Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1067/12.4TVLSB.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA JOÃO AREIAS
Descritores: RESPONSABILIDADE BANCÁRIA
INTERMEDIAÇÃO FINANCEIRA
DEVER DE INFORMAÇÃO
MÚTUO
HIPOTECA
DAÇÃO EM CUMPRIMENTO
Data do Acordão: 03/03/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE COIMBRA - COIMBRA - INST. CENTRAL - SECÇÃO CÍVEL - J2
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS. 701, 702, 837, 840 CC, 304-A CVM
Sumário: 1. O juiz não pode basear a responsabilidade do banco réu numa pretensa violação dos seus deveres de aconselhamento enquanto intermediário financeiro, quando tal violação de tais deveres não foi alegada pelos autores como facto constitutivo de tal responsabilidade.

2. Na falta de alegação e prova da envolvência do banco réu em qualquer outra actividade de intermediação para além da relacionada com a comercialização de determinadas aplicações financeiras, não se pode concluir que sobre a instituição financeira impendesse um qualquer dever de aconselhamento posterior à aquisição de tais aplicações.

3. Qualquer juízo de censura sobre o comportamento do credor hipotecário que aceita em pagamento o imóvel hipotecado por um valor inferior ao da avaliação por si efectuada aquando da concessão do crédito, implicará a demonstração da existência de uma desproporção significativa entre o valor actual de mercado do imóvel e o valor pelo qual foi dado em pagamento.

Decisão Texto Integral:                                                                                                

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra (2ª Secção):

I – RELATÓRIO

AA (…) e mulher, AI (…), intentam a presente ação de condenação, sob a forma ordinária contra o BANCO (…), S.A.,

alegando, em síntese:

os autores eram sócios gerentes, da sociedade por quotas “M (…), Ld.ª”, sediada na Figueira da Foz, que veio a ser declarada insolvente por sentença de 17/8/2011, tal como eram sócios em partes iguais e gerentes da sociedade por quotas “A (…), Ld.ª;

a M (…) contraiu em 2006 um empréstimo de €2.000.000 no Banco Réu, com vista a um empreendimento imobiliário em Coimbra e um outro empréstimo no valor de €500.000, para a conclusão de duas moradias em Buarcos, Figueira da Foz;

na sequência de tais operações de financiamento, o A. marido, por imposição do banco réu foi compelido a constituir uma aplicação de 350.000,00 €, do seu aforro pessoal, denominado “Seguro Prime Investimento”, e uma outra aplicação de 300.000,00 €, denominada “X (...) Seguros Rendimento Campeão”, para garantia de contas correntes caucionadas da sociedade do mesmo valor;

no início de 2008, o autor solicitou um pedido de esclarecimento por não terem sido creditados juros desses investimentos, ao qual a ré não deu qualquer resposta;

gerada a crise no sector imobiliário, os Autores negociaram com o Banco Réu, com o empreiteiro da obra de Coimbra e com outra empresa do grupo do empreiteiro, soluções para os problemas que lhes surgiram em resultado daquela crise geral, até que o empreiteiro, em vez de substituir uma letra de cerca de € 790.000, sacada por si e aceite pela M (…), por outra de reforma, no valor de €590.000, apresentou aquela a desconto no Banco Y (...) ., que por sua vez a remeteu ao Banco Réu para cobrança;

a M (…) tinha então saldo negativo na conta à ordem existente no Banco Réu mas, ainda assim, este pagou ao Y (...) . a dita letra, em vez de a devolver, gerando um descoberto de valor idêntico ao da letra na conta da M (…);

levando a que a dita empresa imobiliária entrasse em colapso financeiro, sendo obrigada a vender o empreendimento de Coimbra e as vivendas da Figueira da Foz por preço inferior ao estimado anteriormente, para saldar as suas dívidas perante o Banco Réu e o empreiteiro, obrigando a M (…) e os próprios Autores a alienar todos os seus bens de valor, tudo abaixo do preço que mereciam, mas com novos contratos de permeio com o Banco Réu, com que este visou assegurar melhor os seus créditos, escudando-se num erro informático para justificar o pagamento da dita letra com a conta a descoberto;

o A. marido foi, assim, obrigado a resgatar as duas referidas aplicações financeiras de 650.000,00 €, cedendo-as ao Banco R. por 514.875,53 €, o que equivaleu a um prejuízo de 135.124,47 €, sendo que, à data da constituição dessas aplicações, garantia o capital e pagaria juros crescentes à taxa anual líquida, média de 3,6%, o que nunca aconteceu;

os AA. foram obrigados a transferir para o Banco réu, através de dação, o imóvel onde tinham instalada a casa de morada de família, pelo valor de 457.100,00 €, quando tinha sido avaliado pelo próprio Banco em 650.000,00 €;

os Autores deixaram na garagem da casa de morada da família um conjunto de bens que não cabiam na casa cedida por pessoa de família, mas o Banco Réu, sem aviso, retirou-os entretanto dali e depositou-os num armazém da Maia, ficando os Autores e os seus filhos menores sem acesso a um conjunto vasto de bens pessoais;

o Banco Réu beneficiou-se a si próprio e beneficiou as empresas suas clientes do grupo do empreiteiro, prejudicando deliberadamente a M (…), conduzindo esta à insolvência, donde decorreram enormes prejuízos patrimoniais e não patrimoniais para os Autores, que se repercutiram nos seus filhos.

Concluem pedindo a condenação da Ré a:
a) pagar ao Autor o montante, desde já liquido de € 3.059.086,20 e à Autora a verba de € 925.000, ambas com juros de mora desde a citação;
b) entregar de imediato aos AA. o conjunto de bens móveis de que se viram desapossados, no valor estimado de € 45.000, que o Réu detém abusivamente;
c) a anular o débito de € 713,67 que abusivamente lançou na conta à ordem daqueles.

O Banco Réu contesta alegando, em síntese:

do que resulta da p.i., a Centro (…) é que terá violado os acordos celebrados com a M (…) e, em vez de reformar a letra de 787.935,05 €, não o fez, o que determinou que o Y (...) (banco descontante da letra) a tivesse apresentado a pagamento junto do banco R., onde estava domiciliada;

a Centro (…) ter-se-á aproveitado do facto de ter recebido o valor da letra para violar os acordos com a M (...) , fazendo baixar o preço da compra e venda do empreendimento “Quinta da Z (...) e de duas moradias em Buarcos;

como tal, teria sido a empresa futuramente compradora quem violara o acordo e deveria ter sido demandada, sendo o Banco Réu parte ilegítima;

de qualquer modo, a M (…) beneficiou do desconto, uma vez que pagou uma dívida sem dinheiro para a pagar;

a letra foi paga por um lapso informático, dado que num seu balcão de Coimbra persistia uma autorização para tanto e, ao ser detetado, foi cancelada a autorização em 10/3/2009, mas o Y (...) . recusou-se a anular a operação e a letra ficou paga;

todavia, a situação foi resolvida no encontro de contas entre a P (…) e a M (…) tendo aquela pago ao X (...) o descoberto na conta da M (…) gerado pelo pagamento da letra e demais encargos, nenhum prejuízo tendo aquela com o pagamento a descoberto da letra;

à data da dação em pagamento, 23.09.201, a dívida resultante do empréstimo para a aquisição de tal moradia ascendia a 503.250,57 €, sendo que a diferença entre o valor da dívida e o valor atribuído ao prédio (457.100,00 €) extinguiu a dívida;

quanto às aplicações financeiras, o Banco R. concedeu dois empréstimos – um de 350.000,00 € e outro de 300.000,00 € – à M (…) e, simultaneamente, os AA. trouxeram para o Banco R. o dinheiro e adquiriram aplicações financeiras  que, depois, ficaram a caucionar o bom cumprimento dos dois financiamentos de 350.000,00 € e de 300.000,00 €;

relativamente a tais financiamentos, o A. marido ordenou a desmobilização das aplicações que o caucionavam e mandou pagar os respetivos financiamentos;

as operações bancárias que fez são regulares, não havendo juros das aplicações de swap, dependentes da Euribor, cuja queda em fins de 2008 gerou perdas para a M (…), que entretanto recebera juros dos financiamentos, adiantados pelo réu e que seriam a cobrir mais tarde, tal não sucedendo, todavia, em resultado da queda continuada da Euribor;

Conclui pela improcedência da ação.

Foi apresentada réplica pelos autores.

Realizada audiência de julgamento, foi proferida sentença a julgar a ação parcialmente procedente, condenando o Réu a ressarcir os Autores, pagando-lhes as seguintes verbas:

a) Ao autor a quantia de € 218.338,81;

b) À autora a quantia de € 83.214,34;

acrescidas de juros de mora à taxa legal sobre cada uma daquelas quantias, desde a citação até integral pagamento.

c) a devolver à sua custa, aos Autores, todos os bens móveis que retirou da anterior residência dos mesmos, designadamente os mencionados supra sob os nºs 130 e 134 da renumeração dos factos provados.

Absolvendo o Réu do demais pedido pelos Autores.

Não se conformando com a mesma, o Réu dela interpôs recurso de apelação, concluindo a respetiva motivação, com as seguintes conclusões, que aqui se reproduzem por súmula[1]:

(…)

Os autores apresentam contra-alegações no sentido da manutenção do decidido.
Cumpridos que foram os vistos legais, cumpre decidir do objeto do recurso.
II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
Tendo em consideração que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações de recurso, sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso – cfr., artigos 635º, e 639º, do Novo Código de Processo[2] –, as questões a decidir são unicamente as seguintes:
1. Impugnação da decisão sobre a matéria de facto.
2. Responsabilidade da ré pela diferença entre o valor de aquisição e o valor de cedência das aplicações financeiras.
3. Condenação na diferença entre o valor estimado/presumido do prédio entregue em dação em cumprimento ao apelante e o valor atribuído à dação.
4. Condenação na restituição dos 713,67 € cobrados a título de prémios de seguros.
5. Montante da indemnização pela retirada dos bens móveis.
III – APRECIAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
1. Impugnação da decisão sobre a matéria de facto.

(…)
Manter-se-á, assim inalterada, a decisão sobre a matéria de facto.

2. Subsunção dos factos ao direito.

A. Matéria de Facto

São os seguintes os factos dados como provados pelo tribunal a quo e que aqui se reproduzem parcialmente, na parte em que possam ter algum interesse para as questões objeto do presente recurso:

1. [A] Os AA. são casados entre si no regime da separação de bens.

