Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1446/17.0T8VIS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: BARATEIRO MARTINS
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
DIREITO DE REGRESSO
SEGURADORA
ALCOOLEMIA
NEXO DE CAUSALIDADE
Data do Acordão: 01/14/2020
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VISEU - VISEU - JL CÍVEL - JUIZ 1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS. 19 C) DL Nº 522/85 DE 31/12, ART.27 Nº1 C) DL Nº 291/2007 DE 21/8, ARTS.350 CC, 81 CE
Sumário: 1 – Não exige a lei (art. 27.º/1/c) do DL n.º 291/2007) a alegação e prova de qualquer relação (nexo causal) entre a alcoolemia e a produção do acidente, bastando a verificação objectiva da alcoolemia no sangue do condutor para, sendo este o responsável pelo acidente, fundamentar o “automático” direito de regresso da seguradora.

2- O que significa que não está sob discussão (não sendo um dos pressupostos do direito de regresso da seguradora) a questão do nexo causal (entre a condução sob o efeito do álcool e o acidente), não se colocando sequer a possibilidade do condutor poder alegar e provar factos que possam ilidir o que, nesse entendimento, seria uma mera presunção legal do nexo causal (ilidível nos termos do art. 350.º/2 do C. Civil).

Decisão Texto Integral:











Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

I – Relatório

Z (…), S.A. intentou acção declarativa de condenação, com processo comum, contra P (…) pedindo que este seja “condenado no pagamento da quantia de € 9.669,40, acrescida de juros vincendos até integral pagamento”.

Alegou para tal, em resumo, que o R. era seu segurado (quanto à responsabilidade civil decorrente de acidentes de viação com o veículo MS (...) ) e que (com tal veículo) foi, com culpa (não respeitando o sinal de cedência de passagem), interveniente em acidente de viação (ocorrido em 19/05/2014, pela 00,45 horas, em Viseu), sendo que conduzia o veículo com uma TAS de 1,40g/l, razão pela qual, tendo a A. indemnizado os danos materiais e não patrimoniais causados à lesada em tal acidente, no que despendeu o total de € 9.669,40, vem agora aqui exercer o direito de regresso (previsto no art. 27.º/1/c) do DL n.º 291/2007) contra o R., então condutor do veículo MS e seu segurado.

O R. contestou.

Alegou, em síntese, que, para o direito de regresso, para além de provar a culpa do condutor, tem a seguradora “de alegar e provar ainda factos de onde resulte o nexo de causalidade entre a condução com uma taxa de alcoolemia superior à legalmente permitida e o evento dele resultante[1], o que a A. não fez; e que “as despesas apresentadas não se encontram minimamente descritas e comprovadas, pelo que se impugnam por não se saber a que respeitam, nem sequer se derivadas do sinistro e efectivamente pagas”[2]; razões pelas quais concluiu pela total improcedência da acção.

Dispensada a audiência prévia, foi proferido despacho saneador, em que foi declarada a total regularidade da instância, estado em que se mantém.

Instruído o processo e realizada a audiência, a Exma. Juíza proferiu sentença, em que julgou a acção totalmente improcedente e, em consequência, absolveu o R. do pedido.

Inconformados com tal decisão, interpôs a A. o presente recurso, visando a sua revogação e substituição por outra que que julgue integralmente procedente a Acção e condene a Ré no pedido formulado na P.I.”.

Terminou a sua alegação com as seguintes conclusões:

“ (…)

1) A ora Apelante não se pode conformar com a douta sentença, no que respeita à absolvição do Réu da totalidade do pedido contra si deduzido, entendendo que douto Tribunal a quo fez errada interpretação dos factos provados, aplicando incorrectamente o direito substantivo e processual aos mesmos, incorrendo em erro aquando da decisão proferida.

2) Dos factos dados como provados, nos pontos 3º a 8º, 10º, 11º e 14º e 15º na douta Sentença de que ora se recorre, e que supra se transcreveram, resultam, inequivocamente e com especial importância para a decisão de mérito os seguintes: 1) Aquando da ocorrência do acidente o aqui Reu conduzia com uma TAS de 1,40 g/l. 2) No local onde provinha o veículo MS, conduzido pelo aqui Réu, existia um sinal de cedência de passagem, que impunha ao mesmo ceder passagem aos veículos que circulavam na Rua Nuno Alvares Pereira, como era o caso do veículo BBW. 3) O veículo conduzido pelo Réu invadiu a faixa de rodagem onde circulava o BBW. 4) O embate ocorreu entre a frente do MS e a lateral frente direita do BBW.

3) Salvo o devido respeito pela posição assumida pelo doutro Tribunal a quo, a ora recorrente não pode nem consegue aceita que em face dos factos supra enumerado se tenha decidido que o Réu ilidiu a presunção de culpa que sobre si recaia e que não se tenha demonstrado a verificação de nexo de causalidade entre a TAS que o Réu apresentava no momento do acidente e a ocorrência do mesmo.

4) É entendimento unanime da Jurisprudência dos Tribunais Superiores que o D.L. 291/2007, aplicável à data dos factos, deixou de exigir a demonstração do nexo de causalidade entre a ocorrência do acidente e a TAS detectada no condutor.

5) É Jurisprudência pacífica e uniformizada que a entrada em vigor do D.L. 291/2007 teve como consequência dispensar a seguradora do ónus de demonstração do nexo de causalidade entre a condução com álcool e a verificação do acidente. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, Proc: 1658/14.9TBVLG.P1.SI, de 6/4/2017, Tribunal da Relação de Évora, Proc: 287/16.7T8STR. E1, de 24/5/2018, in www.dgsi.pt

6) Pelo exposto, torna-se evidente que no caso em apreço andou mal o douto Tribunal a quo quando refere que a ora recorrente não conseguiu demonstrar o nexo de causalidade entre a verificação do acidente e a TAS que o Réu possuía no momento da ocorrência do mesmo, à ora recorrente não exigível esse tipo de prova, estando dispensada de o fazer pela lei substantiva, estabelecida no art. 27º do D.L. 291/2007.

