Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1530/11.4TBPBL-B.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CARLOS GIL
Descritores: ARRESTO
BENS COMUNS DO CASAL
JUSTO RECEIO
Data do Acordão: 01/31/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: POMBAL 2º J
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS.406, 407, 825 CPC, 601, 619, 1691 CC, 15 C COMERCIAL
Sumário: 1. O artigo 825º, nº 1, do Código de Processo Civil é aplicável ao arresto por força do disposto no artigo 406º, nº 2, do Código de Processo Civil.

2. A aplicabilidade do artigo 825º, nº 1, do Código de Processo Civil ao arresto não significa que este deva ser intentado contra o cônjuge do devedor sujeito ao arresto, mas apenas que este último deve ser citado no âmbito do procedimento do arresto, nos termos e para os efeitos previstos no nº 1, do artigo 825º do Código de Processo Civil.

3. A co-responsabilização do cônjuge do devedor por dívidas alegadamente contraídas no exercício do comércio pressupõe, necessariamente, a alegação de factos que permitam qualificar o devedor como comerciante.

4. O fundado receio de perda da garantia patrimonial é um juízo dirigido para o futuro, necessariamente regido por critérios de probabilidade, pois o futuro é sempre uma mera possibilidade de ser.

Decisão Texto Integral:             Acordam, em audiência, os juízes abaixo-assinados da segunda secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

            1. Relatório

            A 17 de Novembro de 2010, no Tribunal Judicial da Comarca de Pombal, L (…) instaurou procedimento cautelar de arresto contra J (…) e cônjuge M (…)e MC (…), Lda. pedindo o arresto de dois imóveis, de 7/45 de um outro imóvel, das contas bancárias de que os requeridos sejam titulares na Caixa de Crédito Agrícola, na Caixa Geral de Depósitos e no Millenium BCP e ainda dos bens móveis que se encontrem na residência dos primeiros requeridos e na sede da segunda requerida, requerendo ainda que os bens arrestados sejam confiados à sua guarda.

            Em síntese, a requerente alegou para fundamentar as suas pretensões que no exercício da sua profissão de Advogada prestou serviços aos requeridos em diversos processos, cuja remuneração global ascendeu a € 25.307,07, tendo tido notícia de que os requeridos pretendem dissipar o seu património imobiliário, sendo que os dois imóveis de maior valor se acham hipotecados para garantia do pagamento de quantia superior a € 125.000,00, sendo que tais imóveis não têm valor superior a € 30.000,00.

            A 16 de Dezembro de 2010, após inquirição das testemunhas oferecidas pela requerente, foi decretada a providência cautelar de arresto nos exactos termos requeridos.

            Efectuado o arresto decretado e citados os requeridos, a 30 de Junho de 2011, estes vieram deduzir oposição ao procedimento cautelar de arresto, suscitando a ilegitimidade passiva da esposa do requerido para o procedimento cautelar e alegando factos destinados a pôr em crise o justo receio de perda da garantia patrimonial.

            Inquiridas as testemunhas oferecidas na oposição, foi proferida decisão que julgou procedente a oposição, revogando a providência cautelar de arresto que havia sido decretada, determinando-se o seu levantamento.

            Inconformada com esta decisão, a requerente do arresto interpôs recurso de apelação contra a mesma, oferecendo alegações que terminou com as seguintes conclusões:

1. Nos presentes autos rendo sido requerida e efectivada a apreensão de bens comuns do casal, estamos perante uma situação de litisconsórcio voluntário;

2. Com efeito, importa realçar que o regime estatuído no artigo 825.º, n.º 1 do CPC, vale para o arresto, por força do disposto artigo 406.º, n.º 2, do mesmo código;

3. Em execução movida apenas contra um dos cônjuges, podem ser penhorados, a título provisório, a fim de ficarem indisponíveis, os bens comuns do casal, por não se encontrarem bens suficientes próprios do executado (cfr. artigo 825.º, n.º 1, do CPC);

4. Se tal acontecer, diz o mesmo artigo, cita-se o cônjuge do executado para, no prazo de que dispõe para a oposição e requerer a separação de bens ou juntar certidão comprovativa da pendência de acção em que a separação já tenha sido requerida;

5. Por fim, sempre se dirá que existem dívidas, porque contraídas no exercício do comércio, compete ao cônjuge provar que não o foram em proveito comum do casal;

