Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1597/15.6T8CVL.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ALBERTO RUÇO
Descritores: PROPRIEDADE HORIZONTAL
TÍTULO CONSTITUTIVO
TERRAÇO
ABUSO DE DIREITO
Data do Acordão: 11/28/2017
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE CASTELO BRANCO - COVILHÃ - JL CÍVEL - JUIZ 1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE
Legislação Nacional: ARTS. 289, 334, 436, 801, 1406, 1414, 1418, 1422 CC
Sumário: 1 – Nos termos do n.º 1 do artigo 1418.º do Código Civil, no título constitutivo da propriedade horizontal «…serão especificadas as partes do edifício correspondentes às várias frações, por forma que estas fiquem devidamente individualizadas…», o que implica que só a realidade física que que está contida no título tenha tutela jurídica.

2 – Um terraço que está em desconformidade com o título constitutivo da propriedade horizontal, mesmo que tenha sido construído antes da constituição da propriedade horizontal, não tem tutela jurídica e isso pode implicar a sua demolição, para fazer coincidir a realidade jurídica com a realidade factual, se a sua manutenção afetar os direitos de algum condómino.

3– Não tendo os Autores participado da feitura do título constitutivo da propriedade horizontal e tendo cumprido a sua parte no acordo que viabilizou a construção do terraço, não tendo os Réus cumprido com a sua prestação, não ocorre uma situação de abuso de direito – artigo 334.º do Código Civil – imputável aos Autores, quando exigem aos Réus a reposição da situação que existia.

Decisão Texto Integral:







I. Relatório ([1])

a) Os autores instauraram a presente ação declarativa contra os Réus recorridos e ainda contra os Réus M (…) e marido C (…) e G (…) e marido J (…)  com o fim de, grosso modo, obterem a condenação dos Réus nos seguintes termos:

Solidariamente, a expensas suas, a demolirem as obras devidamente identificadas nos artigos 38.º a 41.º, 45.º, 46.º e 51.º a 53.º, repondo a situação em que se encontrava o logradouro antes de as mesmas serem realizadas (trata-se de um arrumo construído em tijolo e cimento que alberga dois depósitos de gasóleo para aquecimento; um barbecue; um terraço e uma vedação onde antes existia um espaço aberto), no prazo de 10 dias contados do trânsito em julgado da decisão que vier a ser proferida neste processo e ainda, solidariamente, a pagarem a título de sanção pecuniária compulsória EUR 50,00 por cada dia de atraso no cumprimento da demolição.

Alegam, em síntese, que os Réus recorrentes edificaram aquelas construções numa área atribuída pelo título de constituição da propriedade horizontal apenas aos Autores recorridos e aos Réus recorrentes e que estes últimos levaram a cabo as construções sem terem obtido prévio acordo dos Autores, muito embora tenha existido entre uns e outros um acordo segundo o qual os Réus recorrentes procederiam à realização daquelas obras, mas na condição de uns e outros dividirem o espaço em duas metades, através de uma linha perpendicular à Rua x (...) , ficando as obras na parte destinada aos Réus recorrentes, devendo os Réus recorrentes consentir mais tarde na construção, na outra metade, de uma garagem, se a autarquia o autorizasse.

Sustentam que o espaço não foi dividido e os Réus recorridos apoderam-se de todo ele, excluindo os Autores, e daí o pedido.

Os Réus contestaram e na parte que agora ainda interessa, referiram, em síntese, que o espaço em causa pertence em compropriedade aos recorrentes e aos Autores, pelo que não careciam de pedir autorização aos Autores para edificarem as referidas construções, as quais, foram executadas com consentimento dos próprios Autores, salvo os canteiros de flores, antes da constituição da propriedade horizontal, pelo que o pedido de demolição constitui abuso de direito.

Deduziram reconvenção para obterem a condenação dos Autores a reconhecerem a validade das ditas obras e a colaborarem na legalização das mesmas.

