Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1757/11.9TALRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ELISA SALES
Descritores: IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
DECISÃO
AUTORIDADE ADMINISTRATIVA
CONTAGEM DO PRAZO
DILAÇÃO
Data do Acordão: 02/29/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE LEIRIA – 1º JUÍZO CRIMINAL
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART.ºS 59º E 60º, DO DECRETO-LEI N.º 433/82, DE 27 DE OUTUBRO E 73º, DO CÓDIGO DO PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO
Sumário: A dilação prevista no artigo 73º, do Código do Procedimento Administrativo não tem aplicação em processo contra-ordenacional (Decreto-Lei n.º 433/82, de 27/10).
Decisão Texto Integral: I - RELATÓRIO

W... –, Lda. veio interpor recurso do despacho judicial que julgou extemporâneo o recurso de impugnação judicial da decisão da autoridade administrativa (Comissão Nacional de Protecção de Dados).

E, da respectiva motivação extraiu as seguintes conclusões:

1- O presente recurso tem por fundamento a discordância da recorrente relativamente ao D. Despacho proferido em 15.07.2011, a fls., pelo qual decidiu o Mmº Juiz a quo rejeitar o recurso de impugnação judicial apresentado em 06-06-2011, considerando para tanto que naquela data já se havia esgotado o prazo de vinte dias úteis estabelecido no art. 59°, n.º 3 do R.G.C.O. e ainda que, não obstante tratar-se de um prazo administrativo e não judicial, não «[…] há lugar a dilações, justamente porque a legislação aplicável é de natureza administrativa, sendo o prazo da mesma natureza, não prevendo a lei qualquer dilação (arts 72° e 73° do RGCOC)».

2- É certo ser hoje pacificamente aceite pela jurisprudência que o prazo previsto no art. 59° do R.G.C.O. tem natureza administrativa, assim como têm natureza administrativa os demais procedimentos do processo de contra-ordenação até ao recebimento e autuação da impugnação judicial.

3- Atenta a referida natureza são subsidiariamente aplicáveis as disposições do C.P.A., continuando as autoridades administrativas enquanto responsáveis pela tramitação (administrativa) do processo de contra-ordenação sujeitas aos princípios da legalidade, da protecção dos direitos e interesses dos cidadãos, da igualdade, da boa-fé e da participação, previstos nos arts. 3°, 4°, 5°, 6°-A, 8° e 12° do C.P.A., que mantêm aqui plena aplicação.

4- Por inexistir disposição especial sobre essa matéria são, pois, aplicáveis à contagem do prazo administrativo previsto no art. 59° do R.G.C.O. as dilações estabelecidas no art. 73° do C.P.A., nomeadamente e com interesse para o presente recurso a dilação de quinze dias fixada no art. 73°, n.º 1, b), aplicável quando os interessados residem ou se encontram em país estrangeiro europeu.

5- Com efeito, dispõe o art. 47°, n.º 1 do R.G.C.O. que as decisões tomadas pelas autoridades administrativas no processo de contra-ordenação serão comunicadas às pessoas a que se dirigem, devendo as notificações ser dirigidas ao arguido e comunicadas ao seu representante legal quando este exista.

6- In casu, a arguida é uma sociedade comercial por quotas e enquanto pessoa colectiva, é administrada e representada em juízo e fora dele pela gerência designada nos termos do disposto nos arts. 163° do C. Civil e 252° do C. Sociedades Comerciais, funções que desde 19-10-2001 têm vindo a ser desempenhadas pelo seu sócio e único gerente A...,

7- Isto é, nos termos do sobredito art. 47°/1 do R.G.C.O. impunha-se não apenas a notificação da decisão à arguida mas também a sua comunicação ao aludido gerente enquanto representante legal da arguida, elemento essencial pois que era a este enquanto representante da arguida que competia decidir da interposição de recurso de impugnação judicial da decisão proferida pela CNPD, em apreço nos presentes Autos.