6. Para que a providência cautelar de arresto seja decretada, não é necessário que exista mora ou incumprimento definitivo por parte do devedor, basta um comportamento que faça perigar a garantia patrimonial do requerente – um justo receio – que corresponde e absorve o periculum in mora do artigo 381.º, n.º 1, do CPC;

7. Bastando ao requerente demonstrar ser compreensível ou justificado o receio da sua lesão;

8. O arresto preventivo, que supõe o justo receio de perda da garantia patrimonial do credor, a que está sujeita a totalidade do património do devedor, visa garantir o primeiro contra o risco dessa perda (cfr. artigo 601.º e 619.º, ambos, do CC, e 406.º, n.º 1, do CPC);

9. Face aos documentos juntos aos autos, o justo receio encontra-se, objectivamente, fundamentado;

10. Sobre os únicos imóveis dos requeridos impende hipoteca voluntária a favor do BCP, cuja importância em dívida, em 31.03.2011, era, segundo os requeridos, de € 40.589,78;

11. O resultado da avaliação fiscal dos dois imóveis é, objectivamente, inferior ao montante em dívida;

12. Além do identificado património, onerado, a sociedade requerida, além de não ter património imobiliário, e ter dívidas a fornecedores, possui um parque automóvel, velho;

13. Ao seu parco valor, acresce o facto de serem bens de fácil sonegação, que, como decorre da experiencia comum, justifica o justo receio da recorrente;

14. Face ao alegado, é inegável que a existência da hipoteca voluntária a onerar os únicos prédios dos recorridos, objectivamente, faz diminuir a garantia que a recorrente tem, com base no disposto no artigo 601.º, do CC;

15. Sendo de concluir pelo fundado receio da requerente na perda da garantia patrimonial do seu crédito e, consequentemente, pela manutenção do arresto e não pelo seu levantamento (cfr. artigos 406.º, n.º 1, do CPC e 619.º, do CC);

16. Com a prolação do despacho apelado foram violadas, entre outras, as normas dos artigos 381.º, n.º 1, 406.º, 407.º, n.º 1, 825.º, n.º 1, todos, do CPC, 601.º e 619.º, n.º 1, ambos, do CC.

            A recorrente termina pedindo a revogação do despacho recorrido e a sua substituição por decisão que mantenha o arresto decretado.

            Não foram oferecidas contra-alegações.

            Ordenou-se a baixa dos autos a fim de ser fixado o valor do procedimento.

            Suprida a omissão de fixação do valor da causa, colhidos os vistos legais e nada obstando ao conhecimento do objecto do recurso, cumpre apreciar e decidir.

            2. Questões a decidir tendo em conta o objecto do recurso delimitado pela recorrente nas conclusões das suas alegações (artigos 684º, nº 3 e 685º-A nºs 1 e 3, ambos do Código de Processo Civil, na redacção aplicável a estes autos), por ordem lógica e sem prejuízo do conhecimento de questões de conhecimento oficioso, observado que seja, quando necessário, o disposto no artigo 3º, nº 3, do Código de Processo Civil

2.1 Da necessária demanda da requerida M (…) em consequência de ter sido requerido o arresto de bens comuns do casal;

2.2 Do justo receio de perda da garantia patrimonial do crédito da requerente.

3. Fundamentos de facto resultantes da decisão que decretou o procedimento cautelar, na parte não afectada pela decisão de oposição, bem como da decisão da oposição ao arresto


3.1

L (…) é advogada na Comarca de Pombal, tem o seu escritório na Rua Professor A...[1], nº X... – ... direito, fazendo da advocacia profissão habitual e lucrativa (ponto 1 dos fundamentos de facto da decisão que decretou o arresto).

3.2

            J (…) e MC (…), Lda. conferiram a L (…), em procurações bastantes, os poderes para os representar em juízo, as quais se encontram juntas aos autos, que correram termos no Tribunal Judicial da Comarca de Pombal, sob o números 378/2002 – 2º Juízo (procedimento cautelar) e respectivo incidente (embargos de terceiro), 730/2002 – 2º Juízo (acção principal), 581/2002 – 1º Juízo (execução ordinária) e apensos (embargos de executado e inventário para separação de meações), todos já transitados em julgado (ponto 2 dos fundamentos de facto da decisão que decretou o arresto).

