Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
12499/21.7YIPRT.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JOSÉ AVELINO GONÇALVES
Descritores: DEPOIMENTO DE PARTE
CONFISSÃO
FALTA DE REDUÇÃO A ESCRITO
IRREGULARIDADE
ARGUIÇÃO
PRECLUSÃO
VALOR PROBATÓRIO
Data do Acordão: 03/28/2023
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DE COMPETÊNCIA GENÉRICA DE CONDEIXA-A-NOVA DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 662.º, N.º 1, 195.º, N.º 1, 197.º, N.º 1, E 199.º DO CÓDIGO DO PROCESSO CIVIL E 358.º, N.º 1, DO CÓDIGO CIVIL
Sumário: I – A Relação pode/deve alterar a matéria de facto se a prova produzida impuser decisão diversa - art.º 662º, nº 1 do Código do Processo Civil. O Tribunal goza assim de autonomia decisória, competindo-lhe formar e formular a sua própria convicção sobre os meios de prova sujeitos a livre apreciação, sem exclusão do uso de presunções judiciais;

II – Para que um facto se considere provado é necessário que, à luz de critérios de razoabilidade, se crie no espírito do julgador um estado de convicção, assente na certeza relativa do facto - não formando o julgador convicção suficientemente segura/consistente da verificação de um facto, não pode o mesmo ser considerado provado, antes tendo de ser levado ao elenco dos factos não provados. Será com base na convicção desse modo formada pelo tribunal de recurso que se concluirá pelo acerto ou erro do segmento decisório impugnado;

III – A confissão obtida através de depoimento de parte terá de ser reduzida a escrito no momento em que é prestado e na presença do depoente e dos mandatários presentes, elaborando-se a assentada. Sendo o depoimento prestado em audiência de julgamento, caso a parte representada no acto por mandatário entenda que ocorre alguma irregularidade na prestação do depoimento ou na sua redução a escrito (ou falta dela) deve arguir tal irregularidade no ato, invocando a sua influência no exame ou decisão da causa –artºs. 195º, nº. 1, 197º, nº. 1, e 199º, todos do C.P.C..

IV – Não o tendo feito, fica precludida a possibilidade de se arguir tal falta de redução a escrito em sede de recurso da sentença, e consequente não há confissão escrita. Por isso, ainda que o depoente tenha admitido/confessado facto desfavorável, não pode nos autos adquirir força probatória plena – sem assentada a confissão não beneficia da força probatória plena consignada no artigo 358.º, n.º 1, do Código Civil.


(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Integral:

Processo n.º 12499.21.7YIPRT

(Juízo de Competência Genérica de Condeixa-a-Nova)

Acordam os Juízes da 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

1.Relatório

AA, com domicílio na Rua ... – ..., intentou a presente ação especial para cumprimento de obrigações pecuniárias, mediante requerimento de injunção, contra A..., Lda, com domicílio na Rua ..., ..., ..., ... ..., pedindo a condenação da Ré a pagar ao Autor a quantia de € 6.150,50, a título de capital e de € 106,15, a título de juros, invocando como causa de pedir a prestação de serviços de angariação prestados pelo Autor à Ré, a pedido da desta.

Citada para contestar a Ré veio fazê-lo nos termos e com os fundamentos constantes de fls. 3 e ss., cujo teor aqui se reproduz, pugnando a final que a oposição seja considerada procedente por provada e, em consequência, declarado inepto o requerimento de injunção ou, caso assim não se entenda, absolvida a Ré do pedido.

Por despacho de fls. 27 e ss., foi declarada improcedente a ineptidão da petição inicial arguida pela R, tendo sido designada data para a realização da audiência de julgamento.

O Juízo de Competência Genérica ... julga a acção, e, consequentemente, decide:

“Pelo exposto, julgo a presente ação totalmente improcedente, por não provada, e em consequência absolvo a Ré do pedido.

Custas a cargo do A.

Notifique e registe”.

 AA, Autor no processo à margem referenciado e nele melhor identificada, não se conformando com a decisão interpõem o seu recurso, assim concluindo:

1- AA, com domicílio na Rua ..., ..., intentou a presente ação especial para cumprimento de obrigações pecuniárias,mediante requerimento de injunção, contra A..., Lda, com domicilio na Rua ..., ..., ..., ... ..., pedindo a condenação da Ré a pagar aos autor a quantia de 6150,50 Euros, a título de juros, invocando como causa de pedir a prestação de serviços de angariação prestados pelo autor à Ré, a pedido desta.

2-Foi proferida sentença na qual julgou a ação totalmente improcedente, por não provada, e em consequência a ré absolvida do pedido.

3-Salvo o devido respeito que é muito pelo Sr. Dr. Juiz, trata-se de uma decisão inaceitável, com a qual o ora apelante não se pode conformar. E não se pode conformar, porquanto das diligências de prova produzidas, designadamente as declarações de parte do Sr. BB, e da prova testemunhal carreada para os presentes autos é mais que suficiente para impor uma decisão diversa da que o Meritíssimo Juiz chegou, cuja valoração e formação da convicção não foi, no nosso modesto entender, a mais adequada, no que se refere à matéria alegada e considerada não provada pelo Tribunal.

4-Da impugnação da matéria de facto:

Dos factos dados como não provados e com relevância para o presente recurso:

O autor é comerciante e presta serviços de consultadoria como angariador de negócios; no exercício dessa actividade, o autor a pedido da ré na pessoa do Senhor BB, prestou serviços à ré para angariação da obra de demolição da empresa B... Lda, em ...; os serviços prestados à ré são os constantes da fatura- ato isolado n.º ...01, datada de 11/11/2020, no montante de 6150,00 Euros, nas quantidades e pelo preço nela indicada, cujo teor aqui se reproduz; acontece porém, que a ré não efetuou o pagamento da referida fatura; a ré deve ao autor a quantia de 6150 Euros; apesar de diversas e repetidas interpelações feitas pelo Auto, o certo é que a requerida não pagou o que efetivamente deve; a ré em contatos com o autor reconheceu a existência da divida.

