Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
144746/10.9YIPRT.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: TELES PEREIRA
Descritores: EMPREITADA
CONCLUSÃO DO CONTRATO
ÓNUS DA PROVA
EXCEPÇÃO DE NÃO CUMPRIMENTO
Data do Acordão: 04/09/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE OLIVEIRA DO HOSPITAL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTº 428º, Nº 1 DO C. CIVIL.
Sumário: I – A prova da efectiva conclusão dos trabalhos num contrato de empreitada, quando apresentada como elemento desencadeador da obrigação de pagar o preço, incumbe ao empreiteiro, demandando este o dono da obra por falta de pagamento desse preço.

II – A recusa, por parte do dono da obra, de pagamento da parte final do preço por não estarem ainda concluídos os trabalhos, traduz um accionar adequado da excepção de não cumprimento do contrato (artigo 428º, nº 1 do CC), no âmbito do contrato de empreitada, sendo que este accionar só estaria excluído se o vencimento da obrigação de pagamento do preço fosse anterior à entrega da obra.

III – Neste caso, o accionar da excepção de não cumprimento, tanto pode revestir o pedido de cumprimento simultâneo (pagarei mediante a conclusão dos trabalhos), como a recusa fundada de pagar o preço que é pedido, porque os trabalhos ainda não estão concluídos.

Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra

I – A Causa

            1. Em 05/07/2010[1] foi apresentado no Balcão Nacional de Injunções o requerimento de injunção de fls. 1, no qual a empresa de construção civil E…, Lda. (A. e ora Apelante) pretendeu formar um título executivo contra as sociedades S…, Lda. e F…, Lda. (respectivamente 1º e 2ª RR. e aqui Apeladas), pelo montante global (envolvendo capital e juros) de € 221.711,34, respeitante ao valor em dívida do preço de três empreitadas – três contratos desta espécie –, nas (nos) quais foi a A. a empreiteira e as RR. as donas das obras[2].

            Tendo as RR. deduzido oposição à injunção (fls. 4/8), alegando fundamentalmente não estarem concluídos os trabalhos[3], veio a A. completar (seguindo indicação de aperfeiçoamento do Tribunal a fls. 28/30) a caracterização da respectiva pretensão, apresentando o requerimento inicial de fls. 32/36[4]. Note-se que as RR., exercendo o contraditório relativamente a este novo requerimento a fls. 60/62 vº referiram o seguinte (que aqui destacamos dada a particular importância que assume na economia decisória da acção): “[n]ão estando, como não estão, terminadas as obras contratadas entre A- e RR., não tendo as mesmas sido entregues pela A. às RR., nem tão-pouco por estas recepcionadas, não pode a A. esperar que as RR. procedam ao pagamento integral do montante que, eventualmente, ainda lhe devem” (fls. 62, artigo 26 da contestação).

            1.1. O processo foi saneado e condensado (fls. 64/68) evoluindo para o julgamento. A culminar este, depois de fixados os factos por referência à base instrutória (a fls. 231/235), foi proferida a Sentença de fls. 238/252constitui esta a decisão objecto do presente recurso – julgando a acção improcedente e absolvendo as RR. do pedido[5].

            1.2. Inconformada com estes resultado, reagiu a A. através do presente recurso, rematando as suas alegações com as conclusões que aqui se transcrevem:
“[…]