8- A CNPD, porém, não comunicou efectivamente a decisão ao gerente da arguida, limitando-se a remeter a notificação postal dirigida à arguida para a respectiva sede, o que aqui se deixa invocado para os devidos e legais efeitos.

9- Sucede que, em 05-05-2011, data em que foi recebida na sede social da arguida a notificação da decisão de aplicação de coima no processo de contra-ordenação aqui em causa, o sobredito gerente da arguida encontrava-se ausente em França onde tem domicilio na …., e onde mantém negócios e actividade profissional por conta de outrem, só tendo regressado a Portugal em Agosto de 2011.

10- Nessa circunstância e de acordo com o que é habitual suceder durante os períodos do ano em que o aludido gerente, Sr. A..., se encontra ausente em França, a gerência da sociedade aqui recorrente e a tomada de decisões relativas à mesma têm necessariamente lugar a partir de França, de e para onde os funcionários ao serviço da recorrente recebem e enviam correspondência e demais documentação relativa à sociedade, informando o gerente de todos os actos e decisões que a esta dizem respeito

11- Uma vez que na data da notificação da arguida o referido gerente se encontrava ausente em país europeu estrangeiro este, naturalmente, não tomou conhecimento da malograda decisão naquela data.

12- Ora, atenta a sua qualidade de legal representante da arguida e a essencialidade do seu conhecimento pessoal da decisão impugnada, o sobredito gerente não poderá deixar de se considerar interessado para os efeitos do art. 73° do CPA, sendo pois aqui aplicável a dilação de quinze dias prevista na sua alínea b), dilação que decorre da lei e que aqui se deixa invocada para os devidos e legais efeitos.

13- Pelo que, tendo a sobredita decisão sido notificada à arguida em 05-05-2011, o conhecimento da mesma pelo seu gerente A... - nessa data ausente em França - só se pode presumir após decorrida a dilação de quinze dias prevista no art. 73°, n.º 1, b) do C.P.A., o que sucedeu em 20-05-2011 e só a partir desta data se iniciou a contagem do prazo de vinte dias úteis, previsto no art. 59°, n.º 3 do R.G.C.O..

14- Donde que, o prazo legal para apresentação do recurso de impugnação da decisão administrativa aqui em causa só terminou em 20-06-2011, sendo pois tempestivo o recurso apresentado pela aqui recorrente em 06-06-2011.

15- Assim, e salvo o devido respeito, mal andou o Mmº Juiz a quo ao julgar extemporâneo o recurso interposto pela arguida considerando sem mais não haver lugar a qualquer dilação, tendo pois o D. Despacho recorrido violado o disposto no art. 73°, n.º 1, b) do C.P.A. e ainda nos arts. 47°, n.º 1, 59° e 60° do R.G.C.O.

Nestes termos deve o presente Recurso ser julgado totalmente procedente, por provado, revogando-se o douto Despacho recorrido e substituindo-o por outro que, reconhecendo a aplicabilidade da dilação prevista no art. 73°, n.º 1, b) do C.P.A., julgue tempestivo o recurso de impugnação interposto pela recorrente, recebendo-o e determinando o prosseguimento dos Autos para apreciação dos fundamentos ali expostos, com o que se fará a necessária e costumada JUSTIÇA!


*

O Magistrado do MºPº junto do tribunal recorrido defendeu a improcedência do recurso, tendo rematado a sua resposta nos seguintes termos:
1. Nas “conclusões” que apresenta, a recorrente não dá cabal cumprimento ao estatuído no art. 412º do CPP. Assim, ao abrigo do disposto no art. 417º, n.º 3 do CPP, deverá ser convidada a completar as conclusões formuladas, no prazo de dez dias.
2. Os representantes legais das entidades que são alvo da aplicação de coimas não são “interessados” no processo contra-ordenacional. Essa qualidade pertence apenas e tão só às entidades que são sujeitos passivos das coimas.
3. Porque o Sr. A... não é “interessado” no processo, não foi violado o art. 73º, n.º 1, a. b) do C.P.A.
4. O n.º 1 do art. 47º do RGCO prevê uma única notificação que deve ser dirigida ao arguido (e comunicada ao seu representante legal, quando ele exista). Faz todo o sentido que assim seja: Se o arguido é uma pessoa singular (com capacidade plena) a notificação deve-lhe ser dirigida. Se a arguida é uma pessoa colectiva (que não sabe ler nem escrever e age através das acções de outrem) a notificação deve também ser-lhe dirigida (mas a comunicação – dessa notificação) é efectuada a quem, a cada momento, é o seu legal representante.