5-O tribunal apenas deu como provado que a ré recebeu uma fatura no valor de 6150 Euros emitida por CC que veio a ser anulada, tendo dado como provado igualmente que em consulta a portal e-fatura, a ré deu conta da emissão de uma fatura de ato isolado emitida pelo Autor no mesmo valor.

Sendo que o tribunal alicerçou a sua convicção objectiva, na posição processual das partes vazada nos articulados e no conjunto da prova produzida nos autos, tendo em consideração de forma conjugada e critica os princípios da livre apreciação da prova, da imediação e da oralidade e ainda as regras da experiência comum e da normalidade social prevalente.

6-Assim, quanto aos factos provados, a posição processual da ré no seu articulado de oposição, e ainda os documentos de fls. 7 e fls. 40, conjugados com o depoimento da testemunha da Ré, DD, administrativo da ré há mais de 30 anos, depôs de forma que nos pareceu credível, denotando ter conhecimento direto e pessoal sobre os factos a que foi inquirido, no essencial referiu que a ré, na pessoa do sócio gerente EE, irmão do sócio BB, nunca reconheceu ou mandou liquidar a dívida reclamada nos autos, por absoluto desconhecimento sobre a causa que lhe deu origem, desconhecendo quem é o autor e demais pessoais intervenientes, nunca tal fatura foi enviada pelo autor à ré, tendo a ré tido conhecimento da mesma por estar disponível no portal do e – fatura.

Tal depoimento ajudou a sedimentar a dúvida insanável que se apossou do tribunal quanto á existência do acordo invocado requerimento de injunção. Desmontando a “ estória” , não logrou o Autora comprovar que é comerciante e que presta serviços de consultadoria como angariador de negócios, seja por falta de sustento documental bastante seja por que apenas temos nos autos a tal fatura de fls. 40, que o autor deu à liça emitindo fatura on line como ato isolado, o que demonstra desde logo que a existir qualquer acordo com o BB, terá sido como ato meramente ocasional e episódico, não como ato sistemático exteriormente verificável como um sujeito fiscal que se encontra coletado na administração fiscal.

Refere o Meritíssimo Juiz que surge originalmente antes da fatura de fls. 40 emitida em nome do autor, aqui reclamada nos autos a fatura de fls. 7, datada de 09/07/2018, emitida por FF que quanto à descrição nela vertida se reporta inequivocamente á mesma obra e tem o mesmo valor.

7-Quanto a estes factos que foram considerados como provados, apenas temos de apontar duas situações : o Meritíssimo juiz dar como provado que a ré recebeu uma fatura no valor de 6150 Euros, emitida por CC, mas tal fatura foi anulada. Posteriormente em consulta no portal e fatura a ré deu conta da emissão de uma fatura de ato isolado emitida pelo autor no mesmo valor. Ora a fatura no montante de 6150 Euros emitida por CC, foi anulada, logo não foi paga pela ré. Estando aqui em causa nos autos apenas e tão só uma fatura de acto isolado emitida pelo autor à ré. Se tal fatura foi ou não paga.

8-Quanto a esta questão, duvidas não existem que a fatura não foi paga, senão, vejamos

9-Foi considerado como não provado, que o autor é comerciante e presta serviços de consultadoria como angariador de negócios, no exercício dessa atividade , o autor a pedido da ré na pessoa de BB prestou serviços à ré para angariação da obra para angariação da obra de demolição da empresa B..., Lda em ..., os serviços prestados à ré são os constantes da fatura – ato isolado n.º ...01, datada de 11/11/2020 no montante de 6150 Euros, acontece porém que a ré não efetuou o pagamento da referida fatura., e em consequência a ação.

 Salvo o devido respeito, que é muito, trata-se, todavia, de uma decisão inaceitável com a qual o apelante não se pode conformar.

E não se pode conformar, porquanto das diligências de prova produzida, designadamente o depoimento de parte e a prova testemunhal carreada para os presentes autos é mais que suficiente para sustentar uma decisão diversa da que o Meritíssimo Juiz chegou.

10-Nas referidas declarações de parte o Sr. BB ao ser perguntado o que esta em causa responde sem hesitar: 5.000 Euros, ao ser novamente perguntado de que? Ele refere que é de uma comissão de uma obra que o Sr. AA, aqui autor arranjou.

Referindo sem sombra de dúvida que o autor lhe apresentou a obra e combinou com ele a comissão de 5000 Euros. Antes de ir fazer a obra informou o seu sócio gerente, referindo que o mesmo era o seu irmão e que o sócio gerente concordou em ir fazer a obra e pagar a comissão ao autor.

Veja-se ao minuto 00:03:54 em que o Meritíssimo juiz pergunta ao Sr. BB : se ele confirma a pretensão do autor e se ele tem razão? Ao que o senhor BB responde ao minuto 00:03:59: confirmo sim senhor. O meritíssimo Juiz ao minuto 00:04:00, refere que o autor na petição inicial refere que é comerciante e presta serviços, pois está como angariador, que no exercício dessa atividade , o AA, a pedido da sociedade A... pediu a a ele , na pessoa do Senhor BB no sentido de angariar uma obra de demolição.

E o senhor BB refere ao minuto 00:44:48 refere que : onde tinha direito a 5000 Euros de comissão. Referiu ainda que a obra foi da empresa B... Limitada em ... no ano 2018.Referindo novamente ao minuto 00:06:37 quem angariou a obra foi o autor .

11-O Sr. BB ao minuto 00:06:41 explica que o autor arranjou a obra à A... em troca de 5.000 Euros de comissão, explicando que só arrancou para a obra quando a EE sabia da situação e teve conhecimento, referendo que nunca arrancou para a obra sem combinar as coisas com ele. Acrescentado o seu depoimento no minuto 00:06:55que era5000 Euros mais IVA.A instâncias do Meritíssimo Juiz foi o Sr. BB questionado se apesar das interpelações feitas pelo autor se a A... já pagou (00:07:13).

