Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2717/16.9T8LRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: PAULA MARIA ROBERTO
Descritores: AÇÕES PARA COBRANÇA DE DÍVIDA
AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DE DESPEDIMENTO
EXTINÇÃO DA INSTÂNCIA
INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE
Data do Acordão: 11/17/2017
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA – JUÍZO DO TRABALHO – J1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: AC. STJ Nº 1/2014, DR Nº 39/2014, DE 25/02/2014; ARTº 17º-E DO CIRE; ARTº 277º, AL.E) DO NCPC
Sumário: I – Uma ação especial de impugnação da regularidade e ilicitude do despedimento inclui-se nas ações para cobrança de dívidas e nas ações em curso com idêntica finalidade, a que alude o nº 1 do artº 17º-E do CIRE, quando os pedidos nela formulados contra a empregadora (indemnização por danos não patrimoniais, indemnização em substituição da reintegração e compensação), se julgados procedentes, refletem-se obrigatoriamente no seu património.

II – O processo especial de revitalização assegura ao trabalhador a defesa dos seus direitos e não consubstancia ou valida qualquer despedimento sem justa causa. O trabalhador , como qualquer credor, pode reclamar os seus créditos no âmbito daquele processo especial(artº 17º-D do CIRE).

III – Encontrando-se vencidos à data da propositura do PER/reclamação de créditos os créditos peticionados pelo trabalhador, os mesmos podiam ser atendidos no plano de revitalização e, consequentemente, por força do disposto no nº 1 do artº 17º-E do CIRE, a ação não pode prosseguir, devendo julgar-se extinta a instância por inutilidade superveniente da lide (artº 277º, e) do nCPC).

Decisão Texto Integral:










Acordam[1] na Secção Social (6ª secção) do Tribunal da Relação de Coimbra:

I - Relatório

A... , escriturária, residente em (...) ,

intentou a presente ação especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, contra

B... , S.A., com sede em (...) .

                                                             *

Para tanto, apresentou o formulário de fls. 2, opondo-se ao despedimento de que foi alvo e requerendo que seja declarada a ilicitude ou a irregularidade do mesmo, com as legais consequências.

                                                             *

Procedeu-se à realização da audiência de partes e a empregadora, notificada para apresentar articulado motivador do despedimento veio fazê-lo alegando, em síntese, que:

A relação de trabalho tem vindo a agravar-se e nos últimos dois meses piorou, posto que a A. não respeita a entidade patronal e seu diretores, não dá explicações do seu serviço e não obedece às ordens da Ré; a atitude da trabalhadora criou várias situações constrangedoras e muito graves para a empresa, má imagem e um mau exemplo perante os restantes colegas de trabalho; tem lesão seriamente os interesses do empregador com sérios prejuízos; o comportamento da A. provado no processo disciplinar é manifestamente culposo porquanto a A. violou de forma consciente e deliberadamente o dever de respeito para com a entidade patronal, o dever de confiança e de urbanidade, criando um mau ambiente de trabalho, sendo patente a impossibilidade de subsistência da relação laboral face a uma irremediável e irreparável quebra de confiança por ter sido destruído o suporte mínimo para a relação de trabalho.

Termina, dizendo que deve ser julgada improcedente a presente ação, declarando-se a regularidade e licitude do despedimento da A. com as legais consequências.

                                                             *

A trabalhadora apresentou contestação e reconvenção alegando, em síntese, que:

O processo disciplinar sofre de várias irregularidades e é nulo; a decisão de despedimento é nula; os factos que lhe são imputados são falsos ou não correspondem ao que aconteceu na realidade; não se verifica qualquer ilícito disciplinar e a existir já prescreveu e, ainda, que nunca lhe foi instaurado qualquer processo disciplinar.