No final, foi proferida a seguinte decisão:

«…decide-se julgar parcialmente procedente presente ação e, consequentemente condenar os primeiros réus, (…) a:

a) Reconhecer que as obras de ampliação do terraço com pavimento em azulejo e edificação de um muro em cimento com cerca de setenta cêntimos de altura e duzentos e oitenta metros de comprimento foram efetuadas sem consentimento dos autores comproprietários por não ter sido cumprida a condição imposta de construção de uma garagem no logradouro comum;

b) Reconhecer que as obras de vedação do muro do logradouro comum às fracções A e B e, bem assim as obras de colocação de canteiros, sebes e arbustos em vários sítios, abertura de pequenos caminhos e colocação de estátuas em pedra no mencionado logradouro foram efetuadas sem consentimento dos autores comproprietários;

c) Condenar os réus acima identificados a repor a situação em que se encontrava o logradouro antes das referidas obras serem realizadas, no prazo de 60 dias, após a data do trânsito em julgado da presente sentença.

d) Condenar os réus acima identificados a pagar aos autores a quantia de cinco euros por cada dia de atraso na reposição do logradouro nas circunstâncias supra descritas.

e) No demais, julgar improcedente a presente ação absolvendo todos réus do peticionado.

f) Julgar improcedente a reconvenção absolvendo os autores/reconvindos do peticionado».

b) É desta decisão que recorrem os Réus (…), tendo formulado s seguintes conclusões:

(…)

c) Os Autores contra-alegaram referindo que o recurso deve ser rejeitado na parte em que impugna a matéria de facto por incumprimento do ónus de alegação previsto no artigo 640.º do C.P.C. e da consequente extemporaneidade de todo o recurso, pugnando, em todo o caso, pela manutenção da decisão sob recurso.

II. Objecto do recurso

De acordo com a sequência lógica das matérias, cumpre começar pelas questões processuais, prosseguindo depois com as questões relativas à matéria de facto e por fim com as atinentes ao mérito da causa.

Tendo em consideração que o âmbito objectivo dos recursos é balizado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes (artigos 639.º, n.º 1, e 635.º, n.º 4, ambos do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, as questões que este recurso coloca são as seguintes ([2]):

1. A primeira questão respeita à rejeição do recurso na parte em que impugna a matéria de facto por incumprimento do ónus de alegação previsto no artigo 640.º do C.P.C. e da consequente extemporaneidade de todo o recurso.

2 - Em segundo lugar, colocam-se as questões relativas à impugnação da matéria de facto.

Os recorrentes impugnam a matéria de facto provada constante dos pontos 33, 35, 36, 37, 45 e 46 da sentença.

Quanto ao facto 33: «Em data posterior à constituição da propriedade horizontal, os primeiros réus com a colaboração do autor marido edificaram um terraço com pavimento de azulejo, com cerca de 7,5 m2 de área e limitado por um muro feito em cimento com cerca de 70 cm de altura e 2,80 metros de comprimento, terraço este que, estando construído junto da parede lateral do edifício e atenta a sua área, acaba por ocupar o logradouro que pertence à fração A e parte do logradouro que é comum às frações A e B».

Pretendem que fique a constar que estas construções foram realizadas «Em data anterior à constituição da propriedade horizontal, em 2003».

Quanto ao facto provado 35: «Aquando da realização das obras de ampliação do terraço o autor marido abordou os réus informando-os de que permitiria a realização de tais obras na condição de um dia mais tarde o logradouro ser dividido em duas partes sensivelmente iguais, situando-se a linha divisória a meio do limite do logradouro».

Pretendem que este facto seja declarado não provado.

Facto provado 36: «Em face dessa divisão, os autores ficariam com a metade do logradouro onde está aposta a letra “A” e na qual, caso fosse autorizado pela entidade competente, tinham intenção de aí construir uma garagem para o que os primeiros réus dariam o necessário consentimento».

Pretendem que seja declarado não provado.

Facto provado 37: «E os primeiros réus ficariam com a metade do logradouro A/B onde se encontra aposta a letra “B” a qual confina diretamente com a fração de que são proprietários».