7) O art. 27º do D.L. 291/2007 exige apenas e só que a seguradora demonstre que o acidente ocorreu por culpa do condutor do veículo seu segurado, aqui Réu, que no momento do acidente o condutor do veículo seu segurado conduzisse com uma TAS superior à legal, leia-se 0.5 g/l, e que do acidente tenham resultado danos indemnizáveis pela seguradora.

8) É evidente que dos três pressupostos para a consagração do seu direito de regresso no presente caso, dois deles, estão sobeja e claramente demonstrados, sendo, por demais evidentes:

 - A condução no momento do acidente, por parte do aqui Réu, com uma TAS superior à legal, no caso uma TAS crime de 1,40 g/l.

- A existência de danos indemnizáveis e indemnizados, conforme factos 1º e 2º, 9º a 13º do elenco dos factos dados como provados na douta Sentença ora recorrida.

9) Quanto ao terceiro e último pressuposto para a existência do direito de regresso da ora recorrente, a culpa do Réu na produção do acidente, salvo o devido respeito por opinião diversa, entende a aqui Recorrente que o mesmo resultou, também provado em consonância com os pontos 3º a 8º e 9º do elenco dos factos provado na douta Sentença.

10) Tendo resultado provado que o aqui Réu conduzindo o veículo MS com uma TAS de 1,40 g/l, numa estrada à qual estava aposto um sinal de cedência de passagem, que o obrigava a ceder passagem a todos os veículos que circulavam na Rua Nuno Alvares Pereira, não tendo cedido passagem ao veículo BBW, que circulava nesta artéria, indo-lhe embater com a frente direita, na lateral direita do BBW, deu causa exclusiva ao acidente.

11) A imposição de um sinal de cedência de passagem ao aqui Réu, impunha-lhe um dever especial de cuidado ao entrar na estrada onde ocorreu o acidente. Por outro lado, circulando com uma TAS de 1,40 g/l, o aqui Réu estava notória e evidentemente limitado na sua actuação e condução. Acresce que tendo o embate ocorrido entre a lateral direita do BBW e a frente do MS fica claro que o BBW já estava a passar a zona do cruzamento quanto o MS entra no mesmo e lhe embate.

12) Pelo exposto, entende a aqui recorrente que o aqui Réu não cumpriu com o dever de cuidado que lhe era exigível nem com a imposição de cedência de passagem que o sinal lhe impunha.

13) O aqui Réu não ilidiu, de todo, a presunção de culpa que sobre ele recaia, não pode valer ao aqui Réu a simples duvida se o veículo BBW circulava com os faróis ligados ou não. Era ao Réu que incumbia essa prova clara e irrefutável de forma a que pudesse ilidir a presunção de culpa que sobre ele recaia.

14) Teria que ter ficado, cabalmente, demonstrado e provado nos autos que o veículo BBW aquando da ocorrência do acidente não circulava com os faróis ligados, que isso tenha impossibilitado o aqui Réu de o visualizar, e que essa circunstância tenha sido a causa para a ocorrência do acidente.

15) Pelo exposto entende a ora recorrente que o douto Tribunal a quo andou mal na aplicação do direito aos factos, tendo violado o disposto no art. 27º do D.L. 291/2007 e o art. 342º do CPC, entre outros, bem indo contra jurisprudência uniformizada dos tribunais superiores.

. (…)”

O R. respondeu, sustentando, em síntese, que a sentença recorrida não violou qualquer norma substantiva, designadamente, as referidas pela recorrente, pelo que deve ser mantida nos seus precisos termos; e, subsidiariamente, ampliou o objecto do recurso, devendo dar-se por não provado o facto 13 dos factos provados, por ausência de prova do valor dos danos decorrentes do sinistro em causa.”

Terminou a sua alegação com as seguintes conclusões:

“(…)

1. O Recorrido entende dever manter-se nos exactos termos a douta sentença absolutória proferida pelo Tribunal a quo, não reconhecendo mérito ao recurso interposto pela Autora, ora Recorrente.

2. Em alegações a Recorrente vem recorrer da matéria de direito, nomeadamente por errada interpretação dos factos provados e aplicação incorrecta do direito substantivo e processual aos mesmos e consequente erro aquando da decisão.

3. Pelo que a matéria de facto será dada por assente, limitando-se o recurso à apreciação da matéria de direito.

4. Ora, tendo em conta dos provados em 4.º e 8.º e não provados em a) a d) e f) a h), dos quais resulta que ao aproximar-se do sinal de cedência de passagem o Recorrido abrandou e não constatou a existência de luzes rodoviárias na Rua Nuno Álvares Pereira, para a qual pretendia seguir e por isso avançou, não ficando provado que o veículo no qual o recorrido embateu seguisse com os faróis ligados, bem como não ficando provado que o sinistro se deveu ao excesso de álcool no sangue do Recorrido ou que a TAS com que seguia afectasse a sua condução, ou que o Recorrido tivesse incumprido os deveres de cuidado, zelo, precaução e prudência a que estava obrigado, não prestando a devida atenção ao processamento do trânsito no local onde se deu o acidente e à configuração da via.

