquiridas, e não havendo motivos que contrariem tal convicção, não há erro de julgamento se o juiz optou pela versão relatada pelo primeiro grupo das testemunhas, por tal forma o revelando a prova produzida, na compatibilidade à motivação/fundamentação exarada, como se verifica circunstancialmente. A mera discordância em relação ao decidido não constitui fundamento para invocação da previsão da al. c) do n.º 1 do art. 615.° do NCPC (2013), tanto mais que a estrutura do discurso apresenta coerência entre o juízo e as premissas que a ele conduzem.

6. Havendo colisão entre o direito do credor/exequente a ver realizado o seu crédito e o direito do devedor/executado a não ser privado dos instrumentos do seu trabalho e dos objectos indispensáveis ao exercício da sua actividade profissional, o legislador optou pelo sacrifício do primeiro.

7. A impenhorabilidade relativa prevista no nº 2 do artigo 823º do C.P.C. apenas abrange os instrumentos de trabalho e os objectos estritamente indispensáveis ao exercício da actividade ou formação profissional do executado.

8. A função de garantia geral das obrigações que o património do devedor desempenha concretiza-se com a penhora, principal meio de agressão do património do devedor.

9. Pode dizer-se que a regra é a penhorabilidade dos bens do devedor que respondem pelo cumprimento da obrigação. Mas também é sabido que há bens absoluta e relativamente impenhoráveis (os enumerados nos artigos 736.º e 737.º do Cód. Proc. Civil) e bens só parcialmente penhoráveis.

10. Em tais termos, pois, mais «verificamos, essencialmente, que no n.º 1 do art. 737.º do NCPC se pretende acima de tudo garantir a realização de fins de utilidade pública, já o seu n.º 2 pretende-se garantir a subsistência do executado através do trabalho que realiza na sua atividade profissional. Portanto, os instrumentos de trabalho e os objetos indispensáveis ao exercício da atividade profissional ou formação profissional do executado por regra não podem ser penhorados, nomeadamente os bens estritamente ligados ao desempenho da sua profissão.

11. O termo “profissão” traduz-se como sendo a forma de abranger qualquer tipo de atividade lícita, qualquer ocupação, qualquer ofício por mais rudimentar ou modesto que seja. Nesta linha de pensamento tenta-se proteger o “ganha-pão” das profissões liberais e de qualquer trabalho manual, ou formação.

12. A impenhorabilidade “não resulta apenas da indisponibilidade (objetiva ou subjetiva) de certos bens ou de convenções negociais que especificamente a estipulem. Resulta também da consideração de certos interesses gerais, de interesses vitais do executado ou do interesse de terceiros que o sistema jurídico entende deverem-se sobrepor aos do credor exequente. Impenhoráveis por estarem em causa interesses vitais do executado são aqueles bens que asseguram ao seu agregado familiar um mínimo de condições de vida (…) são indispensáveis ao exercício da profissão do executado.”. Portanto, uma “impenhorabilidade processual relativa filia-se em motivos de interesse económico, matizados com considerações de humanidade”.

13. Verificando-se que na sentença recorrida constam os factos e as razões de direito em que o tribunal alicerçou a sua decisão e esta é consequência lógica daquela fundamentação, é evidente que aquela peça processual não está inquinada de qualquer nulidade (art. 668°, nº 1, alíneas b), c) e d) do CPC - art. 615° NCPC).

Decisão Texto Integral:


Acordam, em Conferência, na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

I - A Causa:

Nos presentes autos de execução especial para alimentos instaurados por M... contra B..., veio este deduzir oposição à penhora, pugnando pelo levantamento da penhora da licença e do veículo automóvel penhorados no âmbito dos mesmos.

Invoca, pois, que o alvará é absolutamente ou totalmente impenhorável nos termos da alínea a) do artigo 736.º do Código de Processo Civil, porquanto o mesmo é emitido pelos órgãos autárquicos e não consubstancia, antes direitos, não possuindo valor económica e ser proibida a sua alienação.

No que à viatura concerne, sustenta que a mesma é relativamente impenhorável, nos termos disposto no n.º 2 do artigo 737.º do Código de Processo Civil, por ser instrumento de trabalho e objeto indispensável à atividade do executado.

*

Veio a Exequente deduzir oposição, sustentando, em suma, que o Executado não utiliza o veículo automóvel no exercício da atividade de “táxi”, porquanto se dedica ao transporte de Portugal para a Suíça e de Suíça para Portugal, utilizando outro veículo automóvel, não tendo ficado, assim e com a penhora, impedido de desenvolver a sua atividade.

Pugna, a final, pela improcedência da oposição à penhora.

Oportunamente foi proferida decisão onde se consagrou que

«Ante o exposto e nos termos do artigo 737.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, julga-se procedente a oposição à penhora, determinando-se, consequentemente, o levantamento da penhora dos seguintes bens, que deverão ser restituídos ao Executado:

 alvará para o exercício da atividade de transporte em táxi n.º ...;

 veículo automóvel ligeiro de passageiros, matrícula ..., marca MERCEDES-BENZ. modelo 906 AC 35, quadro nº ..., a gasóleo, de cor bege marfim.

Condena-se a Exequente no pagamento das custas processuais».

*

M..., EXEQUENTE nos autos à margem referenciados, devidamente identificada, não se conformando com a sentença de fls... dos autos, veio dela interpor RECURSO DE APELAÇÃO, alegando e concluindo que:

1ª – O Tribunal a quo não deve determinar o levantamento da penhora sobre os bens em causa e a respectiva restituição ao executado/opoente, uma vez que não se tratam de instrumentos de trabalho do recorrido.

2ª - O Executado/recorrido não utiliza, no seu dia-a-dia, aquela viatura automóvel, nem o mencionado alvará emitido pelo Município de ...

3ª - O executado/recorrido procedeu à entrega das ‘chaves’ da aludida viatura automóvel e da licença de táxi na Secretaria Judicial deste Tribunal – como tentativa de ‘impressionar o Tribunal’ -, quando o deveria ter feito ao Sr. Agente de Execução.