2. [B] Dessa união nasceram dois filhos, L (…) e A (…), respetivamente com 15 e 12 anos de idade.

3. [C] O A. marido, fruto de anterior matrimónio, é pai de L (…), atualmente com 25 anos.

4. [D] Os AA. eram os únicos sócios e gerentes da sociedade comercial por quotas que girava sob a firma “M (…), Lda., que teve a sua sede na Rua (...) , na Figueira da Foz, e cujo objecto social consistia na promoção imobiliária, indústria de construção civil, empreitadas particulares, urbanizações, conceção, edificação e exploração de empreendimentos turísticos e imobiliários, compra e venda de prédios rústicos e urbanos e revenda dos adquiridos para esse fim e arrendamento de imóveis - CAE 41200-R3.

5. [E] Sendo o seu capital social de €1.000.000,00, distribuído na proporção de 70% para o A. marido e 30% para a A. mulher.

6. [F] A referida sociedade foi declarada insolvente por sentença de 17/08/2011, transitada, no âmbito do processo nº 1891/11.5TBFIG do 1º Juízo deste Tribunal.

7. [G] Na Assembleia de Credores a que alude o art. 156º do CIRE e realizada em 28/10/2011, não foi alcançada, conforme então proposto, percentagem de votos bastante a possibilitar a apresentação de plano de insolvência por parte do Administrador nomeado, o que determinou o prosseguimento dos ulteriores termos processuais com vista à liquidação e partilha da massa insolvente, já em curso.

8. [H] Eram os AA., na proporção quotista de 50% para cada um, sócios e gerentes da sociedade “ W (...) , Ldª” (…).

(…)

17. [K] No âmbito da sua atividade social, a “M (…)”, em meados do ano de 2006, propôs-se desenvolver na Quinta da Z (...) , em Coimbra, no denominado “lote 10.10”, um projeto de edificação de prédio de 5 andares e com 16 habitações de diversa tipologia.

18. [L] Lote que adquiriu, em 15/Maio/2006, pelo preço de €1.050.000,00.

19. [M] Para cujo pagamento contraiu, em 11/Julho/2006, empréstimo junto do Banco X (...) , aqui R., na sua dependência do “ (...) ”, em Coimbra, financiamento - empréstimo nº 0003.01920569096 – que, na globalidade, ascendeu a €2.000.000,00.

20. [N] O remanescente desse empréstimo visou apoiar a construção do dito edifício.

21. [O] Na mesma data, a sociedade “M (…)” foi igualmente financiada pelo Banco R. em mais €500.000,00 – empréstimo nº 0003.01934800096 – em ordem a apoiar a conclusão da construção de duas moradias em Buarcos (Figueira da Foz).

22. [P] Na sequência destas operações de financiamento, o Banco R. propôs ao A. marido, já que gerente da “M (...) ” com poderes para a obrigar, “contrato de permuta de taxa de juro” ou, tecnicamente, de “Swap de taxa de juro”, que o autor marido aceitou.

23. [Q] O A. constituiu uma aplicação de €350.000,00 do seu aforro pessoal, em 02/07/2007, no denominado “Seguro Prime Investimento”, com a apólice nº 40.043508, como garantia de conta-corrente caucionada da sociedade do mesmo valor e destinada a apoiar a sua tesouraria.

24. [R] E, ainda, outra aplicação de €300.000,00, igualmente do aforro pessoal do A. marido, denominada “X (...) Seguros Rendimento Campeão”, com a apólice nº 40.044823, constituída em 11/11/2007, como garantia de conta-corrente caucionada do mesmo valor, igualmente destinada a apoiar a tesouraria da sociedade.

25. [S] Aos AA. foi concedido pelo Banco R., em 23/02/2006, um crédito à habitação de €300.000,00 destinado a financiar a aquisição de moradia onde instalaram a casa de morada de família, sita à Rua (...) , em Buarcos.

26. [T] A M (…) adjudicou à sociedade C (…), pelo valor global de €1.850.000,00 (a que acrescia o IVA) a empreitada de construção do identificado imóvel na Quinta da Z (...) , em Coimbra.

27. [3] No início de 2008, o A. marido solicitou informação relativamente às referidas aplicações, denominadas “Seguro Prime Invest” e “Seguro Rendimento Campeão”.

28. [6] Nessa altura, deflagrou a crise internacional dos mercados imobiliários.

29. [7] O que teve repercussão no mercado interno.

30. [8] O que fez com que o A. marido, enquanto gerente da “M (…)” e numa previsão de tentar suster a ameaça de uma crise mais acentuada que pudesse, inclusivamente, pôr em risco o futuro da “M (…), tratasse de iniciar diligências no sentido de renegociar os contratos de financiamento com o Banco R. numa perspetiva de poder alargar o prazo de carência com diminuição dos encargos.

31. [9] Dispondo-se a agir conforme referido em S.1.

32. [S.1] Mostra-se registado, através da Insc. 14 – Ap. 1/20090216, o aumento de capital da sociedade “M (...) ” de €500.000,00 para €1.000.000,00.

33. [S.2] Os AA. renegociaram, em Janeiro/2009, o envolvimento financeiro da “M (…)” junto do “X (...) ”, ora R., com a sociedade que, na ocasião, girava sob a firma “P (…), Ldª.”.

34. [11] O autor logrou conseguir os seus propósitos junto do Banco R. com a dilatação do prazo contratual de cumprimento em mais 6 meses.

35. [12] Ao mesmo tempo, predispôs-se a vender o prédio da Quinta da Z (...) (Coimbra), já construído e licenciado, bem assim as duas moradias, já concluídas e também licenciadas, em Buarcos.

36. [13] Após persistentes e morosas negociações, renegociou em Janeiro/2009, o envolvimento financeiro da “M (…)” junto do “X (...) ”, ora R., com investidores da área da construção civil.

37. [15] Da sociedade referida em S.2. eram sócios J (…) e A (…)..

38. [16] O referido J (…) era sócio e gerente da sociedade “C (…), Ldª”.

39. [U] Por força do contrato de empreitada firmado com a “C (…)”, e em ordem ao pagamento dos trabalhos por esta facturados, a “M (…)” aceitava letras de câmbio que a sociedade empreiteira sacava.

40. [V] Forma de pagamento comum que mereceu aceitação da credora empreiteira.

41. [27] A “M (…)”, na data de vencimento da letra de €787.935,05, em 05/03/2009, encetou diligências no sentido de a reformar junto da sacadora “C (…)”.

42. [28] Pelo que com vista a tal reforma aceitou e entregou-lhe letra de câmbio de €590.000,00, com vencimento para 05/06/2009.

43. [29] Tudo quando estavam em curso as referidas negociações para o integral cumprimento das obrigações da “M (…)” perante o Banco R. e a empreiteira “C (…)”.

44. [30] Apesar da entrega de letra de câmbio para reforma da antes identificada, na data de vencimento – 05/Março/2009 – a sacadora “C (…)” não a substituiu pelo novo título (reforma) dos apontados €590.000,00.

45. [W] Daí que se encontrasse em giro, para além de uma letra reformada em 05/02/2009, uma letra de câmbio de €787.935,05, igualmente do aceite da “M (…)” e saque da “Centro Cerro”.

46. [X] Título este que a “C (…)” descontou junto do Banco Y (...) e que se encontrava domiciliado na Sucursal do Banco X (...) (Agência da Câmara), aqui R., na Figueira da Foz, uma vez ser nesta instituição que a “M (…)” mantinha a conta de depósitos à ordem com o nº (...) .

47. [Y] O Y (...) , instituição onde a letra fora descontada pela sacadora “C (…)”, remeteu-a para cobrança ao X (...) , aqui R.

48. [Z] A dita conta de depósitos à ordem da “M (…)” no Banco R. não se encontrava, na ocasião, provisionada com o montante em apreço, antes registava um saldo negativo de (apenas) €78,38.

49. [AA] O Banco R. procedeu ao pagamento do valor constante na letra ao Y (...) .

50. [BB] Logo gerando um descoberto de €788.013.43.

51. [CC] O réu sabia que a conta de depósitos da “M (…)” não tinha fundos bastantes para a solver.

52. [DD] Conduta esta que o Banco R. assumiu sem para tal estar autorizado pela “M (...) ”.

53. [EE] Sem disso lhe dar prévio conhecimento.

54. [135] O pagamento da letra no valor de €787.935,05 deveu-se a lapso do réu porque, no balcão (...) , de Coimbra, foi inserida anteriormente no sistema informático uma autorização de débito na conta da M (…), que permitia o pagamento de qualquer letra que fosse apresentada a pagamento, ainda que a conta não tivesse saldo suficiente para a pagar.

55. [136] Depois de detetado o problema, a autorização foi imediatamente cancelada.

56. [137] Quando foi detetado o lapso ocorrido, o Réu tentou que o Y (...) (Banco que adiantara o dinheiro à C (…), mediante desconto da letra) aceitasse restituir o dinheiro que lhe fora creditado pelo réu, contra a devolução da letra apresentada a pagamento.

57. [138] O Y (...) recusou que a operação fosse anulada e a letra ficou definitivamente paga.

58. [FF] Em 24/02/2009, o Banco R. não pagou o cheque nº 9000.000620, de €213,00, emitido pela “M (…)”, apresentado a pagamento por “Top Informática”, deixando-o devolver por falta de provisão.

59. [35] O réu solicitou aos autores o reembolso de todo o crédito que detinha sobre a “M (…) e sobre os seus sócios, devido a tal descoberto, numa época em que os imóveis estavam desvalorizados em cerca de 20%, em resultado da crise imobiliária.

60. [77] Não tendo a sociedade “M (…)” dívidas por regularizar perante a Segurança Social e o Estado.

61. [83] Esta tinha em curso outros empreendimentos financiados, quer pelo Banco W (...) – construção de prédio de 24 apartamentos, em Buarcos e de bloco habitacional na Quinta Q (...) , em Coimbra.

62. [84] Quer pelo Banco K(...) , a reconstrução do “Aparthotel KK(...) ”, no centro da Figueira da Foz (junto ao Casino).

63. [GG] Os AA., enquanto sócios da “M (…)”, venderam à sociedade “P (…)”, em 22/04/2009, o prédio da Quinta da Z (...) , em Coimbra, já licenciado, por €2.700.000,00.

64. [HH] Bem assim uma moradia na (...) (em Buarcos – Fig. da Foz) – fracção “N” - por €350.000,00.