5. E ainda não ficando provado que um homem médio diligente e cuidadoso que não tivesse ingerido bebidas alcoólicas, nas circunstâncias em que ocorreu o acidente, teria tido outro comportamento que impediria a verificação do supra descrito acidente, não pode ser estabelecido um nexo de causalidade, em termos de causalidade adequada entre a TAS que o Recorrido apresentava aquando do sinistro e a ocorrência do mesmo.

6. Não obstante o Tribunal a quo entender que pelo art.º 27.º n.º 1 al.ª c) do DL 291/2007 de 21 de Agosto existe uma presunção que desonera a Recorrente de provar o nexo de causalidade entre a TAS que o Recorrido apresentava no momento do acidente e a ocorrência do mesmo, é uma presunção juris tantum, ou seja, passível de prova em contrário, nos termos do art.º 350.º n.ºs 1 e 2 do CC.

7. Pelo que, da prova carreada para juízo, quer por declarações do próprio, quer do depoimento de (…), bem como pelo teor da Participação de acidente fls. 200 e ss e ainda o depoimento do agente da PSP que esteve no local (…) o Recorrido provou que a causa do acidente se deveu ao facto de ao aproximar-se do sinal de cedência de passagem e abrandando para ver se circulava algum veículo na rua pela qual queria seguir, ao não ter visto luzes rodoviárias avançou, vindo a embater no veículo BBW, ilidindo a presunção que beneficiava a Recorrente.

8. Assim, não ficando provado (tendo o Recorrido ilidido a presunção) que a TAS que o condutor ora Recorrido deu causa ao acidente, segundo um nexo de causalidade adequada, falta um dos requisitos para o direito de regresso da Recorrente nos termos do art.º 27.º, n.º1 al.ª c) do DL 291/2007, de 21 de Agosto, pelo que deverá manter-se nos seus exatos termos a decisão do tribunal a quo.

9. Não obstante e por mera cautela, caso proceda a questão de direito em crise no recurso interposto pela Recorrente seja procedente, vem o Recorrido interpor, nos termos do art.º 633.º do CPC, recurso subordinado da douta sentença do tribunal ad quo por, com a mesma não concordar, nomeadamente quando o Douto Tribunal deu como provado o facto vertido em 13.º dos factos provados, o qual deverá ser dado como não provado.

10. Porquanto a testemunha (…), o qual prestou depoimento, (depoimento prestado no dia 11/03/2019, gravado no habilus do nº 00.00.01 a 00.26.07) disse, em suma, que só teve intervenção na parte da liquidação, adiantando que os danos resultantes do sinistro apuravam-se mediante relatório a realizar, o qual não foi junto aos autos, e que não tinha conhecimento se os danos apresentados resultavam do sinistro em causa, pois limitava-se a fazer os pagamentos dos valores sem questionar.

11. Para além de que o tribunal a quo deu como provados os danos com base em documentos que o Recorrido havia impugnado, por valores incorretos, faturas duplicadas, despesas que não se encontravam minimamente descritas e comprovadas, etc. E ainda “como é do conhecimento geral, as seguradoras apenas liquidam valores após a elaboração das pertinentes peritagens e após a comprovação efetiva dos danos sofridos…” Ora, não pode o tribunal a quo dar como provados danos com base conhecimento geral do que é a pratica das seguradoras, mas sim com base em prova concreta e carreada pela Recorrente para os autos, até porque a testemunha referiu que é regra existir tal prova! Logo, se não foi junta aos autos é porque no caso não foram apurados quais os danos que diziam respeito exclusivamente ao sinistro.

12. Assim, entendemos que a Recorrente não juntou prova suficiente e a que juntou não permitia apurar com rigor os danos resultantes exclusivamente do sinistro em causa, pois apenas esses poderão eventualmente ser exigidos ao Recorrido.

Dispensados os vistos, cumpre, agora, apreciar e decidir.


*

II – “Reapreciação” da decisão de facto

Como “questão prévia” à enunciação dos factos provados, importa – atenta ampliação do âmbito do recurso por parte do R/apelado – analisar a questão a propósito da decisão de facto por este colocada a este Tribunal.

Efectivamente, embora o R/apelado fale em recurso subordinado e invoque o art. 633.º do CPC (cfr. conclusão 9), trata-se “apenas” de ampliação do objecto do recurso (interposto pela A/apelante) nos termos do art. 636.º do CPC: o R. obteve total ganho de causa na decisão de 1.ª Instância, pelo que, não havendo uma “parte desfavorável” para si em tal decisão, não pode recorrer, sequer subordinadamente, de tal decisão, podendo, isso sim, a título subsidiário – sendo isso que se considera ter sido feito – impugnar a decisão proferida sobre pontos determinados da matéria de facto, “prevenindo a hipótese de procedência das questões por este [recorrente] suscitadas” (cfr. art. 636.º/2 do CPC).

É justamente o caso: procedendo, como é o caso e infra se explicará, a questão suscitada pela A/recorrente, ganha relevância a impugnação, a título subsidiário, da decisão de facto suscitada pelo R/apelado, pelo que se passa desde já a apreciá-la.

Vejamos:

Discorda o R/apelado do ponto 13.º dos factos provados, que, segundo ele, deve ser dado como não provado.

Estão em causa, em tal ponto 13.º, os montantes despendidos pela A. na regularização do sinistro; sendo que, para fundamentar a “resposta positiva” dada, se escreveu na sentença recorrida:

“ (…)

Pese embora o réu, (…) tenham deposto por forma a afirmar que as ocupantes do BBW não apresentavam ferimentos, procurando enjeitar que tivessem sofrido lesões, a verdade é que esses ferimentos se mostram descritos na participação do acidente, maxime a fls. 202 dos autos, além dos relatórios de urgência de fls. 27 a 30 também comprovarem tal.

