Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2406/16.4T8LRA.C2
Nº Convencional: JTRC
Relator: CARLOS MOREIRA
Descritores: INTERMEDIAÇÃO FINANCEIRA
DEVER DE INFORMAÇÃO
RESPONSABILIDADE CIVIL
PRESCRIÇÃO
Data do Acordão: 10/09/2018
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso:
TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA - LEIRIA - JC CÍVEL - JUIZ 3
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS. 7, 290, 291, 304, 312, 314, 324 CVM, 309 CC
Sumário:
1. Considerando os benefícios da imediação e da oralidade e a razoável margem de álea que deve ser concedida ao julgador da 1ª instância, a alteração da decisão sobre a matéria de facto apenas pode ser concedida se os meios probatórios invocados ou a interpretação que deles for operada não apenas indiciarem ou sugerirem, mas antes impuserem uma censura à convicção daquele.
2- A subscrição, por cliente, no banco onde tem conta aberta, para si próprio, de produto denominado obrigações subordinadas, não tem, necessariamente, de assumir-se como contrato formal autónomo atinente e reduzido a escrito, pois que ela não quadra em qualquer das hipóteses taxativamente previstas nos artºs 290º e 291 do CVM para as quais é exigida tal forma.
3.- Provando-se, nuclearmente, que o banco informou o cliente que o produto financeiro por ele subscrito – obrigações subordinadas - era muito semelhante, incluindo quanto ao risco, a um depósito a prazo, e que, assim, este «esteve sempre convencido que (aquele) lhe restituiria o capital e os juros quando os solicitasse.» e tendo ele perdido o capital, é de concluir que a instituição não cumpriu, com a abrangência e acuidade legalmente exigidas, o seu dever de informação quanto ao jaez do produto vendido, assim atuando ilicitamente; e, verificados os demais pressupostos da responsabilidade contratual, é obrigado a indemnizar pelos prejuízos.
4 - O prazo de prescrição de dois anos previsto no artº324º, n.º 2, do CVM, conta-se a partir da data mais recente em que o cliente tenha conhecimento da conclusão do negócio e/ou dos respectivos termos, e não emerge se o intermediário financeiro agir com dolo ou culpa grave; se agir, o prazo aplicável é o geral de 20 anos – artº 309º do CC.
Decisão Texto Integral:
Processo nº2406/16.4T8LRA.C1


ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA


1.
L (…) instaurou contra BANCO (…), S.A. [anterior B (…) S.A.], acção declarativa, de condenação, com processo comum.

Pediu:
A condenação da ré a pagar-lhe a quantia de 57 mil euros, a crescida dos juros vincendos a contar da citação; ou, em alternativa, a declaração de nulidade de qualquer invocado contrato de adesão, ou a declaração de ineficácia em relação a si de tal contrato, tudo com condenação na restituição dos aludidos 57 mil euros e juros vencidos e vincendos.
E, ainda, a condenação da ré a pagar-lhe a quantia de 3 mil euros a título de danos não patrimoniais.
Alegou:
Que subscreveu em balcão do B (…), em 2006, uma aplicação financeira que lhe foi dito pelo seu funcionário ser investimento seguro, igual a um depósito a prazo com capital garantido, do que se convenceu.
Que, afinal, tal aplicação era em obrigações S (…), produto de risco.
Que na data do vencimento não lhe foi restituído o capital investido de 50 mil euros, tendo-lhe sido dito que aguardasse até à maturidade das obrigações, nem foram pagos os juros.
Tal provocou-lhe dificuldades financeiras para gerir a sua vida e um estado de tristeza, ansiedade, stress, perda da alegria de viver e doença.

A ré contestou.
Por impugnação disse ser o produto, à data da subscrição, seguro.
O autor foi exaustivamente informado das condições do produto e que não era um depósito a prazo.
Inexistiu qualquer contrato de adesão, mas antes uma proposta da S (…), veiculada pelo Banco, corporizada numa ordem de subscrição de títulos, e aceite pelo autor.

Pediu:
A improcedência da acção.

2.
Prosseguiu o processo os seus termos tendo, a final, sido proferida sentença na qual foi decidido:
«1. Julgo a presente totalmente improcedente e, em consequência,
2. Absolvo o Réu (…)., de todos os pedidos formulados pelo Autor (…)
3.
Inconformado recorreu o autor.
Rematando as suas alegações com as seguintes conclusões:
(…)
Contra alegou a ré pugnando pela manutenção do decidido.

4.
Sendo que, por via de regra: artºs 635º nº4 e 639º do CPC - de que o presente caso não constitui exceção - o teor das conclusões define o objeto do recurso, as questões essenciais decidendas são, lógica e metodologicamente, as seguintes:

1ª - Alteração da decisão sobre a matéria de facto.
2ª - Procedência da acção.