Nesta instância o Exmº Procurador-Geral Adjunto, acompanhando a resposta do MP junto do tribunal recorrido, emitiu parecer no mesmo sentido.

Cumprido o disposto no n.º 2 do artigo 417º do CPP, a arguida respondeu mantendo os fundamentos da motivação do recurso.

Os autos tiveram os vistos legais.


***


II- FUNDAMENTAÇÃO

É do seguinte teor o despacho recorrido:

W... -, Lda., melhor identificada nos autos, interpôs recurso de impugnação judicial da decisão proferida em 27.04.2011, pela Comissão Nacional de Protecção de Dados, no âmbito do processo contra-ordenacional, por força da qual lhe foi aplicada uma coima e custas, pela prática da contra-ordenação prevista nos art.ºs 28°-1-a), 37°-1-b)-2 da Lei n.º 67/98, de 26-10 (fls. 91 a 95), motivando tal recurso pela forma que entendeu por conveniente (fls. 125 a 141).             _

Preceitua o art. 59° do RGCOC que o recorrente pode interpor recurso de impugnação da decisão administrativa que aplique uma coima e deve ser apresentado à autoridade administrativa no prazo de 20 dias após o conhecimento da decisão pelo arguido. 

Compulsados os autos, verifica-se que a referida decisão administrativa recorrida foi notificada à arguida através de notificação por carta registada, com aviso de recepção, em 05.05.2011 (fls. 124 e 154).

O recurso de impugnação foi remetido à autoridade administrativa recorrida no dia 06.06.2011, através de telecópia - fax (fls. 103).

A recorrente dispunha do prazo de 20 dias úteis para interpor o competente recurso de impugnação judicial para este tribunal (art.ºs 59°-3 e 60° do RGCOC).         

Assim, iniciando-se o prazo em 06.05.2011, tal prazo terminou em 02.06.2011, tendo em consideração que o prazo para a impugnação da decisão da autoridade administrativa se suspende aos Sábados, Domingos e Feriados, mas já não durante as férias judiciais, dado não se tratar de prazo judicial (vd. art. 60°-1 do RGCOC; nesse sentido, Ac. do TRL de 26.10.2006, www.dgsi.pt).

Verifica-se que a recorrente interpôs o recurso apenas em 06.06.2011 (data da entrega do mesmo, via fax, na entidade recorrida), quando se encontrava já esgotado, desde o dia 02.06.2011, o prazo para praticar o acto.

Tratando-se o prazo em causa de prazo administrativo, não judicial, nem sequer há lugar à prática do acto nos três dias posteriores a que alude o art. 145°-5 do CPC e 107º do CPP (neste sentido, Ac. da R.E. de 10.01.2006, www.dgsi.pt), nem há lugar a dilações, justamente porque a legislação aplicável é de natureza administrativa, sendo o prazo da mesma natureza, não prevendo a lei qualquer dilação (art.°s 72° e 73° do RGCOC).

Deste modo, à data da interposição do recurso, o prazo legal para recorrer havia já expirado e, consequentemente, a decisão administrativa já se havia tornado definitiva, não podendo, por extemporaneidade, ser o presente recurso admitido (note-se que o prazo de três dias do registo, invocado, nos termos do CPP, não opera no caso dos autos, porquanto não se trata de prazo judicial, como se disse, e o objecto foi entregue em mão pelos CTT, em 05.05.2011, dado que a modalidade de notificação foi com aviso de recepção, que é diversa da modalidade de notificação apenas sob registo).