Pretendem que seja declarado não provado.

Facto provado 45: «Para além disso, os primeiros réus edificaram no logradouro diversos canteiros em cimento nos quais colocaram flores e vários tipos de plantas, plantaram sebes e arbustos em vários sítios, colocaram gravilha em alguns locais do solo, abriram pequenos caminhos, colocaram estátuas em pedra»

Pretendem que se retire a referência aos «réus», e à «gravilha» dizendo-se «Foram edificados diversos canteiros…» e se acrescente «… há muitos anos» e que se acrescente que «O Autor marido colocou gravilha em alguns locais do solo».

Facto provado 46: «O que fizeram sem conhecimento, consentimento ou autorização dos autores».

Pretendem que seja declarado não provado.

3 - Quanto ao aspeto jurídico.

A primeira questão a analisar consiste em saber se ao logradouro se aplica o regime da compropriedade, como pretendem os Recorrentes, ou o da propriedade horizontal, como foi defendido pelos Autores na sua petição inicial.

Em segundo lugar, cumpre verificar, se, face à eventual alteração da matéria de facto relativamente à data da execução das construções feitas no logradouro, como tendo sido feitas em data anterior à data da constituição da propriedade horizontal, tal facto priva os Autores da constituição de qualquer direito que lhes permita pedir o regresso do logradouro ao estando físico em que se encontrava antes de aí terem sido feitas as construções.

Por fim, se existe abuso de direito quanto ao pedido de demolição das obras por parte dos Autores, uma vez que quando os Autores e os 1.º Réus aceitaram a doação das frações, mormente do logradouro A/B, as aceitaram com as edificações que já lá se encontravam, nomeadamente o terraço e o jardim e por terem sido realizados pelos Autores ou com o seu consentimento.

III. Fundamentação

a) Rejeição do recurso

Vejamos se o recurso deve ser rejeitado na parte relativa à impugnação da matéria de facto, por alegado incumprimento do ónus de alegação previsto no artigo 640º do C.P.C., o que, a verificar-se, tornaria o recurso extemporâneo.

A resposta é negativa.

Os recorrentes cumpriram minimamente as exigências legais relativas à impugnação da matéria de facto mencionadas no artigo 640.º do CPC, pois fizeram referência às passagens dos depoimentos que entenderam relevantes, muito embora não tivessem indicado, como diz a lei ([3]), através da referências aos minutos e segundos, o local exato ou aproximado dessas passagens dentro espaço temporal ocupado pelo depoimento.

Porém, a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça tem-se mostrado tolerante em relação a este incumprimento ([4]).

Por conseguinte, afigura-se que estão suficientemente delimitadas as passagens dos depoimentos que o recorrente entendeu serem relevantes.

Improcede, pelo exposto, a pretensão dos recorridos.

b) Impugnação da matéria de facto

Antes de iniciar análise da impugnação da matéria de facto irão referir-se algumas considerações que ajudarão mais tarde a perceber o sentido da formação da convicção do tribunal.

Uma vez que a ação humana assume uma importância fundamental na compreensão dos factos submetidos a prova, antes de prosseguir com a apreciação individualizada das questões colocadas no recurso da matéria de facto, cumpre deixar aqui exarada uma breve exposição acerca da compreensão e explicação da ação humana, que permitirá entender, em geral, o significado e razão de ser da ação individual, na expectativa de assim contribuir para a compreensão da decisão que será tomada.

Vejamos uma ação que, certamente, todos os adultos já executaram, ou viram executar, alguma vez: colocar uma carta ou outro objeto postal no correio.

Por que razão alguém coloca uma carta no marco do correio?

Diremos que o agente, ao proceder assim, quis alcançar uma certa finalidade, ou seja, quis levar o conteúdo da carta ao conhecimento de um terceiro e sabia – tinha a crença – que, ao depositá-la no marco de correio, o serviço de correios recolheria a carta e entregá-la-ia ao destinatário indicado na face do envelope.