            1.2.1. As Apeladas pugnam em resposta à motivação pela confirmação do decidido em primeira instância.


II – Fundamentação

            2. Relatado o essencial do iter processual que conduziu à presente instância de recurso, cumpre apreciar os fundamentos da apelação, tendo em conta que as conclusões formuladas pela Apelante – transcrevemo-las no item 1.2. supra – operaram a delimitação temática do objecto do recurso, isto nos termos dos artigos 684º, nº 3 e 685º-A, nº 1 do CPC[6]. Com efeito, fora das conclusões só valem, nesta sede, questões que se configurem como de conhecimento oficioso (di-lo o trecho final do artigo 660º, nº 2 do CPC). Paralelamente, mesmo integrando as conclusões, não há que tomar posição sobre questões prejudicadas, na sua concreta incidência no processo, por outras antecedentemente apreciadas e decididas. E, enfim – esgotando a enunciação do modelo de construção do objecto de um recurso –, distinguem-se os fundamentos deste (do recurso) dos argumentos esgrimidos pelo recorrente ao longo da motivação, sendo certo que a obrigação de pronúncia do Tribunal ad quem se refere àqueles (às questões-fundamento) e não aos diversos argumentos jurídicos convocados pelo recorrente nas alegações.

            O recurso visa, assumidamente, alterar factos fixados na primeira instância (refere-se expressamente às respostas aos quesitos 1º, 17º e 18º da base instrutória, v. fls. 298), no que constitui o seu primeiro fundamento (a). Independentemente dessa alteração, com ou sem ela, visa a Apelante, no que constitui o segundo fundamento do recurso (b), que esta instância controle a ratio decidendi da Sentença, quanto à exclusão do pagamento da parte restante do preço da empreitada ainda em falta (v. item 9 do rol dos factos transcrito infra), “enquanto não se mostrarem concluídas as obras respeitantes aos três contratos”, sendo que esta asserção é sustentada na decisão recorrida num quadro indicado como correspondente ao funcionamento neste caso da excepção de não cumprimento do contrato [artigo 428º, nº 1 do Código Civil (CC)].

            2.1. Temos como ponto de partida os factos fixados na primeira instância: 
“[…]

            2.2. (a) Como dissemos, refere-se o primeiro fundamento do recurso à impugnação de alguns trechos da matéria de facto, quer da fixada positivamente (caso da resposta agregada aos quesitos 17º e 18º, que gerou o item 17 acima transcrito), quer da não fixada – no sentido de considerada como não provada –, através de respostas negativas (é o caso do quesito 1º que foi respondido “não provado” a fls. 231).

            2.2.1. (a) Começando por este último (o quesito 1º da base instrutória), que assume um particular interesse na lógica da decisão recorrida, recordamos a asserção que nele era questionada: “[t]odos os trabalhos acordados foram já concluídos?”. E recordamos, igualmente, a fundamentação da resposta negativa a este quesito constante de fls. 233 para a qual remetemos, sublinhando este Tribunal de recurso, depois de proceder à audição integral do depoimento de parte prestado pela gestora da R. S…, A…, e de toda a prova testemunhal, a confirmação integral dessa resposta negativa, enquanto ponto de chegada imposto – sublinhamos, imposto – pela valoração racional de toda a prova.

            Com efeito, para além da afirmação credível dessa realidade – por sinal na sua formulação negativa: os trabalhos nos dois lotes não foram (não estão) concluídos pela A. –, em sede do mencionado depoimento de parte[7], temos, no sentido de uma exuberante corroboração dos elementos exteriores à confissão colhidos nesse mesmo depoimento de parte, o testemunho de J… (a única do rol da A. ouvida no julgamento), contendo este depoimento claramente a afirmação – a afirmação expressa – de que tanto o Lote 2 como o Lote 1 “não estão acabados”[8]. E temos também o essencial da restante prova testemunhal, designadamente a protagonizada pela testemunha A… (note-se que os documentos de fls. 153/160 referem os trabalhos por esta realizados, e foram eles, fundamentalmente, em substituição da A.) e pelas testemunhas que adquiriram fracções no Lote 2 (…) e constataram, transmitindo-o objectivamente ao Tribunal, aquilo que o Senhor Juiz a quo indicou em sede de fundamentação a fls. 233: inacabamento evidente do Lote 1, falta do elevador (referimo-nos ao não funcionamento do mesmo) e utilização até muito recentemente do contador da obra (e não das fracções) no Lote 2.

            Vale tudo isto – vale a valoração objectiva destes diversos elementos de prova – pela impossibilidade de afirmar, contrariamente ao que pretende a Apelante, a conclusão de todos os trabalhos encomendados à A., sublinhando-se ser a ela que competia a prova desta incidência (ter acabado os trabalhos).