Relativamente aos danos materiais provocados nas viaturas os mesmos mostram-se desde logo documentados nas fotografias de fls. 208 e 209 e que evidenciam os danos em ambos os carros, danos esses cuja existência foi igualmente referida na participação de acidente e pelos depoimentos de todas as testemunhas inquiridas.

Os valores despendidos pela aqui autora para a regularização do sinistro dos autos tiveram respaldo nas declarações de (…), valoradas de forma conjugada com a documentação de fls. 31 a 68, não se olvidando ainda que, como é do conhecimento geral, as seguradoras apenas liquidam valores após a elaboração das pertinentes peritagens e após a comprovação efectiva dos danos sofridos, procedimento que entendemos não ter sido quebrado no caso vertente, face à documentação junta nos autos. (…)”

Que dizer?

É de todo evidente que as duas ocupantes do BBW foram naquele dia observadas no Hospital de S. Teotónio, assim como é evidente, pelas fotografias de fls. 209, que o veículo BBW sofreu estragos a necessitar de reparação.

Assim, de modo algum o ponto 13.º dos factos pode/deve, como pretende o R., ser dado integralmente como não provado (aliás, o R. não coloca em crise o que se deu como provados nos pontos 9, 10 e 11).

Toda a questão estará pois nos montantes efectivamente despendidos pela A. e na prova de tais montantes.

E, neste ponto, impõe-se reconhecer que alguma razão existe ao R..

A A. juntou um conjunto de documentos cujos valores, somadas, não dão os valores que constam dos “documentos internos” da A. (que também juntou); para além disto, a quantia de € 2.002,55 liquidada à M (…), parece estar computada em duplicado (está incluída nos documentos 7 e depois considerada autonomamente nos documentos 10) e a quantia de € 1.233,21, pretensamente liquidada à M (…) também só aparece em documentos internos da A. (não se percebendo a que possa dizer respeito).

Por conseguinte, ponderando o que resulta dos documentos juntos – dos quais decorre alguma confusão e falta de critério da A. na sua elaboração/junção[3] – altera-se a resposta dada ao ponto 13 dos factos provados no seguinte sentido:

“13. Na resolução do sinistro dos autos a autora despendeu as seguintes quantias:

a) € 2.581,20, liquidado a A (…), a título de danos pessoais, incluindo consultas, despesas medicamentosas e hospitalares,

b) € 118,07, liquidado ao Centro Hospitalar de (...) ,

c) € 115,57, a título de despesas hospitalares,

d) € 2.002,55[4], liquidado a M (…)S.A, tudo no valor global de € 4.817,39.

É quando há a dizer sobre a ampliação do objecto recurso, que procede em parte e nos termos acabados de fixar.


*

III – Fundamentação de Facto

III - A) Factos Provados

1. A autora exerce a indústria de seguros em vários ramos.

2. J (…) celebrou com a autora um contrato de seguro do ramo automóvel, titulado pela apólice n.º 004155593, através do qual transferiu para a ora autora a responsabilidade civil decorrente de acidentes de viação, relativamente ao veículo de matrícula MS (...) .

3. No dia 19 de Maio de 2014, pelas 00h45m, o veículo de matrícula MS (...) , à data conduzido por P (…), circulava na Rua Padre Leonardo de Sousa, em Viseu.

4. De seguida saiu de tal artéria em direcção à Rua Nuno Álvares Pereira, onde veio a embater com a parte dianteira na lateral direita do veículo de matrícula (...) BBW, conduzido por A (…), invadindo a faixa de rodagem pela qual este circulava, com o esclarecimento que se desconhece se o BBW seguia com os respectivos faróis ligados.

5. O BBW prosseguia da Av. 25 de Abril em direcção à Rua Eng. Lino Rodrigues.

6. P (…) ao conduzir o veículo nas referidas circunstâncias, apresentava uma taxa de álcool no sangue de 1,40 g/l.

7. O local do acidente consubstancia-se por uma estrada sem separador, cujo limite de velocidade é de 50 km/hora.

8. No local mencionado em 4. existe um sinal de cedência de passagem, com o esclarecimento que ao aproximar-se do mesmo P (…) não constatou pela existência de luzes rodoviárias na Rua Nuno Álvares Pereira, razão pela qual para a mesma avançou abrandando mas sem parar no sinal referido.

9. Na sequência de tal embate a condutora do veículo terceiro BBW, A (…)sofreu diversas lesões, tendo ficado portadora de uma I.P.P. de 5 pontos.

10. Tendo o veículo MS sofrido danos materiais na dianteira.

11. E o veículo BBW sofreu danos na lateral frente direita.

12. A autora procedeu à reparação de todos os danos decorrentes do sinistro.

13. Na resolução do sinistro dos autos a autora despendeu as seguintes quantias:

a) € 2.581,20, liquidado a A (…), a título de danos pessoais, incluindo consultas, despesas medicamentosas e hospitalares,

b) € 118,07, liquidado ao Centro Hospitalar de (...) ,

c) € 115,57, a título de despesas hospitalares,

d) € 2.002,55, liquidado a M (…) S.A, tudo no valor global de € 4.817,39.

14. O condutor do MS sabia que a ingestão de bebidas alcoólicas na quantidade em que conscientemente o fez o poderia influenciar negativamente na condução automóvel.

15. A condução com uma taxa de álcool no sangue de 1,40 gramas por litro é susceptível de fazer diminuir a aptidão para conduzir, com um substancial agravamento do risco de acidente.