4ª – O executado/recorrido fingiu que ficou impedido de exercer a sua actividade, de obter rendimentos e de não ter meios de subsistência, o que não corresponde à verdade.

5ª – A mencionada ‘Licença de Táxi’ emitida pelo Município de ... (Câmara Municipal) junta ao requerimento de oposição à penhora serve apenas ‘para dar legitimidade’ ao executado/opoente/recorrido para efectuar o transporte de passageiros e mercadorias para o estrangeiro (França e Suíça).

6ª – Como resultou provado nos autos, o executado/recorrido não faz qualquer serviço de táxi na localidade de ..., bem como no concelho de ...

7ª – O executado/recorrido dedica-se ao transporte de passageiros de Portugal para a Suíça e da Suíça para Portugal.

8ª - E, para o efeito, o executado/recorrido utiliza outro veículo automóvel, de marca Mercedes – Benz, matrícula ..., que se encontra registado em nome da sua actual companheira – M...

9ª - A viatura automóvel penhorada vulgarmente designada como táxi não é utilizada pelo executado/opoente para fazer o transporte de passageiros no concelho de ... e/ou nos concelhos limítrofes.

10ª – O Recorrido dedica-se ao transporte de pessoas de Portugal para a Suíça e vice-versa, saindo de Portugal ao início da semana e regressando à sexta-feira, da parte da tarde.

11ª – Pelo que deve ser mantida a penhora sobre a mencionada viatura automóvel, matrícula ..., bem como sobre o alvará Nº ..., uma vez que, na realidade, não se tratam de instrumentos de trabalho do executado/recorrido.

12ª - O executado/recorrido é devedor de alimentos e não lhe são conhecidos quaisquer outros bens susceptíveis de penhora, designadamente saldos bancários e/ou bens imóveis.

13ª - Assim, a douta decisão recorrida violou diversos preceitos legais, designadamente o disposto no artigo 735º do Código Civil.

Nestes termos e nos mais de direito, deve ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se integralmente a douta decisão recorrida no sentido apontado nas conclusões atrás enunciadas, ou seja, determinando-se a manutenção da penhora sobre os referidos bens e o ulterior prosseguimentos dos autos de execução.

Legal e tempestivamente notificado para o efeito, B..., executado e agora recorrido, nos autos supra referidos e aí melhor identificado, veio apresentar as suas CONTRA-ALEGAÇÕES, por sua vez concluindo que:

...

9º - A decisão recorrida não violou nenhuns preceitos legais, designadamente o disposto no artigo 735º do Código Civil.

Nestes termos e melhores de Direito, não deve ser concedido provimento ao recurso, mantendo-se integralmente a Decisão recorrida no sentido apontado nas conclusões atrás enunciadas, ou seja, determinando-se o levantamento imediato da penhora sobre os referidos bens.

II. Os Fundamentos:

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir:

Matéria de Facto assente na 1ª Instância e que consta da sentença recorrida:

Com relevo para a decisão da causa ficou provado que:

1) Em 24.02.2020 foi penhorado, no âmbito dos presentes autos de execução (autos principais), o alvará para o exercício da atividade de transporte em táxi n.º ...

2) Em 07.02.2020 foi penhorado, no âmbito dos presentes autos de execução (autos principais) o veículo automóvel ligeiro de passageiros matrícula ..., marca MERCEDES-BENZ. modelo 906 AC 35, quadro nº ..., a gasóleo, de cor bege marfim.

3) O veículo automóvel aludido em 2) é destinado ao exercício da atividade de “táxi”:

4) O Executado B... exerce a atividade de taxista.

5) Para além da atividade referida em 4), o Executado dedica-se ao transporte de passageiros de Portugal para a Suíça e da Suíça para Portugal.

6) Para o exercício da atividade mencionada em 4) o Executado necessita de licença e alvará.

7) O Executado não dispõe de outro veículo para o exercício da atividade aludida em 4).

8) Em 24.03.2020 o Executado recebeu comunicação emitida pelo Município de ... a solicitar-lhe a entrega do alvará e licença de táxi, aludida em 1).

9) Com as penhoras aludidas em 1) e 2) o Executado ficou impedido de exercer a atividade aludida em 4).

Factos não provados

Não resultaram provados os seguintes factos, com relevo para a decisão da causa:

a) O Executado não utiliza o veículo referido em 2), nem o alvará identificado em 1), no seu “dia-a-dia”.

b) O Executado não efetua qualquer serviço de “táxi” na localidade de ..., bem como no concelho de ...

c) A viatura identificada em 4) não é utilizada pelo Executado para efetuar serviço de “táxi” no concelho de ... e nos concelhos limítrofes.

d) Para realizar a atividade referida em 5), o Executado utiliza o veículo automóvel de marca “Mercedes-Benz”, matrícula ..., que se encontra registado em nome da companheira do Executado, M...

e) Para realizar a atividade aludida em 5), o Executado sai de Portugal no início da semana e regressa à sexta-feira da parte da tarde.

A restante matéria alegada pelas partes e que não é acima valorada como provada ou não provada ou corresponde a matéria conclusiva, a apreciação sobre o aspeto jurídico ou não tem qualquer relevo para a decisão da causa.

Nos termos do art. 635º do CPC, o objecto do recurso acha-se delimitado pelas conclusões do recorrente, sem prejuízo do disposto no art. 608° do mesmo Código.

Das conclusões, ressaltam as seguintes questões, na sua formulação originária de parte:

I.

1ª – O Tribunal a quo não deve determinar o levantamento da penhora sobre os bens em causa e a respectiva restituição ao executado/opoente, uma vez que não se tratam de instrumentos de trabalho do recorrido.

9ª - A viatura automóvel penhorada vulgarmente designada como táxi não é utilizada pelo executado/opoente para fazer o transporte de passageiros no concelho de ... e/ou nos concelhos limítrofes.

10ª – O Recorrido dedica-se ao transporte de pessoas de Portugal para a Suíça e vice-versa, saindo de Portugal ao início da semana e regressando à sexta-feira, da parte da tarde.