5.
Apreciando.
5.1.
Primeira questão.
5.1.1.
No nosso ordenamento vigora o princípio da liberdade de julgamento ou da livre convicção segundo o qual o tribunal aprecia livremente as provas, sem qualquer grau de hierarquização, e fixa a matéria de facto em sintonia com a sua prudente convicção firmada acerca de cada facto controvertido -artº607 nº5 do CPC.
Perante o estatuído neste artigo, exige-se ao juiz que julgue conforme a convicção que a prova determinou e cujo carácter racional se deve exprimir na correspondente motivação cfr. J. Rodrigues Bastos, Notas ao CPC, 3º, 3ªed. 2001, p.175.
O princípio da prova livre significa a prova apreciada em inteira liberdade pelo julgador, sem obediência a uma tabela ditada externamente; mas apreciada em conformidade racional com tal prova e com as regras da lógica e as máximas da experiência – cfr. Alberto dos Reis, Anotado, 3ª ed. III, p.245.
Acresce que há que ter em conta que as decisões judiciais não pretendem constituir verdades ou certezas absolutas.
Pois que às mesmas não subjazem dogmas e, por via de regra, provas de todo irrefutáveis, não se regendo a produção e análise da prova por critérios e meras operações lógico-matemáticas.
Assim: «a verdade judicial é uma verdade relativa, não só porque resultante de um juízo em si mesmo passível de erro, mas também porque assenta em prova, como a testemunhal, cuja falibilidade constitui um conhecido dado psico-sociológico» - Cfr. Ac. do STJ de 11.12.2003, p.03B3893 dgsi.pt.
Acresce que a convicção do juiz é uma convicção pessoal, sendo construída, dialeticamente, para além dos dados objetivos fornecidos pelos documentos e outras provas constituídas, nela desempenhando uma função de relevo não só a atividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis e mesmo puramente emocionais AC. do STJ de 20.09.2004 dgsi.pt.
Nesta conformidade - e como em qualquer atividade humana - existirá sempre na atuação jurisdicional uma margem de incerteza, aleatoriedade e erro.
Mas tal é inelutável. O que importa é que se minimize o mais possível tal margem de erro.
O que passa, como se viu, pela integração da decisão de facto dentro de parâmetros admissíveis em face da prova produzida, objetiva e sindicável, e pela interpretação e apreciação desta prova de acordo com as regras da lógica e da experiência comum.
E tendo-se presente que a imediação e a oralidade dão um crédito de fiabilidade acrescido, já que por virtude delas entram, na formação da convicção do julgador, necessariamente, elementos que em caso algum podem ser importados para a gravação da prova, e fatores que não são racionalmente demonstráveis.
Sendo que estes princípios permitem ainda uma apreciação ética dos depoimentos - saber se quem depõe tem a consciência de que está a dizer a verdade– a qual não está ao alcance do tribunal ad quem - Acs. do STJ de 19.05.2005 e de 23-04-2009 dgsi.pt., p.09P0114.
Nesta conformidade constitui jurisprudência sedimentada, que:
«Quando o pedido de reapreciação da prova se baseie em elementos de características subjectivas, a respectiva sindicação tem de ser exercida com o máximo cuidado e só deve o tribunal de 2.ª instância alterar os factos incorporados em registos fonográficos quando efectivamente se convença, com base em elementos lógicos ou objectivos e com uma margem de segurança muito elevada, que houve errada decisão na 1.ª instância, por ser ilógica a resposta dada em face dos depoimentos prestados ou por ser formal ou materialmente impossível, por não ter qualquer suporte para ela. – Ac. do STJ de.20.05.2010, dgsi.pt p. 73/2002.S1.
5.1.2.
Por outro lado, como dimana do já supra referido, e como constituem doutrina e jurisprudência pacíficas, o recorrente não pode limitar-se a invocar mais ou menos abstrata e genericamente, a prova que aduz em abono da alteração dos factos.
A lei exige que os meios probatórios invocados imponham decisão (não basta que sugiram) diversa da recorrida.
Ora tal imposição não pode advir, em termos mais ou menos apriorísticos, da sua, subjetiva, convicção sobre a prova.
Porque, afinal, quem tem o poder/dever de apreciar/julgar é o juiz.
Por conseguinte, para obter ganho de causa neste particular, deve ele efetivar uma análise concreta, discriminada, objetiva, crítica, logica e racional, de todo o acervo probatório produzido, de sorte a convencer o tribunal ad quem da bondade da sua pretensão.
A qual, como é outrossim comummente aceite, apenas pode proceder se se concluir que o julgador apreciou o acervo probatório com extrapolação manifesta dos cânones e das regras hermenêuticas, e para além da margem de álea em direito probatório permitida e que lhe é concedida.
E só quando se concluir que a natureza e a força da prova produzida é de tal ordem e magnitude que inequivocamente contraria ou infirma tal convicção, se podem censurar as respostas dadas.– cfr. neste sentido, os Acs. da RC de 29-02-2012, p. nº1324/09.7TBMGR.C1, de 10-02-2015, p. 2466/11.4TBFIG.C1, de 03-03-2015, p. 1381/12.9TBGRD.C1 e de 17.05.2016, p. 339/13.1TBSRT.C1; e do STJ de 15.09.2011, p. 1079/07.0TVPRT.P1.S1., todos in dgsi.pt;
5.1.3.
(…)
5.1.4.
Nesta conformidade e no deferimento parcial da presente pretensão, os factos a considerar são os seguintes, indo a negrito os suprimidos e os aditados:
1. O Autor, e uma empresa de informática de que era titular, foram clientes do B (…)S.A., actualmente o Réu, na sua agência de …, com a conta à ordem n.º …, onde movimentava parte dos dinheiros, realizava pagamentos e efectuava poupanças.
2. A certo momento, procurando o Autor uma aplicação para a importância de €50.000,00, indagou junto de várias instituições bancárias qual o produto que lhe poderia oferecer uma melhor taxa de juro e, nesse contexto, um funcionário (a gestora de conta) da referida agência bancária do Réu sugeriu uma aplicação com uma rentabilidade ligeiramente superior a um Depósito a Prazo, que em qualquer momento poderia reaver o dinheiro bastando para tal avisar a agência poucos dias antes, que era um produto de capital garantido no sentido de que existiam no mercado produtos com taxa de juro superior mas que envolviam outros riscos.
3. Nessa sequência, no dia 19 de Abril de 2006, junto da referida agência do Réu, o Autor assinou o “Boletim de Subscrição” relativo a “Obrigação S (…) 2006”, sob a epígrafe “EMISSÃO DE OBRIGAÇÕES SUBORDINADAS” no valor de €50.000,00 (cinquenta mil euros) onde, para além do mais, constava a o seguinte:
«NATUREZA DA EMISSÃO
Emissão de até 1.000 obrigações subordinadas, ao portador (…)
MÍNIMO DE SUBSCRIÇÃO
€50.000,00 (1 obrigação)
PERÍODO DE SUBSCRIÇÃO
(…)
DATA DE LIQUIDAÇÃO FINANCEIRA
08 de Maio de 2006.
PRAZO E REEMBOLSO
O prazo de emissão é de 10 anos, sendo o reembolso do capital efectuado em 09 de Maio de 2016 (…)
REMUNERAÇÃO
Juros pagos semestral e postecipadamente, às seguintes taxas (…)
IDENTIFICAÇÃO DO SUBSCRITOR
(…)
ORDEM DE SUBSCRIÇÃO
(…)
ORDEM DE DÉBITO
(…)»
4. O Autor não possuía qualificação, ou formação técnica que lhe permitisse à data conhecer aprofundadamente os diversos tipos de produtos financeiros e avaliar, por isso, os riscos de cada um deles, a não ser que lhos explicassem.
5. E que por isso, tinha um perfil conservador no que respeitava ao investimento do seu dinheiro.
6. O Autor subscreveu o produto acima mencionado convencido de que estava a colocar o seu dinheiro numa aplicação segura, no sentido de se tratar de risco reduzido ou de risco mais aproximado ao risco de um depósito a prazo.
7. O Autor não queria investir em produtos de risco, como era do conhecimento dos funcionários da referida Agência do Réu.
8. O Autor esteve sempre convencido que o Réu lhe restituiria o capital e os juros quando os solicitasse.
9. Após a subscrição do produto acima referido, os respectivos juros foram sendo semestralmente pagos.
10. E que manteve até Novembro de 2015, data em que o Banco Réu deixou de pagar os juros respectivos.
11. Não foi emitido qualquer outro documento a esse propósito, para além das habituais comunicações/avisos/extractos relativos ao pagamento dos juros semestrais, mencionados nos pontos 9. e 10., o que sucedeu até Novembro de 2015.
12. Na data de vencimento contratada, o Réu não restituiu ao Autor o montante que o Autor subscreveu.
13. eliminado.
14. Em consequência, o Autor ficou impedido de usar o montante subscrito como bem entendesse.
15. As orientações e comunicações internas existentes no B (…) e que este transmitia aos seus comerciais nos respectivos balcões consistiam em afirmar a segurança da aplicação financeira em causa, a sua solidez e boa rentabilidade com um risco semelhante a uma depósito a prazo junto do próprio Banco.
16. As Obrigações S (…)2006 foram emitidas, como o próprio nome indica, pela S (…) S.A..
17. Esta sociedade era titular de 100% do capital social do Banco-Réu.
18. Participação que deteve de forma permanente até Novembro de 2008.
19. Altura em que foi nacionalizada.
20. Nesta sequência, porque a S (…)., detinha o Banco B (…), qualquer obrigação por si emitida é tendencialmente um produto conservador, com um risco normalmente reduzido, indexado à solidez financeira da sociedade emitente, sendo este necessariamente, um garante da solvabilidade daquela, por ser o principal activo do seu património.
21. O risco de um Depósito a Prazo seria semelhante a uma tal subscrição por o risco da S (…) ser indexado ao risco do próprio Banco.
22. Consideração válida sem prejuízo do Fundo de Garantia de Depósitos, à data no valor máximo de €25.000,00.
23. Foi explicado ao Autor o prazo de 10 anos do referido produto que subscreveu.
24. E das condições de reembolso.
25. E de obtenção de liquidez ao longo do prazo de 10 anos, que apenas seria possível por via de endosso.
26. E que era à data extremamente fácil e rápido, porquanto a procura superava inúmeras vezes a oferta.
27. O Autor sabia perfeitamente que o produto que subscreveu não era um Depósito a Prazo.
28. Não foi explicado ao A. que B (…) e S (…)eram duas entidades distintas e que investir em S (…) era diferente de aplicar dinheiro no B (…)