65. [89] Foi o Banco R. - no próprio dia em que a “P (…)” comprou o prédio da “Quinta da Z (...) ” à “M (…)”, em 22/04/2009 - a financiá-la para aquisição daquele imóvel.

66. [142] Foi aprovado um empréstimo à P (…) de €850.000,00 que suportou o descoberto e outras despesas decorrente do pagamento a descoberto da letra em causa.

67. [143] No quadro do encontro de contas entre a P (…) e a M (…), a P(…) pagou ao X (...) o descoberto na conta da M (…) gerado pelo pagamento da letra e demais encargos.

68. [II] A outorga do contrato de compra e venda das frações que integravam o prédio de Coimbra e a moradia da (...) (fracção “N”), em Buarcos, realizou-se nas próprias instalações do Banco R., sitas à Rua (...) , em Coimbra.

69. [JJ] Ainda no mesmo local e dia (22/04/2009), através de título particular, os AA constituíram um empréstimo de €215.000,00, com 2ª hipoteca sobre a casa de morada de família, destinado a pagar ao Banco R. o passivo da “M (…)”.

70. [KK] E libertaram a hipoteca que incidia sobre a moradia na (...) (fracção “M”), em Buarcos.

71. [105] O valor em dívida pelos AA. ao Banco R., à data da constituição da falada da segunda hipoteca visando a libertação de uma das moradias em Buarcos – a fracção “M” – para solver débitos da “M (…)”, atingia os €230.000,00 dos €300.000,00 financiados a título de crédito à habitação a 25 anos.

72. [LL] Em 23/Abril/2009, esta fração foi vendida à sociedade “Z (…)SA”, empresa da esfera empresarial do já falado J (…), por € 354.100,00.

73. [101] O referido em LL destinou-se à amortização do débito à empreiteira “Centro Cerro”.

74. [NN] Em 12/Agosto/2009, foi vendido, à dita “Z (…)e” um apartamento “T2”, em Buarcos, em prédio na (...) , por €120.000,00.

75. [PP] O A. marido resgatou as duas aplicações de €650.000,00 atrás referidas.

76. [103] As aplicações id. em PP foram cedidas ao Banco Réu por € 514.875,53.

77. [42] Em 01/07/2009, os AA. contraíram mais um empréstimo pessoal junto do Banco R., de €77.815,00, constituindo, para tanto, uma 3ª hipoteca sobre a aludida casa de morada da família.

78. [43] Mútuo destinado a liquidar o contrato de “Swap” e despesas que fora outorgado com o Banco R. para garantia do juro do endividamento da “M (…)”.

79. [79] No ano de 2009, a sociedade teve um prejuízo de €1.521.885,27.

80. [QQ] A casa de morada de família dos AA – entregue em dação ao Banco em 23.09.2010 – resultou do incumprimento do contrato de empréstimo concedido pelo Banco aos AA para aquisição da mesma.

81. [44] A casa de morada de família, aquando do referido em QQ), estava onerada, com 3 hipotecas a favor do Banco R., pelo montante global de €592.815,00.

82. [RR] À data da dação (23.09.2010), a dívida ascendia a €503.250,57 e foi atribuído o valor de €457.100,00 ao prédio em causa.

83. [46] Tratava-se de uma moradia unifamiliar de 368,50 m2, que tinha sido avaliada inicialmente pelo próprio Banco R. em €650.000,00 e à época da dação, por avaliação do Banco Réu para venda rápida, em €457.100.

84. [47] Para acerto/encerramento final das contas entre as Partes, os AA. contraíram novo empréstimo junto do réu, desta feita, no valor de €243.310,00.

85. [48] Os AA. avalizaram pessoalmente a operação através da subscrição de livrança em branco.

86. [49] Em decorrência da transferência da moradia que foi a casa de morada de família dos AA. para a propriedade do Banco R., estes tiveram de a abandonar e foram habitar para o andar da mãe do autor marido.

87. [50] Tendo, com autorização do R., depositado parte do recheio da habitação e bens pessoais na garagem dessa moradia.

88. [51] Aí aguardando que os AA. lograssem encontrar local para tudo armazenar.

89. [52] No momento em que os AA. se aprestavam para levantar o recheio e haveres depositados na garagem do prédio (finais de Fevereiro/2011), verificaram que os mesmos já ali não se encontravam.

90. [53] Os bens foram dali retirados pelo Banco R. e transportados para um armazém na Maia.

91. [54] Operação esta realizada sem aviso ou qualquer inventariação exaustiva dos bens em depósito.

92. [55] Estando os AA. e os seus filhos, desde então até ao presente, privados dos seus haveres.

93. [60] Todos os encargos inerentes ao sustento e educação dos filhos eram da exclusiva responsabilidade dos autores.

94. [61] A casa para onde foram morar não oferece condições de habitabilidade para uma família composta por quatro pessoas, como é a dos AA.

95. [1] Os AA. viviam, exclusivamente dos créditos que a “M (…)” propiciava.

96. [91] Por força do encerramento da “M (…)” viram-se os AA. privados dos lucros que aquela lhes poderia eventualmente proporcionar anualmente.

97. [93] E que reverteriam para os seus sócios, aqui AA. na proporção das respetivas participações.

98. [62] Os AA. ficaram sem a remuneração de gerência que mensalmente recebiam da “M (…)” quando a empresa proporcionava lucros.

99. [63] A ascender a €3.500,00/mês para o A. marido e €1.000,00/mês para a A. mulher, acrescida de dois meses de idêntico montante a título de subsídios de férias e de Natal, nos anos em que a empresa deu lucro suficiente para tanto.

100. [65] O A. marido pediu a reforma antecipada junto da Segurança Social, pela qual recebia em 2/3/2012 o montante de €1.163,67, por mês, líquido.

101. [66] Montante com o qual veio suprindo algumas das despesas com o seu agregado familiar.

102. [67] A A. mulher está desempregada.

103. [68] Os filhos do casal, por carência de meios financeiros, não têm possibilidades e desenvolver quaisquer atividades extracurriculares.

104. [69] Nem possibilidade de beneficiarem de apoio pedagógico acrescido (v.g. explicações, que são pagas por uma irmã consanguínea).

105. [70] Os AA. não têm possibilidade de propiciar aos seus filhos qualquer tipo de atividade que possa contribuir para o seu desenvolvimento e educação.

106. [71] Designadamente viagens, passeios culturais, diversões, prática desportiva.

107. [72] Os AA. não têm viatura própria para se poderem deslocar, socorrendo-se de veículo – um Renault Clio, de 2003 – emprestado por familiar.

108. [94] O A. marido era o grande impulsionador e executor dos negócios sociais e tinha a expectativa de manter a atividade da empresa, pelo menos, até perfazer 65 anos de idade.

109. [95] Em 2009, o A. marido tinha 55 anos de idade.

110. [96] Expectativa de 10 anos que era extensiva à A. mulher.

111. [107] Os AA. viram-se numa situação em que deixaram de ter capacidade financeira em ordem a poderem fazer face aos encargos próprios e normais da sua vida e dos seus dependentes.

112. [108] O que lhes causa profundo desgosto e preocupação, presente e futura.

113. [109] Os AA. deixaram de proporcionar aos dois filhos, ainda menores, uma educação compatível com as condições que até então possuíam.

114. [110] Os AA. são pessoas conhecidas no meio que frequentam, designadamente na cidade da Figueira da Foz donde são naturais e residem.

115. [111] Foram alvo de discriminação social, uma vez que os AA., por ter sido do conhecimento dos seus próximos que se encontravam em situação financeira débil, passaram a ser por estes desprezados socialmente.

116. [112] Foi do conhecimento público que os AA. “perderam” a casa de morada de família e as próprias viaturas particulares.

117. [113] Discriminação que igualmente se abateu sobre os filhos dos AA.

118. [114] A A. mulher encontra-se inscrita no “fundo de desemprego”, o que lhe causa profundo desgosto e abalo.

119. [115] O A. marido sempre trabalhou desde a sua juventude.

120. [116] O que lhe passou a acarretar mal-estar, sofrimento, desgosto e revolta.

121. [117] Sentindo-se impotente para solucionar os problemas aflitivos com que diariamente se depara e que afetam o seu equilíbrio psicológico e emocional.

122. [118] Sendo preterido em todos os concursos laborais a que se candidata.

123. [119] O casamento e o ambiente familiar encontram-se deteriorados.

124. [120] Os AA. vivem do apoio de familiares, designadamente das respectivas mães.

125. [121] Deixaram de poder comprar, com regularidade, vestuário para si e para os filhos.

126. [122] Deixaram de poder fazer férias ou passeios com os filhos.

127. [123] Deixaram de poder custear os aniversários dos filhos, como era hábito suceder.

128. [124] Foram obrigados a vender objetos pessoais, de elevado valor estimativo, para fazer face a despesas correntes.

129. [125] Designadamente com aquisição de material escolar e vestuário para os filhos.

130. [126] Para além de verem os seus filhos privados dos seus haveres pessoais, nomeadamente vestuário, bicicletas, jogos de vídeo, patins, computadores, livros, brinquedos.

131. [127] Situação que lhes causa profundo transtorno, desgosto e ansiedade, para mais quando não sabem se os mesmos lhes serão e quando devolvidos pelo R.

132. [128] Os autores sentem-se incapazes de refazer uma vida de estabilidade financeira passível de suportar os encargos.

133. [129] A que acresce a falta de meios financeiros, pois não têm a possibilidade de recorrer a qualquer crédito.

134. [130] Os bens a que se alude de 87 a 92 [50 a 55 da B.I.] são os seguintes (…).

135. [132] O Banco R. continuou a debitar na conta de que os autores eram titulares o montante correspondente ao seguro da casa de morada de família, quando tinha conhecimento que tal seguro fora substituído e outorgado novo contrato de seguro na Companhia de Seguros (...) em benefício do R.

136. [133] Situação geradora de novo descoberto naquela conta de €713,67 (em 18/04/2011).

137. [88] O Banco R., face às reclamações dos AA. - e dos seus mandatários – em ordem a serem compensados dos prejuízos sofridos, manteve-se em silêncio.