Termina dizendo que a petição inicial deve ser julgada improcedente por não provada e a presente contestação julgada procedente por provada e, em consequência, ser considerado nulo o procedimento disciplinar; caso assim se não entenda, considerado o despedimento ilícito e a Ré condenada a pagar à trabalhadora uma indemnização por danos não patrimoniais no montante de € 3.000,00; uma indemnização por danos patrimoniais correspondente aos salários e subsídios não recebidos desde 18/07/2016 até à data do trânsito em julgado da sentença e uma indemnização em substituição da reintegração no posto de trabalho, no montante de € 19.439,60.

                                                             *

A empregadora não apresentou resposta à contestação reconvenção.

                                                             *

Por despacho de fls. 106 a 107 foi declarada suspensa a instância (artigo 17.º-E, n.º 1, do CIRE)..                                                       

                                                             *

Foi, depois, proferida sentença (fls. 132 e segs.) cujo dispositivo é o seguinte:

Pelo exposto, nos termos do citado preceito legal, se declara extinta a instância por inutilidade superveniente da lide”.

                                                              *

A trabalhadora notificada desta decisão, veio interpor o presente recurso que concluiu da forma seguinte:

[…]

                                                             *

A Ré apresentou resposta nos seguintes termos:

[…]

                                                             *

O Exm.º Procurador-Geral Adjunto pronunciou-se nos termos constantes do douto parecer de fls. 176 e segs., no sentido de “que deve manter-se a douta decisão impugnada”.

                                                             *

Colhidos os vistos, cumpre, agora, apreciar e decidir.

                                                             *

                                                             *

II – Fundamentação

a-) Factos provados constantes da sentença recorrida

[…]

                                                                       *

                                                             *

b) - Discussão

Como é sabido, a apreciação e a decisão dos recursos são delimitadas pelas conclusões da alegação do recorrente (art.º 639.º, n.º 1, do C.P.C. – redação da Lei n.º 41/2013 de 26/06), com exceção das questões de conhecimento oficioso.

Questão prévia:

Nulidade da sentença

A trabalhadora recorrente alega que a sentença recorrida é nula pois requereu a nulidade do procedimento disciplinar e o juiz a quo não se pronunciou sobre esta questão.

Significa isto que a recorrente veio invocar a nulidade da sentença por omissão de pronúncia (alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do C.P.C.).

Acontece que, a propósito da arguição de nulidades da sentença dispõe o artigo 77.º, do C.P.T. que:

<<1. A arguição de nulidades da sentença é feita expressa e separadamente no requerimento de interposição de recurso.

2. Quando da sentença não caiba recurso, a arguição das nulidades da sentença é feita em requerimento dirigido ao juiz que a proferiu.

3. A competência para decidir sobre a arguição pertence ao tribunal superior ou ao juiz conforme o caso, mas o juiz pode sempre suprir a nulidade antes da subida do recurso>>.

Pese embora as críticas a que este normativo foi sujeito, certo é que o Tribunal Constitucional já se pronunciou sobre o mesmo e apenas no sentido da sua inconstitucionalidade “na interpretação segundo a qual o tribunal superior não pode conhecer das nulidades da sentença que o recorrente invocou numa peça única, contendo a declaração de interposição do recurso com referência, a que se apresenta arguição de nulidades da sentença e alegações e, expressa e separadamente, a concretização das nulidades e as alegações, apenas porque o recorrente inseriu tal concretização após o endereço ao tribunal superior (…)” – Abílio Neto, C.P.T. anotado, 4ª ed. pág. 170.

Assim sendo, e lendo o requerimento de interposição de recurso, facilmente se conclui que a trabalhadora recorrente não arguiu a referida nulidade conforme o disposto no citado normativo (fê-lo na respetiva motivação juntamente com as restantes questões e não separadamente) e, consequentemente, a este tribunal está vedado o seu conhecimento por tal arguição ser extemporânea – neste sentido, entre outros, Acs. da Relação do Porto de 19/09/2005 e 16/04/2007 e do S.T.J de 18/06/2008 e 16/09/2008, todos disponíveis em www.dgsi.pt.

Desta forma, não se conhece a nulidade invocada pela recorrente nas suas alegações de recurso.