5.2
Segunda questão.
5.2.1.
Da nulidade do contrato.
Invoca o recorrente que o contrato é nulo, não só por falta de forma escrita, exigível a partir de 01.11.2007 pelo Dec-Lei nº 357-A/2007, de 31.10 – artigos 321º e 321-A do CVM - mas também por desconhecimento de que se tinha constituído uma relação contratual de intermediação financeira e impendendo sobre o R. o ónus da prova do contrário.
Neste particular o julgador quando expende:
«…não só a Lei de Defesa do Consumidor (LDC – Lei n.º 24/96, de 31 de Julho) como ainda o Regime Jurídico das Cláusulas Contratuais Gerais são, em abstracto, susceptíveis de ser aplicáveis aos contratos de intermediação financeira – cfr. art. 321.º, n.º 2 e 3, do CVM.
….a operação financeira em causa não foi realizada pelo Réu no cumprimento ou execução de um específico e pré-existente contrato (escrito ou verbal) de intermediação financeira de gestão de carteiras por conta de outrem, tomada firme e colocação com ou sem garantia em oferta pública de distribuição, negociação por conta própria, consultoria para investimento ou gestão de sistema de negociação multilateral, os quais geram deveres muito específicos e particulares do intermediário financeiro, mas integra antes uma simples recepção e transmissão de uma ordem directa do Autor para subscrição de uma concreta obrigação, como já acima referido, tratou-se de um acto isolado no âmbito da relação bancária pré-existente e foi realizada em simultâneo com o próprio Autor.
Deste modo, como não foi celebrado entre as partes qualquer contrato de adesão nem o Réu submeteu o Autor a quaisquer cláusulas contratuais gerais, não ocorre a nulidade invocada pelo Autor.»
Perante os factos apurados corrobora-se que a operação em causa constitui um simples: acto isolado no âmbito da relação bancária pré-existente
Ora nos termos do artº 321º nº1 do CVM:
1 - Os contratos relativos aos serviços previstos nas alíneas a) a d) do n.º 1 do artigo 290.º, e nas alíneas a) e b) do artigo 291.º e celebrados com investidores profissionais ou não profissionais revestem a forma escrita.
Os serviços e actividades previstos em tais segmentos normativos são apenas os atinentes a instrumentos financeiros e os seguintes:
Artigo 290.º
1 - São serviços e atividades de investimento em instrumentos financeiros:
a) A receção e a transmissão de ordens por conta de outrem;
b) A execução de ordens por conta de outrem;
c) A gestão de carteiras por conta de outrem;
d) Os serviços e atividades de:
i) Tomada firme e colocação com garantia; ou
ii) Colocação sem garantia;
e) A negociação por conta própria;

Artigo 291.º
São serviços auxiliares dos serviços e atividades de investimento:
a) O registo e o depósito de instrumentos financeiros, bem como os serviços relacionados com a sua guarda, como a gestão de tesouraria ou de garantias, com exceção do serviço de administração de sistema de registo centralizado de valores mobiliários previsto no ponto 2, Secção A do Anexo ao Regulamento (UE) n.º 909/2014, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de julho de 2014;
b) A concessão de crédito, incluindo o empréstimo de valores mobiliários, para a realização de operações sobre instrumentos financeiros em que intervém a entidade concedente de crédito;

A assim ser, verifica-se que a simples subscrição, directamente perante o banco onde já se é cliente e se tem conta, para si próprio e não por conta de outrem, do produto em causa, não quadra nas hipóteses tipificadas naqueles preceitos que exigem a forma escrita.
O que, ademais, dimana da não exigência desta forma para a negociação por conta própria prevista na al. e) do artº 290º.