Assim, decide-se rejeitar o presente recurso por ter sido interposto fora do prazo legal para o efeito previsto (art.°s 59°-3; 60°-1 e 63°-1 do RGCOC).

Custas a cargo da arguida/recorrente, com 1 UC de taxa de justiça (art. 94°-3 do RGCOC; e art. 8°-4 do R.C.P. e Tabela III anexa a este último diploma).

Notifique. 

Após trânsito, comunique a decisão à entidade recorrida (art. 70°, n.º 4 do RGCO).

Oportunamente, arquivem-se os autos.


***


APRECIANDO

Sendo o objecto do recurso fixado pelas conclusões retiradas da respectiva motivação, no presente recurso uma única questão vem suscitada: – a da tempestividade da impugnação judicial da decisão da autoridade administrativa apresentada pela arguida (por considerar a recorrente que, encontrando-se o representante legal da sociedade ausente, em país europeu estrangeiro, não tomou conhecimento da decisão proferida no processo de contra-ordenação na data da assinatura do aviso de recepção da notificação postal dirigida à arguida, devendo beneficiar da dilação de 15 dias, prevista no art. 73º, n.º 1, al. b) do Código de Procedimento Administrativo).


*


Na resposta que apresentou, o Magistrado do MP junto do tribunal recorrido, como questão prévia, suscita a questão da «Falta de conclusões nos termos prescritos na lei», concluindo que deverá a Relatora convidar a recorrente a completar as conclusões formuladas ao abrigo do disposto no art. 417º, n.º 3 do CPP, porquanto: a arguida impugna a decisão recorrida exclusivamente em matéria de direito e nas conclusões que apresenta, pese embora indique diversas normas do nosso ordenamento jurídico que em seu entender foram violadas, designadamente, os art.s 73º, n.º1, al. b) do CPA e os art.s 47º, n.º 1, 59º e 60º do RGCO, não o fez, na nossa perspectiva, pela forma prescrita na citada disposição legal (art. 412º do CPP).

Nos termos do artigo 412º do CPP.

«1- A motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido.

2- Versando matéria de direito, as conclusões indicam ainda:

a) As normas jurídicas violadas,

b) O sentido em que, no entendimento do recorrente, o tribunal recorrido interpretou cada norma ou com que a aplicou e o sentido em que ela devia ter sido interpretada ou com que devia ter sido aplicada; e

c) Em caso de erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, deve ser aplicada.».

No recurso que apresentou, a recorrente indica quais os fundamentos do recurso e, versando o seu objecto matéria de direito, nas respectivas conclusões referiu quais as normas jurídicas que, em seu entender, foram violadas, revelando-se suficientemente explícito o sentido em que as mesmas deviam ser interpretadas.

Afigura-se-nos pois, que a recorrente deu cabal cumprimento ao disposto no n.º 2 do citado artigo 412º, não se vislumbrando a necessidade do convite da relatora nos termos e para os efeitos previstos no n.º 3 do artigo 417º do CPP.


*

Alega a recorrente:

- é uma sociedade comercial por quotas e tem a sua sede em Leiria, exercendo a gerência o seu sócio A..., sendo este o seu único e legal representante;

- não obstante ter um domicílio em Portugal, o aludido gerente mantém igualmente residência em França, alternando ao longo do ano a sua permanência entre Portugal e França, mantendo negócios e actividades em ambos os países;

- durante os períodos do ano em que o aludido gerente se encontra ausente em França, a gerência da sociedade aqui recorrente e a tomada de decisões relativamente à mesma tem necessariamente lugar a partir de França, de e para onde os funcionários ao serviço da recorrente recebem e enviam correspondência e demais documentação relativa à sociedade, informando o gerente de todos os actos e decisões que a esta dizem respeito;