            Confirma-se, pois, sem dúvida alguma, a resposta negativa ao quesito 1º dada pela primeira instância.

            2.2.2. (a) Interessa agora a crítica da Apelante à resposta agregada aos quesitos 17º e 18º, nos termos em que gerou o ponto 17 do rol dos factos.

A este respeito diremos, completando o já afirmado quanto à resposta negativa ao quesito 1º no item anterior, que a comprovação de que a certificação da rede eléctrica do Lote 2 só foi alcançada pela R. S… em 2010, resulta amplamente dos documentos de fls. 120/152[9] e foi implicitamente comprovado pela testemunha J… (v. nota 9, supra[10]) e pela testemunha A…, que realizou parte dos trabalhos exigidos pela obtenção da certificação dessa rede eléctrica.

Não existe, pois, qualquer fundamento para alteração da matéria de facto em qualquer dos pontos indicados pela Apelante.

2.3. (b) Face aos factos fixados e aqui confirmados – significam eles que parte do preço está por pagar, pelas donas da obra, mas que as obras não foram ainda concluídas pela empreiteira, aqui demandante e significam também, pela negativa, que não existe algo que possamos configurar como entrega da obra pelo empreiteiro[11] –, face a esta factualidade, dizíamos, interessa-nos agora controlar a asserção presente na Sentença, quanto ao bloqueio do direito da A. a receber integralmente o preço da empreitada, com base na excepção de não cumprimento do contrato, face à não conclusão de todos os trabalhos pela A.

Tratando-se de um entendimento inquestionavelmente justo (não o seria condenar as RR. a pagar na totalidade aquilo que ainda não foi efectuado na totalidade), importa testar a construção jurídica que subjaz à Sentença na afirmação de não ser exigível a parte final do preço das empreitadas, sublinhando-se que a consideração unitária de todas elas correspondeu precisamente à forma de abordagem da situação induzida pela A.

Desde logo – e afrontamos a afirmação da Apelante quanto à não invocação expressa pelas RR. da excepção de não cumprimento do contrato – importa reter a afirmação acima transcrita no relatório (no final do item 1. supra, ponto 26 da contestação de fls. 62), quanto à não exigibilidade pela A. da parcela em falta do preço das empreitadas, em função da não conclusão – da não conclusão ainda – de todas as obras contratadas nos três acordos. Vale esta afirmação como uma implícita e relevante invocação da excepção prevista no artigo 428º, nº 1 do CC, no sentido em que esta vem sendo entendida, precisamente no quadro de um contrato de empreitada, como faculdade genérica de recusar um cumprimento face ao incumprimento da contra-parte: “[…] se um dos contraentes, não cumprindo a sua obrigação na época do vencimento (sendo o cumprimento ainda possível), reclama, apesar disso, a contraprestação, pode o devedor desta, legitimamente, recusá-la enquanto subsistir este estado de coisas – subordinando a execução da sua prestação ao cumprimento da contraprestação pelo outro contraente”[12].

É certo – e esta constitui outra dimensão de apreciação da relevância da excepção – que a letra do preceito contendo a noção da excepção de não cumprimento (o artigo 428º, nº 2), alude a prazos de cumprimento simultâneos. Porém, no caso da empreitada, vem sendo entendido como estando excluída a invocação da excepção apenas nos casos – e citamos o que a tal respeito afirma João Cura Mariano – em que “[…] a obrigação de pagamento do preço não seja de vencimento anterior à entrega da obra e que a parte do preço, cujo pagamento se recusa, seja proporcional à desvalorização da obra provocada pela existência do defeito. O primeiro requisito resulta expressamente do disposto no artigo 428º do CC, e o segundo requisito é exigido pelos ditames da boa-fé no cumprimento das obrigações (artigo 762º, nº 2 do CC)”[13].

