Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2239/20.3T8LRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE MANUEL LOUREIRO
Descritores: MÉDICOS
CONTRATO INDIVIDUAL DE TRABALHO
PROGRESSÃO NA CARREIRA
PROGRESSÃO SALARIAL
AVALIAÇÃO
APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO
Data do Acordão: 10/22/2021
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DO TRABALHO DE LEIRIA DO TRIBUNAL DA COMARCA DE LEIRIA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGO 12.º DO CÓDIGO CIVIL
ARTIGO 16.º DO DECRETO-LEI 176/2009, DE 04/08
CLÁUSULA 46ª, N.º 3, DO ACORDO COLECTIVO DE TRABALHO ENTRE O CENTRO HOSPITALAR DE COIMBRA, E. P. E., E OUTROS, E A FEDERAÇÃO NACIONAL DE MÉDICOS — FENAME E OUTRO, PUBLICADO NO BOLETIM DO TRABALHO E EMPREGO, Nº 41, DE 8/11/2009
Sumário: I) Com a entrada em vigor, em 8/9/2009, do Decreto-Lei n.º 176/2009, de 4 de Agosto, o regime de progressão na carreira e salarial dos médicos em regime de contrato individual de trabalho, nas entidades públicas empresariais e nas parcerias em saúde, em regime de gestão e financiamento privados, integradas no Serviço Nacional de Saúde, passou a estar imperativamente sujeito ao clausulado em instrumento de regulamentação colectiva de trabalho, mesmo que a relação de emprego se tenha constituído em data anterior a 8/9/2009 e que as cláusulas contratuais estipulassem em sentido diferente daquele.


II) Por força do referido em I) e do estatuído na cláusula 46.ª, n.º 3, do ACT entre o Centro Hospitalar de Coimbra, E. P. E., e outros, e a Federação Nacional de Médicos — FENAME e outro, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 41, de 8/11/2009, a alteração da posição remuneratória daqueles médicos passou a fazer-se tendo em conta o sistema de avaliação de desempenho.
Decisão Texto Integral:









Acordam na 6ª secção social do Tribunal da Relação de Coimbra

I – Relatório

A autora propôs contra o réu a presente acção com a forma de processo comum e emergente de contrato de trabalho peticionando a condenação do réu: a pagar-lhe a quantia de € 34.312,50 já vencida, acrescida de juros legais desde a citação, bem como as prestações pecuniárias que se vencerem até final, relativas a diferenças salariais, tudo com as legais consequências quanto a custas, incluindo as de parte, e demais encargos com o processo; a cumprir e respeitar a deliberação do seu Conselho de Administração que teve por objecto a revisão do Estatuto Contratual do Pessoal Médico, publicada pela circular normativa nº 5 de 2005/03/14, tudo com as legais consequências, nomeadamente remuneratórias e salariais.

Alegou, em resumo, que em incumprimento do consagrado na supra identificada circular normativa e discriminando salarialmente a autora em relação a outros profissionais do réu com categoria profissional e funções idênticas às por si exercidas, o réu tem vingo a pagar-lhe, desde Outubro de 2010, um salário inferior (€3.500) àquele a que tem direito (€3.750).

Citado, o réu contestou, pugnado pela improcedência da acção.

Alegou, em resumo, que a autora não tem direito às diferenças salariais a que se arroga e que não é sujeita à discriminação salarial que identifica.

A acção prosseguiu os seus regulares termos, acabando por ser proferida sentença de cujo dispositivo consta, designadamente, o seguinte: “Pelos fundamentos expostos, e atentas as normas legais citadas, decide-se julgar a presente acção totalmente improcedente, por não provada, absolvendo o R. “Centro Hospitalar de Leiria, E.P.E.” dos pedidos contra si deduzidos pela A. A... .”.

Não se conformando com o assim decidido, apelou a autora, rematando as suas alegações com as conclusões seguintes:

1. DA MATÉRIA DE FACTO

2. O julgamento da matéria de facto constitui objecto do presente recurso na medida em que a decisão que sobre ela recaiu merece censura, devendo, em consequência, ser revogada.

3. Com efeito, entende a Recorrente que se mostram incorrectamente julgados os factos seguintes, cuja indicação e transcrição se produz, nos termos e para os efeitos consignados na alínea a) do n.º 1 do artigo 640.º do Código de Processo Civil, nomeadamente:

4. Facto omitido e constante do Ponto 32º da p.i., a saber: “Não existe portanto paridade salarial entre a A. e os seus outros colegas que exercem as mesmas funções, executando tarefas idênticas e por vezes conjuntamente.”

5. Facto omitido e constante do Ponto 33º da p.i., a saber: “O horário de trabalho praticado por todos tem a mesma duração.”

6. Facto omitido e constante do Ponto 34º da p.i., a saber: “A R. não moveu à A. qualquer processo disciplinar com fundamento em quebra de produtividade ou falta de qualidade do seu desempenho profissional.”

7. Concretizando:

8. É, pois, incontroversa a relevância que tal factualidade assume para a discussão dos autos.

9. Porém, o Tribunal a quo não veio a responder à dita matéria decorrente daqueles 3 pontos concretos, nada se consignando a tal respeito nem no rol de factos «provados» nem dos factos «não provados».

10. Posto isto, propõe-se a Apelante demonstrar que, à razão da prova produzida, deveria ter sido dado como «provados» os supra indicados factos “esquecidos” pela sentença sob recurso.

11. Vejamos:

12. Considerou o tribunal os factos provados e constantes da fundamentação de facto, com base no conjunto da prova produzida, o que se fez por recurso aos documentos juntos pelas partes, juntos a fls. 9 e 10 (contrato individual de trabalho celebrado entre a A. e R.) e respectivo aditamento de fls.10vº, a Circular Normativa nº5 de 2005/03/14, de fls. 11 e 12, os requerimentos apresentados pela A. ao R. de fls. 12ºv a 14 e 15, a informação do serviço dos recursos humanos do R. de fls. 15ºv a 73 e 75 a 90 e ainda o requerimento apresentado pela Dr.a B... ao R. a fls.107.

13. Ou seja, os factos aqui sob recurso resultam demonstrados, de forma incontroversa, como corolário da demais matéria dada como provada.

14. Sem embargo, caso assim não se entenda, a renovação dos meios de prova seguidamente enunciados sempre impõem concluir nos indicados termos, senão vejamos:

15. Desta feita, deverão ser dados como «provados» os factos constantes dos pontos 32º, 33º e 34º, todos da p.i. e supra referenciados e transcritos, tudo assente nos elementos de prova seguintes:

16. Pontos 1 a 17 e 18º a 23º do rol, de factos «provados».

17. Documentos juntos pelas partes e melhor identificados na douta sentença no ponto 3 correspondente à fundamentação da matéria de facto.

18. Depoimento da testemunha B... , gravado no respectivo sistema digital de suporte na audiência de julgamento de 19-01-2021, pelas 09:49:28 - aplicação Habilius Media Studio, sob a referência 20210 119094926_3990185_2870950, durante 22min e 24 seg na sessão de julgamento, com inicio às 09:49:28h e fim às 10:11:53h (passagens da gravação, devidamente assinaladas de Rotações 2:35: a 7:48).

19. Depoimento da testemunha C... , gravado no respectivo sistema digital de suporte na audiência de julgamento de 19-01-2021, pelas 10:15:39 - aplicação Habilius Media Studio, sob a referência 20210119101537_3990185_2870950, durante 40min e 32 seg na sessão de julgamento, com inicio às 10:15:39h e fim às 10:56:11h (passagens da gravação, devidamente assinaladas de Rotações 6:23 a 21:24).