A esta resposta a parte reponde sem sombra de dúvida ou hesitação que : “ tenho conhecimento que ainda não pagaram”( 00:07:31), confirmando ainda perentoriamente (minuto 00:07:45 ) “ não pagou. Foi perguntado pelo Senhor Dr. Juiz se a A... tem contacto com o Senhor AA e se reconheceu a existência da Dívida ( 00:07:46) .Refere ao minuto 00:08:03 “ eu sei que existe a dívida”. Tendo referido que falou com o irmão (00:08:44) como sempre faz e que nunca foi para nenhuma obra sem estar tudo de acordo (00:08:49).

Foi perguntado pelo senhor Dr. Juiz se o irmão e sócio gerente estava de acordo em pagar a comissão ao autor ( 00:08:52) tendo o Senhor BB respondido : concordou (00:08:55).Foi referido ainda que fizeram a demolição e receberam do cliente ( 00:09:01).

Acrescenta ainda a parte que a empresa B... pagava à A... e o Senhor AA fazia a fatura dos serviços prestados e a A... tinha de lhe pagar ( 00:11:17).

Foi perguntado ainda se a empresa B... pagou? (minuto 00:11:28), tendo a parte confirmado que sim pagou ( 00:11:40), tendo ainda confirmado que pagou 3 faturas no montante de 70 mil euros( 00:11:44).

O meritíssimo juiz perguntou à parte se tiravam desse dinheiro os 5.000 Euros para pagar ao autor ( 00:12:28), ao que a parte refere que sim ( 00:12:33), referindo que não tem dúvidas nenhumas quanto a isso ( 00:12:40)

A instâncias da mandatária do autor a parte refere que já não era a primeira vez que o autora arranjava obras para a ré e que tinha corrido sempre tudo bem.

12-Ao contrário do que é referido pelo Meritíssimo juiz, não era a primeira vez que o autor arranjava obras para a ré, e em troca desse serviço a ré pagava a comissão ao autor.

Veja-se nesse sentido as declarações de parte a instâncias da mandatária do autor:

[00:19:34] Sra. Doutora: Ó senhor BB foi a primeira vez que o senhor AA angariou o cliente para a empresa que representa? [00:19:41] BB: Não, já tinha angariado uma outra empresa em ....[00:19:43]

Sra. Doutora: Já não era a primeira vez que o senhor? [00:19:47] BB: Não, não, não. [00:19:50] Sra. Doutora: E essa empresa em ... foi quando, em que ano?[00:19:53] BB: Não lhe sei dizer.[00:19:55] Sra. Doutora: Antes dessa?[00:19:56] BB: Antes desta obra, foi antes desta obra.[00:19:58] Sra. Doutora: E então na altura correu tudo bem?[00:20:00] BB: Correu, correu, correu tudo bem.[00:20:02] Sra. Doutora: vocês combinaram um valor da prestação de serviço do senhor AA? [00:20:07] BB: Correu tudo bem na altura.[00:20:08] Sra. Doutora: O senhor comunicou ao seu irmão? [00:20:09] BB: Sim, sim.[00:20:10] Sra. Doutora: O senhor irmão aceitou?[00:20:12] BB: Correu tudo bem.[00:20:13] Sra. Doutora: E foi pago ao senhor AA? [00:20:15] BB: Foi, mas acho que foi em serviços, não foi em dinheiro, nessa outra obra, nessa outra obra acertamos as contas em serviços prestados ao senhor AA penso eu que foi isso.[00:20:28] Sra.

Doutora: Mas a minha pergunta é no sentido o seu irmão também já conhecia o senhor AA...[00:20:31] BB: Já, já já conhecia já senhora doutora, o meu irmão tem conhecimento de tudo o que eu fiz sobre a obra da B... eu não arranquei com máquina nenhuma para a obra sem dar conhecimento ao meu irmão, eu levei para a obra 1milhão e 300mil euros de equipamento, não é uma coisa que se possa levar debaixo de um braço, são camiões e camiões de máquinas que têm que ir para a obra para trabalhar.[00:20:53] Sra. Doutora: Mas o senhor confirma aqui perante o tribunal que na altura falou com o seu irmão que a comissão do senhor AA na angariação do cliente eram 5000 C...?[00:21:00] BB: Isso mesmo.[00:21:02] Sra. Doutora: E o seu irmão concordou? [00:21:04]

BB: Concordou. [00:21:05] Sra. Doutora: E pronto e a minha pergunta novamente é, já não era a primeira vez que trabalhava com o senhor AA, o seu irmão já o conhecia e da outra vez correu tudo bem foi tudo pago ao senhor AA e o senhor BB se calhar deve ter dito olha quando encontrares algum cliente não te esqueças da nossa empresa foi isso?[00:21:21] BB: Sim, sim, sim, a gente falávamos muitas vezes ao telefone durante o ano.

[00:21:27] Sra. Doutora: Pronto então confirma aqui esta comissão...[00:21:30] BB: O serviço prestado.

Ainda a parte a instancias do mandatário da ré [00:26:10] Sr. Doutor: pronto muito bem diga-me uma coisa você, o senhor BB falou que falava sempre com o seu irmão?[00:26:16] BB: falava até 2018 falava, sempre falei.[00:26:21] Sr. Doutor: há obras, há situações que não falam, não é?[00:26:26] BB: Até 2018 tudo o que foi feito por mim era com consentimento dele, já ele faz muita coisa sem conversar connosco, comigo e com a minha mãe.[00:26:36] Sr. Doutor: Apesar de estarem em litígio desde 2017?[00:26:39] BB: Não, não,

2018 outubro 2018 é que entramos em litígio, esta obra é de maio, em outubro de 2018 entramos em litígio, a obra B... é de maio.[00:26:10] Sr. Doutor: pronto muito bem diga-me uma coisa você, o senhor BB falou que falava sempre com o seu irmão?[00:26:16] BB: falava até 2018 falava, sempre falei.[00:26:21] Sr. Doutor: há obras, há situações que não falam, não é?[00:26:26] BB: Até 2018 tudo o que foi feito por mim era com consentimento dele, já ele faz muita coisa sem conversar connosco, comigo e com a minha mãe.[00:26:36] Sr. Doutor:

Apesar de estarem em litígio desde 2017?[00:26:39] BB: Não, não, 2018 outubro 2018 é que entramos em litígio, esta obra é de maio, em outubro de 2018 entramos em litígio, a obra B... é de maio.

