Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
31321/17.2YIPRT.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA JOÃO AREIAS
Descritores: TAXA DE JUSTIÇA
INJUNÇÃO
DISTRIBUIÇÃO
AÇÃO ESPECIAL
Data do Acordão: 10/11/2017
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE CASTELO BRANCO - C.BRANCO - JL CÍVEL - JUIZ 2
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: DL Nº 268/98 DE 1/9, ART.560 CPC
Sumário: 1. O artigo 20º do anexo ao DL 269/98, de 1 de setembro, que determina o desentranhamento da peça processual por falta de junção do documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça só é aplicável no procedimento de injunção, ou seja, não se aplica à ação declarativa de condenação em que aquele procedimento se transmute.

2. No regime constante do CPC, o legislador faculta sempre ao autor uma segunda oportunidade para suprir a omissão do pagamento da taxa de justiça, permitindo-lhe o respetivo pagamento no prazo de 10 dias após o ato de recusa ou a ordem de desentranhamento por falta de pagamento da taxa de justiça (artigo 560º CPC).

Decisão Texto Integral:    








                                                                                            

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra (2ª Secção):

I – RELATÓRIO

Instaurado procedimento de injunção pela requerente M (…) Lda., e remetido o mesmo à distribuição como ação especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos (na sequência da frustração da notificação do réu), tal distribuição foi notificada ao requerente com a advertência de que tinha o prazo de 10 dias a contar da data da distribuição para proceder ao pagamento da taxa de justiça devida, devendo juntar aos autos o respetivo documento comprovativo sob pena de desentranhamento do Requerimento Inicial.

A 05-06-2017, foi pelo juiz a quo proferido o seguinte despacho:

“Uma vez que a A., devidamente notificada para tanto, não comprovou nos autos ter procedido ao pagamento da taxa de justiça devida (art. 7º, n.º 6 do RCP), impõe-se a aplicação do regime previsto no art. 20º do DL 269/98, de 01/09.

Por conseguinte, determino o desentranhamento da petição.

Atribuo à acção o valor de € 8197.54 – art. 296º, 297º e 306º do CPC.

Registe e notifique.”

 Por requerimento enviado eletronicamente a 06-6-2017, o Requerente veio aos autos juntar documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça por si efetuada a 4 de junho de 2017.

 Pelo juiz a quo proferido, então, o seguinte despacho, de que agora se recorre:

“Req. ref.ª 1311570:

Foi proferido despacho que determinou o desentranhamento da petição.

Em sequência, veio a Autora requerer a junção do documento comprovativo da taxa de justiça e requerer o cumprimento do preceituado no art. 570º, n.º 3 do CPC.

Apreciando.

Com a prolação do despacho em causa, a questão atinente ao desentranhamento da petição foi definitivamente apreciada, mostrando-se esgotado o poder jurisdicional quanto à mesma, nos termos do preceituado no art. 613º, n.º 1 do CPC.

Por conseguinte, e ao abrigo das disposições supra mencionadas, indefiro o requerido.

Notifique.”.


*

Inconformado com a decisão que determinou o desentranhamento, a autora dela interpôs recurso de apelação, concluindo a sua motivação com as seguintes conclusões:

A. O douto tribunal a quo não poderia ter determinado o desentranhamento da injunção apresentada pela recorrente, a qual foi distribuída como Ação Especial Para Cumprimento de Obrigações Pecuniárias, procedendo, assim, à aplicação imediata do artigo 20.º do Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de Setembro;

B. Ao procedimento de injunção transmutado em ação declarativa aplicam-se, necessariamente, as regras processuais previstas no C.P.C.;

C. Verificada a omissão do comprovativo de pagamento da taxa de justiça complementar por parte da recorrente, impunha-se proceder à sua notificação pela secretaria para em dez dias efetuar o pagamento omitido, os mostrar tê-lo efetuado, nos termos conjugados do artigo 145.º, n.º3, 560.º, 570.º, n.º 3 do C.P.C.