Quanto à não anterioridade do vencimento integral da obrigação de pagamento do preço, sublinhamos que a obra não foi ainda completada, e que a prova dessa incidência sempre incumbiria ao empreiteiro no quadro do pedido do pagamento do preço em função dessa incidência[14] e sublinhamos, enfim, que esse vencimento ocorreria “com a conclusão dos trabalhos mediante vistoria executada pela Câmara Municipal” (fls. 49) ou, no caso do contrato de fls. 37/42, na parcela de 10% final, “[c]om a recepção definitiva da obra” (fls. 39), sendo todas estas incidências ainda não ocorridas. E é perfeitamente correcto o entendimento expresso na Sentença quanto à proporcionalidade do valor do preço em falta, na sua relação com a parte das obras contratadas que ainda falta executar (ou que foram mal executadas) pela A. Note-se, como acertadamente se observou na Sentença, que a colocação pela A. das três situações (dos três contratos) em conjunto, acaba por determinar a não diferenciação das situações. Esta foi, todavia, como já referimos anteriormente uma opção da A.

Poderiam as RR. condicionar o pagamento que reconhecem estar ainda em falta à conclusão adequada da obra ou à reparação das imperfeições existentes, no que apresentaria aptidão para induzir uma condenação quid pro quo ou contra o cumprimento da outra parte[15], mas essa incidência deveria ter sido objecto de pedido pelas RR. Seja como for, estas também podiam limitar-se a invocar – e foi o que aqui sucedeu – não ser o valor em falta devido (se preferirmos, já efectivamente devido) por não terem as obras sido completadas e objecto de entrega e aceitação pelas donas[16].

Sendo esta a situação que aqui se configura, foi correcta a opção da Sentença ao não atender, no circunstancialismo aqui configurado, ao pedido de pagamento integral do preço correspondente a trabalhos que não foram ainda executados. Foi correcta, enfim, a absolvição das RR. do pedido.

2.4. Resta-nos, pois, confirmar a decisão recorrida, aqui deixando sumariados os elementos centrais do anterior percurso:
I – A prova da efectiva conclusão dos trabalhos num contrato de empreitada, quando apresentada como elemento desencadeador da obrigação de pagar o preço, incumbe ao empreiteiro, demandando este o dono da obra por falta de pagamento desse preço;
II – A recusa, por parte do dono da obra, de pagamento da parte final do preço por não estarem ainda concluídos os trabalhos, traduz um accionar adequado da excepção de não cumprimento do contrato (artigo 428º, nº 1 do CC), no âmbito do contrato de empreitada, sendo que este accionar só estaria excluído se o vencimento da obrigação de pagamento do preço fosse anterior à entrega da obra;
III – Neste caso, o accionar da excepção de não cumprimento, tanto pode revestir o pedido de cumprimento simultâneo (pagarei mediante a conclusão dos trabalhos), como a recusa fundada de pagar o preço que é pedido, porque os trabalhos ainda não estão concluídos.  


III – Decisão


            3. Pelo exposto, na improcedência do recurso, decide-se confirmar inteiramente a Sentença apelada.

            Custas do recurso pela Apelante.


J. A. Teles Pereira (Relator)
Manuel Capelo
Jacinto Meca


[1] Trata-se da data considerada como propositura da acção. Marca esta a aplicação à presente instância de recurso do regime decorrente do Decreto-Lei nº 303/2007, de 24 de Agosto (v. os respectivos artigos 11º, nº 1 e 12º, nº 1). 
[2] Expôs a A. o seguinte no requerimento de injunção, que aqui se transcreve por ter constituído a base desta acção:
“[…]

Por contrato de Empreitada celebrado em 20 e Março de 2005, a requerente obrigou-se a prestar às requeridas, donas da obra, os serviços de Loteamento e construção dos prédios descritos na CRP de Nelas sob os artigos ...

Dos trabalhos efectuados e facturados até à data as RR não pagaram o valor constante da factura nº 268, emitida com data de 1 de Outubro de 2009 que apesar de não ter sofrido qualquer reclamação não foi paga pelas requeridas.