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III - B) Factos Não Provados

Não se provou que:

a) O embate referido se deveu ao excesso de álcool no sangue que P (…) apresentava.

b) O P (…) não adequou a velocidade a que circulava às características da via.

c) O condutor do MS, devido à concentração de álcool que possuía no sangue, conduzia completamente desatento e alheado ao processamento do trânsito e da circulação automóvel em seu redor, com os reflexos e discernimento altamente diminuídos.

d) Devido ao facto de estar sob o efeito de uma taxa de alcoolemia de 1,40 g/l, o condutor do MS agiu com falta de cuidado, zelo, precaução e prudência a que estava obrigado, não prestando a devida atenção ao processamento do trânsito no local onde se deu o acidente e à configuração da via.

e) O veículo BBW, por forma a evitar o embate, ainda tentou desviar-se do MS, não logrando contudo evitá-lo.

f) A ingestão de bebidas alcoólicas na quantidade em que conscientemente o fez influenciou negativamente o condutor do MS na condução automóvel.

g) O condutor do MS agiu deliberada, livre e conscientemente com acentuada falta de cautela, sabendo que ao iniciar a condução, nas circunstâncias em que o fez, colocava em causa a segurança rodoviária.

h) Um homem médio diligente e cuidadoso que não tivesse ingerido bebidas alcoólicas, nas circunstâncias em que ocorreu o acidente, teria tido um outro comportamento que impediria a verificação do supra descrito acidente.

i) As lesões que A (…) apresentou foram causadas por outro acidente que não o descrito nos autos.


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IV – Fundamentação de Direito

No centro do litígio está a questão da interpretação do art. 27.º/1/c) do NRSO (DL 291/2007), ou seja, a questão dos pressupostos do direito de regresso da seguradora contra o condutor alcoolizado (mais directa e concretamente, a questão de saber se o nexo causal entre a condução sob o efeito do álcool e o acidente faz parte de tais pressupostos e, em caso afirmativo, a quem pertence a prova do mesmo).

No passado, na vigência do art. 19.º/c) da anterior LSO (DL 522/85), suscitou tal questão viva polémica e divergência jurisprudencial, a que o AUJ 6/2002, de 28/05/2002, procurou pôr termo, firmando o entendimento de que, para a procedência do direito de regresso (contra o condutor alcoolizado), “tem a seguradora o ónus de provar o nexo de causalidade adequada entre a condução sob o efeito do álcool e o acidente”.

Entretanto, mudou a lei – e os termos da redacção da norma que prevê tal direito de regresso da seguradora – e alguma divergência “renasceu”.

Historiando, muito brevemente:

Dispunha o artigo 19.º/c) do DL 522/85 que, “satisfeita a indemnização, a seguradora apenas tem direito de regresso: (…) c) contra o condutor, se este (…) tiver agido sob a influência do álcool (…)”; tendo-se, na sua interpretação e aplicação, estabelecido 3 entendimentos jurisprudenciais: um primeiro, segundo o qual a condução sob o efeito do álcool tinha como consequência e efeito automático a existência do direito de regresso; um segundo que exigia, para haver direito de regresso, que a seguradora provasse que o sinistro foi causado pela taxa de alcoolemia de que o condutor era portador; e um terceiro que, exigindo tal nexo causal, considerava ser o mesmo de presumir nos termos do art. 350.º do Código Civil (e das normas que proibiam e puniam a condução sob o efeito de álcool) e por isso ilidível pelo condutor.

E entre outros argumentos, para eleger o segundo entendimento referido e para impor à seguradora o ónus de provar o nexo de causalidade entre a condução sob o efeito do álcool e o acidente, escreveu-se no AUJ 6/2002 que “o legislador, se quisesse dispensar a prova do nexo de causalidade, diria simplesmente que o direito de regresso existia se o condutor conduzisse com álcool.”

Pois bem, ciente da polémica jurisprudencial que desembocou em tal AUJ 6/2002, foi exactamente isto que o legislador de 2007 veio dizer, uma vez que o actualmente vigente (e ao caso aplicável) art. 27.º/1/c) do DL 291/2007 veio justamente prescrever o direito de regresso contra o condutor, “quando este tenha dado causa ao acidente e conduzir com uma taxa de alcoolemia superior à legalmente admitida”.

Ou seja, onde, antes (no DL 522/85), se falava em ter “agido sob a influência do álcool” – o que, para o AUJ, era algo mais do que conduzir com alcoolemia acima da legalmente permitida e levou a eleger o segundo entendimento referido – passou a apenas exigir-se que “conduzisse com uma taxa de alcoolemia superior à legalmente admitida”.

Enfim, configurando a polémica jurisprudencial anterior e o AUJ que a encerrou uma espécie de “trabalhos preparatórios” da lei actual, é difícil, a nosso ver e com todo o respeito por opinião diversa, sustentar-se que o actual art. 27.º/1/c) do DL 291/2007 não consagra o supra referido primeiro entendimento jurisprudencial[5], ou seja, que basta a mera condução com uma taxa de alcoolemia superior à legalmente admitida, não sendo preciso a seguradora alegar ou provar o nexo causal entre a alcoolemia e o acidente; o que significa que não estará sequer sob discussão (não sendo um dos pressupostos do direito de regresso da seguradora) a questão do nexo causal (entre a condução sob o efeito do álcool e o acidente), não se colocando assim a possibilidade do condutor poder alegar e provar factos que possam ilidir o que, segundo um tal entendimento, estaria (tão só) consagrado na nova lei: uma presunção legal do nexo causal (ilidível nos termos do art. 350.º/2 do C. Civil).

Não obstante, são estes dois e diversos entendimentos jurisprudenciais – correspondentes aos 1.º e 3.º entendimentos supra referidos – que com a nova lei se voltam a desenhar[6].