Já no que tange ao restante argumento, ele outrossim não procede.
Primus porque o autor, apesar de se provar não ser um «expert» na matéria, certamente não se afigura como pessoa totalmente desconhecedora e «inculta» no assunto, ie. no investimento/rentabilização do seu aforro; antes se vislumbrando - e até se presumindo, pois que é empresário no ramo informático – como investidor medianamente desperto e sagaz.
Logo pode concluir-se, até porque se provou que ele diligenciou durante algum tempo para encontrar uma aplicação que rentabilizasse o mais possível o montante pecuniário disponível - , indagou junto de várias instituições bancárias qual o produto que lhe poderia oferecer uma melhor taxa de juro -, e, bem assim, atento o provado nos pontos 15, 20, 21, 23, 24 e 25, que ele tinha a noção suficiente sobre a natureza de contrato - de intermediação financeira - que estava a celebrar com o réu.
Questão diversa, a dilucidar infra, é apurar se estava cabalmente cônscio e conhecedor dos termos e conteúdo do concreto produto – obrigações subordinadas – que subscreveu no âmbito de tal contrato.
Secundus porque, versus o defendido pelo insurgente não era sobre o réu que impendia o ónus de prova, de que o A. sabia que entre ambos (A. e Banco R.) se tinha constituído uma relação contratual de intermediação financeira.
Mas antes sobre o autor impendendo o ónus de provar que não sabia que estava a gizar um contrato de tal jaez - artº 342º nº1 do CC.
Ora atenta a factualidade apurada conclui-se que ele, muito pouco, e insuficiente para a sua pretensão, conseguiu provar neste particular.
5.2.2.
Da verificação dos pressupostos da responsabilidade contratual.
O julgador, depois de, abundante e atinentemente, teorizar, decidiu de jure alicerçado no seguinte, essencial, discurso argumentativo:
«…, porque nos movemos no âmbito da responsabilidade civil contratual, ou pé-contratual, a verificação de obrigação de indemnização a cargo do Réu está então dependente da verificação dos seguintes pressupostos (comuns a qualquer responsabilidade contratual):
- Facto ilícito;
- Culpa (negligência ou dolo);
- Dano;
- Nexo de causalidade.
O Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (R.G.I.C.S.F. - DL 298/92, de 31/12, na redacção vigente à data dos factos introduzida pelo DL n.º 252/2003, de 17/10) estabelece a regulação pública da actividade das instituições de crédito e instituições financeiras, contendo um conjunto de "Regras de Conduta" (no respectivo Título VI, Capítulo I), balizados com o seguinte dispositivo de ordem geral: "As instituições de crédito devem assegurar, em todas as actividades que exerçam, elevados níveis de competência técnica, garantindo que a sua organização empresarial funcione com os meios humanos e materiais adequados a assegurar condições apropriadas de qualidade e eficiência." (cfr. art. 73.º).
Sequencialmente, os artigos 74.º e 75.º, entre outros deveres de conduta, determinam que os administradores e os empregados das instituições de crédito devem proceder "com diligência, neutralidade, lealdade e discrição e respeito consciencioso dos interesses que lhes estão confiados…
Já no âmbito do CVM, importa destacar as seguintes normas com relevo para o caso concreto em apreciação:
Artigo 7.º
(Qualidade da Informação)
1 - Deve ser completa, verdadeira, actual, clara, objectiva e lícita a informação respeitante a valores mobiliários, a ofertas públicas, a mercados de valores mobiliários, a actividades de intermediação e a emitentes que seja susceptível de influenciar as decisões dos investidores ou que seja prestada às entidades de supervisão e às entidades gestoras de mercados, de sistemas de liquidação e de sistemas centralizados de valores mobiliários…
Artigo 304.º
(Princípios)
1 - Os intermediários financeiros devem orientar a sua actividade no sentido da protecção dos legítimos interesses dos seus clientes e da eficiência do mercado.
2 - Nas relações com todos os intervenientes no mercado, os intermediários financeiros devem observar os ditames da boa fé, de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência.
3 – Na medida do que for necessário para o cumprimento dos seus deveres, o intermediário financeiro deve informar-se sobre a situação financeira dos clientes, a sua experiência em matéria de investimentos e os objectivos que prosseguem através dos serviços a prestar.
Artigo 312.º
(Deveres de Informação)
1 - O intermediário financeiro deve prestar, relativamente aos serviços que ofereça, que lhe sejam solicitados ou que efectivamente preste, todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada, incluindo nomeadamente as respeitantes a:
a) Riscos especiais envolvidos pelas operações a realizar;
b) Qualquer interesse que o intermediário financeiro ou as pessoas que em nome dele agem tenham no serviço prestado ou a prestar;
c) Existência ou inexistência de qualquer fundo de garantia ou de protecção equivalente que abranja os serviços a prestar;
d) Custo do serviço a prestar.
E do disposto no art. 39.º, n.º 1, do Regulamento da CMVM n.º 12/2000, Antes de iniciar a prestação de um serviço, o intermediário financeiro:
a) fornece ao investidor informação adequada sobre a natureza, os riscos e as implicações da operação ou do serviço em causa, cujo conhecimento seja necessário para a tomada de decisão de investimento ou de desinvestimento, tendo em conta a natureza do serviço prestado e o conhecimento e a experiência do investidor em causa;
b) entrega ao investidor documento sobre os riscos gerais do investimento em valores mobiliários ou noutros instrumentos financeiros;
c) fornece ao investidor informação específica e detalhada sobre o risco envolvido, quando os produtos ou serviços envolvam risco de liquidez, risco de crédito ou risco de mercado;
d) informa o investidor sobre a existência e modo de funcionamento do serviço do intermediário financeiro destinado a receber a analisar as reclamações dos investidores e da possibilidade de reclamação junto da entidade de supervisão.
Artigo 314.º
1 - Os intermediários financeiros são obrigados a indemnizar os danos causados a qualquer pessoa em consequência da violação de deveres respeitantes ao exercício da sua actividade, que lhes sejam impostos por lei ou por regulamento emanado de autoridade pública.
2 - A culpa do intermediário financeiro presume-se quando o dano seja causado no âmbito de relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado pela violação de deveres de informação.