As requeridas assumem a divida, como pertencendo metade a cada uma das sociedades mas não pagam à A. empreiteira, invocando não ter ainda vendido os apartamentos, o que não foi condição do contrato.

Tudo apesar de terem sido extrajudicialmente citadas pelo menos em 5 de Maio de 2009.
[…]”.
[3] Dizendo o seguinte em sede de impugnação:
“[…]

9. Não tem a requerente qualquer razão, ao peticionar como peticiona, no requerimento de injunção a que as Requeridas ora se opõem. De facto,

10. Do, pouco, alegado pela Requerente no seu requerimento de injunção, apenas corresponde à verdade que, em 20MAR2005, a Requerente e as Requeridas celebraram entre si dois contratos de empreitada,

11. Um respeitante às obras de infra-estruturas de um loteamento urbano – até ao lote 4, de 6 – para a execução das quais acordaram um valor de €55.000,00, acrescidos de IVA, à taxa legal em vigor,

12. E um respeitante à construção de um edifício, designado por Lote 1 – no loteamento referido em 11 – para a execução das quais acordaram um valor de €350.000,00, acrescidos de IVA, à taxa legal em vigor.

13. Nada mais corresponde à verdade. Na realidade,

14. Desconhecem as requeridas a que diz respeito a factura, mencionada pela Requerente no requerimento de injunção.

15. Tal factura não foi recepcionada pelos serviços de qualquer uma das Requeridas, nas respectivas sedes sociais, por via postal ou outra,

16. Pelo que não sabem as Requeridas – desconhecendo sem qualquer obrigação de conhecer – a que eventuais obras é que o valor peticionado diz respeito, se as mesmas foram efectivamente executadas, e quando tal terá sucedido. Acresce que,

17. Se eventualmente tal factura diz respeito aos contratos de empreitada celebrados por Requerente e Requeridas em 20MAR2005 – referidos supra em 11. e 12. – não corresponde à verdade que as Requeridas devam à Requerente o que quer que seja. De facto,

18. Relativamente aos ditos contratos, a Requerente já recebeu das Requeridas os seguintes montantes:

€ 37.500,00 - referentes a adiantamentos sobre os ditos contratos, entregues ao sócio e gerente da Requerente, Sr. …, pelo então sócio e gerente da Requerida S…, LDA., Sr. …, através de quatro cheques, entre Novembro de 2004, e Abril de 2005;

€ 81.147,79 – no decurso do ano de 2005;

€ 67.500,00 – no decurso do ano de 2006;

€ 40.000,00 – no decurso do ano de 2007;

€ 107.000,00 – no decurso do ano de 2008;

€ 10.000,00 – no decurso do ano de 2009; e

€ 50.000,00 – entregues ao sócio e gerente da Requerente, Sr. …, pelo sócio e gerente da Requerida F…, LDA., Sr. …, entre os anos de 2008 e 2009,

19. Tudo no montante total de € 393.147,00.

20. Atento os valores acordados entre Requerente e Requeridas, relativamente à execução das obras mencionadas em 11. e 12. do presente articulado, resulta claro que as Requeridas não devem à Requerente o montante peticionado no requerimento de injunção.

21. Nem, aliás, a Requerente terminou e entregou às Requeridas, como era sua obrigação contratual, as obras a que tais contratos dizem respeito.

22. Razão pela qual não devem as Requeridas à Requerente a verba por esta peticionada no presente requerimento de injunção.
[…]”.
[4] Invoca a A. a celebração com as RR. de três contratos de empreitada:
“[…]


2.º

Por contrato escrito celebrado em 20 de Março de 2005, foram contratadas entre A e RR as obras de infra-estruturas da primeira fase (até ao lote 2) de um loteamento urbano cujo projecto fez parte do contrato

3.º

As condições foram as previstas no contrato que se junta como documento nº 1 que se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais. Doc.1

4.º

O preço contratado foi de 55.000,00 € mais IVA à taxa legal.