20. Depoimento da testemunha D... , gravado no respectivo sistema digital de suporte na audiência de julgamento de 19-01-2021, pelas 10:57:00 - aplicação Habilius Media Studio, sob a referência 20210119105658_3990185_2870950, durante 34min e 9 seg na sessão de julgamento, com inicio às 10:57:00h e fim às 11:38:08h (passagens da gravação, devidamente assinaladas de Rotações 8:18 a 12:27).

21. Depoimento da testemunha E... , gravado no respectivo sistema digital de suporte na audiência de julgamento de 19-01-2021, pelas 11:32:05 - aplicação Habilius Media Studio, sob a referência 20210119113203_3990185_2870950, durante 21min e 57 seg na sessão de julgamento, com inicio às 11:32:05h e fim às 11:54:02h (passagens da gravação, devidamente assinaladas de Rotações 13:56 a 15:40)

22. Impõe-se assim reapreciar e reanalisar os testemunhos e depoimentos acima indicados, bem como os respectivos documentos de suporte e complementares da prova produzida, concluindo-se, como desiderato, pela procedência total da acção.

23. Assim, face à efectiva prova documental e testemunhal produzida nos autos, o Tribunal “a quo” errou na avaliação, interpretação e julgamento que fez dos factos que aqui se impugnaram e que na sentença surgem omitidos, pugnando-se aqui pela consideração dos mesmos como provados.

24. DA MATÉRIA DE DIREITO

25. Na sentença que culminou na absolvição total da R., o Tribunal “a quo”, assentou e alicerçou a sua decisão em duas opções jurídicas, ambas, na modesta opinião da recorrente e apelante, erradas, e que, por essa via merecem a respectiva impugnação nos termos e para os devidos efeitos legais, a saber:

26. Perca de eficácia da Circular Normativa nº 5, de 14.03.2005, com a consequência das condições contratuais nela fixadas, nomeadamente quanto à progressão remuneratória dos médicos, passarem a ser nulas, por serem contrárias a disposições imperativas da lei.

27. Inobservância de qualquer discriminação e violação do princípio da igualdade por parte da R.

28. Ora, considera a recorrente que estes dois segmentos da decisão sob recurso e respectiva fundamentação de direito, devem ser alterados, por aplicação errónea do direito e como tal deverão ser objecto da respectiva censura jurídica.

29. DA VIOLAÇÃO DO PRINCíPIO DO TRATAMENTO MAIS FAVORÁVEL

30. Como ponto de partida não podemos deixar de dizer que só com a contestação firmada nos autos, veio a A./apelante tomar conhecimento, pela primeira vez, da nova interpretação dada pelo R. no que respeitava à aplicação, até ai, da Circular Normativa nº 5, de 14.03.2005.

31. Se se atentar na matéria de facto dado como provada e, aliás, aceite pelo R., nunca e em momento algum foi alegado, justificado e transmitido à A. que o facto da mesma não poder progredir na sua carreira remuneratória com recurso à Circular Normativa nº 5, de 14.03.2005 estava associado à entrada em vigor dos DL 176/2009, de 04.08, 177/2009 de 04.08 ou de um alegado Acordo Colectivo publicado em 08.11.2009 no BTE nº41.

32. Impunham os mais elementares princípios ético e jus laborais que o R. Hospital tivesse, em resposta aos vários requerimentos e pedidos de progressão salarial da A., invocado esta “nova” argumentação legislativa.

33. Pergunta-se: se a referida Circular Normativa perdeu eficácia com a entrada em vigor do citado DL 176/2009 e do IRCT de 08.11.2009, porque é que o Hospital R. continuou a manter em vigor a circular Normativa nº 5, de 14.03.2005?

34. E porque é que continuou o R., nos seus despachos e respostas dos seus serviços de recursos humanos, aos vários pedidos de revisão salarial da A., a justificar essa não revisão com base em Leis Orçamentais? (veja a este título o ponto 17 dos factos provados)

35. No caso vertente, nomeadamente nos autos, não ficou demonstrado, nem provado que a apelante seria associada de qualquer uma das organizações que intervieram no processo negocial que conduziu à decisão ao citado ACT, pelo que, salvo melhor opinião, só por via de um instrumento de extensão, o mesmo se poderia aplicar a um trabalhador que não tivesse estado devidamente representado no processo negocial.

36. Assim, nada ficou provado nos autos, nomeadamente se a A. seria sindicalizada e, na afirmativa, em que sindicato, nem, e por outro, e em caso de respostas negativas, qual a portaria de extensão que estendeu a aplicação do IRCT de 08.11.2009 às relações jurídicas de trabalho em que se inseria a A. e que sectores e actividades profissionais estavam em causa.

37. Neste aspecto dispõe o BTE nº 41, 8/11/2009, que tem por objecto o ACT entre o Centro Hospitalar de Coimbra, E. P. E., e outros e a Federação Nacional de Médicos — FENAME e outro, na seu nº2 da Cláusula 1.ª que: “O ACT aplica -se a todos os trabalhadores médicos filiados nas associações sindicais outorgantes….”

38. Dos autos não se apura se o citado ACT se aplica ou não à A., quais são os trabalhadores médicos filiados nas associações sindicais outorgantes e quem são estas associações e qual a sua extensão.

39. Cabia ao R. Hospital demonstrar e provar, este facto, situação que o mesmo não logrou alcançar, tudo com as devidas consequências legais.

40. Na definição do âmbito pessoal de aplicação das convenções coletivas a regra base consiste no chamado princípio da dupla filiação consagrado no artigo 496.º do Código do Trabalho.

41. A extensão de um contrato coletivo de trabalho a entidades patronais não inscritas nas associações

subscritoras depende de essas entidades exercerem a sua atividade no mesmo setor económico a que a convenção se aplica, nos termos do artigo 514.º, n.º 1, do Código do Trabalho e dos termos concretos em que aquela extensão se mostra prescrita nas portarias de extensão.

42. Violou assim a sentença sob recurso por esta via o artº.514 do CT.

43. Violou ainda a sentença sob recurso o artigo 12.º n.º 1 do Código Civil.

44. Mais violou ainda a sentença sob recurso o artº.476º do CT (Princípio do tratamento mais favorável).

45. Neste conspecto e salvo melhor opinião, o conflito hierárquico de fontes de direito trazido à colação pela douta sentença sob recurso, não poderia ser resolvido à luz do nº5 do artº.3 do CT, mas sim, pelo recurso à interpretação e aplicação do nº3 da mesma norma.

46. Assim, a Lei n.º 7/2009, que aprovou o CT de 2009, veio inserir algumas alterações à matéria da relação entre as fontes de direito do trabalho.

47. Na verdade, continua a dispor o n.º 1 do artigo 3.º do CT de 2009 que “as normas legais reguladoras de contrato de trabalho podem ser afastadas por instrumento de regulamentação coletiva de trabalho, salvo quando delas resultar o contrário”, o que significa que se mantém a regra da supletividade das normas legais de direito do trabalho, a menos que elas mesmas disponham no sentido da sua imperatividade absoluta.