…não ficou provado que o Réu garantiu a responsabilidade pelo pagamento do capital investido e juros acordados.
O que ficou provado é que as orientações e comunicações internas existentes no B(…) e que este transmitia aos seus comerciais nos respectivos balcões consistiam em afirmar a segurança da aplicação financeira em causa, a sua solidez e boa rentabilidade com um risco semelhante a uma depósito a prazo junto do próprio Banco.
…qualquer obrigação …é tendencialmente um produto conservador, com um risco normalmente reduzido, indexado à solidez financeira da sociedade emitente….
O risco de um Depósito a Prazo seria semelhante a uma tal subscrição por o risco da S (…) ser indexado ao risco do próprio Banco.
Consideração válida sem prejuízo do Fundo de Garantia de Depósitos, à data no valor máximo de €25.000,00.
Do referido panorama fáctico resulta que o produto financeiro em causa foi apresentado aos autores como um produto seguro, sem risco e com capital garantido, podendo o capital investido ser reembolsado a qualquer momento, com características em tudo semelhantes às de um depósito a prazo, mas o Autor sabia que não se tratava de um “depósito a prazo”, estava ciente que se tratava de “obrigações” – tratando-se de informações correctas.
No mesmo sentido se decidiu no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 28/04/2016 (relatado por Teresa Soares, processo n.º 428-12.3TCFUN.L1-6, www.dgsi.pt):
«A afirmação de que um produto financeiro era de “capital garantido” não traduz omissão de qualquer informação relevante ou informação “não verdadeira”, sendo expressão corrente para explicar ao cliente, sem especiais conhecimentos, que se tratava de um produto seguro e os riscos, na prática, não divergiam em muito dos riscos dum depósito a prazo.».
…as acções, obrigações ou unidades de participação são considerados valores mobiliários tradicionais, enquanto os bilhetes de tesouro ou obrigações de caixa são instrumentos financeiros e os “futuros”, "swaps", “opções”, "caps", "forwards", "floors" e "collars" são instrumentos derivados.26
Assim, do ponto de vista do objecto mediato, o produto financeiro adquirido pelo Autor (“obrigações”) é o mais tradicional e aquele que menos risco oferece, bem como, aquele produto de que o investidor mais básico compreende…
Por sua vez, do ponto de vista do investidor, é certo que o Autor não é um investidor altamente qualificado, longe disso, mas também não se pode dizer que o Autor seja um investidor iletrado, pouco culto ou sem o conhecimento básico do que são “obrigações”.
Assim, no caso concreto, estando em causa “obrigações” e considerando que o Autor é empresário, possui empresa de informática e fez uma cuidada análise do mercado antes de adquirir o produto em causa, podemos afirmar que se trata de um investidor com os conhecimentos básicos mas essenciais sobre o que são “obrigações”, por isso, o dever de informação adequado e proporcional não pode ser mais exigente do que aquele que foi efectivamente prestado pelo Réu ao Autor…

Além disso, importa salientar que os funcionários do Réu não estavam obrigados a prever que poderia vir a existir alguma crise financeira mundial ou que poderia vir a ocorrer alguma nacionalização ou que ocorresse alguma insolvência, nem no cenário mais pessimista, tudo situações catastróficas que nem o melhor economista ou analista financeiro alguma vez tinha previsto, como é do conhecimento público….
E o Autor não alegou que colocou alguma dúvida ou pediu alguma explicação ou informação que tivesse sido recusada…
No mesmo sentido se decidiu, em situação idêntica, no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12/01/2017 (relatado por Olindo Geraldes, processo n.º 428/12.3TCFUN.L1.S1,www.dgsi.pt):
«A densidade do dever de informação resulta tanto das características do produto financeiro que o intermediário financeiro tem, obrigatoriamente, de fornecer ao cliente, como da necessidade de suprimento da insuficiência de conhecimento ou experiência revelada pelo cliente.»…
Com pertinência para o caso concreto pode ainda ser consultado o já citado Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 06/06/2013, p n.º 364/11.0TVLSB.L1.S1:
«Para que a R. pudesse ser responsabilizada pelo que ocorreu necessário era que, atento o disposto no art. 314º do anterior CVM, estivesse provada a violação de deveres respeitantes ao exercício da sua actividade, impostos pela lei ou por regulamento.
Ainda que, nos termos do nº 2, se presuma a culpa no âmbito das relações contratuais, tal não afasta o pressuposto prévio da demonstração da ilicitude que recai sobre aquele que invoca o direito de indemnização e que em concreto se poderia ter traduzido na violação daqueles deveres, com função causal relativamente aos prejuízos.
(…)
Em concreto, a matéria de facto não permite identificar qualquer falha de informação que fosse imputável à R. e cuja verificação tenha sido causal do que veio a ocorrer relativamente ao investimento que o A. através dela realizou.
Aliás, o A., que era, afinal, o principal interessado na operação nunca questionou a bondade da referida aplicação que, durante um certo período de tempo, lhe garantiu efectivamente a rentabilidade procurada.
…no mercado de capitais não existem investimentos de risco nulo (afinal, até os depósitos bancários, que são considerados dos investimentos mais seguros, estão sujeitos ao risco de insolvência das entidade bancárias).
Assim, tudo levar a concluir que, não fora a crise financeira do sub prime …e ainda mais concretamente, na ruptura financeira do banco que emitiu as obrigações em que o A. investiu as suas poupanças, este teria muito provavelmente recebido todos os juros pretendidos no período de duração do investimento e, depois, o respectivo capital.
A R. forneceu ao A. as informações de que dispunha …
Nem sequer as características específicas das obrigações intermediadas fariam supor algum risco que devesse ser assinalado ao A…já que nada fazia supor o default da instituição financeira bem cotada pelas agências de rating…
Deste modo, e em suma, o Réu não praticou quaisquer factos ilícitos, considerando o exercício da actividade do Réu, enquanto Instituição de Crédito e Sociedade Financeira, na qualidade de intermediário financeiro, sem perder de vista a Lei de Defesa do Consumidor, o Regime das Cláusulas Contratuais Gerais, nos termos das obrigações decorrentes do regime geral do Código Civil e em especial dos deveres impostos pelo Código de Valores Mobiliários, com especial destaque para os deveres de informação, apurados de acordo com os princípios da adequação e proporcionalidade, tendo em conta o concreto produto financeiro (“obrigações”) e as características do Autor enquanto investidor, sempre ao abrigo do princípio geral da boa-fé.»
(sublinhado nosso)