                                                             *

Posto isto, cumpre apreciar as restantes questões suscitadas pela trabalhadora recorrente, quais sejam:

Se inexiste fundamento legal para julgar extinta a instância por inutilidade superveniente da lide e, em caso afirmativo, se tal decisão viola o disposto nos artigos 20.º e 53.º, ambos da CRP.

                                                             *

Resulta da matéria de facto apurada que a Ré instaurou processo especial de revitalização que corre os seus termos no tribunal judicial da comarca de Leiria, juízo do comércio (J2), sob o n.º(…), em 02/07/2016 e no qual foi proferida decisão de homologação do plano de recuperação da aqui empregadora, transitada em julgado.  

Por outro lado, <<a decisão a que se refere a alínea a) do nº 3 do artigo 17º-C obsta à instauração de quaisquer acções para cobrança de dívidas contra o devedor e, durante todo o tempo em que perdurarem as negociações, suspende, quanto ao devedor, as acções em curso com idêntica finalidade, extinguindo-se aquelas logo que seja aprovado e homologado plano de recuperação, salvo quando este preveja a sua continuação>> - n.º 1 do artigo 17.º-E do CIRE.

Acresce que, o acórdão do STJ n.º 1/2014 (DR n.º 39/2014, Série I de 2014/02/25), uniformizador de jurisprudência, fixou o seguinte entendimento:

<<Transitada em julgado a sentença que declara a insolvência, fica impossibilitada de alcançar o seu efeito útil normal a acção declarativa proposta pelo credor contra o devedor, destinada a obter o reconhecimento do crédito peticionado, pelo que cumpre decretar a extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, nos termos da alínea e) do art. 287.º do C.P.C.>>.

Alega a recorrente que a presente ação não se integra na noção de ação para cobrança de dívidas ou com idêntica finalidade, uma vez que a cobrança de dívidas não abrange ações para reconhecimento de direitos, tendo peticionado a declaração de nulidade do processo disciplinar com a consequente reintegração ou de ilicitude do despedimento e atribuição da respetiva indemnização; o n.º 1, do artigo 17.º-E do CIRE refere-se a ações para cobrança de dívidas de natureza executiva e eventualmente ações declarativas em que seja peticionada uma quantia certa líquida e exigível, sendo que, à data de sentença o que existia era um crédito potencial; que não tendo a Ré cumprido o disposto no n.º 1 do artigo 17.º-D do CIRE em relação à trabalhadora, não reconhece a sua dívida e, assim, não podem estes autos ser considerados de ação para cobrança de dívida mas sim para existência de dívida  e, por fim, que a decisão recorrida, viola o disposto nos artigos 20.º e 53., ambos da CRP.

Vejamos, então, se lhe assiste razão.

Como se refere no acórdão da Relação do Porto proferido no processo n.º 523/12.9TTBRG.P1, ao que supomos, inédito:

O artigo 1º do CIRE [na redacção dada pela Lei nº16/2012, a qual procedeu à sexta alteração ao CIRE, em vigor desde 20.05.2012] determina o seguinte: “1. O processo de insolvência é um processo de execução universal que tem como finalidade a satisfação dos credores pela forma prevista num plano de insolvência, baseado, nomeadamente, na recuperação da empresa compreendida na massa insolvente, ou, quando tal não se afigure possível, na liquidação do património do devedor insolvente e a repartição do produto obtido pelos credores. 2. Estando em situação económica difícil, ou em situação de insolvência meramente iminente, o devedor pode requerer ao tribunal a instauração de processo especial de revitalização, de acordo com o previsto nos artigos 17º-A a 17º-I”.

Sob a epígrafe “Finalidade e natureza do processo especial de revitalização” estipula o artigo 17º-A do CIRE, no seu nº1, que “O processo especial de revitalização destina-se a permitir ao devedor que, comprovadamente, se encontre em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, mas que ainda seja susceptível de recuperação, estabelecer negociações com os respectivos credores de modo a concluir com estes acordo conducente à sua revitalização”.