48. Porém, é o n.º 3 do artigo 3.º que vem introduzir algumas mudanças nas relações entre as fontes de regulação das relações laborais, afirmando que existem determinadas matérias nas quais a legislação laboral volta a assumir uma função de norma mínima, ou seja, volta a ter uma natureza relativamente ou unidirecionalmente imperativa, o que significa que apenas poderá ser afastada por disposições de instrumento de regulamentação coletiva que introduzam um regime de tratamento mais favorável para o trabalhador.

49. Somos da opinião que errou o tribunal ao não aplicar a regra prevista no nº3 do artigo 3º do CT, violando com isso não só esta norma, mas também o principio do tratamento mais favorável inserto no artº.476 do CT.

50. Sem prescindir e para o caso de se interpretar que havia lugar à aplicação, ao presente caso, do supra indicado acordo colectivo de trabalho, o que aqui só se faz a título de mero raciocínio académico e por cautela de patrocínio, ainda se dirá que violou a douta sentença sob recurso os nºs 3 e 4 da Cláusula 51.ª (Regime de transição) do ACT, publicado no BTE nº41.

51. Ou seja, em momento algum o R. Hospital alegou e fez prova nos autos que havia dado cumprimento ao comando previsto no indicado nº3 da clausula 51º, inexistindo qualquer prova material e escrita que a comunicação a que se refere aquela norma tenha sido efectuada à A.

52. Impõe-se assim a procedência do recurso da matéria de direito, nesta parte, tudo com as legais consequências.

53. DA DISCRIMINAÇÃO E DA VIOLAÇÃO DO PRINCíPIO DA IGUALDADE

54. Parte a apelante do princípio que ao ser omitida matéria por parte do tribunal, que nem foi levada, em sede de fundamentação de facto, quer aos factos provados, quer aos factos não provados, tal impossibilitou o tribunal da correcta e devida interpretação jurídica do direito aos factos.

55. Nesta célula do recurso não tem a apelante dúvidas, quer pela prova produzida em sede de audiência de julgamento, mas também pela análise atenta de toda a prova documental carreada para os autos, que o tribunal errou ao não ver verificada uma pratica de discriminação de que a A. foi vitima, situação que degenerou numa clara e ostensiva violação do principio da igualdade.

56. O Código do Trabalho ao estabelecer critérios de determinação da retribuição refere que na determinação do valor da mesma deve ter-se em conta a quantidade, natureza e qualidade do trabalho, observando-se o princípio de que, para trabalho igual ou de valor igual, salário igual. (Artº.24º)

57. Quando as situações referidas são invocadas como factores de discriminação, nomeadamente, no plano retributivo, o legislador, no n.º 5, do art.º 25, do diploma legal referido, estabelece um regime especial de repartição do ónus da prova, em que afastando-se da regra geral, prevista no art.º 342.º, n.º 1, do Código Civil, estipula uma inversão do ónus da prova, impondo que seja o empregador a provar que a diferença de tratamento não assenta em qualquer factor de discriminação.

58. Percorrendo toda a matéria alegada e dada como provada concluímos que ocorreu violação do princípio para trabalho igual salário igual, já que ficou suficientemente demonstrado que entre a Apelante e os seus colegas B... e C... , a respectiva prestação laboral era e é de igual natureza, mas também de igual qualidade e quantidade, o que se reforça porquanto estamos a falar de 3 profissionais com a mesma categoria profissional.

59. Assim, o tratamento perpetrado pelo R. Hospital, para além de ter sido contrário à lei, constituiu uma conduta que atenta contra o artigo 129.º, n.º 1, alínea d), do Código do Trabalho, norma esta que proíbe ao empregador diminuir a retribuição do trabalhador, representando também uma ofensa do princípio constitucional de que para trabalho igual, salário igual (artº.59º nº1, al. a) da CRP).

60. Reconhecido, desde 1951, pela Convenção nº100 sobre a Igualdade de Remuneração de Homens e Mulheres por Trabalho de Igual Valor, este direito vem também consagrado no artigo 119º do Tratado de Roma e que o Tribunal não respeitou, tendo em consequência violado o respectivo comando.

61. Em conclusão, não demonstrou e provou o R. Hospital qualquer uma das incumbências que a lei lhe impunha nesta matéria, nada resultando da douta sentença sob recurso neste sentido, pelo que violou a mesma também o referido artigo 4º da Lei n.º 60/2018 de 21 de agosto, norma esta que deveria ter sido objecto de aplicação nos presentes autos.

62. Impõe-se, assim, também a procedência do recurso da matéria de direito, nesta parte, tudo com as legais consequências.”.

O réu contra-alegou, pugando pela improcedência da apelação.
Nesta Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que o recurso não merece provimento.
Colhidos os vistos legais, importa decidir

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II - Principais questões a decidir

Sendo pelas conclusões que se delimita o objecto do recurso (artigos 635º/4 e 639º/1/2 do Código de Processo Civil aprovado pela Lei 41/2013, de 26/6 – NCPC – aplicável “ex-vi” do art. 87º/1 do Código de Processo do Trabalho – CPT), integrado também pelas que são de conhecimento oficioso e que ainda não tenham sido decididas com trânsito em julgado, são as seguintes as questões a decidir:
1ª) se deve conhecer-se do recurso incidindo sobre a matéria de facto em toda a sua extensão;
2ª) se a matéria de facto foi incorrectamente julgada, devendo ser alterada;
3ª) se é aplicável à relação de trabalho entre a autora e o réu o ACT entre o Centro Hospitalar de Coimbra, E. P. E., e outros, e a Federação Nacional de Médicos — FENAME e outro, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, nº 41, de 8/11/2009;
4ª) se a autora ficou sujeita ao regime da cláusula 46ª, nº 3, do ACT referido na terceira questão, segundo a qual “A alteração da posição remuneratória faz-se tendo em conta o sistema de avaliação de desempenho.”;
5ª) se a autora tem direito à transição salarial a que se arroga com fundamento no princípio da igualdade salarial.

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III – Fundamentação

A) De facto

Factos provados

O tribunal recorrido deu como provados os factos seguidamente transcritos:

1) O Réu é, actualmente, uma entidade pública empresarial que resulta da fusão de três hospitais: Hospital de Santo André, Hospital Distrital de Pombal e Hospital de Alcobaça Bernardino Lopes de Oliveira.

2) Em 31.12.2005, o Hospital de Santo André, que até então tinha a forma jurídica de sociedade anónima (S.A.), foi transformado em E.P.E.

3) A A. foi admitida ao serviço do R., por contrato de individual de trabalho, sem termo, celebrado em 28 de Setembro de 2007, com início em 01 de Outubro de 2007, para exercer, sob a autoridade, direção e fiscalização daquela, as funções correspondentes à categoria profissional de assistente hospitalar de cirurgia geral.

4) Tendo acordado que o local de trabalho da A. seria nas instalações do R., sitas na Rua das Olhalvas – Pousos, 2410-197 Leiria, bem como em qualquer outras instalações onde a mesma determinasse.

5) O horário de trabalho acordado foi de quarenta horas semanais, tendo-se definido, à partida, que as 24 horas do referido período normal de trabalho serão cumpridas em regime de turnos no serviço de urgência do Hospital sendo as restantes 16 distribuídas por actividades programadas, sendo que cabia ao R. a determinação do período normal de trabalho.

6) Quanto ao pagamento, acordaram que o R. pagaria à A., uma remuneração base mensal de € 3.500,00, sujeita aos descontos legais, sendo que tal remuneração base seria paga em 14 mensalidades, doze das quais corresponderiam a cada mês do ano, uma ao subsidio de férias e outra ao subsídio de natal.