Perscrutemos.
Como dimana de todo o acervo legislativo aplicado ao caso – rectius à postura e deveres dos intermediários financeiros para com os clientes investidores –, citado na decisão, aqueles têm um dever, estrito e amplo, de informarem, total, cabal, e especificadamente, sobre a concreta natureza e a maior ou menor segurança, ou, numa otica diversa, dos maiores ou menores riscos, que o produto financeiro pretendido encerra.
Movimentamo-nos, a um tempo e simultaneamente, no domínio da responsabilidade pré-contratual e contratual.
Este dever justifica-se, em nosso entendimento, essencialmente por três ordens de razões:
- a cada vez maior complexidade dos produtos financeiros;
- a sua cada vez maior volatilidade e insegurança derivada de um controlo dos mercados financeiros por grandes operadores muitas vezes guiados apenas pelo lucro fácil e imediato, e, assim, assumindo e praticando, cada vez mais, procedimentos especulativos;
- o suposto e exigível apetrechamento técnico – vg., a nível humano, através de funcionários/colaboradores qualificados - dos intermediários financeiros para proporcionarem as minuciosas informações necessárias ao cumprimento de tal dever, de sorte a que o investidor, máxime o individual, normalmente leigo na matéria, assuma as suas opções de investimento conscienciosa e esclarecidamente.
E, em função disto e por causa disto, a legislação nesta matéria tem vindo, ao longo dos anos, a ser cada vez mais exigente com o intermediário na definição/densificação de tal dever informativo.
Nesta conformidade, e escalpelizados os factos apurados, não se acompanha, sdr., a decisão do julgador quando nela conclui que o réu não agiu ilicitamente, pois que cumpriu, dentro do que lhe era exigível, o seu dever de informação para com o autor acerca da natureza e (in)segurança do produto subscrito.
Não cumpriu.
Não cumpriu porque, sabendo, ou sendo-lhe exigível que soubesse
que: «4. O Autor não possuía qualificação, ou formação técnica que lhe permitisse à data conhecer aprofundadamente os diversos tipos de produtos financeiros e avaliar, por isso, os riscos de cada um deles, a não ser que lhos explicassem.»;
que: 6. O Autor subscreveu o produto acima mencionado convencido de que estava a colocar o seu dinheiro numa aplicação segura, no sentido de se tratar de risco reduzido ou de risco mais aproximado ao risco de um depósito a prazo;
que: 7. O Autor não queria investir em produtos de risco, como era do conhecimento dos funcionários da referida Agência do Réu;
que: 8. O Autor esteve sempre convencido que o Réu lhe restituiria o capital e os juros quando os solicitasse.
limitou-se – eventualmente, pois que nem sequer se provou que, in casu, tal tivesse acontecido – a fornecer informação genérica, pré - formatada e tabelar, sobre a natureza e riscos do produto.
É o que dimana dos factos provados, a saber:
15. As orientações e comunicações internas existentes no B (…)e que este transmitia aos seus comerciais nos respectivos balcões consistiam em afirmar a segurança da aplicação financeira em causa, a sua solidez e boa rentabilidade com um risco semelhante a uma depósito a prazo junto do próprio Banco.
20. Nesta sequência, porque a S (…), S.A., detinha o B (…) qualquer obrigação por si emitida é tendencialmente um produto conservador, com um risco normalmente reduzido, indexado à solidez financeira da sociedade emitente, sendo este necessariamente, um garante da solvabilidade daquela, por ser o principal activo do seu património.
Ora mesmo que o autor tivesse sido informado conforme era prática do Banco – o que, repete-se, nem sequer está provado – tal seria insuficiente para consecutir o adequado cumprimento do dever de informação com a densificação que a lei exige nesta matéria.
Efetivamente, as obrigações subordinadas podem, quanto ao facto de se tratar de um produto com prazo certo e render juros periódicos, serem comparadas a um depósito a prazo.
Mas já quanto à sua natureza intrínseca e consequente risco, já não o podem ser porque não são semelhantes, ou seja: análogos, equivalentes, idênticos, congéneres, conformes.
O depósito a prazo é a aplicação financeira mais segura e, tendencialmente, de capital garantido: apenas o total colapso da instituição bancária ou a sua insolvência o põe em risco.
Acresce que a actividade bancária está fortemente regulada/regulamentada, pelo que, em tese e por regra – ainda que, infelizes exceções recentes tenham postergado este normal acontecer - tal colapso não é perspetivavel.
Ademais – e, certamente para protecção das pequenas poupanças individuais e familiares que custaram a ganhar – o próprio Estado assegura o seu reembolso até um certo montante não despiciendo: presentemente cem mil euros.
Já as obrigações são um produto estritamente financeiro e a sorte da sua segurança e solvabilidade está já e apenas dependente da atividade de uma sociedade comercial, essencialmente no âmbito e âmago das leis do mercado, com todas as vicissitudes e riscos que daí podem advir, vg. em função de atuações temerárias e/ou especulativas ou, até, ilícitas, não apenas da sociedade emitente, mas de outras, ou também de outras, que a podem negativamente afetar.
Não se pode, pois, asseverar que a (in)segurança e a (in)solvabilidade de um depósito a prazo é comparável, e, muito menos, semelhante, a um produto obrigacionista, ademais de cariz subordinado, ou seja, apenas pagável, em caso de insolvência da sociedade emitente, a S (…), após outros encargos ou obrigações preferenciais ou comuns – cfr. art. 360º, nº 1, e), do Cód. Soc. Com.
Nesta conformidade, não se acompanha o entendimento/interpretação do julgador alicerçante da conclusão de que:
«Em concreto, a matéria de facto não permite identificar qualquer falha de informação que fosse imputável à R. e cuja verificação tenha sido causal do que veio a ocorrer relativamente ao investimento que o A. através dela realizou.»
Como se viu, sobre a ré incidia o dever de informar, cabal e circunstanciadamente, sobre o jaez e o risco do produto subscrito.
E, parece-nos suficientemente perceptível, que não cumpriu tal dever.
Ou, se chegou a informar o autor, a informação não assumiu o detalhe bastante, como legalmente exigível, para o elucidar sobre a natureza e os possíveis riscos das obrigações, máxime quanto à possibilidade – muito mais acentuada do que num depósito a prazo – de não reaver, total, ou parcialmente, o capital investido.
A informação detalhada era, in casu, acrescidamente exigível, quanto é certo que se provou que «O Autor não possuía qualificação, ou formação técnica que lhe permitisse à data conhecer aprofundadamente os diversos tipos de produtos financeiros e avaliar, por isso, os riscos de cada um deles, a não ser que lhos explicassem.».
Ora, repete-se, de parte alguma do acervo factual provado se pode retirar que esta explicação lhe foi fornecida.
Antes, pelo contrário, devendo concluir-se que a informação fornecida – comparação e atribuição de cariz idêntico a um depósito a prazo – não apenas foi insuficiente, como, inclusive, se revelou errónea e enganadora.
Efetivamente, tendo-se provado que: «O Autor esteve sempre convencido que o Réu lhe restituiria o capital e os juros quando os solicitasse. – foi porque se convenceu, perante o que a ré lhe disse, que o seu capital estava garantido, ao menos como o estaria num depósito a prazo.
Mas, como se viu, pela natureza diversa dos produtos, esta informação nunca poderia ser-lhe fornecida.
Sendo que, rectius perante o provado no ponto 4, tem de concluir-se que a vontade do autor em subscrever as obrigações, foi determinada ou, que é o qb., essencialmente determinada, pela mesma.
Ademais, a prova, neste tribunal ad quem de que « 28. Não foi explicado ao A. que B (…) e S (…) eram duas entidades distintas e que investir em S (…), era diferente de aplicar dinheiro no B (…). contribui acrescidamente para se concluir que o autor não foi cabalmente elucidado sobre todo o circunstancialismo que rodeava a emissão e venda das obrigações, rectius a clara identificação da sociedade emitente e responsável pelo seu reembolso.
O que, obviamente, e pelo que supra se mencionou quanto à diferenciação de natureza, e risco diverso de atuação de ambas as entidades - Banco e grupo económico em que se inseria: S(…) – releva para se concluir que as informações prestadas ao investidor não foram as bastantes para a formação da sua vontade de uma forma esclarecida no sentido de subscrição do produto financeiro.
Decorrentemente, a conclusão final a retirar é que a conduta do réu não apenas se assumiu ilícita como, outrossim, culposa – quer por estatuição do artº 799º do CC, quer pela presunção prevista no citado artº 314º nº2 do CVM que não foi ilidida, antes pelo contrário, foi provada -, como, ainda causal dos prejuízos do demandante.
Efetivamente e no atinente a este último pressuposto, urge não esquecer que a nossa lei - artº 563º do CC - consagra a teoria da causalidade adequada na formulação negativa de Enneccerus-Lehman nos termos da qual: « o facto que actuou como condição do dano só deixará de ser considerado como causa adequada se, dada a sua natureza geral, se mostrar de todo indiferente para a verificação do mesmo, tendo-o provocado só por virtude das circunstâncias excepcionais, anormais, extraordinárias ou anómalas que intercederam no caso concreto»
Ademais:
«Esta doutrina … não pressupõe a exclusividade da condição, no sentido de que esta tenha só por si determinado o resultado».
« …nem exige que a causalidade tenha de ser directa e imediata, pelo que admite:
-- não só a ocorrência de outros factos condicionantes, contemporâneos ou não;
-- como ainda a causalidade indirecta, bastando que o facto condicionante desencadeie outro que directamente suscite o dano» -Cfr. entre outros, os Acs. do STJ de 06.11.2002, 29.06.04, 20.10.2005, 07.04.2005 e 13-03-2008 in dgsi.pt, ps. 02B1750, 03B4474, 05B2286, 05B294 e 08A369 e A. Varela, in Das Obrigações em Geral, 2ª ed ps. 746/756.