Por conseguinte, dizemos que o agente, ao proceder como procedeu, agiu a coberto de uma intenção adequada a satisfazer algo (uma necessidade, um interesse, um desejo, etc.), no caso, o seu propósito de levar ao conhecimento do destinatário o conteúdo da carta.

E sabia, isto é, tinha suficiente conhecimento da realidade social, que aquela ação era apropriada a conseguir tal finalidade.

Posto isto, podem ser sintetizadas algumas regras que são, sem dúvida, regras de experiência, utilizáveis pelo juiz no âmbito da decisão sobre a matéria de facto, quando os factos controvertidos consistem em ações humanas, ou seja:

(a) As pessoas possuem crenças acerca do funcionamento causal da realidade que as cerca, bem como da intencionalidade que governa as ações humanas, as ações dos outros homens com quem se convive.

(b) As pessoas têm necessidades, interesses e desejos (morais ou imorais, legais ou ilegais, não importa), enfim, motivos ou razões para agir, que procuram satisfazer através das ações;

(c) As pessoas acreditam, ainda que possam laborar em erro, que tais ações serão as adequadas a satisfazer esses motivos ou razões para agir;

(d) Aquilo que o agente faz está intrínseca e necessariamente ligado a uma intenção e a uma crença do agente, no sentido de que aquilo que faz é adequado a alcançar a finalidade que tem em vista.

(e) A ação humana é, por isso, essencialmente intencional (ou, então, não é ação, mas simplesmente algo que aconteceu à pessoa) ([5]).

Concluir assim, é concluir, afinal, por uma regra da experiência básica, digamos primordial, que não pode deixar de ter uma elevada importância no momento em que o juiz aprecia criticamente as provas, mas que, talvez por isso, poderá passar despercebida.

A regra é esta: a ação humana é intencional (ou, então, não é ação, o que não significa que o agente não possa ser responsabilizado por negligência, pela sua não ação, por não ter agido de certa forma, em suma, por ter sido negligente).

Desta forma, explicar uma ação que se encontra afirmada num quesito, numa questão de facto, consiste em eleger um fim perseguido pelo agente em relação ao qual a ação é instrumental.

Por outras palavras, explicar uma ação é racionalizá-la ([6]), inferindo as crenças e razões do agente a partir da evidência empírica disponível para um observador.

Ainda por outras palavras: explicar uma ação humana que ocorreu ou que é afirmada num processo como tendo existido, é apresentar um motivo – aquilo que move – que satisfaça uma necessidade, um desejo ou um qualquer interesse do agente (pessoal ou de terceiro) e uma intenção correspondente que lhe dê execução através dos movimentos físicos, corporais, que o agente considera adequados para alcançar a satisfação desse desejo, interesse ou finalidade.

Por conseguinte, quando os factos a provar consistem em ações humanas, a sua explicação apela para uma relação teleológica que se estabeleceu no passado entre os interesses, desejos ou razões do agente, as suas crenças acerca do funcionamento da realidade e a decisão de levar a cabo certas ações, as que teve como idóneas, face às circunstâncias, para atingir as finalidades que pretendeu alcançar.

Concluindo: ao analisar os factos que são ações humanas, quer alegados, quer referidos pelas testemunhas nos depoimentos, devem ter-se presentes estes elementos estruturais da ação humana, os quais nos permitirão verificar a probabilidade das ações terem ocorrido ou terem ocorrido da forma como são descritas, quer pelas partes, quer pelas testemunhas.

Cumpre ainda acrescentar que as ações das pessoas surgem e consumam-se num fundo ou cenário factual e que as ações levadas a cabo por um agente consistem em reações ou respostas dadas a outras ações anteriores ou a ocorrências do mundo natural, pelo que a sua compreensão requerer, em regra, situá-las num contexto factual em que elas tiveram antecedentes («causas») e elas mesmas geram outras ações posteriores («efeitos»).