7) O referido contrato foi objecto de aditamento, em 20 de Abril de 2018, tendo as partes acordado dar nova redacção à cláusula primeira, tendo nesta ficado consignado o seguinte:

“1- O primeiro contraente admite ao seu serviço, a segunda contraente para exercer as funções correspondentes à categoria profissional de Assistente Graduada de Cirurgia Geral.

2- Pelo presente contrato, a segunda contraente compromete-se a executar, sob autoridade e direção do primeiro contraente, a tempo inteiro, as funções que correspondem à sua categoria profissional”.

8) A A. sempre cumpriu pontual e integralmente todas as obrigações associadas à actividade laboral para a qual foi contratada.

9) Comparecendo com assiduidade e pontualidade e exercendo as funções inerentes à sua categoria profissional com zelo e diligência.

10) Tratando ainda todos os seus superiores hierárquicos e chefias, bem como demais colegas de trabalho, com respeito e urbanidade.

11) Por circular normativa n.º 5 de 2005/03/14, o R. deu a conhecer a todos os seus trabalhadores a revisão do Estatuto Contratual dos Trabalhadores do Hospital de Santo André, S.A.

12) Nessa circular, divulgou-se a deliberação do Conselho de Administração de 2005.03.04, na qual se aprovaram, entre outras, as condições contratuais, para o pessoal médico com efeitos a 1 de Março de 2005, a saber:

Período normal de trabalho semanal – 40 horas

Retribuição mensal

Categoria – Assistente

c/ posse de título até 3 anos - € 3.500;

c/ posse de título de 3 a 6 anos - € 3.750;

c/ posse do título com mais de 6 anos - € 4.000.

13) A A. iniciou a sua especialidade de cirurgia geral, em 2001, tendo concluído essa especialidade, adquirindo o respectivo título, em 13.07.2007.

14) Por requerimento dirigido ao senhor presidente do conselho de administração do Hospital de Santo André, EPE, em 05 de Janeiro de 2011, a A. solicitou a alteração do valor da sua remuneração, com base no Estatuto Contratual do Pessoal Médico vinculado da R..

15) Por referência a este requerimento, a R. não deu qualquer resposta.

16) Por requerimento dirigido ao presidente do conselho de administração do Hospital de Santo André, EPE, em 09 de Setembro de 2014, a A. solicitou, novamente, a alteração do valor da sua remuneração, com base no Estatuto Contratual do Pessoal Médico vinculado do R..

17) Em resposta, no dia 18/09/2014, os serviços de Gestão de recursos humanos do R. verteram o seguinte:

• “A requerente celebrou contrato individual de trabalho com esta instituição para exercer as funções correspondentes à categoria profissional de assistente de Cirurgia Geral, com efeitos a 2007/10/01.

• Do seu processo individual constam documentos comprovativos de que possui o grau de assistente de Cirurgia Geral desde 13 de Julho de 2007.

• De acordo com a Deliberação do Conselho de Administração deste Hospital – Revisão do Estatuto Contratual do Pessoal Médico vinculado com Contrato Individual de Trabalho, os médicos, com um período normal de trabalho semanal de 40 horas, com a categoria de Assistente e com posse de título à mais de 6 anos, tem direito a uma retribuição mensal no valor de 4.000,00 €.

• A requerente completou 6 anos de posse de título de Medicina Interna em 13 de Julho de 2013.

• Porém, refere o artº 24º da Lei nº55-A/201 de 31/12 – Lei Orçamental para 2011, revogado pelo nº1 do artº.20º da Lei nº64-B/2011 de 30/12, artigo 35º da Lei nº66-B/2012 de 31/12 e artº 39º da Lei nº83-C/2013 de 31/12, que é vedada a prática de quaisquer atos que consubstanciem valorizações remuneratórias dos titulares dos cargos e demais pessoal identificado nº 9 do artº 33º, nomeadamente os trabalhadores das Entidades Públicas Empresariais (alínea r) do referido nº9).

• Como tal está abrangida pelas restrições fixadas na referida Lei, nomeadamente a alínea a) do nº2 do artigo 39º.”

18) Por despacho datado de 30.11.2016 o R. reconheceu à A. a progressão na carreira integrando-a na categoria superior de assistente graduada, tendo ainda considerado que a mesma auferia um valor superior ao valor previsto para a 1ª posição remuneratória da categoria de assistente graduado, a qual correspondia a € 3.209,67.

19) Em 26.02.2018 a A. voltou a insistir com a R. para que a mesma esclarecesse sobre o seu pedido efectuado a 05/01/2011 e que tinha por objecto a alteração do valor da sua remuneração por ter completado os 3 anos de especialidade, não tendo obtido qualquer resposta.

20) A colega da A., Dra. B... celebrou contrato individual de trabalho com o R., então HSA, em 11.10.2006, para exercer as funções inerentes à categoria de assistente hospitalar, com a remuneração base mensal de € 3.500,00.

21) A Dra. B... concluiu a especialidade em 09.02.2006, conforme publicação em DR, de 29.03.2006.

22) Tendo esta perfeito três anos de título em 09.02.2009, tendo visto a sua remuneração base aumentada, por Despacho de 17.04.2009, de € 3.500,00 para € 3.750,00, valor que aufere até hoje.

23) O colega da A., Dr. C... , celebrou contrato individual de trabalho com o R., em 22.12.2010, com efeitos a 03.01.2011, para exercer as funções inerentes à categoria de assistente hospitalar, com a remuneração base mensal acordada de € 3.750,00, valor que se manteve.”.

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B) De direito

Primeira questão: se deve conhecer-se do recurso incidindo sobre a matéria de facto em toda a sua extensão.

Nos termos do art. 640º/1/b do NCPC “Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
(…)
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;”.
Ora, como decidido no acórdão do STJ de 20/12/2017, proferido no processo 299/13.2TTVRL.G1.S2, “…a recorrente nas alegações que produziu na apelação e nas respetivas conclusões, dividiu a matéria de facto provada em três partes, que denominou de “blocos distintos de factos”, nos seguintes termos:
- «Um primeiro “bloco” de factos referente aos elementos próprios caracterizadores da relação jurídica… factos de pontos 12, 13, 19, 20, 41, 42, 43, 44, 45, 47, 49, 50, 51, 53, 54, 56, 57, 58, 59, 60 da matéria de facto provada e factos de pontos a), b), c), d), q) dos factos dados por não provados»;
- «Um segundo “bloco” de factos referente à caracterização/ descaracterização do sinistro… como acidente de trabalho – factos de pontos 23, 25, 26, 28, 29, 30, 31, 40, 61, 62, 63 dos factos dados por provados e pontos e), f), g), h), i), j), k), l), m), n), o), p) dos factos dados por não provados»;
- «Um terceiro “bloco” de factos referentes a condições familiares e socioeconómicas entre os sinistrados e a recorrente… factos de pontos 46, 68 dos factos dados como provados e factos de pontos t) dos factos dados como não provados».
E relativamente a todos os “bloco[s]”, para além dos seis documentos que identifica, indicou o depoimento de parte de EE e as suas “contradições” com o depoimento da testemunha TT, e os depoimentos das testemunhas SS, JJ, KK, LL, MM, NN, TT, OO, PP, QQ e RR, mas sem que indicasse os concretos meios de prova, ou seja, os documentos e as passagens de cada um dos depoimentos que impunham a pretendida alteração, por referência a cada um dos factos concretos cuja decisão impugnou.”. – o negrito e sublinhado são da nossa responsabilidade.
Esta mesma orientação viria a ser retomada pelo mesmo STJ no acórdão de 27/6/2018, proferido no processo 835/15.0T8FIG.C1.L1, em cujo sumário poderá ler-se, por exemplo, o seguinte:


Assim como foi reafirmada pelo mesmo STJ:
i) no acórdão de 5/9/2018, proferido no processo 15787/15.8T8PRT.P1.S2, onde se escreveu, designadamente, o seguinte:  “Efectivamente, o recorrente impugna a factualidade apurada pela primeira instância fazendo-o em relação a blocos de factos, não individualizando os meios de prova que em relação a cada um dos factos impugnados impõem uma decisão diversa.
Ora, esta forma de impugnação não satisfaz as exigências formais da alínea b), do nº 1, do art. 640º do CPC, conforme doutrina emanada do acórdão desta Secção Social de 20.12.2017, no processo nº 299/13.2TTVRL.C1.S2 (Ribeiro Cardoso), onde se concluiu que:
(…)
Por isso, e não tendo o recorrente concretizado os meios de prova que em relação a cada um dos factos impugnados impõem uma decisão diversa, temos de concluir que não cumpriu os ónus impostos pelo mencionado preceito.”.
ii) no acórdão de 20/2/2019, proferido no processo 1338/15.8T8.PNF.P1.S1, onde se escreveu, designadamente, o seguinte: “No caso dos autos, analisando o corpo das alegações e conclusões da apelação, atrás transcritas, verificamos que, no que se refere à prova que indica para fundar a alteração que pretende relativamente aos factos dos artigos 2º., 3º., 4º., 5º., 6º., 7º., 8º., 9º., 10º., 15º., 17º., 18º., 19º., 20º., 21º., 22º. e 23º da base instrutória, o recorrente não concretizou, por referência a cada facto impugnado, quais os meios probatórios que, no seu entender, imporiam decisão diversa daquela que foi dada pelo Tribunal de 1.ª Instância, antes se limitando a proceder a uma indicação genérica e em bloco, para aquele conjunto de factos.
Ou seja, o recorrente não indicou os concretos meios de prova, os documentos e as passagens de cada um dos depoimentos que discrimina e que impunham a pretendida alteração, por referência a cada um dos factos concretos cuja decisão impugnou, sendo certo que estamos perante uma grande diversidade de factos.
O acolhimento da pretensão do recorrente traduzir-se-ia numa total reapreciação da prova pela 2.ª Instância (a realização de um segundo julgamento) e a abertura do caminho à admissibilidade de recursos genéricos, o que não foi querido pelo legislador.”.
iii) no acórdão de 8/7/2020, proferido no processo 283/08.08TTBGC-B.G1.S1, onde se escreveu, designadamente, o seguinte: “Mais recentemente, a propósito desta problemática, a Secção Social deste Supremo Tribunal voltou a sublinhar:
A alínea b), do n.º 1, do art. 640.º do CPC, ao exigir que o recorrente especifique “[o]s concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida”, impõe que esta concretização seja feita relativamente a cada um daqueles factos e com indicação dos respetivos meios de prova, documental e/ou testemunhal e das passagens de cada um dos depoimentos.
Não cumpre aquele ónus o apelante que, nas alegações e nas conclusões, agrega a matéria de facto impugnada em blocos ou temas e indica os meios de prova relativamente a cada um desses blocos, mas omitindo-os relativamente a cada um dos concretos factos cuja decisão impugna. (Acórdão de 19-12-2018, proferido no Proc. n.º 271/14.5TTMTS.P1.S1 e Acórdão de 05-09-2018, proferido no Proc. n.º 15787/15.8T8PRT.P1.S2.)
”.
No caso em apreço, temos que a recorrente impugna um bloco de factos integrado pela matéria alegada nos arts. 32º), 33º) e 34º) da petição inicial, a qual não consta dos factos descritos como provados pelo tribunal recorrido, pretendendo a autora que tal matéria seja agora dada como provada.
Ofereceu, como suporte dessa divergência fáctica, os depoimentos das testemunhas B... , C... , D... , E... , os “documentos juntos pelas partes e melhor identificados na douta sentença no ponto 3 correspondente à fundamentação da matéria de facto”, sem concretização, de entre as partes desses depoimentos que transcreveu, daquelas que deveriam relevar para cada facto integrante do bloco de factos impugnado, e igualmente sem concretização das partes de cada um dos documentos oferecidos que deveria relevar para cada um dos aludidos factos.
Ou seja, ao contrário daquilo a que estava obrigada segundo aquela orientação consolidada da secção social do STJ, a apelante não concretizou os meios de prova que devem ser ponderados em relação a cada um dos factos impugnados que integram aquele bloco de factos, com vista a ser obtida, em relação a cada um deles, uma decisão distinta da que foi assumida pelo tribunal recorrido, optando por oferecer em relação a tal bloco de factos mais do que um depoimento oral, conjugados com a prova documental junta aos autos, sem concretização da parte de cada um desses depoimentos e de cada um desses documentos que deveria relevar para cada facto integrante do bloco de factos impugnado, técnica que, como visto, não satisfaz as exigências decorrentes para o apelante fáctico daquele art. 640º/1/b do NCPC.
Por outro lado, a insatisfação pela recorrente de tais exigências tem por consequência a omissão de preenchimento dos requisitos de admissibilidade da impugnação da decisão sobre a matéria de facto legalmente enunciados e cuja inobservância é cominada com a imediata rejeição do recurso, sem possibilidade de convite ao suprimento (art. 640º/1/2/a do NCPC).
Como assim, na parte ora em apreço, rejeita-se a impugnação fáctica da apelante.
*
Segunda questão: se a matéria de facto foi incorrectamente julgada, devendo ser alterada.

Em via principal, sustenta a apelante que a resposta afirmativa a esta questão, dando-se como provado o descrito nos arts. 32º), 33º) e 34º) da petição inicial, é imposta pelo teor da factualidade descrita nos pontos 20º) a 23º) dos factos dados como provados.
Não acompanhamos a apelante.
Com efeito, independentemente do carácter conclusivo, ou não, do descrito nos referidos artigos 32º) a 34º), não vislumbramos que a contratação de B... , as funções para o exercício das quais foi contratada, a remuneração inicial acordada (ponto 20º dos factos provados), o percurso profissional e remuneratório de B... (pontos 21º e 22º dos factos provados), a contratação de C... , as funções para o exercício das quais foi contratado e a sua situação remuneratória (ponto 23º dos factos provados), imponham inexoravelmente que a autora, B... e C... “… exercem as mesmas funções, executando tarefas idênticas e por vezes conjuntamente.[1], que “O horário de trabalho praticado por todos tem a mesma duração.[2], e que “A R. não moveu à A. qualquer processo disciplinar com fundamento em quebra de produtividade ou falta de qualidade do seu desempenho profissional.[3].
Assim, com este fundamento convocado pela apelante não pode proceder a sua pretensão recursiva fáctica.
Na parte em que a pretensão recursiva fáctica da apelante assenta, subsidiariamente, numa reapreciação por este tribunal dos meios de prova oral e documental convocados pela apelante, a possibilidade de uma resposta afirmativa a esta questão resulta prejudicada dos termos em que foi analisada e decidida a primeira questão.
É negativa, assim, a resposta a esta questão.
*
Terceira questão: se é aplicável à relação de trabalho entre a autora e o réu o ACT entre o Centro Hospitalar de Coimbra, E. P. E., e outros, e a Federação Nacional de Médicos — FENAME e outro, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, nº 41, de 8/11/2009.