Na sentença recorrida, após se ter escrito que, face à entrada em vigor do art. 27.º/1/c) do DL 291/2007, tem vindo a entender-se que o direito de regresso prescinde da questão de saber se em concreto a TAS influenciou a condução, dispensando a demonstração do nexo de causalidade adequada entre o estado de alcoolemia e o acidente/danos, citam-se, em tal sentido, “os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 07/03/2019, proc. n.º 248/17.9T8BRG.G1.S2, relatado por Abrantes Geraldes, de 06/04/2017, proc. n.º 1658/14.9TBVLG.P1.S1, relatado por Lopes do Rego, do Tribunal da Relação de Coimbra de 14/03/2017, proc. n.º 1160/15.1T8LRA.C1, relatado por Vítor Amaral, de 16/01/2018, proc. n.º 74/16.2T8AND.P1, relatado por Maria Cecília Agante e todos disponíveis in www.dgsi.pt.”.

Acórdãos estes – e outros podiam ser citados – que são um exemplo da referida não uniformidade jurisprudencial, uma vez que nos citados Ac. do STJ de 07/03/2019 e desta Relação de Coimbra de 14/03/2017 não se sustenta o entendimento (depois seguido na decisão recorrida) de que o art. 27.º/1/c) do DL 291/2007 consagre uma mera presunção legal (ilidível pelo condutor) do nexo causal.

Sendo que é esta também a nossa posição, ou seja, para haver direito de regresso da seguradora (no domínio do art. 27.º/1/c) do DL n.º 291/2007) basta que se apure que, na ocasião do acidente, o condutor apresentava taxa de alcoolemia superior à legalmente permitida; dito doutro modo, tendo o condutor de veículo automóvel dado causa ao acidente de viação, a seguradora goza automaticamente do direito de regresso quando aquele seja portador de uma TAS superior à legalmente admitida, não sendo exigível ou indispensável, para a procedência do direito de regresso, que a seguradora alegue e prove a existência de um nexo de causalidade entre a alcoolemia e a produção do acidente[7].

Presume a lei (e trata-se de uma presunção iuris et de iure) que um condutor que apresente uma TAS igual ou superior à legalmente admitida se encontra sob a influência do álcool (cfr. art. 81.º/2 do C. Estrada) e, sendo assim, é inteiramente harmónico (e cumpridor da unidade da ordem jurídica) que o vincule (posto que tenha causado o acidente) ao direito de regresso da seguradora; uma vez que estamos perante uma circunstância que implica um sensível agravamento dos normais riscos de circulação e cuja cobertura, na relação com o condutor, não deve por isso ser considerada incluída na economia do contrato de seguro.

Como se referiu no já citado Ac STJ de 9-10-2014, “a previsão legal do direito de regresso integra o chamado estatuto legal imperativo do contrato de seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel”, segundo o qual, “sem prejuízo da garantia que o contrato de seguro representa para o lesado, satisfeita a indemnização devida a este pela seguradora, o direito de regresso visa, afinal, restabelecer o equilíbrio interno do contrato de seguro, comprometido quando se impôs à seguradora uma obrigação de indemnização por danos verificados quando a responsabilidade civil do condutor não estava (nem podia estar[8]) garantida e coberta pelo contrato de seguro. (…)

A concentração de álcool no sangue para além de certo limite implica um agravamento do risco de acidentes que, por romper o equilíbrio contratual convencionado na proporção entre o risco (normal) assumido e o prémio estipulado e pago não pode deixar de ser juridicamente relevante, em termos de, sem comprometer a indemnização dos lesados, fazê-la repercutir sobre o condutor que deu causa ao acidente. (…)

Assim sendo, podemos concluir (…) que o artigo 27.º, n.º 1, alínea c), do DL 291/2007, de 21 de Agosto, atribui à entidade seguradora o direito de regresso contra o condutor do veículo culpado pela eclosão do sinistro, sempre que a condução se tenha operado com uma taxa de alcoolemia superior à legalmente admitida e sem necessidade de comprovar o nexo de causalidade adequada entre o grau de TAS do condutor e o acidente: aquela condução (com TAS superior à legalmente permitida) funcionará, assim, como uma condição ou pressuposto do direito de regresso (independentemente da sua relação causal com o acidente) e não da responsabilidade civil; logo, a seguradora não tem que demonstrar que foi por causa da alcoolemia e da influência da mesma nas respectivas capacidades psico-motoras que o condutor praticou este ou aquele erro na condução e com isso, deu causa ao acidente, bastando-lhe demonstrar que, nesse momento, ele acusava uma concentração de álcool no sangue superior à permitida por lei. (…)

Em síntese, a lei (art. 27.º/1/c) do DL n.º 291/2007) não exige a alegação e prova de qualquer relação entre a alcoolemia e a produção do acidente, bastando-se com a verificação objectiva da alcoolemia no sangue do condutor para fundamentar o direito de regresso da seguradora.

Significa isto, como já foi antecipado, que não se concorda com o referido na sentença recorrida sobre o art. 27.º/1/c) do DL n.º 291/2007 estabelecer uma presunção legal do nexo causal e por isso ilidível pelo condutor e ainda menos, com todo o respeito, com o que se expendeu para concluir, no caso, pela ilisão duma tal presunção.

Resumindo, começando pelo princípio:

Como consta do relato inicial, o R. apenas suscitou duas questões: não ter a seguradora alegado o supra analisado nexo de causalidade[9] e não se encontrarem as “despesas apresentadas minimamente descritas e comprovadas”; ou seja, verdadeiramente, não colocou sequer em crise a sua responsabilidade pelo acidente, isto é, que o acidente lhe é imputável a título de culpa efectiva ou presumida.

Seja como for, é evidente que o acidente lhe é imputável.