- em 5-5-2011, data em que foi recebida na sede social da arguida a notificação da decisão de aplicação de coima no processo de contra-ordenação aqui em causa, o sobredito gerente da arguida encontrava-se ausente de Portugal;

- pelo que resultando do disposto no n.º 1 do artigo 47º do RGCO a essencialidade da comunicação das decisões proferidas no âmbito do processo de contra-ordenação ao legal representante da arguida;

- dever-se-ia considerar a dilação de 15 dias prevista no artigo 73º, n.º 1, al. b) do C.P.A., dilação que decorre da lei, e que in casu se afigura o único meio para assegurar o efectivo conhecimento daquela decisão pelo legal representante da arguida;

- termos em que, decorrida tal dilação, seria a partir de 20-5-2011 que se iniciava a contagem do prazo de recurso de 20 dias, pelo que foi o recurso tempestivamente apresentado em 6-6-2011.

Decidindo,

Dispõe o artigo 59º do Regime Geral das Contra-Ordenações - DL n.º 433/82, de 27.10 (RGCO):

«1. A decisão da autoridade administrativa que aplica uma coima é susceptível de impugnação judicial.

3. O recurso é feito por escrito e apresentado à autoridade administrativa que aplicou a coima, no prazo de vinte dias após o seu conhecimento pelo arguido, devendo constar de alegações e conclusões».

E, acrescenta o artigo 60º, sob a epígrafe “Contagem do prazo para impugnação”.

«1. O prazo para a impugnação da decisão da autoridade administrativa suspende-se aos sábados, domingos e feriados.

2. O termo do prazo que caia em dia durante o qual não for possível, durante o período normal, a apresentação do recurso, transfere-se para o primeiro dia útil seguinte.».

Ora, tal conhecimento formal pelo arguido apenas pode ser aquele que resulta da notificação a que alude o artigo 46º, n.º 2 do RGCO, segundo o qual «Tratando-se de medida que admita impugnação sujeita a prazo, a comunicação revestirá a forma de notificação, que deverá conter os esclarecimentos necessários sobre a admissibilidade, prazo e forma de impugnação.». Sendo que, de acordo com o n.º 1 do preceito «Todas as decisões, despachos e demais medidas tomadas pelas autoridades administrativas serão comunicadas às pessoas a quem se dirigem».

Sobre a “notificação” preceitua o artigo 47º:

«1. A notificação será dirigida ao arguido e comunicada ao seu representante legal, quando este exista.

2. A notificação será dirigida ao defensor escolhido cuja procuração conste do processo ou ao seu defensor nomeado».

3. No caso referido no número anterior, o arguido será informado através de uma cópia da decisão ou despacho.

4. (…).»

Em anotação a este artigo referem António Oliveira Mendes e José dos Santos Cabral ([1]) “Como se constata, o Decreto-Lei 433/82, em paralelo com o regime descrito nos artigos 111º e seguintes do Código de Processo Penal, autonomiza o conceito de notificação da comunicação, reservando o formalismo mais rigoroso da notificação para as decisões administrativas aplicadas no âmbito do processo de contra-ordenação que se tornem passíveis de impugnação judicial cujo exercício se encontra dependente de prazo.”.

No caso vertente, o Ilustre Mandatário da arguida teve intervenção nos autos logo após a arguida ter sido notificada nos termos e para os efeitos previstos no artigo 50º do RGCO. E, quer a arguida, quer o seu mandatário foram notificados (por carta registada com aviso de recepção) da decisão da autoridade administrativa em 5-5-2011, cfr. fls. 100, 124 e 154.

Deste modo, tendo a arguida constituído mandatário e, tendo sido ambos notificados da decisão administrativa, contrariamente ao invocado pela ora recorrente, não resulta do n.º 1 do artigo 47º do RGCO “a essencialidade da comunicação das decisões proferidas no âmbito do processo de contra-ordenação ao legal representante da arguida”, além de que só no presente recurso vem indicado quem é o legal representante da arguida.