Casos semelhantes têm merecido entendimento consonante com o presente em Acordãos dos Tribunais Superiores.
Assim:
«Se as informações prestadas por um banco são inexactas, incompletas ou falsas e foram causais da celebração de um acto ou contrato, então terá aquele de ser responsabilizado pelos danos que assim causa, quer por via contratual quer extra-contratual» - Ac. da RC de 9.10.2012, Proc.1432/09.4T2AVR.C1 in dgsi.pt.
« Provando-se que no âmbito de um contrato de intermediação financeira os funcionários do banco propuseram aos clientes a aquisição de um produto financeiro, prestando informação falsa relativamente, quer à equiparação do produto financeiro ao depósito a prazo, quer à garantia de reembolso do capital investido, haverá que concluir que a conduta do banco é violadora das mais elementares exigências da boa fé e da lealdade devidas aos seus clientes, previstas no artigo 304.º do CVM…
Conforme vem entendendo a jurisprudência, face ao disposto no art.º 563º do CC, o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação e o dano causado aos autores está demonstrado quando, face à factualidade provada, podemos concluir que se os deveres de informação tivessem sido cumpridos, os AA. não teriam investido naquele produto financeiro» - Ac. da RP de 11.04.2018, p. 984/17.0T8PNF.P1. in dgsi.pt.
« Além desta responsabilidade contratual, existe responsabilidade pré-contratual por parte do Banco, em consequência da violação dos deveres não só do exercício da sua actividade de intermediário financeiro, nomeadamente os princípios orientadores consagrados no Código dos Valores Mobiliários (CVM), como sejam os ditames da boa fé, elevado padrão de lealdade e transparência, como também da violação dos deveres de informação, assim fazendo incorrer o Banco Réu na responsabilidade prevista no art.º 314º, n.º 1 do CVM (in casu, na redacção anterior ao DL n.º 357-A/2007, de 31.10), sendo que, não ilidida a presunção de culpa do n.º 2 do mesmo art.º, incorre por essa via, igualmente, na obrigação de indemnizar os danos causados aos clientes (AA.)» - Ac. da RC de 22.05.2018, p.1479/16.4T8LRA.C2.
« Provando-se que a gerência do Banco propôs à A. uma aplicação financeira - a aquisição de uma obrigações subordinada da SLN 2006 - com garantia do capital investido a que a A. deu a sua anuência, por se tratar de um produto comercializado pelo BPN (detido a 100% pela referida SLN) em tudo idêntico a um depósito a prazo, com capital garantido e rentabilidade assegurada, o Banco é responsável pelas obrigações assumidas no compromisso com o cliente: o reembolso do capital investido e os juros;
Além desta responsabilidade contratual, existe também responsabilidade pré-contratual por parte do Banco, em consequência da violação dos deveres não só do exercício da sua actividade de intermediário financeiro, nomeadamente os princípios orientadores consagrados no art. 304º, nº 1 e 2, do CVM, como sejam os ditames da boa fé, elevado padrão de lealdade e transparência, como também da violação dos deveres de informação a que aludem os arts. 7º, nº 1, e 312 nº 1, ambos do CVM, assim fazendo incorrer o banco réu na responsabilidade, a que alude o art. 314º, nº 1 do mesmo código, sendo certo, também, que o Banco não ilidiu a presunção legal de culpa do nº 2 do citado art. 314º (todos os indicados artigos na redacção anterior ao DL 357-A/2007, de 31.10), constituindo-se por essa via, igualmente, na obrigação de indemnizar os danos causado à A.» - Ac. da RC de 02.06.2018, p. 2147/16 2T8LRA, inédito.
« A omissão de informações por parte do banco acerca da natureza, caraterísticas e riscos dos produtos que comercializa com os clientes, viola os deveres impostos ao Banco pelo artigo 227º do Código Civil, pelo artigo 76º, do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (DL nº 298/92, de 31 de Dezembro) e pelos artigos 7º, nº1 e 312º, n.º 1, do Código de Valores Mobiliários (D L n.º 486/99, de 13 de Novembro).
Decisivamente assim porque tendo o Banco intervindo como intermediário financeiro na comercialização das Obrigações ajuizadas [S (…)], tinha ele, ao tempo dos factos, o primário e essencial dever de prestar “todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada”, nomeadamente as respeitantes a riscos especiais envolvidos nas operações a realizar [cf. art. 312º, al. a) do CVM, na sua redacção originária, que é a aplicável].
Decorre do nº2 do art. 314º do CVM, na mesma redacção, que “A culpa do intermediário financeiro presume-se quando o dano seja causado no âmbito de relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado pela violação de deveres de informação» - Ac. da RC de 11.09.2018, p. 3660/16.7T8LRA.C2 in dgsi.pt.
5.2.3.
Da prescrição do direito do autor.
Uma vez que a pretensão do demandante vai ser julgada procedente há que conhecer da prescrição invocada pelo R., e que não foi objecto de conhecimento na 1ª instância, por aí se ter considerado como inútil face à improcedência da pretensão do autor – art. 665º, nº 2, do CPC.
Nos termos do art.º 324º, n.º 2, do CVM:
«Salvo dolo ou culpa grave, a responsabilidade do intermediário financeiro por negócios em que haja intervindo nessa qualidade, prescreve decorridos dois anos a partir da data em que o cliente tenha conhecimento da conclusão do negócio e dos respectivos termos.»
Como dimana deste segmento normativo, se o intermediário financeiro agir com dolo ou culpa grave, o prazo de prescrição não será de dois anos.
E, neste caso, aplicando-se o prazo ordinário de 20 anos - art.º 309º do CC.
No caso vertente não há matéria factual bastante para atribuir ao réu uma conduta dolosa, ie. deliberadamente fraudulenta e enganatória, em sentido forte.
Mas ela já é suficiente para se concluir que atuou com culpa grave.
Pois que dela dimana que, conscientemente, prestou informações ao autor, nuclearmente consubstanciadas na equiparação, máxime quanto à segurança do capital investido, das obrigações a um depósito a prazo, que se revelou errada e enganatória, aqui em sentido fraco.
Acresce que tal segmento normativo fixa o dies a quo do prazo prescricional não apenas na data da conclusão do negócio, mas, também, na data em que este foi concluído e o subscritor teve conhecimento dos seus termos, i.e do seu conteúdo.
Se tal conclusão e conhecimento coincidirem na mesma data, é a partir dela que se começa a contar o prazo prescricional.
Se não coincidirem, será a partir da data mais recente - a da conclusão ou do conhecimento, pois que inexiste uma inelutável precedência lógia para a primeira ocorrência de qualquer destes quids – que tal prazo começa a contar.
In casu provou-se a data da celebração do contrato – 08.05.2006.
Mas não se provou a do conhecimento do seu teor por banda do autor.
Aliás, apurando-se que ele 8. …esteve sempre convencido que o Réu lhe restituiria o capital e os juros quando os solicitasse.», que recebeu juros semestrais até Novembro de 2015, e que não recebeu o capital investido na data da maturidade – 09.05.2016 -, a natural conclusão a retirar é que ele apenas teve conhecimento do termos do produto nesta data, ou, concedendo, naquela; sendo que, considerando qualquer delas, e a data da propositura da acção, o prazo especial de prescrição ainda não tinha decorrido.