O artigo 17º-C do CIRE determina que “1. O processo especial de revitalização inicia-se pela manifestação de vontade do devedor e de, pelo menos, um dos seus credores, por meio de declaração escrita, de encetarem negociações conducentes à revitalização daquele por meio da aprovação de um plano de recuperação. 2. A declaração referida no número anterior deve ser assinada por todos os declarantes, da mesma constando a data da assinatura. 3. Munido da declaração a que se referem os números anteriores, o devedor deve, de imediato, adoptar os seguintes procedimentos: a) Comunicar que pretende dar início às negociações conducentes à sua recuperação ao juiz do tribunal competente para declarar a sua insolvência, devendo este nomear, de imediato, por despacho, administrador judicial provisório, aplicando-se o disposto nos artigos 32º a 34º, com as necessárias adaptações” (…)

E finalmente, o artigo 17º-E, nº1 do CIRE prescreve que “A decisão a que se refere a alínea a) do nº3 do artigo 17º-C obsta à instauração de quaisquer acções para cobrança de dívidas contra o devedor e, durante todo o tempo em que perdurarem as negociações, suspende, quanto ao devedor, as acções em curso com idêntica finalidade, extinguindo-se aquelas logo que seja aprovado e homologado plano de recuperação, salvo quando este preveja a sua continuação” [sublinhado da nossa autoria].

Que sentido dar à expressão acções para cobrança de dívidas?

Nos termos do artigo 4º do Código de Processo Civil (CPC) “1. As acções são declarativas ou executivas. 2. As acções declarativas podem ser de simples apreciação, de condenação ou constitutivas. Têm por fim: a) As de simples apreciação, obter unicamente a declaração da existência ou inexistência de um direito ou de um facto; b) As de condenação, exigir a prestação de uma coisa ou de um facto, pressupondo ou prevendo a violação de um direito; c) As constitutivas, autorizar uma mudança na ordem jurídica existente. 3.Dizem-se acções executivas aquelas em que o autor requer as providências adequadas à reparação efectiva do direito violado”.

Segundo os ensinamentos de Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora “a distinção entre o processo declaratório e o processo executivo apenas se estabelece em relação às acções de condenação ou relativamente às acções de outro tipo (de mera ou simples apreciação ou constitutivas), em que haja uma sentença de condenação. Há nesses casos uma cisão nítida entre o processo de cognição, que finda com a sentença de condenação, e o processo executivo, que conduz à realização coactiva de uma ou mais pretensões” – Manual de Processo Civil, 1984, página 71.

Jorge Augusto Pais do Amaral defende que “A distinção entre acções declarativas e acções executivas equivale à diferença entre o simples declarar e executar, entre o dizer e o fazer. No processo declarativo é declarada a vontade concreta da lei, visando o executivo a execução dessa vontade” – Direito Processual Civil, 9ªedição, página 19.

O legislador da Lei nº16/2012 de 20.04 não podia desconhecer a distinção entre as acções declarativa e executiva e dentro das primeiras aquelas a que se refere o artigo 4º, nº 2 do CPC, não tendo, contudo, «abraçado» o critério seguido no referido artigo quando emprega a expressão acções para cobrança de dívidas.

Por outras palavras: no artigo 17º-E nº1 o legislador não fez distinção entre a acção declarativa e/ou executiva, a significar que nele estão incluídos ambos os tipos de acções, desde que visem a cobrança de dívidas contra o devedor, na medida em que são estas que atingem o património do devedor [para além da expressão «acções para cobrança de dívida» o legislador emprega também a expressão «acções em curso com idêntica finalidade», não se referindo, concretamente, à espécie de acção mas à sua concreta finalidade].