A resposta a esta questão deve ser afirmativa, independentemente de se saber se a autora era ou não filiada em algum dos sindicatos outorgantes,  de se saber se existe ou não portaria de extensão daquele ACT, de se saber se a extensão desse ACT à relação de trabalho ora em questão foi ou não determinada por Decreto-Lei, concretamente pelo Decreto-Lei 176/2009, de 4/8.
Com efeito, importa não perder de vista o que consta da clásusula 11ª do contrato de trabalho celebrado entre as partes, do seguinte jaez:


Como assim, no próprio contrato de trabalho celebrado entre a autora e o réu se previu a aplicabilidade subsidiária do instrumento de regulamentação colectiva para o sector de actividade em que a autora e o réu operam, em tudo o que não encontrasse regulamentação mais favorável no regime geral do contrato individual de trabalho.
Ora, relativamente aos médicos contratados em regime de contrato individual de trabalho, como é o caso da autora, por entidades prestadoras de cuidados de saúde integradas no Serviço Nacional de Saúde e que revistam natureza empresarial, como é o caso do réu (cfr. DL´s 30/2011, de 2/3, 116/2013, de 9/8, 157/2013, de 12/11, 18/2017, de 10/2,), o instrumento de regulamentação colectiva aplicável é, justamente, o ACT entre o Centro Hospitalar de Coimbra, E. P. E., e outros, e a Federação Nacional de Médicos — FENAME e outro, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, nº 41, de 8/11/2009, que foi objecto de alterações publicadas no BTE nº 1 de 2013 (cujo anexo relativo às posições remuneratórias foi rectificado no BTE nº 23 de 2013), no BTE nº 43 de 2015, que contém o texto consolidado, e no BTE nº 30 de 2016.
Assim, o referido ACT é aplicável à relação de trabalho entre a autora e o réu em tudo o que não encontre regulamentação mais favorável no próprio contrato de trabalho ou no regime geral do contrato individual de trabalho.
*
Quarta questão: se a autora ficou sujeita ao regime da cláusula 46ª, nº 3, do ACT referido na terceira questão, segundo a qual “A alteração da posição remuneratória faz-se tendo em conta o sistema de avaliação de desempenho.”.

Comece por atentar-se em que do contrato de trabalho da autora e do seu aditamento nada consta no que respeita a progressões na carreira profissional da autora e correspondentes posicionamentos remuneratórios.

Sucede que por circular normativa nº 5 de 14/3/2005, o réu deu a conhecer a todos os seus trabalhadores a revisão do Estatuto Contratual dos Trabalhadores do Hospital de Santo André, SA, assim divulgando, designadamente, as condições contratuais para o pessoal médico aprovadas pelo Conselho de Administração de 4/3/2005, com efeitos a 1 de Março de 2005 (pontos 11º e 12º dos factos provados).

As circulares devem qualificar-se como regulamentos internos (acórdão do STJ de 1/6/2017, proferido no processo 585/13.1TTVFR.P1.S1), sendo que o réu estava habilitado a produzir esse tipo de regulamento (art. 11º/1 da Lei 23/2004, de 22/6).
Nos termos das disposições conjugadas dos arts. 14º/3 do DL 427/89, de 7/12, na redacção da Lei 23/2004, de 22/6, e 95º do CT/2003, diplomas legais em vigor à data da constituição da relação de trabalho entre a autora e o réu, a vontade contratual do empregador podia manifestar-se através dos regulamentos internos de empresa, podendo a do trabalhador manifestar-se pela adesão expressa ou tácita aos ditos regulamentos, presumindo-se tal adesão quando o trabalhador não se opuser por escrito no prazo de 21 dias, a contar do início da execução do contrato ou da divulgação do regulamento, se esta for posterior.
Não resultando dos factos provados que a autora tenha manifestado a oposição a que acabou de aludir-se, terá de presumir-se que aceitou o clausulado constante daquela circular normativa que, assim, passou a vincular a autora e o réu e passou a integrar o conteúdo normativo da relação de trabalho entre os mesmos constituída, sabido que as cláusulas dos regulamentos internos que versam natureza contratual são cláusulas contratuais gerais que adquirem eficácia quando aceites como matéria de um negócio jurídico singular ou individual - Inocêncio Galvão Teles, Manual Dos Contratos em Geral, pp. 318 a 320.

Assim sendo, conjugando o teor daquela circular normativa reproduzido no ponto 12º) dos factos provados, com a data da contratação da autora (1/10/2007 – ponto 3º dos factos provados) e com a data da aquisição por parte da autora da especialidade em cirurgia geral (13/7/2007 – ponto 13º dos factos provados), em 1/10/2010 a autora deveria ter transitado da posição remuneratória de assistente com posse de título até 3 anos (€ 3.500), para a de assistente com posse de título de 3 a 6 anos (€ 3.750).

Sucede que em 8/9/2009 entrou em vigor o Decreto-Lei 176/2009, de 4/8 (art. 5º/2 do CC e art. 2º/2 da Lei 74/98, de 11/11), que estabeleceu o regime da carreira dos médicos nas entidades públicas empresariais e nas parcerias em saúde, bem como os respectivos requisitos de habilitação profissional e percurso de progressão profissional e de diferenciação técnico-científica.

Nos termos do art. 12º do CC:

1 - A lei só dispõe para o futuro; ainda que lhe seja atribuída eficácia retroactiva, presume-se que ficam ressalvados os efeitos já produzidos pelos factos que a lei se destina a regular.

2 - Quando a lei dispõe sobre as condições de validade substancial ou formal de quaisquer factos ou sobre os seus efeitos, entende-se, em caso de dúvida, que só visa os factos novos; mas, quando dispuser directamente sobre o conteúdo de certas relações jurídicas, abstraindo dos factos que lhes deram origem, entender-se-á que a lei abrange as próprias relações já constituídas, que subsistam à data da sua entrada em vigor.”.

O artigo 12º/2 do Código Civil, distingue “… dois tipos de leis ou de normas: aquelas que dispõem sobre os requisitos de validade (substancial ou formal) de quaisquer factos (1.ª parte) e aquelas que dispõem sobre o conteúdo de certas relações jurídicas e o modelam sem olhar aos factos que a tais situações deram origem (2.ª parte). As primeiras só se aplicam a factos novos, ao passo que as segundas se aplicam a relações jurídicas (melhor: Ss Js [situações jurídicas]) constituídas antes da LN mas subsistentes ou em curso à data do seu início de vigência.” - Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso p. 233.

Sobre essa mesma norma, ensina Oliveira Ascensão o seguinte: “1) A lei pode regular efeitos como expressão duma valoração dos factos que lhes deram origem: nesse caso aplica-se só aos novos factos. Assim, a lei que delimita a obrigação de indemnizar exprime uma valoração sobre o facto gerador de responsabilidade civil; a lei que estabelece poderes e vinculações dos que casam com menos de 18 anos exprime uma valoração sobre o casamento nessas condições; 2) pelo contrário, pode a lei atender directamente à situação, seja qual for o facto que a tiver originado. Se a lei estabelece os poderes vinculações do proprietário, pouco lhe interessa que a propriedade tenha sido adquirida por contrato, ocupação ou usucapião: pretende abranger todas as propriedades que subsistam. Aplica-se, então, imediatamente a lei nova.” - O Direito, Introdução e Teoria Geral, Uma Perspectiva Luso-Brasileira, 10.ª edição revista, Almedina, Coimbra, 1997, p. 489.

