Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
182/13.1TBCTB-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FERNANDO MONTEIRO
Descritores: EXECUÇÃO
TÍTULO EXECUTIVO
ARRENDAMENTO
RESOLUÇÃO
RENDAS
Data do Acordão: 02/18/2014
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T. J. DE CASTELO BRANCO 2º J
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE
Legislação Nacional: ARTS. 1045, 1083 CC, 45, 46 CPC, ART. 15 Nº2 DA LEI Nº 6/2006 DE 27/2 ( NRAU )
Sumário: 1.- A comunicação prevista no nº 2 do artigo 15º da Lei nº 6/2006, de 27.2, que aprovou o Novo Regime de Arrendamento Urbano, pode ter subjacente a cobrança de rendas em caso de resolução do contrato.

2.- Esta extinção contratual pode provocar diferentes situações de cobrança da renda e de indemnizações (liquidadas pela lei) a ela ligadas.

3.- Neste caso, a lei exige mais (e diferente) do que aquilo que já resultava do previsto no art.46º, nº1, c), do Código de Processo Civil, sendo que a maior exigência está na referida comunicação, na qual o interessado fica obrigado, para obter título executivo, a definir o pressuposto da cobrança e a liquidação que confirma o pressuposto.

4. O valor admitido na execução não é apenas o valor contado no momento da comunicação porque o próprio pressuposto, apresentado e comunicado, pode incluir o decurso do tempo como contabilizador do valor a cobrar a final, possível por simples cálculo aritmético.

Decisão Texto Integral: Acordam na 2ª secção do Tribunal da Relação de Coimbra:


P (…), em representação dos seus pais, L (…) e M (…), intentou execução para pagamento de quantia certa contra V (…) e mulher, H (…)  apresentando como título executivo um contrato de arrendamento e uma notificação judicial avulsa e alegando, em síntese:
Celebraram um contrato de arrendamento com os executados, os quais deixaram de pagar as rendas em Julho de 2011, inclusive;
Foi convencionada a renda mensal de 400,00€;


Interpelados várias vezes os Executados para pagarem as rendas em atraso e, não obtendo qualquer resposta, recorreu à Notificação Judicial Avulsa dos Executados, nos termos do artigo 14.º n.º 4 e 5 da Lei n.º 6/2006, para no prazo de dez dias pagarem a quantia em dívida, 5.200,00€, acrescida de uma indemnização de 50% das rendas em dívida;
Os executados foram notificados em 22/06/2012;
Naquela notificação, os Executados foram advertidos para, caso não efetuassem o pagamento, considerar-se-ia resolvido o contrato de arrendamento, em virtude de se encontrarem em dívida 13 meses de renda, segundo o artigo 1083.º n.º 1 e 2 (1.ª metade) conjugado com o artigo 1038.º alínea A e n.º 3 do Código Civil, com as alterações resultantes da lei n.º 14/2006, devendo entregar de imediato livre e devoluto de pessoas e bens o arrendado e pagar o montante em dívida, no total liquidado de 7.800€; também foram notificados para pagarem as rendas vincendas em dobro até à restituição do locado;
Posteriormente, os executados só pagaram as rendas correspondentes ao ano de 2011 e entregaram o imóvel ao exequente em 12 de Janeiro de 2013.
Liquidam a dívida em 3600€ (de Janeiro a Junho de 2012) mais 5600€ (de Julho de 2012 a Janeiro de 2013).
O requerimento foi parcialmente indeferido, considerando que o exequente só dispõe de título executivo relativamente aos valores comunicados na notificação judicial avulsa. O pedido foi admitido apenas até Junho de 2012.
Diz o despacho a certo passo:
“Assim e aplicando tal jurisprudência ao caso em apreciação, constata-se que o exequente apenas dispõe de título executivo relativamente aos valores comunicados na notificação judicial avulsa, ou seja, €7.800,00, descontados que sejam os montantes já pagos, referentes às rendas de 2011. Quanto ao mais peticionado, inexiste título executivo, pois não foram observadas as formalidades impostas pela Lei 6/2006 (acrescentando-se que se está a contabilizar rendas depois de se ter declarado o contrato resolvido, como se refere na notificação judicial avulsa) ”.