Em auxílio à interpretação a que chegámos podemos referenciar, ainda, o DL nº178/2012 de 03.08 – diploma que criou o Sistema de Recuperação de Empresas por Via Extrajudicial (SIREVE) – concretamente o seu artigo 11º, onde se faz referência expressa às acções executivas para pagamento de quantia certa e às acções destinadas a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias instauradas contra a empresa [determina o nº2 do artigo 11º que «O despacho de aceitação do requerimento de utilização do SIREVE obsta à instauração contra a empresa de quaisquer acções executivas para pagamento de quantia certa ou outras acções destinadas a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias enquanto o procedimento não for extinto e suspende, automaticamente e por igual período, as acções executivas para pagamento de quantia certa ou quaisquer outras acções destinadas a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias, instauradas contra a empresa que se encontrem pendentes à data da respectiva prolação»].

João Aveiro Pereira defende que “embora não exista na lei adjectiva nenhuma espécie de acções de cobrança de dívidas, deve entender-se que esta expressão se reporta a acções declarativas para cumprimento de obrigações pecuniárias e a acções executivas para pagamento de quantia certa” (…) – A revitalização económica dos devedores, em O Direito, ano 145º, 2013, I/II, página 37.

Em suma: conhecendo o legislador o tipo de acções previstas no CPC., ao se referir no artigo 17º-E nº1 da Lei nº16/2012 de 20.04 às acções que têm por fim a cobrança de dívidas, aí fez incluir quer as acções declarativas/de condenação, quer as acções executivas desde que atinjam o património do devedor” - (fim de citação).

No mesmo sentido o acórdão da Relação do Porto de 18/12/2013, proferido no processo 407/12.0TTBRG.P1, disponível em www.dgsi.pt[2] e no qual se pode ler:

De acordo com o n.º 1 do artigo 17.º-E, a comunicação ao juiz, pelo devedor, da pretensão de dar inicio às negociações com os credores tendentes à (sua) recuperação, «[…] obsta à instauração de quaisquer acções para cobrança de dívidas contra o devedor e, durante todo o tempo em que perdurarem as negociações, suspende, quanto ao devedor, as acções em curso com idêntica finalidade […]».

A lei não refere quais as acções que se suspendem (por exemplo se acções declarativas e/ou executivas) nem o que deve entender-se (para efeitos legais, naturalmente) por cobrança de dívidas.

Todavia, tendo em conta que, como decorre do que consta do diploma legal e se deixou sumariamente assinalado, o que se pretende é que o devedor, através do processo de revitalização, obtenha acordo, unânime ou maioritário, com os credores, tendo em vista sua recuperação económica, para obter tal desiderato só fará sentido que todas as acções que contendam com o património do devedor sejam suspensas.

Neste sentido parecem apontar Carvalho Fernandes e João Labareda (obra citada, págs.164-165) quando, a propósito do n.º 1 do artigo 17.º-E, assinalam que «[…] a paralisação aqui determinada abrange todas as acções para a cobrança de dívidas e não apenas as executivas, incluindo-se, assim, as ações declarativas condenatórias […e] também ações com processo especial e procedimentos cautelares […]».

Este é também o entendimento que se retira do ensinamento de Luís M. Martins, quando escreve (Recuperação de Pessoas Singulares, vol. I, 2013, pág. 38): «A natureza e fins do processo de revitalização pretendem trazer ao processo todos os credores e respectivos direitos. Motivo pelo qual impende sobre o devedor a obrigação de informar todos os seus credores por carta registada, pretendendo o processo que todo e qualquer credor do devedor, venha a reclamar o seu crédito no processo de revitalização, de forma a poder ser ressarcido. [] Todos os credores inclui, por exemplo, aqueles que são fundamentais para a revitalização de qualquer estrutura produtiva – os trabalhadores».

(…)

Não pode também olvidar-se que o acordo, depois de homologado judicialmente, vincula todos os credores, mesmo que não hajam participado nas negociações com o devedor (n.º 6, do artigo 17.º-F do CIRE).

Assim, face ao que se deixou explanado e tendo em conta as regras da interpretação da lei contempladas no artigo 9.º do Código Civil, somos a concluir que a suspensão da acções prevista no n.º 1 do artigo 17.º-E do CIRE abrange qualquer acção judicial destinada a exigir o cumprimento de um direito de crédito e, por isso, que contendam com o património do devedor.