3.3

            No desempenho do mandato conferido por J (…) e MC (…), Lda., e no âmbito dos processos identificados, L (…) desenvolveu, entre outras, as seguintes actividades:

            a) no processo nº 378/2002 (providência cautelar de arresto), L (…) elaborou a petição inicial de arresto, inquiriu as testemunhas aquando da produção de prova, vindo aquele a ser decretado em 23 de Maio de 2002; efectuou posteriormente a diligência para apreensão com remoção dos bens requeridos;

            b) no processo nº 730/2002 (acção de condenação, sob a forma ordinária), elaborou a petição inicial, em 20 de Novembro de 2002, analisou a contestação, replicou, compareceu nas audiências preliminar e de julgamento, nesta última em 06 de Outubro de 2004;

            c) no processo nº 378-A/2002 (embargos de terceiro), contestou os embargos em 20 de Março de 2003 e compareceu na audiência de julgamento dos mesmos, realizada em 01 de Outubro de 2004;

            d) no processo nº 581/2002 (execução ordinária), deduziu oposição mediante embargos de executado, em 12 de Novembro de 2002 e elaborou termo de transacção;

            e) no processo nº 581-A/2002 (embargos de executado), análise da contestação à oposição deduzida, elaboração de resposta à contestação em 18 de Março de 2003, análise das alegações de recurso e elaboração das contra-alegações;

            f) no processo nº 581-B/2002 (inventário para separação de meações), requerimento inicial em 19 de Fevereiro de 2004, elaboração e entrega da relação de bens em 31 de Maio de 2004, aditamento, comparência na conferência de interessados em 12 de Março de 2008 (ponto 3 dos fundamentos de facto da decisão que decretou o arresto).


3.4

            L (…) exerceu e desenvolveu o seu mandato realizando tarefas e utilizando os meios necessários ao bom desempenho do mesmo (ponto 4 dos fundamentos de facto da decisão que decretou o arresto).

3.5

            Houve dispêndio material, temporal e intelectual, com o expediente do escritório, cartas, faxes, requerimentos diversos (ponto 5 dos fundamentos de facto da decisão que decretou o arresto).

3.6

            Para além da actividade desenvolvida nos processos, houve uma actuação extrajudicial, com inúmeras reuniões, análise de documentação diversa trocada durante as negociações, elaboração e troca de faxes (ponto 6 dos fundamentos de facto da decisão que decretou o arresto).

3.7

            As notas de despesas e honorários, discriminadas, nas quais constava a modalidade de pagamento (“pronto pagamento”), foram, oportunamente, remetidas a J (…) M (…) e MC (…)Lda.:

a) conta final, discriminada, relativa à providência cautelar de arresto, cujo saldo credor a favor de L (…) importa em € 2.081,30, datada de 17 de Outubro de 2008, foi remetida em 17 de Outubro de 2008, por correio simples, tendo o J (…)sido novamente interpelado para o efeito, em 01 de Julho de 2009, por correio registado;

b) conta final, discriminada, relativa à acção principal, datada de 11 de Março de 2010, cujo saldo credor a favor de L (…) importa em € 3.617,54, foi enviada em 15 de Março de 2010, por correio registado;

c) conta final, discriminada, relativa aos embargos de terceiro, cujo saldo credor a favor de L (…) importa em € 1.059,21, datada de 01 de Outubro de 2003, foi enviada no mesmo dia, por correio registado;

d) conta final, discriminada, relativa à acção executiva, cujo saldo credor a favor de L (…) importa em € 4.553,56, datada de 08 de Março de 2010, bem como a conta final dos embargos de executado em 09 de Março de 2010, foram enviadas no dia 10 de Março de 2010, por correio registado;

e) conta final, discriminada, relativa ao inventário para separação de meações, cujo saldo final a favor de L (…) importa em € 7.160,26, datada de 04 de Março de 2010, foi enviada no dia 05 de Março de 2010, por correio registado;

f) nota final de despesas e honorários, elaborada em 22 de Março de 2010, na importância de € 6.835,20, foi remetida por correio registado em 25 de Março de 2010 (ponto 7 dos fundamentos de facto da decisão que decretou o arresto).