Em sentido idêntico, escrevem Pires de Lima e Antunes Varela que “Previnem-se no n.º 2, em primeiro lugar, os princípios legais relativos às condições de validade substancial ou formal de quaisquer factos, ou referentes aos seus efeitos. Assim, por exemplo, quanto a impedimentos matrimoniais, quanto à capacidade, quanto à legalidade do próprio negócio, quanto à forma, não pode aplicar-se a lei nova a situações anteriores, e o mesmo é de dizer quanto às obrigações do vendedor ou do comprador, quanto aos direitos ou obrigações do locatário ou do senhorio, quanto à obrigação do mutuário, etc.

Se, porém, tratando-se do conteúdo do direito, for indiferente o facto que lhe deu origem, a nova lei é já aplicável. Assim, para fixar o conteúdo do direito de propriedade, é aplicável a lei nova e não a lei da data da sua constituição. Não interessa, na verdade, saber qual foi o título constitutivo, nem qual foi, por consequência, a data da formação deste. É sempre o mesmo direito de propriedade. O mesmo acontece, geralmente, com os direitos de natureza perpétua [...].” - Código Civil Anotado, volume I, Coimbra Editora, 1967, anotação ao artigo 12.º, pp. 18-19.

Assim: a lei nova ou regula a validade de certos factos ou os seus efeitos (e neste caso só se aplica aos factos novos) ou define o conteúdo, os efeitos de certa relação jurídica independentemente dos factos que a essa relação deram origem (hipótese em que é de aplicação imediata, quer dizer, aplica-se, de futuro, às relações jurídicas constitutivas e subsistentes à data da sua entrada em vigor).
O DL 176/2009 definiu o regime da carreira dos médicos, em regime de contrato individual de trabalho, nas entidades públicas empresariais e nas parcerias em saúde, em regime de gestão e financiamento privados, integradas no Serviço Nacional de Saúde, abstraindo dos factos que deram origem a tais relações de trabalho, razão pela qual é de aplicação imediata às relações jurídicas dessa natureza outrora constituídas e subsistentes à data da sua entrada em vigor, entre elas se incluindo a relação de trabalho entre a autora e o réu.
Nos termos do art. 16.º desse diploma legal “As posições remuneratórias e as remunerações dos trabalhadores integrados na carreira médica são fixadas em instrumento de regulamentação colectiva de trabalho.”.
Assim, é o próprio DL 176/09 a determinar, imperativamente, que as posições remuneratórias e as remunerações sejam fixadas em instrumento de regulamentação colectiva de trabalho, o que, face ao acima exposto, também se aplica às relações jurídicas outrora constituídas e subsistentes à data da sua entrada em vigor.
E compreende-se bem tal imperatividade se tivermos presente o propósito legal subjacente ao DL 176/09 e explicitado na correspondente exposição de motivos de se “garantir que os médicos das instituições de saúde no âmbito do SNS possam ter um percurso comum de progressão profissional e de diferenciação técnico-científica …”, o que implica uma harmonização uniformizadora do correspondente regime legal que se compadece mal com a possibilidade desse regime ser fixado individual e diferenciadamente em múltiplos contratos de trabalho individuais.
Ocorre, pois e por consequência de assim se contrariar uma norma legal imperativa (art. 280º/1 do CC), uma nulidade superveniente da estipulação contratual entre a autora e o réu decorrente da adesão presumida da autora ao regulamento interno do réu acima identificado e da qual resultava uma progressão salarial dependente, apenas, do decurso do tempo.

Por outro lado, importa ter em consideração que a anterior estipulação contratual entre a autora e o réu ainda não tinha produzido quaisquer efeitos de transição remuneratória, pois que, como visto, a primeira transição a que a autora poderia aspirar decorreria em 1/10/2010, sendo que foi em 8/9/2009 que entrou em vigor o Decreto-Lei 176/2009.

Não se coloca, assim, nenhum problema de preservação de quaisquer direitos já adquiridos por parte da autora que apenas tinha uma mera expectativa de transição remuneratória a operar em 1/10/2010, data posterior àquela em que o legislador determinou que essa expectativa se fundava num instrumento jurídico (acordo de adesão) diferente daquele que imperativamente se identificou como sendo o único em que poderiam fundamentar-se expectativas daquele jaez.
Por seu turno, a cláusula 46ª/3 do ACT entre o Centro Hospitalar de Coimbra, E. P. E., e outros, e a Federação Nacional de Médicos — FENAME e outro, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, nº 41, de 8/11/2009, veio a estatuir que “A alteração da posição remuneratória faz-se tendo em conta o sistema de avaliação de desempenho.”.
Por força da estatuição imperativa do art. 16.º do DL 176/09, essa cláusula passou a aplicar-se à relação de trabalho entre a autora e o réu, em substituição do acordo de adesão acima referido e decorrente da adesão táctica da autora ao regulamento interno do réu supra identificado.
Essa aplicação decorria também de um outro fundamento.
Com efeito, estando em causa uma relação de contrato individual de trabalho em funções públicas, importa ter em conta que as disposições “… dos instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho não podem ser afastadas por contrato, salvo quando daquelas normas resultar o contrário e este estabeleça condições mais favoráveis para o trabalhador.” – art. 4º/2 da Lei 59/2008, de 11/9.
Como assim, não resultando daquela cláusula 46ª/3 supra citada que a mesma pusesse ser afastada por contrato, o regime dela constante deveria prevalecer sobre aquele que foi acordado individualmente entre a autora e o réu.
Resta dizer que os factos provados não revelam diminuição da retribuição e de outras regalias que vinham sendo atribuídas à autora com carácter regular e permanente à data da entrada em vigor do ACT supra identificado, nem a atribuição de retribuição e regalias inferiores às correspondentes aos mínimos legais e convencionais da categoria para que a autora devesse transitar por força desse mesmo ACT, pelo que não se vislumbra qualquer violação da cláusula 51.ª do ACT que é denunciada pela autora.
Tudo visto, é afirmativa a resposta à questão ora em apreço, por consequência do que não pode reconhecer-se à autora o direito à transição salarial a que se arroga nesta acção com fundamento no regulamento interno do réu supra identificado.

*
Quinta questão: se a autora tem direito à transição salarial a que se arroga com fundamento no princípio da igualdade salarial.