(…)

c) Matéria de facto provada

1. Está descrito na Conservatória do Registo Predial da Covilhã sob o n.º 00 (...) , o prédio urbano sito na Rua y (...) , omisso na matriz, composto por um edifício de cave, rés-do-chão, primeiro andar e sótão com a área total de 257,5 m2, sendo 102 m2 de área coberta e 155,5 m2 de área descoberta.

2. Tal prédio foi constituído em regime de propriedade horizontal passando a ser composto por três frações designadas pelas letras “A”, “B” e “C” registada na Conservatória do Registo Predial da Covilhã pela AP. 1 de 2007/04/27. 

3. A fração identificada sob a letra A corresponde à cave, destinada a habitação, com logradouro com a área de 34,91 m2 está, identificado com a letra A na planta de fls. 21 verso, está inscrita na Conservatória do Registo Predial da Covilhã a favor da ré H (…) casada com J (…) no regime de comunhão de adquiridos, pela AP. 3 de 2007/04/27, por doação efetuada pelos réus J (…) e G (…)

4. A fração identificada sob a letra B corresponde ao rés-do-chão, destinado a habitação, com logradouro com a área de 39,77 m2, identificado com a letra B na planta de fls. 21 verso, está inscrita na Conservatória do Registo Predial da Covilhã a favor da autora M (…) casada com C (…) no regime de comunhão de adquiridos, pela AP. 4 de 2007/05/17, por doação efetuada pelos réus J (…) e G (…)

5. A fração identificada sob a letra C corresponde ao primeiro andar e sótão, destinada a habitação, com o logradouro com a área de 12,81 m2, identificado com a letra C na planta de fls. 21 verso, está inscrita na Conservatória do Registo Predial da Covilhã a favor da ré M (…) casada com C (…) no regime de comunhão de adquiridos, pela AP. 2 de 2007/04/27, por doação efetuada pelos réus J (…) e G (…)

6. Sobre a fração autónoma identificada sob a letra C do prédio supra identificado, incide o usufruto simultâneo e sucessivo até à morte do último que sobreviver a favor dos réus J (…) e G (…), averbado pela Ap. 2 de 2007/04/27.

7. No prédio identificado em 1) existe um logradouro com a área de 68,01 m2, que pertence em comum às frações A e B, identificado com as letras A e B na planta de fls. 21 verso.

8. Em data não concretamente determinada, os terceiros réus declararam verbalmente doar a favor de cada uma das suas filhas as partes do prédio, destinadas a habitação, que vieram a corresponder às frações autónomas supra identificadas, partes essas que, à data e à exceção da fração C, eram formadas apenas por paredes e telhado e constituíam ainda um prédio em propriedade total.

9. Tal declaração foi feita com vista a que cada uma de suas filhas fizesse as obras necessárias a tornar habitável cada uma das partes que atualmente constituiu a sua fração autónoma que lhe pertence.

10. Em face de tal doação, os autores, a expensas suas, fizeram um conjunto diversificado de obras na parte que hoje corresponde à fração identificada sob a letra B, tornando-a habitável.

11. Os autores procederam à divisão interna do espaço, tendo criado uma sala, dois quartos, uma cozinha, uma casa-de-banho, um hall de entrada, um arrumo e dois alpendres.

12. Colocaram os revestimentos no chão e nas paredes de cada uma dessas divisões tendo em conta os fins que cada uma delas cumpre.

13. Colocaram as portas e as janelas nas divisões da fração autónoma.

14. Pintaram as paredes e os tetos das divisões, equiparam a cozinha dotando-a de lava loiças, armários, fogão, frigorífico, sistema de exaustão de fumos, bem como equiparam a casa-de-banho, dotando-a de loiças sanitárias.

15. Procederam a todas as obras necessárias para dotar a fração de instalação elétrica, saneamento e canalização.

16. Obras, materiais, equipamentos e respetiva mão-de-obra foram custeados pelos autores.

17. Em consequência de tais obras, a parte do prédio que hoje corresponde à fração B ficou habitável, tendo os autores passado a residir em permanência na mesma, pelo menos de desde Julho de 1993 até à presente data, nomeadamente quando estão em Portugal.