3.8

            Nada foi reclamado a L (…) (ponto 8 dos fundamentos de facto da decisão que decretou o arresto).

3.9

            A soma das várias contas correntes de despesas e honorários apresenta um saldo devedor a favor de L (…) na importância de € 25.307,07 (ponto 9 dos fundamentos de facto da decisão que decretou o arresto).

3.10

            O saldo apurado resulta da subtracção do adiantamento recebido ao resultado da soma das despesas, honorários e respectivo IVA, em cada nota de despesas e honorários (ponto 10 dos fundamentos de facto da decisão que decretou o arresto).

3.11

            As importâncias referentes a honorários foram apuradas de acordo com a praxe do foro e estilo da Comarca, natureza e importância dos serviços prestados, tempo gasto no estudo e elaboração das peças processuais e requerimentos, deslocações e reuniões, bem como nas diligências efectuadas, tendo em atenção o resultado obtido (ponto 11 dos fundamentos de facto da decisão que decretou o arresto).

3.12

            Apesar do envio das contas de despesas e honorários, com a descrição dos serviços prestados e das diversas interpelações para o pagamento das mesmas, até ao momento J (…), M (…) e MC (…)Lda. não pagaram as quantias em dívida (ponto 12 dos fundamentos de facto da decisão que decretou o arresto).

3.13

            Nas demandas supra referidas, MC (…) Lda. é parte nas acções identificadas nas alíneas a), b) e c) do ponto 3.5 e J (…) nas demais (ponto 13 dos fundamentos de facto da decisão que decretou o arresto).

3.14

            Para obter o pagamento da importância em dívida, L (…) vai propor acção judicial (ponto 15 dos fundamentos de facto da decisão que decretou o arresto).

3.15

            O património imobiliário de J (…) e M (…)é composto pelos seguintes imóveis:

            a) prédio misto, sito em B..., freguesia de C..., concelho de Pombal, com a área total de 1870 m2, descrito na Conservatória do Registo Predial de Pombal sob o nº xxx.../19861028, inscrito na matriz urbana sob o nº xxx...e na rústica sob o nº xxx...1, composto por casa de habitação de cave, rés-do-chão, logradouro e terra de cultura;

            b) prédio urbano, sito na Rua do D..., na localidade e freguesia de C..., concelho de Pombal, com a área total de 500 m2, inscrito na matriz urbana sob o nº yyy..., composto por parcela de terreno destinado a construção e descrito na Conservatória do Registo Predial de Pombal sob o nº yyy.../20040722;

            c) prédio rústico, na proporção de 7/45, sito em E..., freguesia de C..., concelho de Pombal, com área total de 22180 m2, inscrito na matriz sob o nº zzz..., composto por terra e cultura com fruteiras, tanchas, videiras, vinha com tanchas, pinhal e mato e descrito na Conservatória do Registo Predial de Pombal sob o nº zzz.../19870831 (ponto 16 dos fundamentos de facto da decisão que decretou o arresto, na parte não afectada pela matéria apurada em sede de oposição).


3.16

            O património imobiliário de MC (…), Lda. não é detectável nas bases de pesquisa da administração tributária, nem aparecem descrições a favor daquela da Conservatória do Registo Predial (ponto 19 dos fundamentos de facto da decisão).

3.17

            Os prédios identificados nas alíneas a) e b) do ponto 3.15 encontram-se onerados com hipotecas a favor do BPA (actual BCP) para “garantia de todas e quaisquer responsabilidades assumidas e a assumir em que o Banco seja credor e os titulares devedores”, cuja importância global em dívida ultrapassa os € 125.000,00 (ponto 20 dos fundamentos de facto da decisão).

3.18

            A soma do valor tributável dos dois prédios é inferior a € 33.000,00[2] (ponto 21 dos fundamentos de facto da decisão).

3.19

            M (…)  não emitiu procuração a conferir poderes forenses a L (…) em qualquer dos processos em causa nos autos (nº 1 do fundamentos de facto da oposição).

3.20

            O património de J (…), M (…) e MC (…) Lda., móvel ou imóvel, não está à venda (nº 2 do fundamentos de facto da oposição).

3.21

            A actividade exercida pela MC (…), Lda. funciona num anexo existente junta da casa de J (…) e M (…) e onde são guardados os animais comprados e que depois são vendidos (nº 3 do fundamentos de facto da oposição).