Não vem questionada pela recorrente a natureza administrativa do prazo mencionado no n.º 3 do citado artigo 59º. Com efeito, esta é ainda uma fase administrativa do processo.

Como estabelece o artigo 62º do RGCO «1. Recebido o recurso, e no prazo de cinco dias, deve a autoridade administrativa enviar os autos ao Ministério Público, que os tornará presentes ao juiz, valendo este acto como acusação.  2. Até ao envio dos autos, pode a autoridade administrativa revogar a decisão de aplicação da coima».

Ou seja, só com a remessa dos autos ao MP e a ulterior apresentação ao juiz da acusação “definitiva” (n.º 2 do art. 62º) se inicia a fase judicial do processo contra-ordenacional, pelo que, até lá, estado o processo sob a tutela da autoridade administrativa é tramitado segundo as regras e procedimentos do direito administrativo.

Neste sentido o Ac. do STJ, n.º 2/94, de 10-3-94, que fixou jurisprudência no sentido de que “Não tem natureza judicial o prazo mencionado no n.º 3 do artigo 59º do DL n.º 433/82, de 17/10, com a alteração introduzida pelo DL n.º 356/89, de 17/10”.

Como mencionado no Ac. deste TRC, de 28-1-2009, in www.dgsi.pt, não foi este entendimento considerado inconstitucional, cfr. Ac. do TC n.º 293/2006, de 4-5-2006 – DR, II Série, n.º 110, de 7-6-2006 “Assim sendo, há que concluir que a norma que se extrai da conjugação dos artigos 41º, n.º 1, do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, 107º, n.º 5 do Código de Processo Penal e 145º, n.ºs 5 e 6 do Código de Processo Civil, segundo a qual não se considera aplicável o disposto no artigo 145º, n.ºs 5 e 6 do Código de Processo Civil ao prazo para interposição do recurso de impugnação de contra-ordenação, não viola normas ou princípios constitucionais, nomeadamente o da igualdade ou o da tutela jurisdicional efectiva”.

Ora, voltando ao artigo 60º do RGCO, verifica-se que o mesmo estabelece expressamente a contagem administrativa do prazo a que alude o n.º 3 do artigo 59º, de acordo com o estatuído nas als. b) e c) do n.º 1 do artigo 72º do Código de Procedimento Administrativo.

E daí, que a recorrente entenda que deve beneficiar da dilação de 15 dias, prevista na al. b) do n.º 1 do artigo 73º do CPA, dado o seu legal representante residir e se encontrar em França, aquando da data da notificação da decisão administrativa.

Não assiste razão à recorrente.

Dispõe o n.º 1 do artigo 73º do Código de Procedimento Administrativo que «se os interessados residirem ou se encontrarem fora do continente e neste se localizar o serviço por onde o procedimento corra, os prazos fixados na lei, se não atenderem já a essa circunstância, só se iniciam depois de decorridos (…) b) 15 dias, se os interessados residirem ou se encontrarem em país estrangeiro europeu.».

Aqui os “interessados” são os directamente interessados nos actos administrativos (artigo 268º, n.º 3 da CRP).

Acontece que o Código de Procedimento Administrativo não é direito subsidiário do processo das contra-ordenações (art. 41º do RGCO).

“O processo de contra-ordenação instruído e decidido pela autoridade administrativa não tem a natureza jurídica de procedimento administrativo na acepção em que este conceito é tomado no art. 1º do CPA, isto é, na acepção de “sucessão ordenada de actos e formalidades tendentes à formação e manifestação da vontade da Administração Pública ou à sua execução”, e não tem porque na fase administrativa o processo de contra-ordenação tem por escopo o apuramento da existência de um tipo de ilícito de mera ordenação social, ou seja, da existência “da notícia de uma contra-ordenação”, constituindo contra-ordenação “todo o facto ilícito e censurável que preencha um tipo legal no qual se comine uma coima” – art. 1º do DL 433/82.