13-Assim, é o próprio sócio gerente da ré que admite e confessa que o autor a pedido da ré prestou serviços à referida ré para angariação da obra de demolição da empresa B... em ..., tendo confirmado também que o valor dos serviços eram 5000 euros, acrescidos do IVA. Confirma o mesmo que deu conhecimento ao irmão e que só avançou para a obra com o conhecimento e consentimento do irmão. Sabe que a firma que representa tem esta divida perante o autor e já pediu muitas vezes ao irmão para a pagar. Também refere que foi o senhor AA que angariou a obra de demolição, onde a ré faturou 70 mil euros, que já recebeu, mas que ainda não pagou ao autor.

Só com estas declarações de parte a ação devia ser sido dada como provada porque há confissão integral e sem reservas que o serviço (angariação da obra) foi prestado pelo autor à ré e não foi pago. Com estas declarações de parte, dado que as mesmas foram prestadas de forma precisa e credível quase que não era necessário o depoimento das testemunhas porque é o próprio que faz uma confissão integral em nome da sua “ representada”, confirmando os termos do negócio, que o serviço foi realizado e não pago.

14-A testemunha GG confirma que conhece o senhor AA e que relativamente à ré, A... esteve lá uma vez, referindo ainda a testemunha do que se recorda foi à sede da ré e ouviu o sócio BB a dizer que ainda não tinha pago, mas que iriam pagar, a empresa iria pagar 5000 Euros, que foi o que tinha sido acordado 5000 Euros, 5000 e poucos euros.

A instâncias da mandatária do autor a testemunha confirma a angariação por parte do autor para a ré da obra e que a ré lhe devia uma comissão do serviço prestado, serviço esse que até hoje não foi pago.

15-A testemunha HH refere à semelhança da anterior testemunha que se deslocou juntamente com o autor à sede da ré, tendo presenciado o acordado entre autor e o sócio da ré relativamente à comissão. Assim, foi acordado a ré pagar ao autor a quantia de 5000 Euros, acrescido do IVA, referente à comissão do autor em ter arranjado para a A... o Cliente. A instância da mandatária da autora foi perguntada à testemunha se confirmava que a ré ia pagar ao autor.

16-Quanto à testemunha II, a mesma confirma que chegou a ir às instalações da ré juntamente com o autor. Foi lá com o autor por causa de receber um valor. A testemunha descreveu de forma clara e inequívoca onde era a sede da ré, dizendo que era na zona industrial , perto do cemitério em ....

A testemunha refere ainda que foi com o autor á sede da ré para esta lhe pagar, tendo assistido à conversa do autor com o representante da ré , tendo referido que este ao ser questionado pelo autor quando é que lhe iam pagar, respondeu que não se preocupasse que a empresa ia pagar mas não altura não tinha o dinheiro, para ele passar numa data posterior. ( 00:03:47).Refere que o valor se referia a uma comissão de um valor que tinha cordado com ele (autor) de uma obra que tinha arranjado em .... Referiu ainda sem sombra de dúvida que o montante que o autor tinha a receber da ré era 5000 Euros ( ao minuto 00:07:12). A testemunha disse que tinha conhecimento que não era a primeira vez que o autor angariava clientes para a A... e das outras vezes correu tudo bem, ou seja, a ré pagou ao autor, veja-se o depoimento da testemunha

II ao minuto 00:06:31.

17-Em declarações de parte o senhor AA refere que emitiu a fatura/ ato isolado à empresa A... limitada e na descrição diz serviços prestados a A... limitados para angariação de obra de demolição da empresa B... em ...? Referindo o Sr. AA que tal serviço é referente à mediação de negócio que faz. O autor acrescenta que o valor acordado com a ré foi 5000 Euros, veja-se o seu depoimento no minuto 00:37:13, referidno a instâncias da sua mandatária que tal valor era do conhecimento de ambos os sócios da ré , o Sr. BB e o senhor A... .

[00:37:21] AA: Claro que sabia tanto sabia que eu fui lá pedir dinheiro.

[00:37:24] Sra. Doutora: E concordou em pagar-lhe este montante?

[00:37:26] AA: Disse sempre que me pagava senhora doutora não havia que a empresa estava a passar um bocado de dificuldades, mas que trabalhavam na D... e quando recebessem, só que andaram, andaram e nunca me pagaram.

[00:37:34] Sra. Doutora: pronto e o senhor sabe que eles receberam da empresa B...?

[00:37:37] AA: Eles receberam a última prestação eu fui lá com o senhor BB para reunirmos na obra com o senhor JJ e o irmão e o senhor JJ até estava a dizer que ele não acabou um trabalho lá, eu disse ao senhor JJ não me leve a mal, mas o que está no orçamento, que foi falado aqui não é o que está no orçamento o que foi falado aqui está concluído a obra e acabaram, acabou por, ele tentou tirar da KK que eles moessem mais um bocado de betão, meter lá umas máquinas para ver se ele fazia não estava no acordo que foi o acordo verbal que lá, agora o que ia nos papéis eu também não sei tudo e eu disse olhe ó senhor JJ você pode ter toda a razão do mundo, mas o senhor acordou consigo foi isto, isto e é o que está cá feito e o senhor fez tudo até ao fim e cumpriu e então ele depois acabou por dizer que ia fazer a transferência no dia seguinte agora se me for dizer qual é o dia doutora exato não sei, sei que seria em outubro, finais de outubro, novembro se calhar novembro não.

[00:38:40] Sra. Doutora: Relativamente então aqui ao valor dos seus serviços que está em causa são os tais 5000 euros tanto o senhor BB como o senhor A... sabiam disto e concordaram-lhe em pagar?

[00:38:48] AA: Concordaram em pagar-me.

[00:38:52] Sra. Doutora: O senhor pediu-lhe o dinheiro eles alguma vez disseram que não lhe deviam nada?

18-Tendo o autor respondido que os sócios da empresa nunca disseram que não lhe pagavam, veja-se o seu depoimento ao minuto 00:38:54, “ Não, nunca disse que não me devia, disse sempre que pagava”.