*

B. O Direito

Como nota prévia e antes de entrar na apreciação de cada uma das questões suscitadas pelo R./Apelante nas suas alegações de recurso, queremos salientar que, tendo os autores construído a presente ação, e a generalidade das pretensões indemnizatórias por si formuladas, sobre uma alegada violação por parte do Banco/R. do contrato de depósito irregular, ao proceder ao débito do montante de uma letra no valor de 787.935,05 €, quando a conta não se encontrava aprovisionada do respetivo valor, o tribunal a quo veio a negar a existência de qualquer ilicitude em tal comportamento, bem como de qualquer nexo de causalidade entre o descoberto em conta ocasionado por tal débito e o colapso financeiro que veio a atingir as empresas de que os AA. eram sócios gerentes, obrigando-os a desfazerem-se do seu património social e pessoal.

Iniciando-se a subsunção dos factos ao direito, na sentença recorrida, com a afirmação de que “Não se considera verificado um nexo de causalidade entre a exigência do Banco Réu de reembolso de todo o crédito em dívida pelos AA. e pela sua empresa M (…), na sequência do valor a descoberto da letra em causa e o descalabro financeiro dos devedores”, nela se faz ainda  constar que “o Banco Réu não violou o contrato bancário, pois a autorização de pagamento a descoberto beneficiava a M (…) e a gerência desta nada fez para que essa autorização fosse cancelada anteriormente ao aceite da letra em causa, sabendo que não tinha provisão na conta para a poder pagar.”

Afastado um dos pilares em que os autores fazem assentar a responsabilização da ré pelos prejuízos cujo ressarcimento se encontra em causa na presente ação, decisão com a qual os autores se conformaram (não interpuseram recurso da decisão recorrida, nem suscitaram tal questão em sede de ampliação de recurso), fica exposta a fragilidade da fundamentação de facto e de direito que sustenta as pretensões dos autores, inclusivamente das que vieram a obter provimento na sentença recorrida, como se verá da análise que, de seguida, fazemos de cada uma delas.

1. Condenação pela diferença entre os montantes investidos nas aplicações financeiras “Seguro Rendimento Campeão” e “Seguro Prime Invest” e o montante pelo qual foram cedidos ao Banco R.

Os autores instauraram a presente ação, formulando, entre outros, o pedido de condenação do Banco réu no pagamento da diferença entre os montantes que investiram nas aplicações financeiras “Seguro Rendimento Campeão” e “Seguro Prime Invest” e o valor pelo qual foram cedidas ao Banco R., com base no seguinte circunstancialismo de facto:

em julho de 2006, para financiamento da atividade da “M (…)”, de que os AA. são sócios gerentes, aquela sociedade contraiu junto do Banco R. dois empréstimos, um no valor de 2.000.000,00 € e outro no valor de 500.000,00 €;

por imposição do Banco réu, o réu foi compelido a constituir duas aplicações, uma no valor de 350.000,00 € e outra no valor de 300.000,00 €, do seu aforro pessoal, denominada a 1ª “Seguro Rendimento Campeão” e “Seguro Prime Invest”, como garantia de conta-correntes caucionadas do mesmo valor, igualmente destinadas a apoiar a tesouraria da sociedade;

no início do ano de no início de 2008, o autor solicitou um pedido de esclarecimento por não terem sido creditados juros desses investimentos, ao qual a ré não deu qualquer resposta;

entretanto, deflagrou a crise publica internacional dos mercados imobiliários, com a natural repercussão no mercado interno;

quando estavam em curso negociações para o integral cumprimento das obrigações da “M (…)” perante o Banco R. e a empreiteira “C (…)”, esta não substituiu a letra de 787.935,05 € por uma outra de 590.000,00 €, com vencimento para 05.06.2009, contrariando o acordado, pelo que, na data do respetivo vencimento, 05.03.2009, o Y (...) (instituição onde a letra havia sido descontada pela sacadora) remeteu tal letra para cobrança ao Banco R. que, alegadamente por lapso informático, a pagou, quando a conta de depósitos à ordem não se mostrava provisionada com tal montante, gerando um descoberto de 788.013.43 €;

o Banco R., bem sabendo da irregularidade da sua conduta ao debitar na conta cliente da “M (….)” pelo montante da letra, em vez de a devolver ao Y (...) , impôs ainda, sob a ameaça de procedimento coercivo, o reembolso de todo o crédito que detinha sobre a “M (…) e sobre os seus sócios, obrigando-os a desfazerem-se de todo o seu património social e pessoal;

assim, o autor foi obrigado a resgatar as duas aplicações de 650.000,00 €, cedendo-as ao Banco R. por 514.875,53 €, o que equivaleu a um prejuízo de 135.124,47 €;

sendo que, o Banco R., à data destas aplicações, garantia o capital e pagaria juros crescentes à taxa anual líquida, média de 3,6 €, obrigando-se ainda a pagar semestralmente, por cada 10.000,00 € de capital investido na aplicação de 300.000,00 €, 180,00 €, o que nunca aconteceu.

Na subsunção que dos factos fazem ao direito, os autores reportam a generalidade das pretensões por si exercidas na presente ação (quer os pedidos que vieram a ser julgados improcedentes, quer os que obtiveram provimento na sentença recorrida) a dois fundamentos jurídicos:

a) violação do contrato de depósito irregular por parte do Banco R., ao proceder ao débito do montante da letra, deixando a conta com um descoberto de 788.013.43 €;

b) incumprimento por parte do Banco R. “de obrigações decorrentes dos contratos celebrados e então em vigor”.

Quanto à pretensão agora em apreço – condenação do R. no diferencial entre o valor de aquisição e o valor de retoma das aplicações financeiras –, e apesar da extensão da sua alegação, prolongando-se na petição inicial por 286 artigos, constata-se que os autores baseiam a imputação de tal prejuízo ao Banco Réu unicamente na conjugação de duas circunstâncias: por um lado, no facto de, a dada altura, terem sido “compelidos” a constituir tais aplicações financeiras e de, por outro lado, terem sido “obrigados” a resgatá-las numa altura de crise financeira, acabando por cedê-las a um preço inferior ao da sua aquisição.

Não foi esse, contudo, o fundamento de que a sentença recorrida se veio a socorrer para julgar verificada a responsabilidade do Banco R., pelas perdas sofridas pelos autores com o resgate dos títulos, aí se escrevendo: “Não obstante o risco dessas operações corresse por conta do Cliente, tal não significava uma desresponsabilização absoluta do Banco pelo destino que viessem a ter, pois como gestores de carteiras de títulos, os Bancos devem avisar os Clientes para resgatar as aplicações quando seja percetível a perda de cotação, tanto mais quando significar a perda de uma parte do próprio capital investido. (…) Portanto, quando no início de 2008 surgiu a crise do mercado imobiliário, o Banco Réu, de acordo com o princípio da boa-fé, deveria ter recomendado oportunamente ao Autor, seu cliente, por si e como gerente, em empréstimos no elevado valor conjunto de €2.500.000, que resgatasse os montantes dos indicados seguros logo que soubesse da aproximação da baixa das cotações, devido à influência nefasta daquela crise, aplicando-os na amortização de um ou de ambos os empréstimos.”

Ou seja, da leitura que fazemos da sentença recorrida, o juiz a quo fez assentar a responsabilização do Banco R. pelo referido referencial, não no facto de o banco Réu ter compelido o autor a subscrever tais aplicações e, posteriormente, o ter obrigado a cedê-las por um preço inferior ao da sua subscrição, mas na violação de um dever de recomendação por parte do Banco R., enquanto intermediário financeiro, relativamente às aplicações financeiras adquiridas pelo autor por seu intermédio.

Insurge-se a Ré/Apelante contra tal decisão, com a seguinte argumentação:

em momento algum da p.i. ou da réplica foi alegada pelos autores a prática de qualquer ilícito pelo apelante relativamente a tais aplicações financeiras, nomeadamente (i) violação do dever de informação ou (ii) qualquer vício que afetasse a validade da aquisição e subsequente constituição dos penhores; não tendo ficado demonstrado qualquer facto ilícito por parte do apelante;

o intermediário financeiro (banco apelante) não tem o dever legal ou contratual de indicar ao seu cliente se deve ou não alienar/resgatar os valores mobiliários de que é titular, salvo se entre as partes tivesse sido celebrado um acordo que impusesse a obrigação de o intermediário financeiro aconselhar o seu cliente, isto é, se existisse um contrato de “consultoria para investimento” (art. 294º CVM), ou qualquer contrato de “gestão de carteira”;

o facto das clausulas 7.2 e 7.3, referirem que o Fundo se rege por “rigorosos critérios de segurança”, não colide em nada com a má performance que o título possa vir a ter, sendo necessário, para que exista responsabilidade do intermediário financeiro, alegar e provar que a gestão não foi cuidadosa, o que não foi alegado na p.i.;

a aplicação denominada “seguro rendimento campeão” tinha vencimento de longo prazo (8 anos, 3 meses e 19 dias), advertindo-se no ponto 8.3. “…alerta-se para o facto do valor do resgate antecipado durante os primeiros anos de vida do ACE…poder ser, com alguma probabilidade, inferior ao prémio inicialmente subscrito, caso em que…o Tomador do seguro, que opte pelo resgate antecipado, poderá registar uma perda de capital”.


*

Teremos de dar razão ao raciocínio expendido pelo Banco/Apelante: a sentença recorrida veio a reconhecer a responsabilidade do Banco Réu com um fundamento não invocado pelos autores – socorrendo-se de informações constantes de extratos juntos aos autos dos quais resulta que as aplicações chegaram a atingir um valor superior ao da compra e de que, a partir de uma determinada altura, a respetivas cotações começaram a descer, o juiz a quo, conclui que, quando no início de 2008 surgiu a crise no mercado imobiliário, o Banco Réu deveria ter recomendado ao autor que resgatasse os montantes dos indicados seguros logo que soubesse da aproximação da baixa das cotações. E é neste juízo de censura que faz assentar a responsabilização do Banco Réu pelo prejuízo resultante da cedência das aplicações por um valor inferior ao da sua subscrição.

Contudo, como já foi referido, não é essa a causa de pedir em que os autores fazem assentar a sua pretensão – os autores não alegam, nunca, nem na petição inicial nem na réplica, que, na vigência dos seguros em causa, e como decorrência das obrigações emergentes de algum contrato com este celebrado aquando da aquisição dos títulos, o Banco Réu tivesse a obrigação de os avisar de que aproximaria uma crise financeira, nem que o Banco tivesse a obrigação de lhes recomendar o resgate dos títulos, nem que só não os tenham resgatado antes por tal falta de informação. Os autores imputam o prejuízo que tiveram em tal negócio ao Banco Réu, ao facto de se tratar de um produto que, num primeiro momento, lhe foi “imposto” pelo Banco Réu, e de, num momento posterior, ter sido “obrigado” a proceder ao respetivo resgate, também por imposição do Banco R., numa altura de crise financeira e imobiliária[3].