Resulta dos factos[10] que o R., na cidade de Viseu, vinha duma artéria em que existe um sinal de cedência de passagem, tendo-se o acidente dado na zona de entroncamento que tal artéria faz com a que lhe é prioritária, o que significa, para o acidente/embate poder ter ocorrido, que o Réu não respeitou a norma de protecção estabelecida no art. 29.º/1 do Código da Estrada, bem como o disposto no art. 21.º do Regulamento de Sinalização de Trânsito (Decreto Regulamentar nº 22-A/98) referente ao sinal B1, passando assim a impender sobre ele uma presunção de culpa na produção do acidente, segundo o entendimento jurisprudencial – cfr. Ac. STJ de 05-02-1998 – das contravenções causais ao Código da Estrada fazerem presumir (presunção juris tantum, a ilidir pelo transgressor) a culpa.

Assente a culpa do R. (por nada ter sido sequer alegado no sentido da ilisão de tal “presunção” de culpa) e estando provado que o R. conduzia com uma taxa de álcool no sangue de 1,40 g/l, restava/resta apenas, para o sucesso do direito de regresso aqui exercido, analisar a questão dos danos e das quantias despendidas para os indemnizar por parte da seguradora.

Como já se explicou, a lei (art. 27.º/1/c) do DL n.º 291/2007) não exige a alegação e prova de qualquer relação entre a alcoolemia e a produção do acidente, bastando-se com a verificação objectiva da alcoolemia no sangue do condutor para fundamentar o direito de regresso da seguradora, ou seja, concluindo-se que o condutor (alcoolizado) de veículo automóvel é o responsável pelo acidente, a seguradora goza automaticamente do direito de regresso.

Seja como for, ainda que se entendesse – e não é o nosso caso – que o art. 27.º/1/c) do DL n.º 291/2007 estabelece uma “mera” presunção legal do nexo causal e que a mesma é ilidível pelo condutor, não se poderia, no caso, em face dos factos, concluir pela ilisão de tal presunção.

A tal propósito, entendeu-se na sentença recorrida que a circunstância de estar provado “não ter o R. [no momento em que se aproximou do sinal de cedência de passagem] constatado pela existência de luzes rodoviárias na rua para a qual avançou e onde o embate veio a ocorrer e se desconhecer se o BBW seguia com os respectivos faróis ligados (…) impõe se considere ilidida a presunção de que a falta cometida pelo réu – não respeitar o sinal de cedência – se deveu à concreta TAS que o mesmo apresentava. (…) E assim entendemos por os factos apurados demandarem o entendimento de que a efectiva causa da violação das apontadas regras estradais foi a circunstância do réu não ter visto luzes rodoviárias na rua onde veio a ocorrer o embate na viatura BBW, tendo sido esta a razão pela qual avançou para tal rua sem parar no sinal e não face ao álcool que apresentava no sangue. Ponderando ainda que se desconhece se a referida viatura BBW seguia com os faróis ligados, então e em face de tal não se pode concluir que o réu, ao não constatar pela existência de luzes rodoviárias, se encontrava desatento, porquanto não se poder afirmar a existência de luzes rodoviárias.[11]

Com todo o respeito, não pode ser.

Não se tendo provado, como é expressamente dito em tal raciocínio da sentença recorrida, se o BBW vinha ou não com os respectivos faróis ligados[12] e não estando assim afastada (através de factos positivamente provados) a possibilidade do BBW poder vir com os faróis ligados, a circunstância de “não ter o R. constatado pela existência de luzes rodoviárias na rua para a qual avançou” é/seria totalmente insuficiente para ilidir a presunção do nexo causal[13], uma vez que, como é evidente – não estando, repete-se sempre, afastada pelos factos provados a possibilidade do BBW poder vir com os faróis ligados – pode pertinentemente dizer-se que o R. pode não ter visto as luzes justamente por o álcool prejudicar/toldar as suas capacidades psicofisiológicas (por, sob a influência do álcool, as suas capacidades de atenção e de concentração ficarem diminuídas).

Mais, não respeitar um sinal de passagem só porque “não se constata a existência de luzes” é até um sinal da “audácia” própria da condução sob o efeito do álcool[14], “audácia” essa que, claro está, não é o comportamento que a lei exige e impõe a um condutor medianamente capaz e prudente, ou seja, encurtando razões, o comportamento do R., de avançar sem mais (em desrespeito à regra da prioridade), apenas por não ter constatado a existência de luzes (não se tendo provado, repete-se mais uma vez, se o BBW vinha ou não com os respectivos faróis ligados), não só não ilidiria a presunção de nexo causal (que, como supra explicámos, não é exigido pela lei), como, inclusivamente, bem vistas as coisas, até seria inteiramente consonante com uma tal presunção, no caso e segundo tal entendimento, do nexo causal (para quem conduz com um taxa de álcool no sangue superior à legalmente permitida)[15].

Enfim, retomando o raciocínio, assente a culpa do R. e estando provado que o R. conduzia com uma taxa de álcool no sangue de 1,40 g/l, resta apenas analisar a questão dos danos e das quantias despendidas para os indemnizar por parte da seguradora.

No fundo, trata-se de saber o que a seguradora pagou e se “pagou bem”, isto é, se as quantias que pagou aos lesados foram por danos por estes efectivamente sofridos no acidente (nexo causal entre o facto ilícito e os danos); questão que é no caso essencialmente de facto e a que o ponto 13 dos factos responde, ou seja, estando provado que a A. despendeu, na resolução do sinistro dos autos, a quantia global de € 4.817,39, é este o montante do seu direito de regresso.


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Em conclusão final, consideramos procedente o que a A/apelante invocou na sua alegação recursiva e parcialmente procedente o que o R/apelante invocou na ampliação do objecto da apelação, o que, em síntese, determina a revogação parcial do sentenciado na 1ª instância.