3.22

            A MC (…), Lda. é titular de veículo automóvel de marca Isuzu de matrícula ...HR, do ano de 1999, do veículo de marca Peugeot, de matrícula HS ..., do ano de 2009 e do veículo de matrícula SA ..., de marca Mercedes-Benz, do ano de 2000 (nº 4 do fundamentos de facto da oposição).

3.23

            A MC (…), Lda. é titular de créditos sobre terceiros, decorrentes da sua actividade, de 30 a 40 mil euros (nº 5 do fundamentos de facto da oposição).

3.24

            A MC (…), Lda. tem dívidas a fornecedores no valor de 8 a 10 mil euros de conta corrente (nº 6 do fundamentos de facto da oposição).

3.25

            A MC (…), Lda. em 11 de Agosto de 2011 não tinha dívidas para com a Segurança Social e as Finanças (nº 7 do fundamentos de facto da oposição).

3.26

            J (…) não tem qualquer dívida para com os seus irmãos (nº 8 do fundamentos de facto da oposição).

3.27

            Em 12 de Setembro de 2011, a Caixa Geral de Depósitos declarou que J (…) e M (…) lhe pagaram o montante que lhes havia emprestado e nada lhe devem (nº 9 do fundamentos de facto da oposição).

3.28

            Em 12 de Setembro de 2011, V (…) declarou que J (…) e M (…)lhe pagaram o montante que lhes havia emprestado e que nada lhe devem (nº 10 do fundamentos de facto da oposição).

3.29

            Em 31 de Março de 2011, J (…) encontrava-se a pagar empréstimo que contraiu junto do BCP, sendo nessa data o montante em dívida de € 40.589,78 e em 12 de Setembro de 2011 de € 37.300,44 (nº 11 do fundamentos de facto da oposição).

4. Fundamentos de direito

4.1 Da necessária demanda da requerida M (…) em consequência de ter sido requerido o arresto de bens comuns do casal

Na oposição ao arresto, foi suscitada a ilegitimidade passiva da M (…)em virtude de não ter conferido qualquer mandato forense à requerente. Por seu turno, a requerente veio pronunciar-se sobre esta alegada ilegitimidade passiva referindo que de acordo com a forma como a relação material controvertida foi por si configurada, a requerida M (…) é parte legítima, sendo certo, em todo o caso, que pretendendo a requerente fazer valer a sua pretensão sobre bens comuns do casal formado pelos requeridos J (…) e M (…), impõe-se a demanda desta última, por força do disposto no artigo 825º, nº 1, do Código de Processo Civil, aplicável ao arresto por força do disposto no nº 2, do artigo 406º do Código de Processo Civil.

Na decisão recorrida concluiu-se não terem sido alegados factos que permitam afirmar que o requerido contraiu as dívidas em proveito comum do casal, de modo a permitir a responsabilização da requerida M (…) e, além disso, que a circunstância do artigo 825º do Código de Processo Civil permitir a penhora de bens comuns do casal não significa que possa no âmbito de um arresto ser responsabilizado pelo pagamento de uma dívida quem não é devedor, tudo a determinar a improcedência necessária do arresto no que respeita a requerida M (…).

Nas alegações e conclusões do recurso, a recorrente reafirmou que a demanda da requerida M (…) se funda no disposto no nº 1, do artigo 825º do Código de Processo Civil, aplicável ao arresto, ex vi artigo 406º, nº 2, do Código de Processo Civil e que, além disso, as dívidas foram contraídas no exercício do comércio, pelo que se presume o proveito comum.

Cumpre apreciar e decidir.

Na nossa perspectiva, tanto a argumentação da decisão sob censura, como a argumentação da recorrente se estribam num facto que não temos por demonstrado e que é o casamento dos requeridos pessoas singulares, sob o regime da comunhão de adquiridos.

Na verdade, não obstante essa factualidade ter sido alegada no cabeçalho do requerimento inicial de arresto, não ter sido impugnada na oposição ao arresto e ser mencionada nalgumas inscrições de aquisição do direito de propriedade em informações da Conservatória do Registo Predial, não foi oferecida prova documental nos termos previstos no artigo 4º do Código do Registo Civil, pelo que tal facto não deve considerar-se assente, não havendo, em nosso entender, que distinguir para estes efeitos se o facto probando do casamento constitui o núcleo do caso decidendo ou se se trata de mero pressuposto invocado em acção referente a simples interesses patrimoniais[3].