D. A recorrente pagou a taxa em tempo devido, apenas não juntou o comprovativo de tal pagamento;

E. Deveriam ter sido aplicadas as normas jurídicas mencionadas no ponto D das presentes conclusões, e não o artigo 20.º do Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de Setembro;

F. Foram violados os artigos 4.º do C.P.C. e 13.º e 20.º, n.º 1 e 4 da C.R.P..


*

Não foram apresentadas contra-alegações.
Dispensados que foram os vistos legais, ao abrigo do disposto no nº4 do artigo 657º do CPC, cumpre decidir do objeto do recurso.
II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
Tendo em consideração que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações de recurso, sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso – cfr., artigos 635º, e 639, do Novo Código de Processo Civil –, a questão a decidir é uma só:
1. Consequências da falta de comprovação atempada do pagamento da taxa de justiça inicial na sequência da remessa à distribuição de uma injunção.
III – APRECIAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
Não tendo o autor demonstrado nos autos ter efetuado o pagamento do montante taxa de justiça devida, o juiz a quo determinou o desentranhamento do requerimento inicial, socorrendo-se do regime contido no artigo 20º do DL 269/98, de 1 de setembro.
Insurge-se a autora contra tal entendimento, defendendo que ao procedimento de injunção transmutado em ação especial se aplicam as regras processuais previstas no Código de Processo Civil, pelo que, verificada a omissão do comprovativo do pagamento da taxa de justiça, se impunha a notificação do autor para efetuar o pagamento ou mostrar tê-lo efetuado no prazo de 10 dias.
Cumpre decidir, adiantando, desde já, não se justificar o decretado desentranhamento ao abrigo do artigo 20º do DL nº 269/98, de 1 de setembro, porquanto o mesmo só é aplicável no procedimento de injunção, ou seja, não se aplica à ação declarativa de condenação em que aquele procedimento se transmute[1].
Transmutado o procedimento de injunção em ação declarativa (seja por força da não citação do réu, seja por força da dedução de oposição), aplicar-se-á o regime geral do Código de Processo Civil, bem como o do Regulamento das Custas Processuais[2].
Dispõe o artigo 7º do Regulamento das Custas Processuais, relativamente à taxa de justiça a pagar no requerimento de injunção:
4 - A taxa de justiça devida pelos incidentes e procedimentos cautelares, pelos procedimentos de injunção, incluindo os procedimentos europeus de injunção de pagamento, pelos procedimentos anómalos e pelas execuções é determinada de acordo com a tabela ii, que faz parte integrante do presente Regulamento.
6 - Nos procedimentos de injunção, incluindo os procedimentos europeus de injunção de pagamento, que sigam como ação, é devido o pagamento de taxa de justiça pelo autor e pelo réu, no prazo de 10 dias a contar da data da distribuição, nos termos gerais do presente Regulamento, descontando-se, no caso do autor, o valor pago nos termos do disposto no n.º 4.
Por sua vez, a junção de documento comprativo do pagamento da taxa de justiça de valor inferior ao devido, equivale à falta de junção, devendo ser devolvido ao apresentante – nº2 do artigo 145º do CPC.
Vejamos as consequências previstas no Regime Processual Civil para a falta de pagamento atempado da taxa de justiça por parte do autor na ação declarativa.
Desde o DL nº 183/2000, de 10 de Agosto, o pagamento da taxa de justiça é feito pela parte antes da propositura dação, devendo o documento que o comprova (ou a concessão do benefício do apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento de taxa de justiça) ser apresentado juntamente com a petição inicial (atual artigo 552º, nº3 do CPC).
A falta de prova do prévio pagamento da taxa de justiça ou da concessão do apoio judiciário por parte do autor ou requerente determina a recusa do recebimento da petição pela secretaria (artigo 558º, al. f) do CPC, e artigo 17º da Portaria nº 280/2’13, de 26 de agosto) ou a recusa de distribuição (artigo 207º).
Na sequência de tal ato de recusa, pode a parte reclamar para o juiz ou pura a simplesmente, limitar-se a proceder à junção do documento comprovativo em falta nos 10 dias subsequentes, nos termos previstos no artigo 560º.
Em situação de urgência[3], é ainda permitido ao autor apresentar documento comprovativo do pedido de apoio judiciário, sem prejuízo de, se vier a ser recusado, a taxa de justiça dever ser paga no prazo de 10 dias a contar da respetiva notificação, sob pena de desentranhamento da petição inicial, se o réu não estiver, à data já citado (ns. 5 e 6 do artigo 552º CPC).
Este efeito de desentranhamento a que se refere o nº6 há de ser interpretado, como defende José Lebre de Freitas[4], como equivalendo à recusa da petição inicial nos termos do art. 558º-f), 1ª parte, permitindo a subsequente aplicação do artigo 560º. Ou seja, na sequência do desentranhamento é permitido ainda ao autor a junção do documento em falta no prazo de 10 dias. Não sendo apresentado o documento comprovativo no prazo de 10 dias, aí sim, cessam os efeitos, substantivos e processuais, decorrentes da apresentação da petição inicial.
Se o réu já tiver sido citado à data em que o autor é notificado do indeferimento do apoio judiciário, a petição não é desentranhada, propondo José Lebre de Freitas[5] que se aplique analogicamente a norma do artigo 570º, nº5 e ficando a ação suspensa se o pagamento não for efetuado nos 10 dias subsequentes à notificação do despacho do juiz.
Também Salvador da Costa[6], para os casos em que a falta de pagamento da taxa de justiça escapa ao controlo da secretaria e em que tal omissão só é detetada pelo juiz durante a tramitação do processo em causa (situação que o legislador não prevê expressamente), defende que face ao disposto no artigo 560º do CPC, não se pode decidir tal questão em termos de implicar uma consequência mais gravosa do que aquela que resulta daquele artigo, ou seja, a apresentação do documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça no decêndio posterior à recusa do recebimento da petição ou do requerimento inicial. Assim sendo e como o artigo 560º se reporta a uma situação que ainda não se iniciou a instância, não podendo a ela ser assimilada a situação em análise, tal autor propõe que, detetada, durante a tramitação do processo, a omissão do comprovativo do pagamento da taxa de justiça devida relativa à petição ou requerimento inicial, o juiz deve proferir despacho a ordenar que o processo aguarde que o autor ou o requerente o junte, sem prejuízo do disposto no artigo 281, nº1, do CPC, ou seja, da deserção e da extinção da instância.
Vemos assim que, por razões de economia processual (não sendo o desentranhamento preclusivo do seu direito, o autor sempre poderá instaurar uma nova ação), o legislador faculta sempre ao autor uma segunda oportunidade para suprir a omissão do pagamento da taxa de justiça, permitindo-lhe o respetivo pagamento no prazo de 10 dias após o ato de recusa ou a ordem de desentranhamento por falta de pagamento da taxa de justiça.
Assim sendo, sempre seria de ter como válido o ato de apresentação do documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça feito pelo autor no dia seguinte ao despacho que determinou o desentranhamento do requerimento inicial.