11ª – Pelo que deve ser mantida a penhora sobre a mencionada viatura automóvel matrícula ..., bem como sobre o alvará Nº ..., uma vez que, na realidade, não se tratam de instrumentos de trabalho do executado/recorrido.

As questões em perfil reconduzem-se, no seu noema fundacional, à impugnação da matéria de facto, tornando obrigatório dizer - como em circunstâncias similares -, que o Tribunal da Relação altera a decisão proferida sobre a matéria de facto se a prova produzida, reapreciada a pedido do interessado, impuser decisão diversa (art.662º, nº1, do NCPC).

Conferindo os elementos assinalados pela Recorrente, ouvindo os depoimentos referidos, adiante-se, desde já, que se entende não ocorrer erro de julgamento sobre os factos.

Lembre-se que a aplicação do regime processual em sede de modificação da decisão da matéria de facto conta, necessariamente, com a circunstância de que existem factores ligados aos depoimentos que, sendo passíveis de influir na formação da convicção, não passam nem para a gravação, nem para a respectiva transcrição.

É a imediação da prova que permite detectar diferenças entre os depoimentos, tornando possível perceber a sua maior ou menor credibilidade (Cf. Ac. RC de 04.04,2017, Proc. nº 4190/05.8TBLRA-A.C1, Relator: Fernando Monteiro).

Assinale-se, pois, pressuponentemente, e nesta dimensão, que a Recorrente, tão pouco, invoca depoimentos específicos, não fazendo, sequer, a sua indispensável análise crítica e plural dos mesmos, no conjunto da prova considerada, e, portanto, na sua imprescindível dimensão holística, para lá da sua marcada subjectividade interpretativa.

O tribunal, por sua vez, baseia - como lhe compete, e não pode deixar de ser -, a sua convicção positiva (e negativa) nos documentos juntos e nos depoimentos que travejam a sua apreciação, na perspectiva eminentemente “universalista” dos autos.

Particularizando, sempre que impugne a matéria de facto, incumbe, efectivamente, aos recorrentes, observar o ónus da discriminação fáctica e probatória, ou seja, especificar obrigatoriamente, os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados e os concretos meios probatórios constantes do processo ou do registo da gravação realizada que imponham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados de modo diferente.

O que a recorrente efectivou através da singular metodologia patente nas suas conclusões, para mostrar insatisfação e não convencimento com a decisão. O que - reconheça-se -, lhe assiste, em perfeita legitimidade.

Porém, não só o que deixa dito, em particular, não alcança o seu escopo, como, inclusivamente, veio reforçar a convicção já formulada.

A matéria de facto apurada - revisitada a sua produção -, reflecte a prova efectivamente produzida, no universo concentracionário dos Autos.

O juiz tem que fazer apelo à sua experiência vivencial, usando de prudência e de bom senso na interpretação dos sinais transmitidos pelas testemunhas, da sua segurança e da forma como se exteriorizam.

Mas, uma coisa é a convicção objectiva do julgador e, outra muito diferente, que se compreende, mas não se acolhe, é a vontade subjectiva da parte, no sentido de alcançar a sua própria verdade.

No caso vertente o reexame das provas produzidas não conduz a qualquer outro resultado que não o apurado nos autos, nada justificando a alteração dos pontos em apreço.

Servindo como elementos do seu travejamento - por confronto -, o que, em termos de aferição efectuada, se destaca. A saber, a circunstância, desde logo, e em particular, assinalada - função do seu objecto precípuo -, de que, de acordo com as regras de ónus da prova previstas no artigo 342.º, n.ºs 1 e 2 do Código Civil tendo em conta o pedido formulado pela A, cabia-lhe a prova dos termos integradores do direito que pretendia exercer ao passo que caberia ao Réu a prova dos respectivos factos impeditivoso.

Antes de mais, podemos já dizer que todas as testemunhas ouvidas e referenciadas, v.g., em decisório, depuseram de forma credível, o que redunda no inusitado de não haver consistência na pretensão da recorrente.

Adequação que mais se intensifica a partir do inevitável confronto com o dizer, em eminência narrativa, pleno dos protagonistas processuais que se expressaram, maxime das testemunhas ouvidas. Para tanto, retenha-se o que, de forma particularmente obsidiante, deriva dos depoimentos aludidos. Por confronto:

«(…) Com efeito, nas declarações por si prestadas, o Executado mencionou que o veículo penhorado se destina ao exercício da atividade de táxi, sendo que utilizado por si para prestação de transporte de pessoas e mercadorias, não tendo outro veículo para o efeito. Mais esclareceu que exerce a atividade de táxi no local no qual as pessoas o chamam, porquanto em ... não existe trabalho, não obstante a licença ser deste local. Referiu, pois, que só vai a ... quando o chamam, bem como exerce ainda transporte de Portugal para a Suíça e de Suíça para Portugal, com o veículo que ora se cura.

As declarações prestadas pelo Executado revelaram-se consistentes, tendo sido corroboradas pelos demais elementos probatórios carreadas para os autos, pelo que se revelaram credíveis, dando-se, assim, como provados a factualidade por si relatada.

...

Destarte, os depoimentos das testemunhas acima aludidas corroboraram, ainda que de forma parcial, a versão veiculada pelo Executado e que se deu como provada.

Ademais, em face das características do veículo – visualizadas nas fotografias juntas a fls. 7v e 8 – e dos documentos apresentados de fls. 8v a 10, 20v a 22v 29v a 38, em conjugação com as regras da experiência comum resulta que o veículo ora em dissídio destina-se ao exercício da atividade de taxista. Acresce que, não são conhecidos, nos autos, outros veículos com as mesmas características – de transporte de passageiras e/ou mercadorias – pertencentes ao Embargante.

O que resulta articulado de se haver considerado que:

«No que tange aos factos consignados nos pontos n.ºs 1) e 2), os mesmos decorrem do teor dos autos de penhora juntos aos autos principais com as referências ...