18. É na mencionada fração que os autores têm a sua residência em Portugal, não obstante terem emigrado para a Suíça.

19. O autor marido foi trabalhar para a Suíça em Setembro de 2010, o que motivou a que a autora mulher ficasse a residir sozinha na fração B durante cerca de dois anos, altura em que se juntou ao marido.

20. É da responsabilidade dos autores o pagamento das obrigações fiscais inerentes à fração autónoma de que são proprietários.

21. Pelo menos desde Julho de 1993 que os autores possuem, residem e benfeitorizam o edifício de rés do chão do prédio identificado artigo 1), destinado a habitação, que hoje constituiu a fração B conforme mais lhes tem convindo.

22. O que fazem à vista de toda a gente, designadamente vizinhos e concretamente os ora réus, sem estorvo ou oposição de quem quer que seja e sem interrupção.

23. Em data anterior a agosto de 1998, os terceiros réus edificaram no logradouro identificado em 7) um arrumo em paredes de alvenaria de tijolo com três vigotas de betão unidas por cima com tijoleira sobre as quais foi colocada uma lâmina de  Argamassa a servir de cobertura.

24. Tal arrumo tem cerca de 1,90 metros de altura, 3 metros de comprimento e 20 metros de largura, e encontra-se encostado ao muro que confina com a via pública, Rua x (...) .

25. Em Setembro de 1998, os terceiros réus instalaram no arrumo acima referido dois depósitos de gasóleo que se destinam a permitir o aquecimento da fração C, onde residem.

26. Os autores tomaram conhecimento de tais edificações e da colocação dos depósitos de gasóleo sem manifestar qualquer oposição por considerarem não terem legitimidade para o efeito.

27. Em 2007, os terceiros réus procederam à constituição do prédio identificado em 1) em regime de propriedade horizontal e formalizaram por escritura pública a doação das frações acima aludidas a favor de suas filhas.

28. Foi o autor marido que deu indicações ao autor do projeto que acompanhou a constituição da propriedade horizontal no sentido do logradouro A/B ficar a pertencer em comum às frações A e B.

29. Não obstante tais arrumos e depósitos de gasóleo já se encontrarem instalados no logradouro aquando da constituição da propriedade horizontal, os mesmos foram ocultados da planta que a instruiu e que foi submetida a aprovação e licenciamento pela entidade competente.

30. No projeto de constituição da propriedade horizontal submetido a licenciamento e aprovação pela Câmara Municipal da Covilhã foi prevista a colocação de um portão no meio do logradouro em local coincidente com o sítio onde, à data, já se encontravam colocados e instalados quer os depósitos de gasóleo quer os arrumos adjacentes supra referidos.

31. Em Julho de 2003, os primeiros réus, com a colaboração do autor marido, edificaram no logradouro identificado em 7) um barbecue em tijolo e cimento com cerca de 2,10 metros de altura e 1,20 metros de largura, que encostaram ao muro que se situa no lado oposto à Rua x (...) .

32. Os autores não manifestaram qualquer oposição à realização das obras no logradouro A/B pelos primeiros réus consistentes na colocação do barbecue.

33. Em data anterior à constituição da propriedade horizontal, em 2003, os primeiros réus com a colaboração do autor marido ampliaram um terraço, ficando com pavimento de azulejo, com cerca de 7,5 m2 de área e limitado por um muro feito em cimento com cerca de 70 cm de altura e 2,80 metros de comprimento, terraço este que, estando construído junto da parede lateral do edifício e atenta a sua área, acaba por ocupar o logradouro que pertence à fração A e parte do logradouro que é comum às frações A e B.

34. A expensas dos primeiros réus, o autor marido cuidou e acompanhou a execução da edificação do barbecue e do terraço supra aludido tendo sido ele que adquiriu os materiais necessários para as respetivas obras.