A apelação será de proceder.

IV – DECISÃO

 Pelo exposto, acordando os juízes deste tribunal da Relação em julgar a apelação procedente, revoga-se a decisão recorrida, determinando-se o prosseguimento dos autos por se mostrar paga a taxa de justiça devida pelo Requerente.

Sem custas.                    

Coimbra, 11 de outubro de 2017

Maria João Areias ( Relatora )

Alberto Ruço

Vítor Amaral


V – Sumário elaborado nos termos do art. 663º, nº7 do CPC.
1. O artigo 20º do anexo ao DL 269/98, de 1 de setembro, que determina o desentranhamento da peça processual por falta de junção do documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça só é aplicável no procedimento de injunção, ou seja, não se aplica à ação declarativa de condenação em que aquele procedimento se transmute
2. No regime constante do CPC, o legislador faculta sempre ao autor uma segunda oportunidade para suprir a omissão do pagamento da taxa de justiça, permitindo-lhe o respetivo pagamento no prazo de 10 dias após o ato de recusa ou a ordem de desentranhamento por falta de pagamento da taxa de justiça (artigo 560º CPC).


[1] Neste sentido, Salvador da Costa, “Regulamento das Custas Processuais Anotado”, Almedina 2013, 5ª ed., pág. 211, Acórdão do TC nº 283/2010, de 29 de setembro, Diário da República IIª Série, de 3 de novembro de 2011. E Acórdão do TRC de 17-05-2011, relatado por Carlos Gil, disponível in www.dgsi.pt.
[2] Neste sentido, entre outros, Acórdãos do TRL de 26-11-2013 relatado por Roque Nogueira, de 14-05-2015, relatado por Jorge Leal, e Acórdão do TRC de 17-05-2011, disponíveis in www.dgsi.pt.
[3] Quando o autor tenha requerido a citação urgente do réu (art. 561º), quando faltem menos de cinco dias para o termo do prazo de caducidade para propor a ação (art. 311º, nº1 CC) ou ocorra outra razão de urgência.
[4] José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, “Código de Processo Civil Anotado”, Volume 2º, Artigos 362º a 626º, 3ª ed., Almedina 2017, p. 496.
[5] Obra citada, p.497.
[6] “Regulamento das Custas Processuais”, p. 436-439.