Relativamente à factualidade vertida nos pontos n.ºs 3), 4), 5), 6), 7), 8) e 9), o Tribunal formou a sua convicção com base no teor das declarações prestadas pelo Executado, em conjugação com aquelas prestadas pela Exequente, com os depoimentos prestados pelas testemunhas (…)

No que concerne à factualidade consignada por não provada, o Tribunal considerou que não foi carreada para os autos prova suficiente para sustentar a convicção sobre a sua verificação ou pelo menos um juízo de certeza razoável quanto à sua ocorrência.

Com efeito, a factualidade que ora se cura encontra-se em contradição com aquela dada como provada, remetendo-se para o supra expendido quanto à mesma. Não ficando, demonstrado que o Executado tivesse outra viatura com as mesmas características e que a mesma fosse utilizada no exercício da sua atividade, não obstante – conforme mencionaram as testemunhas – a sua companheira eventualmente possa ser proprietária de outra viatura».

Sem olvidar - como, v.g., se nota no Ac. do STJ de 19.02.2015, no proc. n° 299/05.6TBMGD.P2.S1, - destacando,  que:

«1. Para efeitos do disposto nos artigos 640.°. n.ºs 1 e 2, e 662.°, n.º 1, do CPC,  (pois) importa distinguir, por um lado, o que constitui requisito formal do ónus de impugnação da decisão de facto, cuja inobservância impede que se entre no conhecimento do objecto do recurso; por outro, o que se inscreve no domínio da reapreciação daquela decisão mediante reavaliação da prova convocada.

2. A exigência da especificação dos concretos pontos de facto que se pretendem impugnar com as conclusões sobre a decisão a proferir nesse domínio tem por função delimitar o objecto do recurso sobre a impugnação da decisão de facto.

3. Por sua vez, a especificação dos concretos meios probatórios convocados e a indicação exacta das passagens da gravação dos depoimentos que se pretendem ver analisados, além de constituírem uma condição essencial para o exercício esclarecido do contraditório, servem sobretudo de parâmetro da amplitude com que o tribunal de recurso deve reapreciar a prova, sem prejuízo do seu poder inquisitório sobre toda a prova produzida que se afigure relevante para tal reapreciação, como decorre do preceituado no n.º 1 do artigo 662.° do CPC».

Em tais termos, pois, e no enquadramento referido, com o objectivo primordial de evitar o julgamento formal e privilegiar o apuramento da verdade material dos factos, o art. 662.° do CPC regula a reapreciação da decisão da matéria de facto dando-lhe a configuração de um novo julgamento, devendo a Relação avaliar livremente todas as provas carreadas para os autos, valorá-las e ponderá-Ias, recorrendo às regras da experiência, aos critérios da lógica, aos seus próprios conhecimentos das pessoas e das coisas, para formar a sua própria convicção (Ac. RG. de 23.4.2015, Proc. 372/10: dgsi.Net).

Deste modo, em função do que se aprecia, pode-se concluir que, fundamentando o juiz a sua convicção na razão de ciência das testemunhas inquiridas, e não havendo motivos que contrariem tal convicção, não há erro de julgamento se o juiz optou pela versão relatada pelo primeiro grupo das testemunhas (Ac. RE de 14.5.2015: Proc. 1246/1I.TBLGS.E1.dgsi.Net), por tal forma o revelando a prova produzida, na compatibilidade à motivação/fundamentação exarada, como se verifica circunstancialmente.

Assim, decorrência, também, de a Relação haver formado uma convicção verdadeira - e fundamentada -, sobre a prova produzida na 1.ª instância, independente ou autónoma da convicção do juiz a quo, que pode ou não ser coincidente com a deste último - não se devendo limitar a controlar a legalidade da produção da prova realizada naquela instância e a aceitar o resultado do exercício dessa prova, salvo os casos em que esse julgamento seja ilógico, irracional, arbitrário, incongruente ou absurdo (o que, aqui, não sucede). Sendo que, no caso, a apreciação da prova decorreu sob o signo da probabilidade lógica - de evidence and inference -. i.e., segundo um critério de probabilidade lógica prevalecente, portanto, segundo o grau de confirmação lógica que os enunciados de facto obtêm a partir das provas disponíveis (Ac. RC. de 23.6.2015: Proc. 1534/09.7TBFIG.C1.dgsi.Net), nos Autos reveladas e consagradas.

Podendo, pois, neste caso concluir-se - o que não deixa de se projectar, sequentemente -, que a mera discordância em relação ao decidido não constitui fundamento para invocação da previsão da al. c) do n.º 1 do art. 615.° do NCPC (2013), tanto mais que a estrutura do discurso apresenta coerência entre o juízo e as premissas que a ele conduzem (Ac. STJ. de 12.5.2016. Proc. 1738/04: Sumários, Maio12016. p. 43).

O que, igualmente, decorre da supremacia e da absoluta dominância influenciadora do integral cotejo dos demais depoimentos produzidos, tal como assinalado em decisório.

Com este alcance - aqui, também, se impondo, ainda, referir -, por ser consabido que a prova testemunhal, ela própria, apesar de falível e precária, é aquela que, na prática, assume a maior importância, por ser a única a que pode recorrer-se na demonstração da realidade de muitos factos, como ensinava o Senhor Professor Antunes Varela (Manual de Processo Civil, 2.ª edição, p. 614). Acrescentando que «se a vida moderna, por uma questão de segurança, tende a documentar um número cada vez maior de actos jurídicos, continua a ser enorme o contingente dos factos imprevistos e dos próprios factos previsíveis, com relevância para o julgamento dos litígios, em que o único meio de prova utilizável é o recurso ao depoimento das pessoas (terceiros) que tiveram acidentalmente percepção desses factos ou de ocorrências a ele ligados por qualquer nexo de instrumentalidade» (ibidem). O citado Professor rematava apelando ao particular cuidado - «o prudente senso crítico» - que o Tribunal, não podendo prescindir de tal meio de prova, deve ter no interrogatório e na ponderação do depoimento testemunhal, relembrando o vetusto brocardo do Digesto «testium fides diligenter examinanda» (Ac. STJ de 17.11.20111:Proc. 2190/07.2TBFAT.G1.S1.dgsi.Net). O que - tal como expresso -, não deixou de ser observado, com adequação e no seu enquadramento e análise no conjunto da demais prova, de cariz manifestamente holístico, produzida. Servindo tal apreciação para significar - e para que dúvidas não restem -, inexistir qualquer indevida apreciação de depoimentos, mesmo indirectos, ou erro na apreciação da prova testemunhal produzida).