A resposta afirmativa a esta questão dependia da prévia procedência da pretensão recursiva fáctica da apelante.
Tendo improcedido tal pretensão recursiva fáctica, nada mais resta do que responder negativamente a esta questão.
Com efeito, não se desconhece que nos termos do artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa (adiante, Constituição):
 “1 – Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei”;
 “2 – Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica ou condição social.”.
Não se desconhece, igualmente, que prescreve o artigo 59º/1 da Constituição, que “Todos os trabalhadores, sem distinção de idade, sexo, raça, cidadania, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, têm direito: a) À retribuição do trabalho, segundo a quantidade, natureza e qualidade, observando-se o princípio de que para trabalho igual salário igual, de forma a garantir uma existência condigna; b) A organização do trabalho em condições socialmente dignificantes, de forma a facultar a realização pessoal […]”.
Note-se, no entanto, que do princípio da igualdade a que se referem as normas acabadas de citar decorre, tão-só, a proibição do arbítrio, não impedindo, pois, em absoluto, toda e qualquer diferenciação de tratamento, mas apenas as diferenciações materialmente infundadas, sem qualquer fundamento razoável ou justificação objectiva e racional, como são as baseadas nos motivos indicados no referido preceito constitucional – por exemplo, acórdãos do Tribunal Constitucional 46/2015, 294/2014, 282/2005, e 313/89; acórdãos do STJ de 14/12/2016, proferido no processo 4521/13.7TTLSB.L1.S1, 17/11/2016, proferido no processo 7388/15.7T8LSB.L1.S1, de 12/10/2011, proferido no processo 343/04.4TTBCL.P1.S1, de 14/3/2006, proferido no processo 05S3852.
Ou seja, devendo tratar-se por igual o que é substancial e essencialmente igual e desigualmente o que é essencialmente desigual, são legítimas as medidas de diferenciação de tratamento fundadas em distinção objectiva de situações, não baseadas em qualquer motivo constitucionalmente impróprio, que tenham um fim legítimo à luz do ordenamento constitucional positivo, e se revelem necessárias, adequadas e proporcionais à satisfação do objectivo prosseguido - acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6 de Abril de 2008, processo n.º 07S4100.
A diferenciação de tratamento é legítima sempre que não se fundamente em razão de «…ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica ou condição social», como se refere exemplificativamente no n.º 2 do art. 13.º da Constituição, ou seja, sempre que se mostre razoável, racional e objectivamente fundada.
Especificamente, o princípio constitucional “a trabalho igual salário igual” visa que nenhum trabalhador seja discriminado, em termos de retribuição, relativamente a outros trabalhadores que executam igual trabalho em termos de quantidade, natureza e qualidade.
Haverá violação da igualdade em termos salariais na perspectiva deste princípio, se a diferenciação da retribuição não resultar de critérios objectivos, ou seja, se o trabalho prestado pelo trabalhador discriminado for igual ao dos restantes trabalhadores, não só quanto à natureza (tendo em conta a sua dificuldade, penosidade e perigosidade), mas também em termos de quantidade (duração e intensidade) e qualidade (de acordo com as exigências, conhecimentos, prática e capacidade).
Daí que a violação do referido princípio constitucional não decorra, necessariamente, da circunstância de trabalhadores da mesma empresa e com a mesma categoria profissional auferirem diferentes remunerações: é necessário que se demonstre, que para além da paridade formal das funções exercidas com uma certa categoria, existe também identidade ou equivalência no plano da quantidade e qualidade do trabalho produzido.
O CT/2009 procurou dar concretização legal ao comando constitucional ora em apreço nos correspondentes arts. 23º a 25º, sendo aqui se destacar: i) os conceitos de discriminação directa e indirecta, bem como o de trabalho igual, explicitados no art. 23º/1/a/b/c; ii) o direito à igualdade consagrado no art. 24º/1, designadamente em matéria salarial (art. 24º/2/c;) iii) a proibição de discriminação, designadamente em matéria retributiva, consagrada no art. 25º/1; iv) a regra distributiva do ónus da prova em matéria de igualdade e discriminação consagrada no art. 25º/5, que deve ser interpretada tendo por referência os factores de discriminação enunciados no artigo 24º/1, competindo ao trabalhador o ónus de alegação e prova de factos que revelem o tratamento diferenciado e aqueles que constituam factores característicos de discriminação[4], não podendo aplicar-se a referida presunção naqueles casos em que se não invocam quaisquer factos que, de algum modo, possam inserir-se na categoria desses factores.
Importa reter, ainda, que compete ao trabalhador, nos termos do artigo 342º/1 do CC, alegar e provar factos que permitam afirmar a prestação de trabalho objectivamente semelhante em natureza, qualidade e quantidade relativamente ao trabalhador (ou trabalhadores) face ao qual se diz discriminado e permitam concluir que a diferente progressão na carreira e o pagamento de diferentes remunerações viola o princípio da igualdade, não bastando, para o efeito do juízo comparativo a estabelecer, a prova da mesma categoria profissional e da diferença retributiva.
Ora, lidos os factos provados não se descortina um só tratamento desigual que à autora tenha sido dispensado pela ré com base em qualquer dos factores de discriminação pressupostos na lei ou noutros qualitativamente equiparáveis, pelo que não tem aplicação o que dispõe o nº 5 do artigo 25º do CT/2009.
Por outro lado, lidos esses mesmos factos, não é possível concluir-se no sentido de que a aqui apelante desempenhou e desempenha trabalho igual, designadamente quanto à quantidade e qualidade, ao que era e é prestado pelos outros trabalhadores por referência aos quais se considera discriminada salarialmente.
Não se provando que a autora presta trabalho igual ao prestado pelos outros trabalhadores em relação aos quais se considerada discriminada, também não tem aplicação a Lei 60/2018, de 21/8, posto que indemonstrada aquela igualdade indemonstrada fica, também, a discriminação salarial em razão do sexo que constitui pressuposto essencial de aplicação daquela Lei.

Tudo visto, não resulta demonstrada a discriminação salarial da autora relativamente a outros trabalhadores do réu, com a consequente improcedência da pretensão da autora a que tal discriminação fosse reconhecida e declarada, com os efeitos pecuniários a tanto associados.

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IV- DECISÃO

Acordam os juízes que integram esta sexta secção social do Tribunal da Relação de Coimbra no sentido de julgar a apelação improcedente, confirmando-se a sentença apelada.
Custas pela apelante.
Coimbra, 22/10/2021
(Jorge Manuel Loureiro)

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(Paula Maria Roberto)

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(Ramalho Pinto)

I) Com a entrada em vigor, em 8/9/2009, do Decreto-Lei n.º 176/2009, de 4 de Agosto, o regime de progressão na carreira e salarial dos médicos em regime de contrato individual de trabalho, nas entidades públicas empresariais e nas parcerias em saúde, em regime de gestão e financiamento privados, integradas no Serviço Nacional de Saúde, passou a estar imperativamente sujeito ao clausulado em instrumento de regulamentação colectiva de trabalho, mesmo que a relação de emprego se tenha constituído em data anterior  a 8/9/2009 e que as cláusulas contratuais estipulassem sem sentido diferente daquele.

II) Por força do referido em I) e do estatuído na cláusula 46.ª, n.º 3, do ACT entre o Centro Hospitalar de Coimbra, E. P. E., e outros, e a Federação Nacional de Médicos — FENAME e outro, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 41, de 8/11/2009, a alteração da posição remuneratória daqueles médicos passou a fazer-se tendo em conta o sistema de avaliação de desempenho.


[1] O facto de todos terem sido contratados para o exercício de funções idênticas, não implica necessária concordância entre as funções contratadas e as exercidas, nem que todos executem tarefas idênticas e por vezes conjuntamente.
[2] Profissionais contratados para o exercício de funções idênticas podem ter horários de trabalho de durações iguais ou distintas.
[3] O referido nos pontos 21º) a 23º) dos factos provados tanto é compatível com o aludido no art. 34º) da petição inicial, como com o seu contrário.
[4] Neste sentido, por exemplo, acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 14/12/2016, proferido no processo 4521/13.7TTLSB.L1.S1, de 18/12/2013, proferido no processo 248/10.0TTBRG.P1.S1, de 12/10/2011, proferido no processo 343/04.4TTBCL.P1.S1, e de 6/7/2011, proferido no processo n.º 428/06.2TTCSC.L1.S1.