Não obstante o entrave liminar à procedência da argumentação da recorrente que se acaba de assinalar, não nos escusaremos a ajuizar se a decisão recorrida enferma dos erros que lhe são apontados, neste segmento.

Nos termos do disposto no artigo 825º, nº 1, do Código de Processo Civil, “Quando, em execução movida contra um só dos cônjuges, sejam penhorados bens comuns do casal, por não se conhecerem bens suficientes próprios do executado, cita-se o cônjuge do executado para, no prazo de que dispõe para a oposição, requerer a separação de bens ou juntar certidão comprovativa da pendência de acção em que a separação já tenha sido requerida.

Na nossa perspectiva, esta previsão legal é aplicável ao arresto por força do disposto no artigo 406º, nº 2, do Código de Processo Civil[4]. Porém, essa aplicabilidade não significa que o arresto deva ser intentado contra o cônjuge do devedor sujeito ao arresto, mas apenas que este último deve ser citado no âmbito do procedimento do arresto, nos termos e para os efeitos previstos no nº 1, do artigo 825º do Código de Processo Civil. Deste modo, não sendo a requerida M (…) devedora da requerente do arresto, nunca tal procedimento deveria ter sido intentado contra ela.

Porém, em termos contraditórios com o que anteriormente sustentara[5], a recorrente afirma que existem dívidas que foram contraídas no exercício do comércio, pelo que competiria ao cônjuge do devedor provar que não o foram em proveito comum do casal, assim parecendo sustentar que estaria em causa uma dívida comunicável, da responsabilidade de ambos os cônjuges (veja-se o artigo 1691º, nº 1, alínea d), do Código Civil).

Nos termos do disposto no artigo 15º do Código Comercial, “As dívidas comerciais do cônjuge comerciante presumem-se contraídas no exercício do seu comércio.” Para que esta previsão legal possa operar, antes de mais, é necessário alegar factos que caracterizem o cônjuge devedor como comerciante. Feita essa alegação, poderá operar a qualificação de um certo acto como comercial, ao abrigo do disposto no artigo 2º do Código Comercial.

Ora, no caso em apreço, a requerente não alegou quaisquer factos que permitam caracterizar o requerido pessoa singular como comerciante, facto que impede que as dívidas derivadas da outorga de procuração forense pelo requerido pessoa singular possam ser havidas como comerciais. Por outro lado, a outorga de procuração para o patrocínio judiciário em procedimentos judiciais não constitui, manifestamente, a prática de um acto objectivamente comercial (veja-se o artigo 230º do Código Comercial).

Assim, é patente que face aos factos articulados pela requerente do arresto que em caso algum a sua pretensão teria condições para proceder contra a requerida pessoa singular. Pelo exposto, deve confirmar-se a decisão sob censura neste segmento, ainda que por razões não inteiramente coincidentes.

4.2 Do justo receio de perda da garantia patrimonial do crédito da requerente

A recorrente pugna pela revogação da decisão sob censura no que respeita ao segmento em que concluiu pela inverificação de justo receio de perda da garantia patrimonial alegando que face aos documentos juntos aos autos esse justo receio está objectivamente comprovado, dado que o valor da dívida garantida pela hipoteca que onera os dois imóveis inscrito sob os artigos matriciais nºs xxx...e yyy... excede o valor da avaliação fiscal de tais imóveis, que uma quota no imóvel descrito sob o nº zzz... foi vendida a terceiro em 2007, que a sociedade requerida não tem património imobiliário e apenas possui um parque automóvel apetecível a sucateiros, sendo em todo o caso bens de fácil sonegação.

A recorrente, apesar de se lastimar da decisão recorrida se ter baseado em depoimentos falsos, não impugna a decisão da matéria de facto provada, pelo que é em função dessa factualidade que se há-de apreciar da verificação ou não de justo receio de perda da garantia patrimonial.

Cumpre apreciar e decidir.

Nos termos do disposto no artigo 619º, nº 1, do Código Civil, “O credor que tenha justo receio de perder a garantia patrimonial do seu crédito pode requerer o arresto de bens do devedor, nos termos da lei de processo.