20-Tendo explicado o autor o porque de ter emitido a fatura/ ato isolado em 2020, veja-se ao minuto 00:3909: Andei sempre a tentar resolver o assunto sem vir ao tribunal. Finalizando por dizer que ainda continua por liquidar a dívida, veja-se o seu depoimento no minuto 00:39:29.

21-Face às transcrições supra identificadas na parte atinente para se fundamentar os factos não provados pelo Ex. Mo Senhor Dr. Juiz, entende o ora recorrente que tais depoimentos são credíveis, consistentes e fiáveis, ressaltando das audições que as respostas foram espontâneas sem hesitações, veja-se neste sentido o depoimento de parte do sócio gerente da ré, que afirmou junto do tribunal o que se passou.

22-Veja-se igualmente o depoimento das testemunhas do autor que depuseram sobre aquilo que sabiam e assistiram, esclareceram o tribunal daquilo que tinham conhecimento por terem assistido a conversas e reuniões com o representante da ré, onde este afirmou perante as mesmas que a sua representada devia o valor da comissão ao autor por este ter arranjado o cliente, o que vai de encontro ás declarações de parte do Senhor BB e do autor AA.

23-O referido BB ( sócio gerente da ré) confirma e afirma perentoriamente que foi o autor que angariou o cliente B... para a ré, tendo a empresa que representa recebido desse trabalho a quantia de 70.000 Euros. Na sequência dessa prestação de serviços por parte do autor (angariação do cliente) acordou com o autor pagar-lhe do serviço a quantia de 5000 Euros + IVA. Confirma o Sr. BB que na altura deu conhecimento ao seu irmão, tendo este aceite pagar ao autor a referida quantia.

24-A parte, BB confessou assim perante o tribunal, o valor acordado com o réu (5000 Euros + IVA, não foi pago pela empresa que representa. Versão essa corroborada pelas declarações de parte do autor e pelas suas testemunhas, razão pela qual a ação tinha tudo para ser dada como provada.

25-As declarações de parte e os depoimentos das testemunhas deverá ser considerados como credíveis, consistentes e fiáveis, não padecendo de qualquer entorpecimento que justifique a sua não valoração positiva pelo tribunal. O que está em causa nos presentes autos é um contrato de prestação se serviços, gizado pelo artigo 1154º do Código Civil: o qual refere que:“ o contrato de prestação de serviços è aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição”.

26-Existe aqui um contrato de prestação de serviços entre o autor e a ré, dado que o autor foi “contratado “ para angariar um cliente à ré, e angariou, mediante o pagamento da quantia de 5000 Euros.

27-O autor prestou o serviço e emitiu á ré a fatura/ato isolado dos serviços prestados, documento esse que foi aceite pela ré, porquanto não foi impugnado, nem suscitada a sua falsidade, sendo a mesma elaborada no âmbito do contrato celebrado com a ré.

28-Encontra-se provado nos presentes autos que o autor prestou serviços à ré (angariação cliente) e que tal serviço deve ser remunerado pela ré no montante de 5000 Euros, acrescida de IVA, pelo que a ré deve ser condenada a pagar a fatura/ato isolado objecto dos presentes autos.

29-Face à prova produzida a ação deveria ter sido julgada totalmente procedente porque provada.

30-Foram violados entre outros os artigos 1154º CC

31-Nestes termos e nos melhores de direito deve o presente recurso ser julgado procedente por provado e por via dele revogar-se a sentença ora recorrida por outra que julgue a ação totalmente provada, de acordo com os fundamentos e as conclusões supra expostas, como se afigura de elementar e sã Justiça.

2. Do objecto do recurso

 Da impugnação da matéria de facto;

A 1. Instância fixou, assim, a sua matéria de facto:

Factos provados, com interesse para a decisão da causa:

1. A Ré recebeu uma fatura no valor de € 6150,00 emitida por CC que veio a ser por este anulada.

2. Em consulta a portal e-fatura, a Ré deu conta da emissão de uma fatura de ato isolado emitida pelo A., no mesmo valor indicado em 1.

Factos não provados:

- o autor é comerciante e presta serviços de consultadoria como angariador de negócios;

- no exercício dessa atividade, o A. a pedido da Ré na pessoa de BB prestou serviços à Ré para angariação da obra de demolição da empresa B..., Lda, em ...;

- os serviços prestados à Ré são os constantes da fatura- ato isolado nº ...001, datada de 11/11/2020, no montante de € 6150,00 euros, nas quantidades e pelo preço nela indicada, cujo teor aqui se reproduz;

- acontece porém que a Ré não efetuou o pagamento da referida fatura;

- a Ré deve ao A. a quantia de € 6 150,00 euros;

- apesar de diversas e repetidas interpelações feitas pelo A., o certo é que a requerida não pagou o que efetivamente deve;

- a Ré em contatos com o A. reconheceu a existência da dívida”

Como é sabido, a Relação pode/deve alterar a matéria de facto se a prova produzida impuser decisão diversa - art.º 662º, nº 1 do Código do Processo Civil.

O Tribunal da Relação goza assim de autonomia decisória, competindo-lhe formar e formular a sua própria convicção sobre os meios de prova sujeitos a livre apreciação, sem exclusão do uso de presunções judiciais.

Por conseguinte, a livre convicção da Relação deve ser assumida em face dos meios de prova que estão disponíveis, impondo-se que o tribunal de recurso sustente a sua decisão nesses mesmos meios de prova, descrevendo os motivos que o levam a confirmar ou infirmar o resultado fixado em 1ª instância. Isto, sem prejuízo de que  a imediação e a oralidade fornecem ao juiz da 1ª instância um “plus” na apreciação da prova, pelo que, a censura da sua convicção, máxime quando está em causa prova pessoal, apenas pode ser censurada, se os elementos probatórios ou a exegese operada pelo recorrente, não apenas sugerirem mas antes impuserem - vg. por erro lógico ou crasso do juiz a quo -, tal censura.