Tal equivale a dizer, mais uma vez, que, em sede de recurso, suscitada a questão da sua credibilidade, na equivalência desse pretender (apenas) questionar a razão por que o tribunal atribuiu eventualmente maior, ou menor, crédito a uma dada testemunha, dentro da margem da formação da sua livre convicção, a sua apreciação, no universo da prova integral produzida, foi considerado como permitindo a inferência específica expressa.

Tanto mais que, quanto ao "sentido do depoimento", aí devem funcionar - como se fizeram funcionar -, as regras gerais das declarações (arts. 236.º e ss., do Cód. Civil), devidamente adaptadas, por não se tratar de declarações negociais, mas de declarações de ciência (cf. ABRANTES GERALDES, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, ps. 225 e s.); J. P. REMÉDIO MARQUES, Um breve olhar sobre o duplo grau de jurisdição em matéria de facto, em CDP, n.º especial 01/Dez. de 2010, pp. 80 a 90).

Razões determinantes de os factos identificados, acima descritos, permanecerem na redacção que em decisório lhes foi atribuída, com inteira sustentação na prova produzida e destacada.

A este respeito não pode deixar de se apreciar que a resposta atribuída e validada, no condicionalismo das anteriores questões, através dos seus elementos de sustentação, se revelam, necessariamente, excludentes de qualquer outro sentido, agora, que não o atribuído nas respostas, em particular consideração.

Não sem cuidar que as declarações de parte (art. 466.º do novo CPC) - que divergem do depoimento de parte - devem ser atendidas e valoradas com algum cuidado. As mesmas, como meio probatório, não podem olvidar que são declarações interessadas, parciais e não isentas, em que quem as produz tem um manifesto interesse na acção. Seria de todo insensato que sem mais, nomeadamente, sem o auxílio de outros meios probatórios, sejam eles documentais ou testemunhais, o Tribunal desse como provados os factos pela própria parte alegados e por ela, tão só, admitidos (Ac. RP de 15.9.2014: Proc. 216/11.dgsi.Net).

Isto porque, presentemente, à luz do art. 466.°. n.º 1, do NCPC, a própria parte detém legitimidade para, até ao inicio das alegações orais em 1ª instância, requerer a prestação de declarações sobre factos em que tenha intervindo pessoalmente ou de que tenha conhecimento directo, sendo que o valor probatório dessas declarações, caso respeite a factos favoráveis ao declarante é apreciado livremente pelo Julgador segundo o seu prudente critério. Não existe qualquer fundamento epistemológico para não se reconhecer nas declarações favoráveis ao depoente um meio válido de formação da convicção esclarecida e racional do julgador, isto é, uma fonte válida de convencimento racional do juiz (Ac. RL de 12.3.2015: Proc. 1/12.6TBTPTM.E1.dgsi.Net).

Naturalmente, em horizonte prospectivo em que a prova por declarações deve merecer a mesma credibilidade das demais provas legalmente admissíveis e deverá ser valorada conforme se estabelece no art. 466.° n.º 3 do NCPC, isto é, deverá ser apreciada livremente pelo tribunal. A credibilidade das declarações da parte tem de ser apreciada em concreto, numa perspectiva crítica, com vista à descoberta da verdade material, bem podendo suceder que as respectivas declarações, em concreto, possam merecer muita, pouca ou, mesmo, nenhuma credibilidade (Ac. RG. de 2.5.2016: Proc. 2745/15. 1T8VNF-A.G1.dgsi.Net).

A significar que a prova por declarações de parte é apreciada livremente pelo tribunal, na parte que não constitua confissão, sendo, porém, normalmente insuficiente para valer como prova de factos favoráveis à procedência da acção, desacompanhada de qualquer outra prova que a sustente, ou, sequer, indicie (Ac. RL de 13.10.2016. Proc. 640/13: dgsi.Net).

Ainda, a propósito da admissibilidade das declarações de parte com factos favoráveis ao declarante, em situações insusceptíveis de outros meios de prova, REMÉDIO MARQUES assinala que "(…) a recusa, nestas raras eventualidades, em admitir e valorar livremente ou apenas como base de presunções judiciais as declarações favoráveis ao autor, volve-se, desde logo, numa concreta e intolerável ofensa do direito à prova, no quadro do direito de acesso aos tribunais e ao direito e de uma tutela jurisdicional efectiva (art. 20º, n.º1, da Constituição)". Acompanhamos sem reservas este raciocínio, sendo que - no nosso entender - esta argumentação abrange também a relevância e a atendibilidade do depoimento indirecto, na precisa medida em que, nas situações insusceptíveis de outros meios de prova, o julgador apenas se poderá socorrer das declarações de parte e das testemunhas indirectas.

Deste modo, e no limite, admitimos que o juiz possa fundar a sua convicção quanto a tal tipo de factualidade apenas nas declarações de parte e/ou nos depoimentos indirectos. Necessário é que a valoração dos mesmos, feita segundo as singularidades do caso concreto e as máximas da experiência convocáveis, permitam ao julgador atingir o patamar da convicção suficiente” (Luís Filipe de Sousa, in op. cit. pág. 198) (Cf. Ac. RL de 23.05.2014, Proc. nº 3069/06.0TBALM.L2-2, Relator: EZAGUY MARTINS).

O que, na circunstância, atendendo ao teor da prova holística produzida, e o que sobre ela se discreteou, mais não permite - em absoluto rigor, em função do registo operado -, que a sua consagração nos termos produzidos.