E se, quanto à ilicitude do comportamento do Banco R. relativamente à subscrição e resgate de tais aplicações, a matéria alegada pelos autores na p.i. é relativamente escassa, a instrução da causa deixa-nos apenas os seguintes factos:

23. [Q] O A. constituiu uma aplicação de €350.000,00 do seu aforro pessoal, em 02/07/2007, no denominado “Seguro Prime Investimento”, com a apólice nº 40.043508, como garantia de conta-corrente caucionada da sociedade do mesmo valor e destinada a apoiar a sua tesouraria.

24. [R] E, ainda, outra aplicação de €300.000,00, igualmente do aforro pessoal do A. marido, denominada “X (...) Seguros Rendimento Campeão”, com a apólice nº 40.044823, constituída em 11/11/2007, como garantia de conta-corrente caucionada do mesmo valor, igualmente destinada a apoiar a tesouraria da sociedade.

27. [3] No início de 2008, o A. marido solicitou informação relativamente às referidas aplicações, denominadas “Seguro Prime Invest” e “Seguro Rendimento Campeão”.

28. [6] Nessa altura, deflagrou a crise internacional dos mercados imobiliários.

29. [7] O que teve repercussão no mercado interno.

30. [8] O que fez com que o A. marido, enquanto gerente da “M (…) e numa previsão de tentar suster a ameaça de uma crise mais acentuada que pudesse, inclusivamente, pôr em risco o futuro da “M (…), tratasse de iniciar diligências no sentido de renegociar os contratos de financiamento com o Banco R. numa perspetiva de poder alargar o prazo de carência com diminuição dos encargos.

49. [AA] O Banco R. procedeu ao pagamento do valor constante na letra ao Y (...) .

50. [BB] Logo gerando um descoberto de €788.013.43.

51. [CC] O réu sabia que a conta de depósitos da “M (…)” não tinha fundos bastantes para a solver.

52. [DD] Conduta esta que o Banco R. assumiu sem para tal estar autorizado pela “M (…)”.

53. [EE] Sem disso lhe dar prévio conhecimento.

54. [135] O pagamento da letra no valor de €787.935,05 deveu-se a lapso do réu porque, no balcão (...) , de Coimbra, foi inserida anteriormente no sistema informático uma autorização de débito na conta da M (…), que permitia o pagamento de qualquer letra que fosse apresentada a pagamento, ainda que a conta não tivesse saldo suficiente para a pagar.

55. [136] Depois de detetado o problema, a autorização foi imediatamente cancelada.

59. [35] O réu solicitou aos autores o reembolso de todo o crédito que detinha sobre a “M (…)” e sobre os seus sócios, devido a tal descoberto, numa época em que os imóveis estavam desvalorizados em cerca de 20%, em resultado da crise imobiliária.

75. [PP] O A. marido resgatou as duas aplicações de €650.000,00 atrás referidas.

76. [103] As aplicações id. em PP foram cedidas ao Banco Réu por € 514.875,53.

Quanto ao modo como ocorreu a respetiva subscrição, se na petição inicial ainda era alegado que o autor “por imposição do banco”, “foi impelido a constituir” tais aplicações, a matéria dada como provada não veio a acolher a versão de que o autor teria sido, de algum modo, pressionado a adquirir tais produtos financeiros[4].

Quanto à alegação de que, posteriormente, foi “obrigado” a resgatar tais aplicações cedendo-as ao Banco R., apenas se provou que “o réu solicitou aos autores o reembolso de todo o crédito que detinha sobre a “M (...) ” e sobre os seus sócios, devido a tal descoberto[5]. Atentar-se-á, ainda, em que nem sequer é possível estabelecer qualquer ligação de causa e efeito entre a exigência de reembolso de todo o crédito, por parte da Ré, ocorrida na sequência do descoberto resultante do débito da letra, e o resgate do “Seguro Invest”, uma vez que este é anterior ao vencimento da referida letra: o resgate de tal título ocorreu a 26.01.2009[6] e a referida letra só se veio a vencer a 05 de março de 2009; quanto ao resgate do “Seguro Rendimento Campeão” , vem a correr somente cerca de um ano depois, por solicitação do autor datada de 23.02.2010 (fls. 578).

Quanto à alegação de que o Banco réu, “à data da constituição dessas aplicações, garantia o capital e pagaria juros crescentes à taxa anual liquida, média de 3,6 %”, tal facto veio a ser dado como “não provado[7], decisão relativamente à qual os autores se conformaram, não impugnando a resposta dada pelo tribunal a quo a tal matéria.

Desconhecemos inclusivamente se a diferença entre o valor de aquisição e o valor de resgate se deveu a uma desvalorização das aplicações em si ou se ao facto de, nomeadamente quanto ao “Seguro Rendimento Campeão”, o resgate ter ocorrido antes da sua maturidade – foi contratado um prazo de 8 anos, 3 meses e 19 dias – (doc. de fls. 584), sendo que o “Seguro Prime Invest” tinha uma duração vitalícia (doc. de fls. 589); aliás, nem sequer se mostra alegado qual o valor recebido por cada uma das aplicações aquando do respetivo resgate, nem em que data tal ocorreu[8] (os AA. limitam-se a alegar terem sido cedidas ao Banco R. por “514.875.53 €, correspondente ao valor recebido globalmente por ambas), nem qual a cotação de tais aplicações à data do resgate).

Ou seja, nem sequer temos por demonstrado que, à data da sua cedência ao Banco/Apelante, os títulos se mostrassem desvalorizados relativamente ao preço da sua aquisição e, em caso afirmativo, em que montantes, sabendo-se tão só que, tendo o autor subscrito tais aplicações financeiras, uma a 02.07.2007, no valor de 350.000 € (Seguro Prime Invest) e outra a 11.11.2007, pelo valor de 300.000, 00 € (Seguro Rendimento Campeão), a primeira veio a ser resgatada em 26.01.2009, pelo valor de 289.147,56 €, a segunda foi resgatada por solicitação datada de 23.02.2010, tendo sido cedidas ao Banco R. pelo valor global de 514.875,53 €.

Pretendendo os autores ser ressarcidos pela diferença entre o valor pelo qual subscreveram os títulos (650.000,00 €) e o valor pelo qual vieram a ser cedidos ao Banco R. (514.875,53 €), por incumprimento “de obrigações decorrentes dos contratos celebrados e então em vigor”, só agora invocam, nas suas contra-alegações de recurso, uma genérica “violação dos deveres de informação” por parte do Banco R., enquanto intermediário financeiro, previstos nos arts. 312º e ss. e 323º e ss. do CVM.

E, em tais contra-alegações, afirmam ser manifesta a responsabilidade do Banco, porquanto:

“- não informou o apelado, como devia, quer da valorização das unidades de participação quando estas se mostravam em cotação alta, quer da sua previsível baixa, e ao mesmo tempo;

- impôs o imediato resgate das aplicações quando as mesmas se mostravam desvalorizadas, não dando ao apelado a menor hipótese de reagir, muito menos de poder salvaguardar os seus legítimos interesses.

Ora, não só tal falta de informação – respeitante às oscilações da cotação das aplicações – nunca é referida pelos autores nos articulados da ação (surgindo, agora, à boleia do enquadramento que à situação em apreço veio a ser dado na sentença recorrida), como dos extratos bancários juntos aos autos, emitidos pelo Banco R. e dirigidos e enviados regularmente ao autor (fls. 767 a 820), constam tais alterações.

Atentar-se-á em que, a falta de informação invocada pelos autores na p.i., respeita antes a um pedido que é formulado no inico de 2008 “motivado pela circunstância de não terem sido creditados quaisquer juros,” pedido que não teria tido qualquer resposta (arts. 25 a 28 da p.i.). De qualquer modo, relativamente a tal matéria apenas se provou que “No início do ano de 2008, o autor marido solicitou informação relativamente às referidas aplicações, denominadas “Seguro Prime Invest” e “Seguro Rendimento Campeão[9].

Quanto à imposição do imediato resgate, apenas ficou demonstrado que, na sequência do descoberto em conta originado pelo débito da letra de 787.935,05 €, a Ré “solicitou aos autores o reembolso de todo o crédito que detinha sobre a M (…) e sobre os seus sócios, devido a tal descoberto”. E, como já foi referido, a matéria dada como provada não nos permite estabelecer um nexo causal entre tal pedido de reembolso por parte da Ré e o resgate de cada uma das aplicações financeiras: uma das aplicações foi resgatada em data necessariamente anterior ao pedido de reembolso (o resgate do “Seguro Prime Invest” tem a data de 26.01. 2009 e a referida letra só se vencia a 05.03.2009) e a outra foi resgatada cerca de um ano depois (por solicitação do autor datada de 23.02.2010).

A sentença recorrida fez assentar a responsabilidade do Banco Ré na violação do “princípio da boa-fé” que, lhe imporia que, quando se iniciou a crise financeira, “recomendasse ao autor que resgatasse os montantes dos indicados seguros logo que soubesse da aproximação da baixa das cotações, devido à influência nefasta daquela crise, aplicando-os na amortização de um ou de ambos os empréstimos.

No âmbito do princípio do dispositivo, apenas às partes cabe alegar os factos principais da causa, isto é, os que integram a causa de pedir e os que fundam as exceções. Distinto do ónus da alegação, trata-se do ónus da substanciação do pedido, de acordo com o qual só ao autor cabe individualizar a causa de pedir. Embora o juiz possa considerar todos os factos trazidos ao processo independentemente de terem sido alegados por uma ou outra parte ou de que tenha conhecimento oficioso, cabendo ao autor conformar o objeto do processo, mediante a formulação de uma pretensão baseada numa causa de pedir, os factos que não tiverem sido por si alegados não poderão ser considerados como elementos de alteração ou ampliação desta fora do previsto no artigo 264º do CPC[10].

Como tal, não podia o juiz a quo basear a responsabilidade do banco réu numa pretensa violação dos seus deveres de aconselhamento enquanto intermediário financeiro, quando tal violação de tais deveres não foi alegada pelos autores como facto constitutivo de tal responsabilidade.