5.º

Na mesma data foi celebrado entre A e RR o contrato de Empreitada respeitante ao Lote 1 que consistiu na construção pela A de um edifício de Habitação Multifamiliar (loteamento do Cachafal) pelo preço de €350.000,00 mais IVA à taxa legal. Doc. 2 que se dá por reproduzido para todos os efeitos legais.

6.º

No mesmo dia foi celebrado entre A e RR o contrato de Empreitada respeitante ao Lote 2 que consistiu na construção pela A de um edifício de Habitação Multifamiliar (loteamento do Cachafal) pelo preço de €360.380,00 mais IVA à taxa legal. Doc. 3 que se dá por reproduzido para todos os efeitos legais.
[…]”.
Estas obras, afirma-o a A., estariam concluídas, no que à respectiva prestação diz respeito, faltando o pagamento pelas RR. da totalidade do preço:
“[…]
Todos os contratos se mostram concluídos da parte da A., tanto que vários apartamentos foram já vendidos pelas RR.
[…]
11º
Apesar de ter terminado as obras a que se obrigou, as RR. não pagaram a totalidade dos valores correspondentes ao realizado contrato.
[…]
20º

Por isso, em 1 de Outubro de 2009, a A emitiu a factura 268 onde descriminou o valor das infra-estruturas bem como o valor em falta de €111.666,67

21.º

Valor que acrescido do IVA perfaz a quantia de €212.000,00 correspondente à referida factura, que remeteu às RR.

22.º

Já em Maio de 2009 a A. através do signatário havia remetido às RR a carta cuja cópia se junta, nada tendo elas respondido. Doc. 6.

23.º

Valor que continua em divida não obstante as interpelações para pagamento, já referidas.

24.º

Por isso, ao valor em divida acrescem juros à taxa aplicável às operações comerciais, desde 5 de Maio de 2009 até integral pagamento.

25.º

À data da entrada do Procedimento de Injunção o valor dos juros ascendia a €21.937,39
[…]”.
[5] Fundou-se esta opção decisória na circunstância de ter sido considerado que a A. incumpriu parcialmente a sua obrigação de realizar todos os trabalhos convencionados, atribuindo-se relevância, enquanto excepção de não cumprimento do contrato, a esta linha defensiva.
Disse-se a tal respeito o seguinte na Sentença:
“[…]

No caso vertente estamos perante um contrato bilateral, no qual se verifica o incumprimento por parte da autora, que ainda não concluiu todos os trabalhos convencionados.

É certo que, não se tendo provado que o incumprimento afecte a obrigação de pagamento do preço até à última tranche, não está em causa um cumprimento simultâneo das obrigações (a obrigação de pagamento do preço até à penúltima tranche encontra-se vencida).

Porém, como já se notou, a exceptio é aplicável para além desses casos.

Também é verdade que se trata de um incumprimento parcial, mas, também neste caso, nada obsta à aplicação do regime legal da excepção, sendo certo que não se vislumbra ofensa ao princípio geral da boa-fé, considerando, desde logo, o montante envolvido por relação com o valor global devido e o valor global já pago.

Sendo assim, enquanto não se mostrarem concluídas as obras respeitantes aos três contratos de empreitada, às rés é reconhecido o direito de excepcionaram o não cumprimento dos contratos por parte da autora, nada sendo devido a esta.