No que respeita aos critérios da valoração probatória, nunca é demais sublinhar que se trata de um raciocínio problemático, argumentativamente fundado no húmus da razão prática, a desenvolver mediante análise crítica dos dados de facto veiculados pela actividade instrutória, em regra, por via de inferências indutivas ou analógicas pautadas pelas regras da experiência colhidas da normalidade social, que não pelo mero convencimento íntimo do julgador, não podendo a intuição deixar de passar pelo crivo de uma razoabilidade persuasiva e susceptível de objectivação, o que não exclui, de todo, a interferência de factores de índole intuitiva, compreensíveis ainda que porventura inexprimíveis.

Ponto é que a motivação se norteie pelo princípio da completude racional, de forma a esconjurar o arbítrio -  Sobre o princípio da completude da motivação da decisão judicial ditado, pela necessidade da justificação cabal das razões em que se funda, com função legitimadora do poder judicial, vide acórdão do STJ, de 17-01-2012, relatado pelo Exm.º Juiz Cons. Gabriel Catarino, no processo n.º 1876/06.3TBGDM.P1. S1, disponível na Internet – http://www.dgsi.pt/jstj.

É, pois, nessa linha que se deve aferir a razoabilidade dos juízos de prova especificamente impugnados, mediante a análise crítica do material probatório constante dos autos, incluindo as gravações ou transcrições dos depoimentos, tendo em conta o respectivo teor, o seu nicho contextual histórico-narrativo, bem como as razões de ciência e a credibilidade dos testemunhos.

Só assim se poderá satisfazer o critério da prudente convicção do julgador na apreciação da prova livre, em conformidade com o disposto, designadamente no artigo 396.º do Código Civil, em conjugação com o n.º 5 do artigo 607.º do CPC com vista a obter uma decisão que se possa ter por justa e legítima.

Para que um facto se considere provado é necessário que, à luz de critérios de razoabilidade, se crie no espírito do julgador um estado de convicção, assente na certeza relativa do facto - não formando o julgador convicção suficientemente segura/consistente da verificação de um facto, não pode o mesmo ser considerado provado, antes tendo de ser levado ao elenco dos factos não provados. Será com base na convicção desse modo formada pelo tribunal de recurso que se concluirá pelo acerto ou erro do segmento decisório impugnado.

Salvo o devido respeito pelo Apelante, esmiuçada a prova documental, declarações de parte e testemunhal existente nos autos, entendemos que tal manancial fáctico - “ que o autor é comerciante e presta serviços de consultadoria como angariador de negócios; no exercício dessa atividade , o autor a pedido da ré na pessoa de BB prestou serviços à ré para angariação da obra para angariação da obra de demolição da empresa B..., Lda em ...; os serviços prestados à ré são os constantes da fatura – ato isolado n.º ...01, datada de 11/11/2020 no montante de 6150 Euros; acontece porém que a ré não efetuou o pagamento da referida fatura., e em consequência a ação -, não decorre da discussão/prova.

Teremos de concluir, que a nossa análise e convicção é coincidente com a formada pelo julgador da 1.ª instância.

Senão vejamos.

Começa por alegar o Apelante:

 “13-Assim, é o próprio sócio gerente da ré que admite e confessa que o autor a pedido da ré prestou serviços à referida ré para angariação da obra de demolição da empresa B... em ..., tendo confirmado também que o valor dos serviços eram 5000 euros, acrescidos do IVA. Confirma o mesmo que deu conhecimento ao irmão e que só avançou para a obra com o conhecimento e consentimento do irmão. Sabe que a firma que representa tem esta divida perante o autor e já pediu muitas vezes ao irmão para a pagar. Também refere que foi o senhor AA que angariou a obra de demolição, onde a ré faturou 70 mil euros, que já recebeu, mas que ainda não pagou ao autor.

Só com estas declarações de parte a ação devia ser sido dada como provada porque há confissão integral e sem reservas que o serviço (angariação da obra) foi prestado pelo autor à ré e não foi pago. Com estas declarações de parte, dado que as mesmas foram prestadas de forma precisa e credível quase que não era necessário o depoimento das testemunhas porque é o próprio que faz uma confissão integral em nome da sua “ representada”, confirmando os termos do negócio, que o serviço foi realizado e não pago.

Ora, a confissão obtida através de depoimento de parte terá de ser reduzida a escrito no momento em que é prestado e na presença do depoente e dos mandatários presentes, elaborando-se a assentada. Sendo o depoimento prestado em audiência de julgamento, caso a parte representada no acto por mandatário entenda que ocorre alguma irregularidade na prestação do depoimento ou na sua redução a escrito (ou falta dela) deve arguir tal irregularidade no ato, invocando a sua influência no exame ou decisão da causa –artºs. 195º, nº. 1, 197º, nº. 1, e 199º, todos do C.P.C..

Não o tendo feito, fica precludida a possibilidade de se arguir tal falta de redução a escrito em sede de recurso da sentença, e consequente não há confissão escrita. Por isso, ainda que o depoente tenha admitido/confessado facto desfavorável, não pode nos autos adquirir força probatória plena – sem assentada a confissão não beneficia da força probatória plena consignada no artigo 358º, n.º 1. do Código Civil.

É verdade, no entanto, que Tribunal pode e deve valorar livremente o depoimento de parte assim produzido, a par das declarações de parte - entendemos que o tribunal se poderá fundamentar nas declarações de parte para dar como provados determinados factos, analisadas e ponderadas com a necessária cautelapor se tratar de depoimento interessado, cautelas que o tribunal também não deixa de ter quando o depoimento é prestado por testemunha com interesse no desfecho dos autos, desde que, e como também se verifica na prova testemunhal, elas alcancem o “standard” de prova exigível, para que um facto possa ser considerado provado pelo tribunal.

Isto, também, sem prejuízo da norma do artigo 163.º do Código Civil: “A representação da pessoa colectiva, em juízo e fora dele, cabe a quem os estatutos determinarem ou, na falta de disposição estatutária, à administração ou a quem por ela for designado.

Já quanto aos documentos e, em particular as facturas, haverá que dizer o seguinte:

Segundo o artigo 2.º do CIVA:

1 – São sujeitos passivos do imposto:

 a) – As pessoas singulares ou colectivas que, de um modo independente e com carácter de habitualidade, exerçam actividades de produção, comércio ou prestação de serviço … e, bem assim, as que do mesmo modo independente pratiquem uma só operação tributável, desde que essas operação seja conexa com o exercício das referidas actividades, onde quer que este ocorra …

c) – As pessoas singulares ou colectivas que, em factura ou documento equivalente, mencionem indevidamente IVA.