Por fim e independentemente de se entender que o juiz extravasou os seus poderes ao apreciar a violação de um tal dever quando a mesma não fora alegada pelos autores, os elementos constantes dos autos não nos permitem afirmar que sobre o Banco R. impendesse um tal dever de recomendação ou aconselhamento.

Encontrando-se em causa a responsabilidade civil contratual do Banco R., enquanto intermediário financeiro[11], haverá que atentar no que a tal respeito dispõe o artigo 304º-A do Código de Valores Mobiliários (CVM):

1. Os intermediários financeiros são obrigados a indemnizar os danos causados a qualquer pessoa em consequência da violação dos deveres respeitantes à organização e ao exercício da sua atividade, que lhes sejam impostos por lei ou regulamento emanado de autoridade pública.

2. A culpa do intermediário presume-se quando o dano seja causado no âmbito de relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso quando seja originado pela violação dos deveres de informação.

A responsabilidade civil assacada ao intermediário financeiro, designadamente no âmbito de contrato de consultadoria para investimento em valores mobiliários, pressupõe, antes de mais, a prova da ilicitude resultante do incumprimento de deveres legais ou contratuais, numa relação de causalidade com o sinistro financeiro verificado[12].

A atuação do intermediário financeiro encontra-se sujeita aos princípios gerais previstos no artigo 304º do CVM, que Filipe Canavarro Teixeira[13] eleva a “deveres gerais de conduta”:

i) Princípio da proteção dos interesses do Cliente;

ii) Principio da proteção da eficiência do Mercado;

iii) Princípio de agir com boa-fé;

iv) Principio de conhecer o Cliente;

v) Princípio do sigilo profissional.

A par de tais deveres genéricos, o CVM prevê ainda deveres específicos, relacionados com o nível de informação a prestar ao cliente (arts. 312º e ss.).

Dispõe o citado art. 304º, relativamente ao dever de boa-fé: “Nas relações com todos os intervenientes no mercado, os intermediários financeiros devem observar os ditames da boa-fé de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência”.

Contudo, o cumprimento dos referidos deveres genéricos, onde se inclui o dever de boa-fé, só poderá ser verificado através de uma análise do cumprimento dos deveres específicos. Como salienta Filipe Canabarro Teixeira[14], a boa-fé, por si só quase nada representa, necessitando existir um determinado dever de conduta específico, uma determinada norma positiva, para que, então, a partir de um caso concreto, se verifique se a conduta dos agentes ao cumprir um dever objetivo observou a boa-fé, ou não.

Sobre o intermediário financeiro impendem diversos deveres de informação perante os respetivos clientes não só aquando da contratação, mas igualmente no âmbito da execução contratual – trata-se de deveres acessórios de informação que, pela sua natureza, visam permitir a satisfação do interesse do credor (cliente) e assegurar a inexistência de danos[15].

Assim sendo, no caso em apreço a questão que se coloca, é se, como defendeu o juiz a quo, sobre o Banco Réu incumbia o dever de, quando no início de 2008 surgiu a crise do mercado imobiliário, recomendar ao Autor que resgatasse os montantes dos indicados seguros logo que soubesse da aproximação da baixa das cotações, devido à influência nefasta daquela crise, aplicando-os na amortização de um ou de ambos os empréstimos.

Dos extratos juntos aos autos, relativos a tais aplicações (fls. 767 a 820), e que iam sendo periodicamente enviados ao autor, resulta que tendo o autor subscrito tais aplicações no ano de 2007, a respetiva cotação foi sofrendo alterações, vindo a descer durante o ano de 2008.

E, uma vez que tais extratos se encontram dirigidos ao autor marido, deles extraímos que o autor foi tendo acesso à informação respeitante às oscilações de valor das aplicações por si subscritas, sendo que, se o autor alegou que em 2008 pediu informações sobre as mesmas e que não lhe foram fornecidas, não logrou provar tal ausência de resposta por parte da Ré.

Contudo, o que aqui se discute, não é tanto a ausência de informações, mas se ao banco réu se impunha uma conduta positiva de aconselhamento ao autor no sentido de se desfazer das aplicações antes da sua cotação começar a descer ou, pelo menos, antes de sofrerem uma desvalorização significativa.

Como salienta Gonçalo André Castilho dos Santos, a informação não deve ser confundida com conselho ou com recomendações[16], obrigações que se encontrarão presentes na consultoria e na gestão de carteiras, mas já não nas demais atividades de intermediação financeira[17], sendo que, no caso em apreço, não é alegado qual o exato âmbito da atividade de intermediação acordada com o Banco Réu.

No caso em apreço, consta expressamente das Condições Gerais respeitantes aos seguros subscritos pelo autor, que o risco de investimento corria por conta do cliente[18], não alegando o autor o desconhecimento de tal facto ou qualquer falta de informação que tenha influenciado a sua decisão de subscrever tais aplicações.

Os deveres de informação não buscam retirar os riscos do mercado, que são inerentes a esse, mas sim possibilitar que o cliente do intermediário financeiro compreenda as informações que alimentam o mercado e dessa forma, possa tomar decisões de investimento, ou desinvestimento, consciente do significado, das consequências e possibilidade das mesmas[19].

Por outro lado, haverá uma diferença fundamental entre o crédito bancário e a emissão de títulos nos mercados financeiros: refletindo os preços fixados para tais emissões a informação derivada do mercado, por regra, o banco não terá, ele próprio, acesso à informação de que se irá dar a queda da cotação dos títulos, e quando, antes dela ocorrer, podendo, quando muito, devido aos seus especiais conhecimentos na área, ter elementos para uma leitura que lhe permita fazer algumas previsões, que se podem vir a revelar certeiras ou a falhar.

Como é referido no Ac. do STJ de 06-02-2014[20], não é exigível que o Banco pudesse prever o descalabro financeiro que caiu sobre os mercados financeiros internacionais e que quando a cotação das aplicações financeiras tenha começado a descer que pudesse prever que as mesmas não voltariam a subir durante um determinado período de tempo e que, como tal, a própria consistência e reembolso do capital investido ficaria comprometida.

E muito menos se lhe poderia exigir um comportamento ativo de aconselhamento do autor ao resgate antecipado dos títulos quando não se encontra alegada, e muito menos demonstrada, a envolvência do Banco Réu em qualquer outra atividade de intermediação para além da relacionada com a comercialização das aplicações em causa.

Concluindo, não só a violação de tais deveres não foi invocada pelos autores como causa de pedir da sua pretensão, como da matéria dada como provada não se extrai a violação, por parte do Banco R., de qualquer dever de informação ou aconselhamento ou de qualquer outra obrigação contratual, não podendo o mesmo vir a ser responsabilizado pelo diferencial entre o valor de subscrição e o valor pelo qual o autor veio a ceder ao Banco R. as aplicações em causa, sendo que se tratava de produtos emitidos por outras entidades.

2. Condenação pela diferença entre o valor estimado do imóvel entregue em dação e cumprimento ao apelante e o valor atribuído que lhe foi atribuído na escritura de dação.

Alegando os Autores que “em resultado da atuação delituosa do Banco R., os autores foram obrigados a ceder por 457.100,00 € a casa de morada de família que, na ocasião e conforme avaliação do demandado tinha um valor de 650.000,00 €”, e que o valor em dívida à data da constituição da 2ª hipoteca era de 230.000,00 €, dos 300.000,00 € financiados, peticionam a condenação do Banco R. no pagamento do prejuízo por si sofrido correspondente “à diferença entre o valor da mesma (650.000,00 €) e o montante do débito ao Banco de tal proveniência[21].

Na sentença recorrida, o juiz a quo veio a considerar o Banco/réu responsável pela diferença entre o valor estimado do imóvel, resultante da soma das hipotecas que incidiam sobre o mesmo (592.815,00 €) e o valor pelo qual foi efetuada ao Banco R. a dação de tal imóvel (457.100 €), com a seguinte fundamentação, que aqui se reproduz, na íntegra:

“Valendo-se da insuficiência de liquidez monetária dos Autores e das suas empresas, o Banco Réu violou o princípio da boa-fé estatuído no artº 227º, nº 1, do Código Civil, ao negociar numa posição leonina a dação em pagamento da casa de morada da família daqueles por um valor inferior ao da soma das hipotecas que o próprio Banco estipulara para incidir sobre a casa, que atinge €592.815. Dê-se atenção ao Ac. STJ de 27/9/2012, proc. 3729/04.0TVLSB.L1.S1, em www.dgsi.pt.

Os Autores cederam a casa ao Banco credor, para cobrir dívidas próprias e das suas empresas, num valor de €503.250,57, a troco de um valor de €457.100, atribuído apressadamente pelo próprio Banco ao prédio em causa.

Os Autores consideram-se prejudicados pela atitude do Banco, fazendo, porém, um cálculo exagerado do seu prejuízo, porque têm em conta o valor inicial de €650.000 por avaliação do Banco, quando o mercado imobiliário provocara uma queda até 20% no valor dos prédios à época da dação, ou seja, o valor estimado inicialmente teria ficado rebaixado pelas condições do mercado, de modo que não deveria exceder o valor conjunto das hipotecas (€592.815).

Dizem os Autores que, como deviam €230.000 dos €300.000 financiados para compra da habitação, o cálculo deste seu prejuízo seria representado pela diferença entre o valor inicial da avaliação do prédio (€650.000) e o valor residual do empréstimo (€230.000).

Mas não é assim, pois as dívidas não eram só representadas por aquela verba de €230.000, atingindo o montante de €503.250,57 à data da dação (23/9/2010) e o valor estimado para o prédio era presumivelmente o resultante da soma dos valores das hipotecas, de €592.815, não o inicial (arts. 349º e 351º do Código Civil; artº 607º, nº 4, do novo C.P.C.).

Assim sendo, o prejuízo é representado pela diferença entre o valor estimado do prédio, de €592.815 e o valor da dação, de €457.100, ou seja, €135.715, recaindo em partes iguais sobre cada um dos Autores, ambos donos do prédio, casados segundo o regime da separação de bens (arts. 1736º, nº 2 e 1403º, nº 2, do Código Civil).”

Insurge-se o Banco R. contra tal decisão, alegando que o juiz a quo só poderia ter concluído pela utilização de uma posição dominante se concluísse que o valor de avaliação do prédio, à data da dação, estava desconforme com o valor de mercado e não estava; a decisão não pode assentar na presunção de que o valor do prédio correspondia ao da soma das três hipotecas que sobre ele incidiam; de qualquer modo, o valor atribuído acabou por ser não os 457.100,00 € da dação, mas o de 503.250,57 €, por o banco considerar a extinção das dívidas com a dação.