Desta forma, pois, se a parte a quem incumbe o “onus probandi” fizer prova por si suficiente, o adversário terá, por seu lado, de fazer prova que invalide aquela; que a naturalize, criando no espírito do juiz um estado de dúvida ou incerteza; não carece de persuadir o juiz de que o facto em causa não é verdadeiro (Manuel de Andrade, Noções Elementares Proc. Civil, 2.ª ed., 193; ed. 1979, 207). Em todo o caso, tal ónus (art. 342º Código Civil) respeita aos factos da causa, distribuindo-se entre as partes segundo certos critérios. Traduz-se para a parte a quem compete, no encargo de fornecer a prova do facto visado, incorrendo nas desvantajosas consequências de se ter como líquido o facto contrário, quando omitiu ou não logrou realizar essa prova; ou na necessidade de, como quer que seja, sofrer tais consequências, se os autos não contiverem prova bastante desse facto - trazida, ou não, pela mesma parte (Manuel de Andrade, Noções Elementares de Proc. Civil, 1979, 196).

O que, em si, inviabiliza a (plena) conversão da retórica argumentativa (operada em termos recursivos proactivos), de parte - perfeitamente compreensível, sempre se dirá, da defesa de individualizado “interesse”, de consequência específica determinada -, em elemento de objectivação que só pode ter correspondência, como se equacionou, na verdade “real” consubstanciada naquilo que a revelação processual intra-diegética possibilitou. E que, pelas razões indicadas, não pode ir além do que se consagrou em decisório.

O que determina atribuir resposta negativa às questões  em I.

II.

13ª - Assim, a decisão recorrida violou diversos preceitos legais, designadamente o disposto no artigo 735º do Código Civil.

A decisão em causa sai travejada com a sustentação elencada no Ac. RP de 5.12.2011, Proc. nº 771-H/2002.P1, Relator: António Augusto de Carvalho, e que, no essencial, que cumpre fazer ressumar se reconduz ao seguinte elemento literal e conceitual:

«(…) Dispõe o nº 2 do artigo 832º do C.P.C., na redacção introduzida pelo DL nº 38/2003, de 8 de Março, que estão também isentos de penhora os instrumentos de trabalho e os objectos indispensáveis ao exercício da actividade ou formação profissional do executado, salvo se: a) o executado os indicar para penhora; b) a execução se destinar ao pagamento do preço da sua aquisição ou do custo da sua reparação; c) forem penhorados como elementos corpóreos de um estabelecimento comercial.

Havendo colisão entre o direito do credor/exequente a ver realizado o seu crédito e o direito do devedor/executado a não ser privado dos instrumentos do seu trabalho e dos objectos indispensáveis ao exercício da sua actividade profissional, o legislador optou pelo sacrifício do primeiro.

Motivos de ordem humanitária e económica estão na base desta impenhorabilidade relativa.

Interpretando o nº 13 do artigo 822º do Código anterior, Alberto dos Reis refere que «o fim claro da lei foi obstar a que o executado ficasse privado dos meios indispensáveis para ganhar a vida». Processo de Execução, Volume I, pág. 379.

A impenhorabilidade «não resulta apenas da indisponibilidade (objectiva ou subjectiva) de certos bens ou de convenções negociais que especificamente a estipulem. Resulta Também da consideração de certos interesses gerais, de interesses vitais do executado ou do interesse de terceiros que o sistema jurídico entende deverem-se sobrepor aos do credor exequente.

(…) Impenhoráveis por estarem em causa interesses vitais do executado são aqueles bens que asseguram ao seu agregado familiar um mínimo de condições de vida (…) são indispensáveis ao exercício da profissão do executado (instrumentos de trabalho e objectos indispensáveis ao exercício da sua actividade ou à sua formação profissional: artigo 823º, nº 2)». José Lebre de Freitas, A Acção Executiva Depois da Reforma, págs. 218 e seguintes.

No mesmo sentido, Amâncio Ferreira afirma que «a impenhorabilidade processual relativa filia-se em motivos de interesse económico, matizados com considerações de humanidade.

Abrange os instrumentos de trabalho e os objectos indispensáveis ao exercício da actividade ou formação profissional do executado (artigo 823º, nº 2). Pense-se num barco que o executado utilize no exercício da pesca, num tractor que o executado empregue na sua profissão de tractorista ou na biblioteca jurídica dum advogado. A lei evita, assim, que se retirem ao executado os meios necessários para ganhar a vida e sustentar-se, bem como à sua família». Curso de Processo de Execução, pág. 204.

De acordo com a regra estabelecida pelo artigo 601º do C.C., todos os bens que constituem o património do devedor respondem pelo cumprimento da obrigação. Esta garantia geral torna-se efectiva por meio da execução – artigo 817º do mesmo diploma.

Mas, no citado artigo 601º prevêem-se duas limitações à regra da exequibilidade de todo o património do devedor: a de os bens serem insusceptíveis de penhora e a da autonomia patrimonial da separação de patrimónios.

O artigo 823º, nº 2, do C.P.C. prevê, precisamente, uma dessas limitações à regra da exequibilidade de todo o património do devedor, estabelecendo a referida impenhorabilidade relativa.

Estando garantido que só em casos excepcionais a regra da exequibilidade de todo o património do devedor será afastada, no caso concreto, importa demonstrar que sem as viaturas o executado fica impedido de continuar a exercer a actividade de construtor civil ou que a penhora delas põe gravemente em causa tal exercício.

Alberto dos Reis, a propósito do nº 13 do artigo 822º, referia que por este estava protegido tudo aquilo que fosse «estritamente indispensável ao exercício da função ou profissão». (…) «A isenção só abrange os objectos sem os quais é impossível ao executado exercer a sua actividade habitual». Ob. cit., págs. 379 e 380.

Correspondem estas afirmações à interpretação que entendemos ser a correcta do actual preceito legal.

Neste mesmo sentido se afirma que «por razões económico-sociais do executado são impenhoráveis os bens indispensáveis à formação profissional e ao exercício da sua actividade profissional, sendo certo que é preciso que sem esses bens o executado não possa continuar a exercer a sua profissão habitual ou que a penhora deles ponha gravemente em causa esse exercício». J. P. Remédio Marques, Curso de Processo executivo à Face do Código Revisto, págs. 117 e seguintes (…)».

Reconduzido na sua própria súmula a que:

« I - Havendo colisão entre o direito do credor/exequente a ver realizado o seu crédito e o direito do devedor/executado a não ser privado dos instrumentos do seu trabalho e dos objectos indispensáveis ao exercício da sua actividade profissional, o legislador optou pelo sacrifício do primeiro.