A par disso, o art.º 28.º, n.º 1, alínea a), daquele Código estabelece que:  

Para além da obrigação de pagamento do imposto, os sujeitos passivos referidos na alínea a) do n.º 1 do art.º 2.º são obrigados, sem prejuízo do previsto em disposições especiais, a:

b) – Emitir uma factura ou documento equivalente por cada transmissão e bens ou prestação de serviço, tal como vêm definidas nos artigos 3.º e 4.º do presente diploma, bem como pelos pagamentos que lhes sejam efectuados antes da data da transmissão de bens ou da prestação de serviços.

Por sua vez, o artigo 36.º daquele diploma prescreve que:

1 - A importância do imposto liquidado deve ser adicionada ao valor da factura ou documento equivalente, para efeitos da sua exigência aos adquirentes das mercadorias ou aos utilizadores dos serviços.

2 - Nas operações pelas quais a emissão de factura não é obrigatória, o imposto é incluído no preço, para efeitos do disposto no número anterior.

Ou seja, a obrigação de pagar o IVA traduz-se numa obrigação legal, que independe da vontade das partes, cujo facto constitutivo consiste na ocorrência da situação sujeita àquela tributação e que, no caso presente, se consubstancia, de acordo com o alegado pelo Autor, prestação de serviços de angariação. É nessa medida que se pode afirmar que tal obrigação depende, em parte, geneticamente, da constituição da obrigação do pagamento do preço, radicada, por sua vez, no negócio jurídico que lhe serve de fonte.

Não é, pois, a simples emissão de fatura, por parte do prestador de serviços, que fundamenta, por si só, a obrigação de o adquirente do serviço pagar o preço e o correspondente IVA. Necessário se torna que a obrigação de pagar o preço sujeita a tributação se tenha validamente constituído, independentemente das formas como a respetiva prestação venha depois a ser satisfeita.

Por isso, recai sobre o prestador do serviço que exige o pagamento do preço e/ou do respetivo IVA, o ónus de provar a constituição da situação sujeita a tributação, o mesmo é dizer, a constituição da obrigação de pagamento do preço sobre que incide o imposto de IVA, nos termos do n.º 1 do art.º 342.º do Código Civil.

No seu requerimento escreve o Autor:

O requerido (será lapso) é comerciante e presta serviços de consultadoria como angariador de negócios.

No exercício dessa actividade, o requerente a pedido da requerida na pessoa do Senhor BB prestou serviços à requerida para angariação da obra de demolição da empresa B..., Lda, em ....

Os serviços prestados à requerida são os constantes da fatura - Ato Isolado n.º ...01, datada de 11/11/2020 no montante de 6150,00 Euros, nas quantidades e pelo preço nela indicada, aqui dados por reproduzidos.

Acontece porém que a requerida não efetuou o pagamento da referida fatura.

Assim, a requerida deve à requerente a quantia 6150,00 Euros”.

Em audiência de discussão e julgamento - 20 de setembro de 2021 – pelo ilustre mandatário do Autor foi dito:

“No que se refere ao solicitado pela ré, informou que o Senhor AA não tem qualquer tipo de início de atividade nem junta contrato celebrado entre ele e o Senhor BB, na medida que foi um contrato verbal (acordo de cavalheiros) e, como tal, a única fatura que tem é aquela que foi junta aos autos”.

Relembramos, que na sua Oposição, a Ré escreveu:

“25º

Desde logo o Sr BB não representa por si a requerida, não tendo poderes para o efeito

26º

“Pelo que se impugna todo o teor e acto único, bem como qualquer relação subjacente à sua emissão e vigência, qualquer contratualização e serviços prestados, legitimamente e em benefício efectivo da sociedade,

27º

Sociedade com que seguramente o requerente nada contratou.

29º

Na medida em que já anteriormente foi visado um pagamento de verba de 6150,00 € com sustento em serviços prestados adstritos a suposta obra na empresa B..., Lda em ...,

30º

Tendo a requerida recebido uma factura no dito valor de 6150,00 € emitida por CC,

31º

E que por não corresponder a verdade e após pressão da requerida veio a ser por aquele devidamente anulada.

32º

Agora, inusitada e surpreendentemente, e após recepção desta injunção, em consulta a portal efatura, dá conta da emissão de uma factura de acto isolado emitida pelo requerente, no mesmo dito valor,

33º

Desconhecendo-se quer a pessoa do requerente, quer a factura, esta sem qualquer sustento, e que nunca foi enviada nem recebida pela Ré,

34º

Que prontamente a repugnaria, como repugna (…).

Ora, resulta da produção de prova elementos suficientes para de dar como provados os factos ora impugnados?

Com todo o respeito, entendemos que não.

É verdade, que nas suas declarações, o sócio da Ré, BB, refere: “ O sr. AA arranjou-me uma Obra; o sr. AA, como angariador, apresentou-me a Obra, negociámos com o proprietário da Obra e combinámos a comissão; o meu irmão fez a Obra; informei o meu irmão, que era o sócio gerente da ré,  que existia aquela obra e apresentei-lhe o autor; disse-lhe que tinham de lhe pagar a comissão; diz que a Obra é de 2017/2018; a Obra estava a decorrer em Maio de 2018; o documento só foi passado em 2020”.

Mas isto, é aquilo que o depoente, que anda em litigio com os outros sócios da Ré, afirma. Mas será suficiente? Parece-nos que não.

A testemunha da Ré, DD, seu administrativo há mais de 30 anos, depôs de forma escorreita, desinteressada e credível, com conhecimento direto e pessoal sobre os factos, coloca, desde logo em causa, que estes contactos havidos entre o depoente BB - à época dos factos apenas sócio, como se retira da certidão comercial da Ré a fls. 30 e ss. -  e o Autor, responsabilizem, contratualmente falando, a Ré. Refere esta testemunha, que a Ré, na pessoa do sócio EE, irmão do sócio BB e à época o seu sócio gerente, nunca reconheceu ou mandou liquidar a dívida reclamada nos autos, por absoluto desconhecimento sobre a causa que lhe deu origem. Que desconhece quem é o A. e demais pessoas intervenientes, que nunca tal fatura foi enviada pelo A. à Ré, tendo a Ré tido conhecimento da mesma por estar disponível no portal e-fatura.