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Os exequentes recorrem deste indeferimento, apresentando as seguintes conclusões:
1ª O douto despacho recorrido levou ao indeferimento liminar, parcial, do requerimento executivo, considerando que o exequente só dispõe de título executivo, relativamente aos valores comunicados na notificação judicial avulsa, ou seja, €7.800,00, descontados que sejam os montantes já pagos, referentes às rendas de 2011, o que equivale a dizer que a execução fica reduzida ao valor de 5400€.
2ª A juiz “ a quo” considerou que o título executivo do recorrente é o contrato de arrendamento junto aos autos e a comunicação nos termos do art.15º nº02 da lei 06/2006. O recorrente considera que os títulos são esses, mas ao abrigo do disposto no art.15º nº01 al. E conjugado com art.9º nº07 da lei 06/2006 e art.1084º nº01 do Código Civil.
3ª A notificação judicial enviada aos ora executados notificou-os também para pagarem as rendas vincendas em dobro até restituição do locado ao requerente (exequente).
4ª Desta feita, consta do título executivo, notificação judicial avulsa, de forma clara, expressa, com uma liquidação da dívida em sede de execução de sentença quanto às rendas vincendas, em dobro, até restituição do locado ao requerente (exequente), o que tem perfeito cabimento legal nos termos do art.1045º nº02 do Código Civil.
5ª A comunicação judicial avulsa colocou em mora os executados na restituição do locado, o que lhes foi expressamente transmitido, pelo que estamos face a um título executivo quanto ao montante de rendas vincendas em dobro até restituição do locado, bastando um cálculo aritmético para aferir do montante em dívida correspondente a esta indemnização. Assim, reduzindo-se o título executivo aos valores constantes do despacho recorrido ficariam em dívida todas as rendas posteriores a Julho de 2012 até 12 de Janeiro de 2013, o que não seria justo e violaria a razão de ser do art.1045º do C.C.
6ª O despacho recorrido não é admissível, por o requerimento de notificação judicial avulsa ter sido fundamentado de facto e de direito, a qual foi sujeita a despacho fundamentado, não estando os títulos executivos dos autos sujeitos a despacho liminar.
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            Os executados não alegaram.
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            A questão a resolver passa por definir o alcance da comunicação prevista no nº 2 do artigo 15º da Lei nº 6/2006, de 27 de Fevereiro, que aprovou o NRAU e saber se a notificação feita pelos exequentes se ajusta àquela, alargando-se a execução ao valor equivalente das rendas vincendas, elevadas ao dobro, até restituição do locado.
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            Os factos a considerar são os constantes do requerimento executivo e referidos no relatório acima exarado.
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O nº 1 do artigo 45º do Código de Processo Civil anterior preceitua que toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da execução. (No novo código, norma idêntica está no art.10º, nº5.)
Nas espécies de títulos taxativamente definidos no nº 1 do artigo 46º, para o que nos interessa, encontramos (a alínea c), do nº1, do novo 703º é restritiva relativamente à exequibilidade dos documentos particulares.):
Os documentos particulares, assinados pelo devedor, que importem a constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante seja determinado ou determinável por simples cálculo aritmético – alínea c);
Os documentos a que, por disposição especial, seja atribuída força executiva - alínea d).
Por outro lado, dispõe o art.15º, nº2, da Lei 6/2006 (aprova o NRAU):

“O contrato de arrendamento é título executivo para a acção de pagamento de renda quando acompanhado do comprovativo de comunicação ao arrendatário do montante em dívida”.
No caso, a entrega do locado foi feita em 12.1.2013 e a execução visa o pagamento de quantia certa.
Importa considerar que o contrato de arrendamento escrito já podia constituir título executivo, nos termos daquela alínea c), do nº 1, do artigo 46º referido, para a cobrança da renda, uma vez que dele consta já a constituição daquela obrigação de prestação pecuniária em montante determinado e com prazo certo.
Se era assim, pode parecer que o nº 2 do artigo 15º da Lei nº 6/2006 tem um fim restritivo do âmbito daquela alínea c), ao incluir a necessidade do comprovativo da comunicação ao arrendatário do montante em dívida.
            Qual é o alcance da comunicação prevista no nº 2 do artigo 15º da Lei nº 6/2006? (A sua previsão é posterior à redação daquela alínea c) pelo DL 38/2003 mas anterior à redação pelo DL 226/2008, de 20.11. Esta última lei geral voltou a afirmar a exequibilidade do contrato.)
            Na decisão individual de 12.12.2008, no processo 5194/2007-7, da Relação de Lisboa (www.dgsi.pt), procurando a razão para a norma, concluiu-se: “Daí que a única razão que se descortina é a de obrigar o exequente a proceder a uma espécie de liquidação aritmética extrajudicial prévia dos montantes em dívida, de forma a conferir maior grau de certeza quanto ao montante peticionado, tendo em conta a tendencial vocação duradoura do contrato”.
Sem prejuízo disso, o contexto da norma no art.15º permite perceber que a comunicação pode ser feita para resolver o contrato, por mora no pagamento das rendas. (ver R.Pinto, Manual da Execução e Despejo, C.E., 2013, pág.1163.)
A norma incluirá as situações neste fim de contrato e não apenas no seu simples incumprimento, com ele ainda em vigor.
            O contrato já era exequível para a cobrança simples de renda.
            Mas o contrato não é suficiente para a cobrança de renda no caso da sua extinção, porventura porque, neste caso, aquela cobrança pode vir acompanhada de “sanções” ou indemnizações.
            Este raciocínio é provocado pela leitura do acórdão da Relação de Lisboa, de 27.6.2007, no processo n.º5194/2007-7 (no sítio digital referido), no qual se diz: (…) “para que a execução possa prosseguir no seu rumo normal, sem prejuízo da dedução de oposição, relativamente à obrigação primária decorrente da celebração de um contrato bastará a alegação do seu incumprimento e a verificação das condições de viabilidade da acção executiva, ligadas à certeza, à exigibilidade e à liquidez da obrigação. Já quando a relação jurídica entra numa fase patológica, como acontece em situações de incumprimento contratual em que a par da resolução do contrato se constitui o direito de indemnização, a obrigação sucedânea é qualitativa e quantitativamente diversa da obrigação primária, exigindo maiores indagações que, em regra, não se satisfazem com a junção do documento que titulava o contrato nem com a alegação dos factos em que se funda a resolução contratual. Ainda que os pressupostos abstractos da obrigação de indemnização decorrente da resolução se encontrem inseridos no contrato, a sua concretização exige a alegação e prova de factos, retirando à documentação apresentada o grau de certeza e de segurança próprios do título executivo”.
            Ora, se a norma do art.15º em análise pode visar a referida “fase patológica” da relação jurídica, então não temos uma restrição do preceituado no art.46º, nº1, c), do Código de Processo mas sim um específico título, compreendido na alínea d) deste art.46º.
            A comunicação do senhorio define o pressuposto da liquidação e realiza esta.
            Como a ação do pagamento de rendas, no contexto do art.15º, se pode relacionar com a extinção do contrato, podendo assentar em diferentes fundamentos (resolução e rendas, só rendas, rendas e encargos), com diferentes