A garantia patrimonial do credor é constituída por todos os bens do devedor susceptíveis de penhora, sem prejuízo dos regimes especialmente estabelecidos em consequência da separação de patrimónios (artigo 601º do Código Civil).

O requerente do arresto deve alegar os factos que tornam provável a existência do seu crédito, bem como os que justificam o receio invocado, relacionando os bens que devem ser arrestados, com todas as indicações necessárias à realização da diligência (artigo 407º, nº 1, do Código de Processo Civil).

A decisão recorrida julgou procedente a oposição ao arresto e, consequentemente, revogou a providência cautelar de arresto que havia sido decretada, ordenando-se o seu levantamento, por a requerente não ter demonstrado o justo receio de perda da garantia patrimonial.

O justo receio ou justificado receio de perda da garantia patrimonial, como tem sido repetido ad nauseam[6], não se basta com dados subjectivos que induzam um tal receio no credor, requerendo antes elementos objectivos donde se possa inferir, de forma fundamentada, o receio de perda da garantia patrimonial. Se assim não fosse, um credor mais desconfiado ou receoso teria base para requerer um arresto, enquanto um credor mais sereno, mais confiante, num igual quadro fáctico, não o teria.

Ora, como é bom de ver, o sucesso de um mecanismo de justiça cautelar não pode depender, sob pena de intolerável arbitrariedade, do estado de espírito que o requerente desse mecanismo tem em certo momento. Por isso se requer a prova, ainda que em termos necessariamente perfunctórios, dada a ausência de contraditório e o juízo de probabilidade[7] em regra inerente à justiça cautelar (vejam-se os artigos 387º, nº 1 e 407º, nº 1, ambos do Código de Processo Civil), de factos que objectivamente façam recear pela perda da garantia patrimonial do crédito do requerente do arresto. Porque o fundado receio de perda da garantia patrimonial é um juízo dirigido para o futuro, é necessariamente regido por critérios de probabilidade, pois o futuro é sempre uma mera possibilidade de ser, mais ou menos provável e só o presente é certo. A maior ou menor probabilidade de concretização desse futuro dependerá sempre de uma certa realidade objectiva presente que permita, com maior ou menor segurança e acerto, prognosticar esse futuro.

A inferioridade do valor da avaliação fiscal dos imóveis hipotecados relativamente às dívidas garantidas por hipotecas que incidem sobre tais imóveis não constitui qualquer justo receio de perda da garantia patrimonial, mas apenas insuficiência da garantia patrimonial, se a avaliação fiscal corresponder a um valor de mercado fiável. Em caso de execução da hipoteca, a prioridade do credor hipotecário sempre se imporia à requerente, mesmo que lhe fosse deferida a pretensão ao arresto dos bens dos requeridos.

A venda de uma quota indivisa de um imóvel, em 2007, facto que não foi oportunamente articulado pela requerente e que logo por isso não pode ser considerado, em qualquer caso nunca seria integrador de um justo receio de perda da garantia patrimonial com referência a um procedimento cautelar de arresto requerido a 17 de Novembro de 2010.

No que respeita a “apetecibilidade” do parque automóvel da requerida sociedade a sucateiros, tal influi apenas no valor de tais bens, apenas sendo eventualmente reveladora de insuficiência da garantia patrimonial, que não de fundado receio de perda da garantia patrimonial. De todo o modo, cumpre salientar que a factualidade provada não se coaduna com a vetustez do parque automóvel da requerida sociedade invocada pela recorrente (vejam-se os fundamentos de facto no ponto 3.22).

A fácil sonegabilidade dos bens móveis é um argumento que prova de mais porque a ter o relevo que a recorrente lhe pretende emprestar levaria a que sempre se verificasse justo receio de perda da garantia patrimonial quando a garantia patrimonial dos credores fosse apenas constituída por bens móveis.

Ora, para efeitos do preenchimento do justo receio da garantia patrimonial, mais do que a natureza dos bens que integram essa garantia, releva o concreto comportamento do devedor adoptado relativamente a essa massa patrimonial, dissipando-a, sonegando-a, ou ainda erodindo-a mediante a assunção de novas responsabilidades.