II - A impenhorabilidade relativa prevista no nº 2 do artigo 823º do C.P.C. apenas abrange os instrumentos de trabalho e os objectos estritamente indispensáveis ao exercício da actividade ou formação profissional do executado».

Assim servindo de esteio - face à matéria considerada assente, por provada -, a pretexto de se haver, adequadamente, considerado, no presente caso, que:

«Ora, tendo ficado demonstrado que o Executado exerce a atividade de taxista e que para tal necessita da licença e alvará e que o veículo penhorado e que ora se cura é utilizado pelo mesmo para o exercício dessa atividade, considera-se, pois, que os mesmos consubstanciam instrumentos de trabalho e objetos indispensáveis ao exercício da atividade do Executado, pelo que não podem ser objeto de penhora, porquanto não se encontra verificada in casu nenhuma das alíneas previstas nas diversas alíneas do n.º 2 do artigo 737.º do Código de Processo Civil».

Reforçando este entendimento, mais se diga - como no Ac. RP 23-09-2019, Proc. nº 2076/08.3TBOAZ-E.P1, Relator: JOAQUIM MOURA -, que

«(…) Em regra, pelo cumprimento da obrigação respondem todos os bens que integram o património do devedor (art.º 601.º do Código Civil).

Não sendo a obrigação voluntariamente cumprida - dispõe o art.º 817.º do mesmo Compêndio normativo - tem o credor o direito de exigir judicialmente o seu cumprimento e de executar o património do devedor, nos termos declarados neste código e nas leis de processo.

Em sintonia com estas normas substantivas, determina o artigo 735.º, n.º 1, do novo Código de Processo Civil (correspondente ao anterior artigo 821.º, n.º 1) que “estão sujeitos à execução todos os bens do devedor susceptíveis de penhora que, nos termos da lei substantiva, respondem pela dívida exequenda”.

Estas são concretizações do princípio da responsabilidade patrimonial que informa o direito das obrigações, nos termos do qual pelos débitos respondem, em regra, todos os bens do devedor, sejam os já existentes no seu património à data da constituição da dívida, sejam os que, de futuro, lhe venham a pertencer.

A regra é, pois, a de que todos os bens do devedor, mas só eles, respondem pelas suas dívidas.

A função de garantia geral das obrigações que o património do devedor desempenha concretiza-se com a penhora, principal meio de agressão do património do devedor.

Pode dizer-se que a regra é a penhorabilidade dos bens do devedor que respondem pelo cumprimento da obrigação. Mas também é sabido que há bens absoluta e relativamente impenhoráveis (os enumerados nos artigos 736.º e 737.º do Cód. Proc. Civil) e bens só parcialmente penhoráveis».

Em tais termos, pois, mais «verificamos, essencialmente, que no n.º 1 do art. 737.º do NCPC se pretende acima de tudo garantir a realização de fins de utilidade pública, já o seu n.º 2 pretende-se garantir a subsistência do executado através do trabalho que realiza na sua atividade profissional. Portanto, os instrumentos de trabalho e os objetos indispensáveis ao exercício da atividade profissional ou formação profissional do executado por regra não podem ser penhorados, nomeadamente os bens estritamente ligados ao desempenho da sua profissão (O termo “profissão” traduz-se como sendo a forma de abranger qualquer tipo de atividade lícita, qualquer ocupação, qualquer ofício por mais rudimentar ou modesto que seja. Cfr. PINTO, Rui, Notas ao Código de Processo Civil, Coimbra Editora, Coimbra, 2014, P. 520. Nesta linha de pensamento, segundo Alberto Reis, tenta-se proteger o “ganha-pão” das profissões liberais e de qualquer trabalho manual. Cfr. REIS, José Alberto Dos, Processo de Execução…, ob cit, P. 379.), ou formação. (A impenhorabilidade “não resulta apenas da indisponibilidade (objetiva ou subjetiva) de certos bens ou de convenções negociais que especificamente a estipulem. Resulta também da consideração de certos interesses gerais, de interesses vitais do executado ou do interesse de terceiros que o sistema jurídico entende deverem-se sobrepor aos do credor exequente. (…) Impenhoráveis por estarem em causa interesses vitais do executado são aqueles bens que asseguram ao seu agregado familiar um mínimo de condições de vida (…) são indispensáveis ao exercício da profissão do executado.” Cfr. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, Processo n.º 771-H/2002.P1, de 5 de dezembro de 2011 (consultado em 06/01/2016). http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/1554b0412f50eeb8802579a6004d473c?OpenDocument). Portanto, uma “impenhorabilidade processual relativa filia-se em motivos de interesse económico, matizados com considerações de humanidade” (Cfr. FERREIRA, Fernando Amâncio, Curso de Processo de Execução…, ob cit, P. 208.).

A lei pretende que não sejam retirados ao executado os meios necessários para garantir uma vida condigna para si e para toda a sua família. A título de exemplo, não pode ser penhorado um barco que o executado utiliza no exercício da pesca, um trator que o executado utilize na sua profissão de tratorista ou até mesmo, a biblioteca jurídica (manuais e códigos de direito) de um solicitador ou advogado. (Cfr. FREITAS, José Lebre De, Ação Executiva: À Luz do Código de Processo Civil de 2013…, ob cit, nota 24, P. 249; 131 - É de referir, que nos últimos anos, devido ao avanço das novas tecnologias, o profissional forense necessita de um computador com monitor devido à exigência de entrega dos processos por via eletrónica, se não tiver acesso à internet o computador fica limitado no exercício da sua profissão).

 Será de frisar que esta isenção só engloba os objetos cuja penhora torne impossível o exercício da atividade profissional do dia-a-dia» - Cf. Ana Sofia Ferreira Rocha, Os limites da penhorabilidade e os meios de defesa legalmente previstos quando violados, Dissertação de Mestrado, Coimbra Business School, 2017, pp. 45-46).