*

            A crise nos mercados financeiro e imobiliário veio colocar inúmeras questões relacionadas com o incumprimento dos contratos de mútuo para aquisição de imóveis, nomeadamente pela abrupta desvalorização dos imóveis que lhe servem de garantia.

No caso em apreço, supõe-se que aquando da concessão do empréstimo para habitação, o Banco R. terá avaliado o imóvel hipotecado em 650.000,00 € e, posteriormente, quando este lhe é dado em cumprimento vem a atribuir-lhe um valor de 457.100,00 €.

Contudo, qualquer juízo de censura sobre o comportamento do Banco Réu, “violador da boa-fé”, implicará, em primeiro lugar, a demonstração da existência de uma desproporção significativa entre o valor atual de mercado do imóvel e o valor pelo qual foi dado em pagamento ao Banco Réu, ou seja, que este tenha recebido um bem de valor muito superior ao montante da dívida a extinguir, enriquecendo o seu património com o consequente empobrecimento do dos autores.

Para proferirmos um tal juízo de valor não poderemos, contudo, partir, sem mais, do valor de 650.000, 00 € pelo qual o imóvel terá sido avaliado inicialmente pelo Banco R., supondo-se que aquando da celebração do empréstimo para a sua aquisição e da constituição da 1ª hipoteca sobre ele incidente.

A avaliação efetuada pelo banco aquando da concessão do crédito, destinando-se a determinar se o bem a hipotecar constitui garantia suficiente para o pagamento da dívida, surge como um mero auxiliar do banco, tendo por função sustentar a sua decisão quanto à concessão ou não do crédito solicitado e respetivas condições remuneratórias, não sendo vinculativa para o mutuante.

Não podemos esquecer que a questão suscitada pelos autores com o pedido sub iudice, não passa por decidir se a dação do imóvel extinguiu a dívida hipotecária, mas pela consideração do valor da primitiva avaliação para efeitos de um eventual crédito (do remanescente) a favor dos mutuários[22].

E, relativamente ao valor atual de mercado e valor pelo qual foi realizada a dação, encontram-se provados unicamente os seguintes factos, com relevo para a questão em apreço:

59. [35] O réu solicitou aos autores o reembolso de todo o crédito que detinha sobre a “M (…)” e sobre os seus sócios, devido a tal descoberto, numa época em que os imóveis estavam desvalorizados em cerca de 20%, em resultado da crise imobiliária.

80. [QQ] A casa de morada de família dos AA – entregue em dação ao Banco em 23.09.2010 – resultou do incumprimento do contrato de empréstimo concedido pelo Banco aos AA para aquisição da mesma.

81. [44] A casa de morada de família, aquando do referido em QQ), estava onerada, com 3 hipotecas a favor do Banco R., pelo montante global de €592.815,00.

82. [RR] À data da dação (23.09.2010), a dívida ascendia a €503.250,57 e foi atribuído o valor de €457.100,00 ao prédio em causa.

83. [46] Tratava-se de uma moradia unifamiliar de 368,50 m2, que tinha sido avaliada inicialmente pelo próprio Banco R. em €650.000,00 e à época da dação, por avaliação do Banco Réu para venda rápida, em €457.100.

Não tendo o imóvel sido objeto de qualquer avaliação nos presentes autos (os autores fazem assentar a sua pretensão, não no valor de mercado à data da dação mas no valor da avaliação inicial do Banco), o juiz a quo considerou que os autores fizeram um cálculo exagerado dos seus prejuízos, e que tendo o mercado imobiliário provocado uma queda até 20% no valor dos imóveis à data da dação, o valor “estimado” do prédio não poderia exceder a soma do valor garantido por cada uma das três hipotecas que, à data da dação em pagamento, incidiam sobre o imóvel em apreço: 592.815,00 €.

Tal posição trás em si o raciocínio implícito de que, se o Banco R. aceitou tal imóvel como garantia bastante para assegurar o integral cumprimento das obrigações decorrentes de cada um desses contratos de mútuo, era porque lhe atribuía um valor, no mínimo, equivalente ao total das quantias mutuadas em cada um deles.

Contudo, tal raciocínio ignora, desde logo, o facto de os referidos empréstimos e as hipotecas que os garantem, não terem sido constituídos na mesma data.

O referido valor de 592.815,00 € é o resultado da soma da totalidade das quantias mutuadas em cada um dos três empréstimos garantidos por cada uma dessas hipotecas:

- um 1º empréstimo no valor de 300.000,00 €, em 23.02.2006, destinado a financiar a aquisição do imóvel em causa e que constituía a casa de morada de família dos AA., garantido pela 1ª hipoteca (ponto 25 da matéria de facto);

- um 2º empréstimo no valor de 215.000,00 €, em 22.04.2009, destinado a pagar o passivo da M (...) , garantido pela 2ª hipoteca (ponto 69).

- um 3º empréstimo no valor de 77, 815,00 €, a 01.07.2009, constituindo para tal uma 3ª hipoteca sobre o mesmo imóvel (ponto 77).

Contudo, encontra-se igualmente provado que o valor em dívida pelos AA. ao Banco R., à data da constituição da 2ª hipoteca atingia os 230.000,00 €, dos 300.000,00 financiados a titulo de crédito à habitação (ponto 71). Ou seja, nunca o referido imóvel serviu para garantir, em simultâneo, empréstimos num valor total de 592.815,00 €, uma vez que, à data da constituição da 2ª hipoteca, o valor em dívida garantido pela 1ª hipoteca, se encontrava já reduzido a 230.000,00 €. Assim sendo, e utilizando o critério de um valor estimado a partir da soma dos valores mutuados e garantidos por cada uma das hipotecas, de que socorreu o juiz a quo, chegaríamos a um valor de 522.815,00 €.

De qualquer modo, o reconhecimento de um valor “estimado” ao imóvel, calculado nos termos descritos, equivaleria a colocar unicamente sobre o Banco R. o risco de depreciação do imóvel para um valor abaixo dos montantes inicialmente garantidos.

Ora, no nosso ordenamento jurídico, o risco de desvalorização ou de depreciação do imóvel recai sobre o proprietário, assistindo ao credor hipotecário o direito de pedir o reforço ou substituição de garantias, se o objeto da hipoteca se revelar insuficiente ou se o imóvel diminuir de valor (artigo 701º do CC), podendo ainda exigir o seguro da coisa hipotecada para o caso de esta se perder ou for destruída (artigo 702º do CC).

Na contratação de um crédito bancário hipotecário, os riscos do negócio distribuem-se pelo seguinte modo: o mutuante assume o risco de o devedor ficar insolvente ou de não poder ver-se reembolsado do crédito concedido e dos juros estabelecidos; o mutuário comprador assume o risco de que o imóvel adquirido perca valor de mercado e que o montante devido exceda o valor de realização do bem em caso de incumprimento[23].

Por fim, se partíssemos do valor de 650.000,00 €, pelo qual teria sido inicialmente avaliado pelo próprio banco, e lhe fizéssemos incidir uma desvalorização de 20% (em conformidade com o ponto 59 da matéria dada como provada), atingiríamos um valor atualizado de 520.000,00 €.

Passamos agora à determinação do valor relevante para efeitos da dação em cumprimento.

Alega o Banco R., nas suas alegações de recurso, que, embora na dação tenha sido atribuído ao imóvel o valor de 457.100,00 €, tendo com esta entrega extinguido uma dívida global de 503.250,57 €, o prejuízo dos autores corresponderá unicamente à diferença entre o valor real do imóvel e o valor da dívida que com a sua entrega se visou extinguir, os tais 503.250,57 €.

Vejamos, antes de mais, se podemos ter como assente que, com o recebimento do imóvel, o Banco R. tenha considerado extinta a totalidade da dívida que se encontrava garantida pelas 3 hipotecas, à data no valor de 503.250,57 €.

Foi dado como provado, sob o ponto 82, que à data da dação, 23.09.2010, a dívida ascendia a 503.250,57 € e que foi atribuído o valor de 457.100,00 € ao prédio em causa.

Não constando da matéria dada como provada qual o montante da dívida que o Banco R. considerou extinto com a dação do imóvel a seu favor, socorrer-nos-emos do teor do documento que formalizou tal negócio.

Assim, no negócio sob a epígrafe, “Dação em Cumprimento” junta a fls. 131 a 133, as partes fizeram constar a seguinte declaração:

Que para pagamento total das responsabilidades dos seus representados, no valor 503.250,57 €, perante o Banco X (...) , S.A., dão em cumprimento ao mesmo Banco, pelo valor de 457,100 €, livre de pessoas e bens, o prédio urbano (…), inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 1046 da respetiva freguesia, com o valor patrimonial de 372.016,38 €”.

Ora, não só redação dada a tal declaração é compatível com a interpretação que lhe é dada pelo Banco R. – no sentido de que a dação extinguiu a totalidade da dívida existente à data da dação e que se mostrava abrangida pelas três hipotecas – como a denominação dada pelas partes ao negócio assim o inculca.

Com efeito, a “dação em cumprimento”, prevista no artigo 837º do CC, consiste num meio de extinção das obrigações (embora através de coisa diversa), distinguindo-se da dação para cumprimento (art. 840º CC), porquanto, “no primeiro caso, o devedor pretende com a prestação diversa da devida, extinguir imediatamente a obrigação, ao passo que, no segundo, pretende apenas facilitar o cumprimento, fornecendo ao credor os meios necessários para este obter a satisfação futura do seu crédito[24]”.

Assim sendo, a qualificação jurídica que as partes fizeram do negócio, pelo qual a propriedade do imóvel veio a ser transferida para o Banco R., não deixa dúvidas sobre qual o montante da dívida que se terá extinguido na sequência de tal transferência de propriedade: a totalidade da dívida que, à data da dação, ascendia a 503. 503.250,57 €.

De qualquer modo, atentar-se-á em que os autores/Apelados não contestam tal facto: confrontados com a alegação do Banco Réu de que, com a dação em cumprimento, terá considerado extinta a totalidade da dívida que se encontrava garantida pelas 3 hipotecas incidentes sobre o imóvel, não a contestaram[25], nada dizem a tal respeito nas suas contra-alegações de recurso.