Na sua fase administrativa o processo contra-ordenacional participa funcionalmente dos mesmos fins do inquérito em processo penal, configurado como a “(...) fase em que se busca essencialmente investigar os factos em ordem à eventual formulação da pretensão punitiva – a fase de inquérito (...) para procurar esclarecer o que se terá passado e só depois, se tiver recolhido indícios de que um crime foi praticado e quem foram os seus agentes, formula em juízo uma acusação. (...)” (Germano Marques da Silva, Curso de processo penal, Vol. I, Verbo, 1996, pág. 334.) ” ([2])

E, de acordo com o Parecer da Procuradoria-Geral da República, n.º 2941 de 28-02-2008 “o processo das contra-ordenações não pode ser considerado como um procedimento administrativo especial para efeitos do disposto no n.º 7 do artigo 2º do Código do Procedimento Administrativo, pelo que está excluída a aplicação subsidiária, em primeira linha, deste código à fase administrativa do processo das contra-ordenações.

Embora o procedimento das contra-ordenações integre, na sua fase administrativa, uma actuação materialmente administrativa, esta forma de actuar sempre obedeceu a um procedimento próprio de natureza sancionatória, moldado a partir do processo penal, que é expressamente assumido como direito subsidiário.

Trata-se de uma fase de um processo que tem como direito subsidiário, na sua globalidade, o processo penal, nos termos do referido n.º 1 do artigo 41º do Decreto-Lei nº 433/82, de 27 de Outubro.

Os procedimentos especiais previstos no n.º 7 do artigo 2° do Código do Procedimento Administrativo são aqueles que se encontram dispersos pela legislação administrativa, nomeadamente, os licenciamentos, os loteamentos urbanos, os procedimentos concursais e outros.

Não cabem nesse âmbito os procedimentos sancionatórios na medida em que tenham como direito subsidiário o direito processual penal, uma vez que é com este ramo do direito que aqueles procedimentos se articulam, já que foram moldados a partir dele, e é nesse procedimento que sistematicamente se inserem.

O Código do Procedimento Administrativo só seria, deste modo, direito subsidiário do processo das contra-ordenações se se desse como revogado o disposto no nº 1 do artigo 41º do regime geral das contra-ordenações, o que dada a especialidade desta norma, não seria possível sem uma referência expressa.

Acresce que sendo o processo das contra-ordenações um todo que se desdobra por várias fases, não pode o mesmo procedimento ter como direito subsidiário numa fase o Código do Procedimento Administrativo e noutra fase o Código de Processo Penal, o que criaria distorções inaceitáveis.”

Entendemos, assim, que a dilação prevista no artigo 73º do CPA não tem aplicação em processo contra-ordenacional.

A recorrente é uma sociedade, com uma estrutura de organização, tendo sido notificada no local da sua sede social; notificação que in casu foi correctamente dirigida, conforme os n.ºs 2 e 3 do artigo 47º do RGCO.

Deste modo, a contagem do prazo do recurso iniciou-se no dia seguinte ao conhecimento pela arguida da decisão da autoridade administrativa, conhecimento que, como mencionámos, reveste a forma de notificação (art. 46º, n.º 2 do mesmo diploma). Ou seja, tendo-se iniciado o prazo do recurso de impugnação judicial (de 20 dias) em 6-5-2011, terminou o mesmo em 2-6-2011.

Foi, pois, extemporâneo o recurso apresentado em 6-6-2011, nenhum reparo merecendo o despacho recorrido.


*

Improcede, assim, a argumentação da recorrente.

*****


IV- DECISÃO

Face ao exposto, acordam os juízes da secção criminal deste Tribunal da Relação em:

- Negar provimento ao recurso.

Custas a cargo da recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 UCs.


*****

Elisa Sales (Relatora)

Paulo Valério


[1] - in Notas ao Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, 2º edição, pág. 127.
[2] - Ac. de 13-1-2011 do Tribunal Central Administrativo Sul, proferido no proc. n.º 06825/10, in www.dgsi.pt.