liquidações, a lei exige então que este fundamento esteja definido, esclarecendo a liquidação.
A exigência corporiza-se na comunicação respectiva.
            A comunicação visa também enquadrar a reação do arrendatário, por exemplo para cessar a mora e impedir a resolução (v.g art.1084º, nº3, do Código Civil).
Esta especialidade, assim entendida, está em consonância com o contexto de agilização processual prosseguido com as alterações à Lei do Arrendamento pelo Novo RAU, para os despejos. (Ver esta ideia de agilização, sem nos comprometermos quanto à posição do fiador,  no acórdão da Relação do Porto, de 23.6.2009, no processo 2378/07.6YYPRT-A.P1, www.dgsi.pt.)
            Se assim é, dando maior sentido à especialidade legal, então definido o pressuposto na comunicação, com a liquidação atualizada ao respectivo momento, ele permite igual liquidação aritmética das (iguais) prestações vincendas, quer no momento do requerimento executivo, quer mais à frente na execução, obtida que seja nessa altura a restituição do locado.
            Em consequência, o valor admitido na execução não é apenas o valor contado no momento da comunicação, pois o próprio pressuposto definido pode incluir o decurso do tempo como contabilizador do valor a cobrar a final.
            Os exequentes comunicaram aos locatários que deveriam ainda pagar as rendas vincendas, em dobro, até à restituição do locado àqueles.
O artigo 1045º do Código Civil prevê a indemnização pelo atraso na restituição da coisa, dispondo:
1— Se a coisa locada não for restituída, por qualquer causa, logo que finde o contrato, o locatário é obrigado, a título de indemnização, a pagar até ao momento da restituição a renda ou aluguer que as partes tenham estipulado, excepto se houver fundamento para consignar em depósito a coisa devida.
2— Logo, porém, que o locatário se constitua em mora, a indemnização é elevada ao dobro.

Apesar do contrato resolvido, a solução assenta na consideração da manutenção de uma relação de facto que justifica os pagamentos referidos.
Apesar da notificação judicial avulsa, a definir aquele pressuposto, os executados não pagaram todas as rendas devidas e liquidadas e não entregaram logo o locado.
Aquela norma justifica a advertência feita pelos exequentes – a demora que viesse a ocorrer após a resolução (confirmada), na entrega da coisa, acarretaria aquela indemnização correspondente ao dobro da renda devida.
A indemnização está liquidada pela própria lei, apresentando certeza e segurança.
Partindo da comunicação, não há qualquer novidade ou surpresa na execução. O único dado novo resulta do factor tempo liquidatório – o valor final é obtido no momento da entrega da coisa, que só ocorreu depois da comunicação, em Janeiro de 2013, e por simples multiplicação.
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Decisão.
            Julga-se o recurso procedente, revoga-se parcialmente a decisão recorrida e ordena-se o prosseguimento da execução, com inclusão do valor liquidado entre Julho de 2012 e Janeiro de 2013.
            Custas conforme for decidido no final.
            Coimbra, 2014-2-18

 Fernando de Jesus Fonseca Monteiro( Relator )
 Luís Filipe Dias Cravo
 Maria José Monteiro Guerra