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V - Decisão

Pelo exposto, decide-se julgar parcialmente procedente a apelação e, consequentemente, em função de tal procedência, revoga-se a sentença recorrida e substitui-se a mesma pela condenação do R. a pagar à A. a quantia de € 4.817,39, acrescida de juros desde a presente data e até integral pagamento

Custas em ambas as instâncias por A. e R., em partes iguais.


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Coimbra, 14/01/2020

Barateiro Martins ( Relator)

Arlindo Oliveira

Emídio Santos



[1] Art. 20.º da Contestação.
[2] Art. 42.º da Contestação.
[3] Há documentos que se lêem com bastante dificuldade e há mesmo um – o Doc. 7/III – que é completamente incompreensível (também no processo electrónico), sendo impossível perceber qual é o valor de tal factura.

[4] No ponto 13 da sentença recorrida escreveu-se € 2.202,55 – e este valor também consta de documentos internos da A. – mas quer a fls. 45 quer a fls. 59 constam documentos em que o valor da reparação do Clio, matrícula BBW, é de € 2.002,55 e não de € 2.202,55.
[5] Em sentido diverso, Arnaldo Oliveira, in Seguro Obrigatório de Responsabilidade Civil Automóvel, pág. 65/66, segundo o qual “o legislador de 2007 não terá pretendido uma alteração de 180º no regime vigente, mas tão só de 90º”; acrescentando que “o legislador segurador de 2007, ao dar o seu contributo para a luta contra o álcool na estrada, não poderia razoavelmente deixar de atender a que a abolição total da causalidade mediata da condução sob o efeito do álcool em matéria de direito de regresso do segurador só poderia proceder se o regime da responsabilidade civil automóvel, a montante daquele, fosse alterado em sentido semelhante (…)”. Importando referir/objectar que a mera condução com álcool não faz o condutor imediatamente culpado/responsável pelo acidente, pelo que não poderia haver a tal alteração “em sentido semelhante”.
[6] É claramente minoritário e isolado o aresto – Ac. do STJ de 6-7-11, P. 129/08, in www.dgsi.pt – que sustenta que art. 27.º/1/c) do DL 291/2007 manteve o entendimento firmado pelo AUJ 6/2002.

[7] Cfr., neste sentido, Acórdãos do STJ de 28-11-2013, de 09-10-2014, de 07-02-2017 e de 07-03-2019, todos in www.dgsi.pt.

[8] Segundo tal Ac. do STJ, sendo proibida a condução com TAS igual ou superior a certo limite e sendo mesmo sancionada penalmente tal conduta quando atingir um limite superior (art. 81º nº1 e 2 do Cód Estrada e 292º do Cód Penal), tal assunção de risco pela seguradora seria nulo, por contrariar normas legais imperativas (art. 280.º/1 do C. Civil).
[9] Uma vez que, como também consta do relato inicial, tinha a A., segundo o R., que “alegar e provar ainda factos de onde resulte o nexo de causalidade entre a condução com uma taxa de alcoolemia superior à legalmente permitida e o evento dele resultante”.

[10] Em que havia um lapso (decorrente da incorrecta alegação da A.) no ponto 7, em que se dizia que “o local do acidente (…) é uma estrada de sentido único”. Efectivamente, a estrada de sentido único é a Rua Padre Leonardo Sousa (de onde vinha o R.) e não a Rua Nuno Álvares Pereira, onde já ocorreu o acidente/embate. Como se vê do croqui de fls. 20, o R. virou à esquerda e se a rua onde entrou (e onde se deu o acidente) fosse de sentido único ou ele ou o outro veículo estariam a circular em sentido proibido (tema que não deixaria de ser salientado nos autos). Aliás, a dado passo da sentença recorrida, escreveu-se que o veículo segurado pela autora, ao chegar ao entroncamento, não cedeu a passagem ao veículo BBW, “que se apresentava pela sua direita”; ora, não é claramente assim: o veículo BBW apresentava-se pela esquerda e o veículo segurado pela A. queria circular na mesma artéria, mas em sentido oposto.

[11] E, no seguimento disto, no penúltimo parágrafo da sentença, concluiu-se, certamente por lapso (de escrita), que, assim, “o réu logrou ilidir a presunção de culpa”.
[12] Aliás, isto mesmo consta do final do ponto 4 dos factos, em que se escreveu: “com o esclarecimento que se desconhece se o BBW seguia com os respectivos faróis ligados
[13] Com todo o respeito, o que era relevante era, não o que o R. constatou, mas o estar positivamente provado que o BBW não vinha (às 00,45 horas da madrugada) com os faróis ligados; este é que era o facto objectivo com interesse (não para a questão da ilisão do nexo causal, mas sim para a questão da própria culpa na produção do acidente) e não o que, porventura até ao arrepio de tal facto objectivo, o R. constatou.

[14] Ao que parece, o álcool perturba as capacidades sensoriais, particularmente as visuais, reduzindo a acuidade visual, a capacidade de avaliar correctamente as distâncias e velocidades e reduzindo a visão nocturna e crepuscular.

[15] Ou seja, no caso, tal circunstância, em vez de militar no sentido da ilisão da presunção, confirmaria até o acerto, no caso, duma tal presunção. Sendo irrelevante, a propósito da contribuição (ou não) do álcool para o acidente, tudo o que foi dado como não provado na sentença recorrida; efectivamente, como é sabido, dum facto não provado não resulta provado o seu contrário, o que significa que, na generalidade dos casos (acidentes de viação), os factos não provados são imprestáveis para alicerçar quaisquer juízos e raciocínios jurídicos.