Resta sublinhar que a opção em “juntar” os três contratos em termos de alegação de facto e sustentação de direito foi feita pela autora, opção que não foi suportada por uma coerente e extensa alegação de facto, inviabilizando qualquer possibilidade de o Tribunal diferenciar as situações (quer-se com isto dizer que a opção da autora levou a que o incumprimento de um dos contratos fosse tratado como incumprimento geral).
[…]” (transcrição de fls. 251).
[6] V. o Acórdão do STJ de 03/06/2011 (Pereira da Silva), proferido no processo nº 527/05.8TBVNO.C1.S1, cujo sumário está disponível na base do ITIJ, directamente, no seguinte endereço:
http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/f9dd7bb05e5140b1802578bf00470473:
Sumário:
“[…]
[O] que baliza o âmbito do recurso, tal sendo, afora as de conhecimento oficioso, as questões levadas às conclusões da alegação do recorrente, extraídas da respectiva motivação (artigos 684.º n.º 3 e 690.º n.º 1 do CPC), defeso é o conhecimento de questão não aflorada naquelas, ainda que versada no corpo alegatório.
[…]”.
[7] Do qual respigamos, a par dos elementos constantes da assentada de fls. 170, a afirmação – que esta Relação reputa de credível e aceita por ter sido corroborada por outras fontes de prova –, de que existiram importantes anomalias no Lote 2, constatadas logo em 2009 (num quadro de quase desaparecimento do sócio da A., “o Senhor …”, das obras), como sejam queda sistemática dos estuques das varandas e falta total de certificação da instalação eléctrica, resultado da sua inadequação às normas legais. Este último caso, que foi assumido pelas RR. como não entrega efectiva da obra, implicou que a R. S… tivesse de suportar, por impossibilidade de regularizar os diversos contratos, os custos da luz que as pessoas que adquiriram apartamentos foram utilizando. Referiu a depoente, igualmente, problemas com a rede de abastecimento de água e a necessidade, que se impôs à R. S…, de assumir ela a resolução dos problemas com a instalação eléctrica (nos termos documentados a fls. 120/152), acrescentando a falta, pura e simples, de qualquer entrega do Lote 1 às RR., paralelamente à existência neste de problemas semelhantes aos detectados no Lote 2.
Note-se que o pendor favorável aos interesses da depoente destas asserções presentes no respectivo depoimento de parte, não impedem a valoração destes elementos, existindo, como aqui existem, outras fontes de prova (depoimentos de testemunhas e prova documental) corroborando essas asserções de pendor favorável presentes nesse depoimento. Assumimos aqui, portanto – assume esta Relação na sua valoração autónoma da prova produzida –, assumimos, dizíamos, que não nos está vedada a valoração do que o depoente diga e que não constitua confissão, trate-se de declaração favorável ao depoente ou de declaração não confessória mas relevante para a compreensão pelo juiz do litígio. Esta questão é desenvolvidamente tratada – e para aí remetemos – por João Paulo Remédio Marques (“A Aquisição e a Valoração Probatória de Factos (Des)Favoráveis ao Depoente ou à Chamada a Prestar Informações ou Esclarecimentos”, in Julgar, nº 16, Janeiro/Abril 2012, pp. 137/172): “[n]ão há que extrair qualquer proibição de prova da Constituição, no que tange às declarações da parte sobre factos que lhe sejam favoráveis; nem há que as julgar totalmente irrelevantes” (sublinhado acrescentado).
[8] Funcionou este como uma espécie de subempreiteiro da A., designadamente na execução dos trabalhos do Lote 2, confirmando que a rede eléctrica, nos moldes planeados pela A., não respeitava os condicionalismos legais existentes ao tempo da finalização desta, o que impedia – e concretamente impediu – a sua aprovação: “a obra não tinha projecto conforme à lei, por isso aquilo não está acabado, porque aquilo não dava para ser aprovado”. Confirmou esta testemunha, com efeito, que só com obras adicionais por ela planificadas, mas que não executou (porque a R. – o sr. Eduardo – não lhe pagou) é que seria possível acabar a obra no Lote 2. Confirmou esta teste igualmente que no Lote 1 “falta ainda muita coisa”.