Como tal, poderemos ter como assente que, com a dação do imóvel em causa, o Banco R. considerou extinta na sua totalidade a dívida que se encontrava garantida pelas três hipotecas incidentes sobre tal imóvel.

Tendo tal imóvel sido dado em cumprimento de uma dívida no valor de 503.250,57 €, extinguindo-a, é este o verdeiro valor da dação do bem ao banco, tornando-se assim irrelevante a atribuição em tal documento imóvel de um valor de 457.100,00 €, resultante de uma avaliação particular feita pelo Banco.

E, assim sendo, do confronto entre o valor atual “estimado” a atribuir ao imóvel – 522.815, € ou de 520.000,00 € (consoante optássemos pelo valor correspondente à soma dos montantes garantidos ou pela depreciação de 20% sobre o valor inicial da avaliação) – e o valor pelo qual o imóvel foi objeto de dação ao Banco R. – 503.250,57 € –, atingiríamos um diferencial de 19.564,43 € ou de 16.749.43 €, respetivamente.

Não tendo sido apurado o valor de mercado do imóvel, o valor “estimado” a que se chegou não nos permite concluir que o valor real do imóvel adquirido pelo banco, à data da dação, fosse muito superior ao valor da dívida que se visou extinguir com tal dação.

Dentro da liberdade negocial que preside à celebração dos contratos, a aquisição da propriedade por um valor inferior ao valor real não contende, por si só, com os ditames da boa-fé.

E, assim sendo, ainda que considerássemos que o negócio teria sido lucrativo para o Banco e desvantajoso para os autores, o nexo de correspetividade entre as prestações inerente aos contratos onerosos não se mostra afetado, sendo que apenas quando o desequilíbrio entre as posições das partes seja excessivo, quando se possa concluir por uma rutura do equilíbrio contratual, deixa de ser admitido pelo Direito.

A apreciação do comportamento da instituição bancária Ré relativamente à aquisição do imóvel mediante dação em cumprimento, face à (parca) matéria alegada e que veio a ser dada como provada, não nos merece o juízo de censura a que foi sujeita pela 1ª instância.

Em consequência, será de revogar a condenação do Banco R., a este título.

3. Restituição dos 713,67 € cobrados a título de prémios de seguro.

Baseando o Apelante a revogação deste segmento da decisão unicamente numa pretendida alteração à decisão sobre a matéria de facto que não conseguiu alcançar, é de improceder a pretensão do apelante, nesta parte.

4. Montante da indemnização por danos morais.

Encontrando-se a ilicitude do comportamento do Banco R. circunscrita ao modo como efetuou a remoção dos bens móveis da casa de morada de família, a redução para 5.000,00 € da indemnização por danos morais a arbitrar a cada um dos autores, proposta pelo Apelante, a calcular de acordo com a equidade (artigo 496º, nº4, CC), parece-nos ajustada.

A Apelação é de proceder, na sua quase totalidade.

IV – DECISÃO

 Pelo exposto, acordam os juízes deste tribunal da Relação em julgar a apelação improcedente, revogando-se a decisão recorrida, condenando-se o réu unicamente no pagamento a cada um dos autores de uma indemnização de 5.000,00 €, a título de danos não patrimoniais, e no pagamento da quantia de 713,67 € a ambos os autores, acrescidas de juros de mora à taxa legal, sobre as referidas quantias, desde a citação e até integral pagamento.

Custas a suportar pelo Apelante e pelos Apelados, na ação e no recurso, na proporção do decaimento.



Coimbra, 03 de março de 2015

Maria João Areias ( Relatora )

Fernando Monteiro

Inês Moura


[1] Face ao incumprimento, por parte da apelante, da obrigação de sintetizar os fundamentos do recurso, imposta pelo nº1 do artigo 639º do NCPC.
[2] Tratando-se de decisão proferida após a entrada em vigor do novo código, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, em ação instaurada depois de 1 de Janeiro de 2008, aplicar-se-á o regime de recursos constante do novo código, de acordo com o art. 5º, nº1 do citado diploma – cfr., neste sentido, António Abrantes Geraldes, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina 2013, pág. 16.
[3] Como os autores concluem nos arts. 203 e 204 da petição inicial, “Em resultado da conduta danosa do Banco R., viu-se o autor marido desapossado das duas aplicações financeiras no “X (...) ” que, no caso e conforme o alegado também, ascendiam a 650.000,00 €. Aplicações que, no entanto, foram cedidas ao Banco R. por 514.875,53 €.”
[4] Constando tal matéria do ponto 2 dos “Factos Não Provados: “2) O A., por imposição do banco R., foi compelido a constituir as aplicações a que se alude nas alíneas Q) e R)”.
[5] Constando dos “Factos Não Provados”: “35. (Parte) A solicitação do réu foi sob a ameaça de procedimento coercivo”.
[6] Como resulta dos docs. juntos a fls. 658 e 807.
[7] Facto 39 dos “Factos Não Provados”.
[8] Dos documentos juntos aos autos resulta que a aplicação respeitante ao “Seguro Prime Invest” foi resgatada a 26.01.2009, pelo valor de 289.147,56 €, e que a aplicação respeitante ao “Seguro Rendimento Campeão” foi resgatada por solicitação do autor datada de 23.02.2010, deduzindo-se que o valor de resgate desta aplicação tenha sido de 225.727,97 €, resultante da subtração do valor de 289.147,56 € ao valor global pelo qual foram cedidas ao Banco R..
[9] Fazendo-se constar dos Factos Não provados:
4) Pedido de informação motivado pela circunstância de não terem sido creditados pelo Banco R. quaisquer juros referentes aos investimentos realizados”;
5) Pedido que não obteve qualquer resposta do R.
[10] Cfr., neste sentido, José Lebre de Freitas, “Introdução ao Processo Civil, Conceito e princípios gerais à luz do novo código”, 3ª ed., Coimbra Editora, pág. 168, nota 38, e págs. 64 a 71.
[11] Tal qualidade não só não é posta em causa pelo Banco/Apelante, como nas Condições Gerais inerentes a ambos os seguros, ele é aí indicado como a “entidade comercializadora” (cfr., fls. 762).
[12] Cfr., neste sentido, Acórdão do STJ de 06.06.2013, relatado por Abrantes Geraldes, disponível in www.dgsi.pt.
[13] “Os Deveres de Informação dos Intermediários Financeiros em relação a seus Clientes e sua responsabilidade civil”, Caderno de Mercado Mobiliário, nº 31, Dez. 2008.
[14] “Os deveres de informação dos intermediários financeiros (…), pág. 59.
[15] Neste sentido, Gonçalo André Castilho dos Santos, “A responsabilidade civil do intermediário financeiro perante o cliente”, Almedina, pág.
[16] “A responsabilidade civil do intermediário financeiro perante o cliente”, pág. 138. Para Sinde Monteiro, enquanto a “informação” se reconduz a uma comunicação de um facto objetivo, já o “conselho” implica um juízo de valor sobre um ato futuro do aconselhado e, com isso, uma exortação para este agir num determinado sentido; a recomendação surge como uma subespécie do “conselho” – “Responsabilidade por conselhos …”, págs. 14 a 18.
[17] Como refere Gonçalo André Castilhos dos Santos, a lei admite sete diferentes tipos contratuais, admitindo-se ainda que as partes adotem ainda outros contratos dentro da regra da autonomia privada: a) contrato de gestão de carteira; b) contrato de assistência; contrato de simples colocação; contrato de tomada firme; contrato de colocação com garantia; contrato para registo ou depósito; contrato de consultoria para investimento, contrato de comissão para receção, transmissão e execução de ordens – “A Responsabilidade Civil (…), págs. 155 e 156.
[18] Das Clausulas do “Seguro Rendimento Campeão” consta que “O risco de investimento é inteiramente suportado pelo Tomador do Seguro, existindo risco de perda dos montantes investidos, e não existindo rendimento mínimo garantido” e ainda que “No caso do Tomador de Seguro pretender resgatar antecipadamente o mesmo, pode o valor líquido do resgate ser superior, igual ou inferior ao valor de subscrição (sendo que, dependendo dos montantes entretanto recebidos pelo Tomador do Seguro, poderá registar, neste ultimo caso, uma perda face ao prémio inicialmente entregue, correndo por conta do Tomador do Seguro o risco do produto” (fls. 759 a 761). Quanto aoSeguro Prime Invest”, cfr., págs. 762 a 766.
[19] Neste sentido, Filipe Canabarro Teixeira, “Os Deveres de Informação (…), pág. 65.
[20] Acórdão relatado por Abrantes Geraldes, disponível in www.dgsi.pt.
[21] Cfr., alegação constante dos artigos 208 a 212 da p.i.
[22] A pretensão aqui exercitada pelos autores não se confunde com a questão da aquisição do bem hipotecado pelo credor hipotecário e a extinção total ou parcial do crédito, suscitada na falada sentença de Portalegre de 4 de janeiro de 2012 – o que ali se discutia era se, tendo o credor hipotecário adquirido o imóvel hipotecado através de venda judicial, e sendo o produto da venda insuficiente para pagamento do crédito hipotecário, poderia tal credor reclamar o remanescente da dívida ou se tal reclamação configuraria um desequilíbrio do exercício de tal direito. No caso em apreço, o que os autores peticionam é a diferença entre o valor de 650.000,00 €, correspondente ao valor inicialmente atribuído pelo Banco ao imóvel hipotecário e o valor de 230.000,00 € que se encontraria em dívida relativamente ao empréstimo de 300.000,00 €, contraído para a aquisição de tal imóvel.
[23] Cfr., neste sentido, Carla Inês Brás Câmara, “A aquisição da propriedade do bem hipotecado pelo credor e a questão da satisfação (integral ou parcial) do crédito”, Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. José Lebre de Freitas, Vol. I, Coimbra Editora, pág. 763, nota 131.
[24] Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil Anotado”, Vol. II, 3ª ed., Coimbra Editora, pág. 124.
[25] Atentar-se-á em que embora do ponto 84 da matéria de facto se faça referência a um empréstimo no montante de 243, 310,00 €, para “acerto/encerramento final das contas entre as partes”, tal acerto não tem nada a ver com quaisquer contas pendentes na sequência desta dação em pagamento, como pode fazer crer a alegação dos réus, tendo sido contraído em 30 de março de 2010 (doc. de fls. 141 a 144), quando a dação em pagamento só veio a ocorrer a 23 de Setembro de 2010.