Na verdade, retiramos do depoimento de parte do sócio (agora) gerente da Ré BB, que a fatura de fls. 7 foi emitida por FF para junto da Ré obter o pagamento da quantia de € 6.150,00 que agora se reclama nos autos, por que o A. não se encontrava coletado. Porém, tal versão foi contrariada frontalmente pelo próprio A. que, em declarações de parte, referiu desconhecer a pessoa em causa -  o A. nesta sede, quanto à identidade de BB, também se desdiz a si próprio, pois na resposta à oposição alega o contrário quando diz que conhece o “FF” /vide, artº 23º, primeira parte -, bem como que relação ou relações esta pessoa teria com a Ré, desconhecendo assim a existência da factura fls. 7.

E o depoimento das testemunhas LL, HH e II, pela sua fragilidade (referem apenas que acompanharam o autor à sede da ré e que teriam escutado, da boca do sócio BB, que a empresa lhe iria pagar) nada trazem aos autos. São testemunhos muito laterais, sem a virtualidade de tornar reais os factos levados à petição pelo Autor.

Ou seja, não logrou o A. comprovar que é comerciante, que presta serviços de consultadoria como angariador de negócios, e que prestou o serviço à Ré.

Como escreve a 1.ª instância, “se assim é, em que ficamos, isto por que, sendo a quantia exatamente igual em ambas as faturas e quanto à mesma obra, certo é que, numa – a fls. 7 – seria relativa à recolha e transporte de resíduos (!!!), cuja prestação foi alegadamente em 06-07-2018; e já na outra – a fls. 40 – seria a alegada angariação de cliente por parte do A, cuja prestação foi alegadamente em 11-11-2020.

A discordância e contradição entre tais depoimentos e declarações do sócio-gerente BB e o A., é, em nossa opinião, nesta sede, decisiva e fulminante, pois que atinge os alicerces da existência da relação invocada na injunção, podendo perguntar-se, legitimamente, o que é que houve efetivamente se é que ocorreu alguma relação, e quem é que efetivamente se vinculou, se é que houve algum negócio. As testemunhas arroladas pelo A. nada vieram acrescentar de novo ou de revelante, sendo as suas posições naturalmente confirmativas, engajando-se na narrativa do A., sendo a sua relevância probatória inquinada pela dúvida original e insanável do tribunal quanto à existência da relação e da dívida, no sentido de se puder questionar a afinal a que se reporta a quantia peticionada nos autos, sendo que a data da prestação dos serviços constantes da fatura de fls. 40 datam de 11/11/2020 quando decorre das declarações e depoimentos do A. e sócio-gerente BB que a alegada angariação terá ocorrido em 2018, e se assim foi, por que é que a fatura de fls. 40 é omissa quanto à data em que os serviços foram prestados, mormente, na respetiva descrição, nada impedia a sua referência, aliás, era até essencial. Acrescendo referir também existir divergência insanável quanto à data do contrato invocada no requerimento de injunção (11-11-2020!!!). O que dúvidas não ficou, face à prova que se produziu em audiência de julgamento é que existia e existe uma relação de amizade entre o A. e o legal representante da Ré, BB, e que se alguma coisa houve entre ambos, estamos em crer que não vinculou a Ré, antes sendo de natureza particular e pessoal o que pode ter alegadamente acontecido, sendo que as dúvidas do julgador não se dissiparam, antes saíram reforçadas após a análise crítica e conjugada de toda a prova, conforme supra exposto.

Improcede, pois, a impugnação da matéria de facto.

Ao abrigo da norma do artigo 663.º n.º 6 do CPC - quando não tenha sido impugnada, nem haja lugar a qualquer alteração da matéria de facto, o acórdão limita-se a remeter para os termos da decisão da 1.ª instância que decidiu aquela matéria – reproduzimos a decisão do Juízo de Competência Genérica ...:

“Veio o A. pedir a condenação da Ré no pagamento da quantia de a condenação da Ré a pagar ao Autor a quantia de € 6.150,50, a título de capital e de € 106,15, a título de juros, invocando como causa de pedir a prestação de serviços de angariação prestados pelo Autor à Ré, a pedido da desta – cfr. artsº 397º, 398º e 1154º do Código Civil.

Competia ao A. a prova dos factos constitutivos do direito, no caso, e desde logo, a existência do contrato invocado nos autos, em conformidade com o disposto no artº 342º, nº 1 do Código Civil, o que não logrou, conforme resulta da factualidade dada como provada e não provada.

Com efeito, deu-se como não provado:

- o autor é comerciante e presta serviços de consultadoria como angariador de negócios;

- no exercício dessa atividade, o A. a pedido da Ré na pessoa de BB prestou serviços à Ré para angariação da obra de demolição da empresa B..., Lda, em ...;

- os serviços prestados à Ré são os constantes da fatura- ato isolado nº ...001, datada de 11/11/2020, no montante de € 6150,00 euros, nas quantidades e pelo preço nela indicada, cujo teor aqui se reproduz;

- acontece porém que a Ré não efetuou o pagamento da referida fatura;

- a Ré deve ao A. a quantia de € 6 150,00 euros;

- apesar de diversas e repetidas interpelações feitas pelo A., o certo é que a requerida não pagou o que efetivamente deve;

- a Ré em contatos com o A. reconheceu a existência da dívida;

O que acarreta, sem mais, a improcedência da ação, considerando-se inútil a apreciação das demais questões suscitadas nos autos”.

Improcede a Apelação.

Resta o Sumário:

(…).

 


3.Decisão
Assim, na improcedência do recurso, mantemos a decisão proferida pelo Juízo de Competência Genérica ....

As custas ficam a cargo do apelante.

Coimbra, 28 de Março de 2023

(José Avelino Gonçalves - Relator)

( Arlindo Oliveira - 1.º adjunto)

(Emidio dos Santos - 2.º adjunto)