Servindo o que se vem de referir que se considera de absoluta adequação se haver firmado em decisório que:

«Ante o exposto, deverá a oposição à penhora proceder e, em consequência, serem levantadas as penhoras do alvará para o exercício da atividade de transporte em táxi n.º ... e do veículo automóvel ligeiro de passageiros matrícula ..., marca MERCEDES-BENZ. modelo 906 AC 35, quadro nº ..., a gasóleo, de cor bege marfim».

Daí que se configure também como negativa a resposta à questão em II.

Podendo, assim, concluir-se, sumariando (art. 663º, nº7 NCPC) que:

1.

A prova testemunhal, apesar de falível e precária, é aquela que, na prática, assume a maior importância, por ser a única a que pode recorrer-se na demonstração da realidade de muitos factos. O «prudente senso crítico» - que o Tribunal, não podendo prescindir de tal meio de prova -, deve ter no interrogatório e na ponderação do depoimento testemunhal, relembrando o vetusto brocardo do Digesto «testium fides diligenter examinanda», não deixou de ser observado, com adequação.

2.

Em sede de recurso, suscitada a questão da sua credibilidade, na equivalência desse pretender (apenas) questionar a razão por que o tribunal atribuiu, eventualmente, maior, ou menor, crédito a uma dada testemunha, dentro da margem da formação da sua livre convicção, a sua apreciação, no universo da prova integral produzida, foi considerado como permitindo a inferência específica expressa.

3.

É certo que o princípio da livre apreciação da prova nunca atribui ao juiz “o poder arbitrário de julgar os factos sem prova ou contra as provas”, ou seja, a livre apreciação da prova não pode confundir-se “com uma qualquer arbitrária análise dos elementos probatórios”, sendo “antes uma conscienciosa ponderação desses elementos e das circunstâncias que os envolvem”. A que decisão não deixou de fazer jus.

4.

Em direito processual, sendo a prova o acto ou série de actos processuais através dos quais há que convencer o juiz da existência ou inexistência dos dados lógicos que tem que se ter em conta na causa, o ónus da prova (342º Código Civil), é a obrigação que recai sobre os sujeitos processuais da realidade de tais actos. A traduzir-se - haverá de dizer-se, agora e sempre -, para a parte a quem compete, no encargo de fornecer a prova do facto visado, incorrendo nas desvantajosas consequências de se ter como líquido o facto contrário, quando omitiu ou não logrou realizar essa prova.

5.

Fundamentando o juiz a sua convicção na razão de ciência das testemunhas inquiridas, e não havendo motivos que contrariem tal convicção, não há erro de julgamento se o juiz optou pela versão relatada pelo primeiro grupo das testemunhas, por tal forma o revelando a prova produzida, na compatibilidade à motivação/fundamentação exarada, como se verifica circunstancialmente. A mera discordância em relação ao decidido não constitui fundamento para invocação da previsão da al. c) do n.º 1 do art. 615.° do NCPC (2013), tanto mais que a estrutura do discurso apresenta coerência entre o juízo e as premissas que a ele conduzem.

6.

« I - Havendo colisão entre o direito do credor/exequente a ver realizado o seu crédito e o direito do devedor/executado a não ser privado dos instrumentos do seu trabalho e dos objectos indispensáveis ao exercício da sua actividade profissional, o legislador optou pelo sacrifício do primeiro.

II - A impenhorabilidade relativa prevista no nº 2 do artigo 823º do C.P.C. apenas abrange os instrumentos de trabalho e os objectos estritamente indispensáveis ao exercício da actividade ou formação profissional do executado».

7.

A função de garantia geral das obrigações que o património do devedor desempenha concretiza-se com a penhora, principal meio de agressão do património do devedor.

Pode dizer-se que a regra é a penhorabilidade dos bens do devedor que respondem pelo cumprimento da obrigação. Mas também é sabido que há bens absoluta e relativamente impenhoráveis (os enumerados nos artigos 736.º e 737.º do Cód. Proc. Civil) e bens só parcialmente penhoráveis».

8.

Em tais termos, pois, mais «verificamos, essencialmente, que no n.º 1 do art. 737.º do NCPC se pretende acima de tudo garantir a realização de fins de utilidade pública, já o seu n.º 2 pretende-se garantir a subsistência do executado através do trabalho que realiza na sua atividade profissional. Portanto, os instrumentos de trabalho e os objetos indispensáveis ao exercício da atividade profissional ou formação profissional do executado por regra não podem ser penhorados, nomeadamente os bens estritamente ligados ao desempenho da sua profissão.

9.

O termo “profissão” traduz-se como sendo a forma de abranger qualquer tipo de atividade lícita, qualquer ocupação, qualquer ofício por mais rudimentar ou modesto que seja. Nesta linha de pensamento, tenta-se proteger o “ganha-pão” das profissões liberais e de qualquer trabalho manual, ou formação.

10.

A impenhorabilidade “não resulta apenas da indisponibilidade (objetiva ou subjetiva) de certos bens ou de convenções negociais que especificamente a estipulem. Resulta também da consideração de certos interesses gerais, de interesses vitais do executado ou do interesse de terceiros que o sistema jurídico entende deverem-se sobrepor aos do credor exequente. Impenhoráveis por estarem em causa interesses vitais do executado são aqueles bens que asseguram ao seu agregado familiar um mínimo de condições de vida (…) são indispensáveis ao exercício da profissão do executado.”. Portanto, uma “impenhorabilidade processual relativa filia-se em motivos de interesse económico, matizados com considerações de humanidade”.

10.1.

Verificando-se, pois, que na sentença recorrida constam os factos e as razões de direito em que o tribunal alicerçou a sua decisão e esta é consequência lógica daquela fundamentação, é evidente que aquela peça processual não está inquinada de qualquer nulidade (art. 668°, nº1, alíneas b), c) e d) do CPC - art. 615° NCPC).

III. A Decisão:

Pelas razões expostas nega-se provimento ao recurso interposto, confirmando-se a decisão proferida.

Custas pela recorrente.

Coimbra, 09 de Fevereiro de 2021.

                 António Carvalho Martins - Relator

                                Carlos Moreira - 1º Adjunto

                                João Moreira do Carmo – 2º Adjunto