Sintomático no depoimento desta testemunha – que foi apresentada pela própria A. e reputamos de muito relevante – foi a afirmação de uma espécie de abandono da obra pelo Sr. Eduardo e falta de pagamentos às pessoas que encarregava de executar trabalhos, designadamente à testemunha. Esta incapacidade da A. em assumir os custos que a execução da obra implicava gerou – é como interpretamos o depoimento desta testemunha, corroborando o depoimento de parte da representante legal da R. – a não conclusão efectiva do conjunto dos trabalhos, entendendo por isso a realização de uma construção completa e adequada ao fim visado: a comercialização imobiliária.
[9] Note-se que toda a documentação da Associação “Certiel”, respeitante à certificação da instalação eléctrica, está dirigida à R. S…, prova da intervenção desta na supressão desse desvalor prestacional da actividade da A.
[10] Invocou esta testemunha – e trata-se de uma asserção lógica e credível no contexto aqui em causa – que constituía trabalho da A. a realização da instalação eléctrica de acordo com o quadro legal vigente ao tempo da conclusão e que isso não ter sucedido só resultou da circunstância da A. não lhe ter pago para esse efeito, sendo que a testemunha obteve um projecto adequado à alteração legal.
[11] A Apelante pretende deduzir isto da simples passagem do tempo, mas a existência de um processo negocial que abrange as prestações das RR. (quase todas satisfeitas), a correcção de deficiências da obra e a constatação da proximidade inicial do dono da A. às empresas RR. (foi sócio de uma delas), levam-nos a situar o processo de conclusão da obra, diacronicamente, numa fase em que ainda se não pode falar de entrega formal desta, enquanto elemento desencadeador das reacções do dono da obra. Se a obra não está concluída, como aqui se apurou suceder, não tem sentido falar de entrega desta.
[12] José João Abrantes, “Contrato de empreitada e excepção de não cumprimento do contrato”, anotação ao Acórdão da Relação do Porto de 19/09/2006, in Cadernos de Direito Privado, nº 18, Abril/Junho de 2007, p. 54.
Como refere Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, sobre o funcionamento da excepção: “[…] nos contratos sinalagmáticos, a lei permite a qualquer dos contraentes recusar a realização da sua prestação enquanto não ocorrer a prévia realização da prestação da contraparte, ou a oferta do seu cumprimento simultâneo. É, assim, lícita neste caso a recusa de cumprimento, o que impede a aplicação do regime da mora (artigos 804º e ss.) e, naturalmente, o do incumprimento definitivo (artigo 808º), mesmo que tenha havido interpelação da outra parte” (Direito das Obrigações, Vol. II, 3ª ed. Coimbra, 2005, p. 254).
[13] Responsabilidade Contratual do Empreiteiro pelos Defeitos da Obra, 4ª ed., Coimbra, 2011, p. 145.
E acrescenta este Autor:
“[…]
Assim, nos casos em que o preço não tenha que ser integralmente pago em momento anterior ao da entrega da obra, o dono desta pode suspender o pagamento duma parte, proporcional à desvalorização provocada pela existência de defeitos, enquanto estes não tenham sido eliminados, ou não tenha sido realizada nova obra, ou o dono da obra não tenha sido indemnizado dos prejuízos sofridos.
[…]” (ibidem).
[14] Embora esta realidade tenha sido apurada positivamente (ou seja: a totalidade das obras não foi concluída), sempre nos bastaria constatar, face à alocação do ónus da prova à A. quanto à conclusão de todas as obras (artigo 342º, nº 1 do CC), facto constitutivo do seu direito a receber o preço, que essa asserção não foi aqui provada, como resulta da resposta negativa ao quesito 1º da base instrutória, nos termos acima confirmados.
[15] V. os Acórdãos desta Relação de 29/01/2013 (Jorge Arcanjo), proferido no processo nº 17498/11.4HYPRT.C1, e de 27/09/2005 (Ferreira de Barros), no processo nº 2257/05, disponíveis, respectivamente, no sítio do ITIJ em:
http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/f5ec169a7d0ca22d80257b1800383fef e http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/0/d38da7fc8c9a3e34802570b50037db33
[16] “A excepção do contrato não cumprido surge, até etimologicamente, como defensiva: uma pessoa defender-se-ia da exigência de uma prestação, alegando que a outra parte também não cumprira” (António Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, Vol. II, Direito das Obrigações, tomo IV, Coimbra, 2010, p. 140).