O pedido tem, pois, de proceder, salvo no que respeita aos danos não patrimoniais relativamente aos quais inexistem provados quaisquer factos que o alicercem.

6.
Sumariando – artº 663º nº7 do CPC.
I - Considerando os benefícios da imediação e da oralidade e a razoável margem de alea que deve ser concedida ao julgador da 1ª instância, a alteração da decisão sobre a matéria de facto apenas pode ser concedida se os meios probatórios invocados ou a interpretação que deles for operada não apenas indiciarem ou sugerirem, mas antes impuserem uma censura à convicção daquele.
II - A subscrição, por cliente, no banco onde tem conta aberta, para si próprio, de produto denominado obrigações subordinadas, não tem, necessariamente, de assumir-se como contrato formal autónomo atinente e reduzido a escrito, pois que ela não quadra em qualquer das hipóteses taxativamente previstas nos artºs 290º e 291 do CVM para as quais é exigida tal forma.
III - Provando-se, nuclearmente, que o banco informou o cliente que o produto financeiro por ele subscrito – obrigações subordinadas - era muito semelhante, incluindo quanto ao risco, a um depósito a prazo, e que, assim, este «esteve sempre convencido que (aquele) lhe restituiria o capital e os juros quando os solicitasse.» e tendo ele perdido o capital, é de concluir que a instituição não cumpriu, com a abrangência e acuidade legalmente exigidas, o seu dever de informação quanto ao jaez do produto vendido, assim atuando ilícitamente; e, verificados os demais pressupostos da responsabilidade contratual, é obrigado a indemnizar pelos prejuízos.
IV - O prazo de prescrição de dois anos previsto no artº324º, n.º 2, do CVM, conta-se a partir da data mais recente em que o cliente tenha conhecimento da conclusão do negócio e/ou dos respectivos termos, e não emerge se o intermediário financeiro agir com dolo ou culpa grave; se agir, o prazo aplicável é o geral de 20 anos – artº 309º do CC.

7.
Deliberação.
Termos em que se julga o recurso parcialmente procedente e, na revogação da sentença, condena-se o réu a pagar ao autor a quantia de 57.000,00 euros, acrescida de juros vencidos, desde a citação, e vincendos, à taxa legal.

Custas pelas partes na proporção da presente sucumbência.

Coimbra, 2018.10.09.

Carlos Moreira ( Relator )
Moreira do Carmo
Fonte Ramos