No caso em apreço o passivo conhecido do requerido, além do invocado nestes autos, é de valor em pouco superior ao valor ao valor tributável de dois dos imóveis de que é titular. Não se provou que o património móvel ou imóvel dos requeridos estivesse à venda, provando-se o contrário (nº 3.20 dos fundamentos de facto). A requerida sociedade é titular de bens móveis e de créditos que lhe conferem um activo que em muito excede o seu passivo (vejam-se os factos provados nos pontos 3.22 a 3.25 dos fundamentos de facto).

Assim, em conclusão, não resulta da factualidade provada qualquer risco de perda da garantia patrimonial do crédito que a requerente tem sobre J (..) e MC (…), Lda. por isso, deve ser confirmada a decisão sob censura quando concluiu pela procedência da oposição ao arresto e pela verificação dos pressupostos legais de revogação da decisão que decretou o arresto.

5. Dispositivo

Pelo exposto, em audiência, os juízes abaixo-assinados da segunda secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra acordam em julgar totalmente improcedente o recurso de apelação interposto por L (…) contra a decisão proferida a 26 de Setembro de 2011 e, em consequência, em confirmar a decisão sob censura. Custas do recurso de apelação a cargo da recorrente, sendo aplicável a secção B, da tabela I, anexa ao Regulamento das Custas Processuais, à taxa de justiça do recurso.


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Carlos Gil ( Relator )

Fonte Ramos

Carlos Querido



[1] Corrigiu-se o lapso na identificação do nome da rua, em consonância com o que havia sido alegado no requerimento inicial.
[2] O valor tributável dos artigos xxx...e yyy... é de € 32.755,05 (veja-se folhas 53 e 54).

[3] A jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça acha-se dividida, embora ultimamente, a fazer fé na jurisprudência publicada como seu sismógrafo actualizado, a esmagadora maioria penda no sentido de que em acções que não digam respeito ao estado das pessoas, a prova do casamento poderá resultar da não impugnação do facto. Sobre esta questão, no sentido da desnecessidade de observância do disposto no artigo 4º do Código do Registo Civil em acções que não versem sobre o estado das pessoas vejam-se os seguintes acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, todos acessíveis na base de dados do ITIJ: de 29 de Outubro de 1998, proferido no processo nº 98B532, relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro Sousa Diniz (está apenas acessível o sumário deste acórdão); de 12 de Janeiro de 2006, proferido no processo nº 05B3427, relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro Oliveira Barros, com um voto de vencido do Sr. Juiz Conselheiro Salvador da Costa; de 16 de Outubro de 2008, proferido no processo nº 08A343, relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro Alves Velho, com um voto de vencido do Sr. Juiz Conselheiro Urbano Dias; de 10 de Setembro de 2009, proferido no processo nº 07B3536, relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro Pires da Rosa; de 22 de Outubro de 2009, proferido no processo nº 419/07.6TVLSB.S1, relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro Santos Bernardino; de 10 de Dezembro de 2009, proferido no processo nº 1499/07.0TVLSB.L1, relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro Alberto Sobrinho; de 20 de Janeiro de 2010, proferido no processo nº 1303/05.3TBVCD.P1.S1, relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro Fonseca Ramos; de 27 de Janeiro de 2010, proferido no processo nº 2818/07.4TBGDM.S1, relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro Lázaro Faria. No sentido oposto veja-se o acórdão de 22 de Junho de 1989, proferido no processo nº 077586, relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro Brochado Brandão (apenas está publicado o sumário), bem como os dois votos de vencidos supra mencionados.
[4] Sobre a aplicabilidade do disposto no artigo 825º do Código de Processo Civil ao arresto veja-se, por todos, Temas da Reforma do Processo Civil, IV Volume, 4ª edição revista e actualizada, Almedina 2010, António Santos Abrantes Geraldes, página 216, nota 406.
[5] Na verdade, o apelo ao disposto no nº 1, do artigo 825º do Código de Processo Civil, só se justifica relativamente ao cônjuge do executado que não seja responsável pelo pagamento da dívida
[6] Sobre esta questão, por todos, veja-se, Temas da Reforma do Processo Civil, IV Volume, 4ª edição revista e actualizada, Almedina 2010, António Santos Abrantes Geraldes, páginas 197 e 198.
[7] E não de certeza, ainda que meramente moral ou prática.