Ora, no caso em apreciação, embora estando em causa direitos emergentes da relação de trabalho, o certo é que esse direitos (designadamente quanto à indemnização e retribuições), são quantificáveis, e foram quantificados, em dinheiro, o que significa que constituem um direito de crédito sobre o devedor, contendendo com o património deste, e, por isso, a acção em que os mesmos estão em causa devem ser suspensas nos termos do referido artigo 17.º-E, n.º 1, do CIRE.

Este é também o entendimento que se colhe dos Processos n.º 523/12.9TTBRG.P1 e n.º 516/12.6TTBRG.P1, deste tribunal, encontrando-se este disponível em www.dgsi.pt)” (fim de citação).

Como se decidiu no acórdão do STJ de 26/11/2015, disponível em www.dgsi.pt[3] <<(…) III – No conceito de “acções para cobrança de dívidas” estão abrangidas não apenas as acções executivas para pagamento de quantia certa, mas também as acções declarativas em que se pretenda obter a condenação do devedor no pagamento de um crédito que se pretende ver reconhecido.>>

Face ao que ficou dito, por ser idêntico o caso em análise e não vislumbrarmos qualquer fundamento para divergir desta jurisprudência, entendemos que a presente ação é abrangida pelo disposto no n.º 1 do artigo 17.º-E do CIRE, já que os pedidos formulados contra a empregadora (indemnização por danos não patrimoniais, indemnização em substituição da reintegração e compensação), se julgados procedentes, refletem-se obrigatoriamente no seu património.

Resta dizer que, mesmo no caso de procedência da nulidade do procedimento disciplinar, a consequência deste vício seria a ilicitude do despedimento (alínea c) do artigo 381.º do CT e n.º 2 do artigo 382.º do mesmo Código), sendo efeitos desta ilicitude: a condenação do empregador a indemnizar o trabalhador e a reintegrá-lo ou a pagar-lhe uma indemnização em substituição e, ainda, uma compensação (artigos 389.º, 390.º e 391.º, todos do CT), razão pela qual, também não assiste qualquer razão à recorrente quando alega que “quando requer a nulidade do processo disciplinar, este pedido determina a sua reintegração”, apesar de não a requerer, além de que, conforme já referimos, a trabalhadora optou pela indemnização em substituição da reintegração.

E, não tendo a recorrente sido “notificada” nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 17.º-D do CIRE, dispunha, como qualquer credor, de 20 dias a contar da publicação do despacho a que alude a alínea a) do n.º 3 do artigo 17.º-C do CIRE para reclamar os seus créditos[4], não sendo a existência de tal comunicação e, por isso, do reconhecimento por parte do devedor da existência de um credor que determina a classificação de uma ação para cobrança de dívidas.

Por fim, não vislumbramos na interpretação sufragada qualquer violação dos artigos 20.º e 53.º da CRP.

Na verdade, <<a todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos (…)>> - artigo 20.º da CRP e <<é garantida aos trabalhadores a segurança no emprego, sendo proibidos os despedimentos sem justa causa ou por motivos políticos ou ideológicos>> - artigo 53.º da CRP.

O processo especial de revitalização assegura ao trabalhador a defesa dos seus direitos e não consubstancia ou valida qualquer despedimento sem justa causa. O trabalhador, como qualquer credor, pode reclamar os seus créditos no âmbito daquele processo especial (artigo 17.º-D do CIRE).

Conforme se pode ler no citado acórdão do STJ de 26/11/2015 que subscrevemos e, por isso, citamos:

Não existe qualquer discriminação ou violação de direitos dos AA., nem limitação ao acesso ao Direito e aos Tribunais em defesa dos seus interesses e direitos legalmente protegidos.

(…)

Tendo sido assegurado aos Recorrentes, pois foi exactamente para defesa dos direitos, liberdades e garantias, que a Lei colocou à disposição dos cidadãos procedimentos judiciais caracterizados pela celeridade e eficácia, garantias de imparcialidade e de independência, de modo a obter a tutela efectiva e em tempo útil dos seus direitos, nos termos do art. 20º da CRP.

Aqui se inscrevendo toda a filosofia que conduziu, como se disse, à criação e implementação do PER.

Tanto mais que se sabe que subjacente a este tipo de procedimentos – especiais, como a lei os designa – o que se pretendeu foi dar flexibilidade e eficiência ao processo especial de revitalização para recuperação de empresas em situações de debilidade ou inviabilidade económica, o que envolve dívidas a fornecedores, clientes e trabalhadores.

(…)

Sendo o processo especial de revitalização justo e equitativo no quadro legal em que se mostra delineado, e no âmbito do qual os AA. podem esgrimir os seus argumentos e deduzir a defesa dos seus direitos.>>

Face a tudo o que foi dito, à laia de conclusão, encontrando-se vencidos à data da propositura do PER / reclamação de créditos os créditos peticionados pela trabalhadora, os mesmos podiam ser atendidos no plano de revitalização e, consequentemente, por força do disposto no n.º 1 do artigo 17.º-E do CIRE, os presentes autos não podem prosseguir, devendo julgar-se extinta a instância por inutilidade superveniente da lide (artigo 277.º, e), do CPC), tal como consta da decisão recorrida.

                                                             *

Improcedem, assim, as conclusões formuladas pela trabalhadora recorrente, impondo-se a manutenção da decisão recorrida.

                                                             *

                                                             *

IV – Sumário[5]

1. A presente ação especial de impugnação da regularidade e licitude do despedimento inclui-se nas ações para cobrança de dívidas e nas ações em curso com idêntica finalidade a que alude o n.º 1 do artigo 17.º-E do CIRE, já que os pedidos nela formulados contra a empregadora (indemnização por danos não patrimoniais, indemnização em substituição da reintegração e compensação), se julgados procedentes, refletem-se obrigatoriamente no seu património.

2. O processo especial de revitalização assegura ao trabalhador a defesa dos seus direitos e não consubstancia ou valida qualquer despedimento sem justa causa. O trabalhador, como qualquer credor, pode reclamar os seus créditos no âmbito daquele processo especial (artigo 17.º-D do CIRE).

3. Encontrando-se vencidos à data da propositura do PER / reclamação de créditos os créditos peticionados pela trabalhadora, os mesmos podiam ser atendidos no plano de revitalização e, consequentemente, por força do disposto no n.º 1 do artigo 17.º-E do CIRE, a ação não pode prosseguir, devendo julgar-se extinta a instância por inutilidade superveniente da lide (artigo 277.º, e), do CPC).

                                                              *

                                                             *

V - DECISÃO

Nestes termos, sem outras considerações acorda-se:

- em julgar improcedente a apelação, mantendo-se a decisão recorrida.

                                                             *

Custas a cargo da recorrente.

                                                             *

                                                             *

                                                           Coimbra, 2017/11/17

(Paula Maria Roberto)                                  

  (Ramalho Pinto)                                                                           

 (Felizardo Paiva)                                                                                                                                                         

                                                                                                                                                                                                                                                                 

 


[1] Relatora – Paula Maria Roberto
  Adjuntos – Ramalho Pinto
                  – Felizardo Paiva

[2] E, ainda, o acórdão proferido no processo nº 516/12.6TTBRG.P1 de 30/09/2013, subscrito pela ora relatora como 2ª adjunta.
[3] No mesmo sentido, os acórdãos do STJ de 17/03/2016 e de 31/05/2016, disponíveis em www.dgsi.pt.
[4] Conforme resulta do n.º 4 do artigo 9.º do CIRE, tendo o despacho que nomeou administrador judicial provisório sido publicado no local próprio (facto supra sob o n.º 6), a trabalhadora considera-se notificada como qualquer credor.
[5] O sumário é da exclusiva responsabilidade da relatora.