35. Aquando da realização das obras de ampliação do terraço o autor marido abordou os réus informando-os de que permitiria a realização de tais obras na condição de um dia mais tarde o logradouro ser dividido em duas partes sensivelmente iguais, situando-se a linha divisória a meio do limite do logradouro.

36. Em face dessa divisão, os autores ficariam com a metade do logradouro onde está aposta a letra “A” e na qual, um dia mais tarde poderiam fazer alguma coisa, para o que os primeiros réus dariam o necessário consentimento.

37. E os primeiros réus ficariam com a metade do logradouro A/B onde se encontra aposta a letra “B” a qual confina diretamente com a fração de que são proprietários.

38. Na data em que tomaram a decisão de vender a fração autónoma designada com a letra B, o autor marido contratou um topógrafo para que o mesmo fizesse medições ao logradouro A/B tendo em vista dividir o logradouro em duas partes.

39. Os primeiros réus não consentem na divisão do logradouro em duas partes porque estão convencidos que havendo divisão do logradouro A/B tal como os autores pretendem, os mesmos irão destruir a instalação dos depósitos de gasóleo e construir uma garagem ficando a fração C sem aquecimento e a fração A mais sombria.

40. Existe um muro de vedação a limitar o logradouro A/B na parte em que confina com a Rua x (...) , o qual foi edificado pelo autor marido em data posterior à constituição da propriedade horizontal.

41. Desde que foi construído, esse muro tem uma abertura para a via pública, concretamente para a Rua x (...) .

42. Em tal abertura encontrava-se uma corrente de aço amovível aí colocada pelos autores, que os mesmos colocavam e retiravam para aceder ao logradouro com o seu veículo automóvel.

43. Cerca de duas vezes os autores estacionaram o seu veículo automóvel no espaço do logradouro imediatamente em frente à abertura do muro supra identificado e utilizavam tal abertura para aceder ao logradouro A/B pois não têm outro meio de o fazer, ao contrário dos primeiros réus que dispõem de acesso direto através da sua fração.

44. Em data anterior a Julho/Agosto de 2011, os réus sem conhecimento, consentimento ou autorização dos autores, colocaram no lado interior da referida abertura uma estrutura de malha plástica rígida com rede e junto da mesma plantaram várias sebes vedando o logradouro e assim impedirem o acesso ao mesmo por parte dos autores.

45. Para além disso, os primeiros réus colocaram gravilha em alguns locais do solo.

46. O que fizeram com autorização dos autores.

47. No ofício datado de 14 de Dezembro de 2009 dirigido ao autor marido e à ré H (…) o Município da Covilhã fez constar o seguinte: “Em deslocação ao local da obra (…) o serviço de fiscalização (…) constatou a execução de uma serventia no logradouro correspondente à fracção autónoma “B”, sem prévia comunicação e admissão municipal. Pelo exposto, deverá (…) proceder à rectificação das obras executadas de forma a cumprir o projecto licenciado, o qual prevê a execução da serventia no meio do logradouro.

48. Em Abril de 2010 os réus requereram o licenciamento de:

- Dois anexos, destinados a arrumos;

- Um Barbacue;

- Dos muros de vedação no limite do lote de terreno e também na divisão dos logradouros das fracções”.

49. No parecer emitido pela Camara Municipal da Covilhã, Divisão de Gestão Urbanística datado de 2013/06/11, referindo-se ao arrumo para depósitos de gasóleos, fez-se constar o seguinte: “Atento a Propriedade horizontal aprovada pelo município com certidão datada de 30.03.2007, verifica-se que esta construção foi realizada no logradouro deste prédio afeto ao uso dos proprietários das fracções “A” e “B” pelo que, qualquer comunicação prévia que venha a ser apresentada no sentido da reposição da legalidade urbanística desta edificação necessitará sempre de autorização dos proprietários destas fracções “A” e “B”, sem a qual o interessado não conseguirá renuir a qualidade de titular de qualquer direito que lhe confira a faculdade de realizar a operação urbanística a que alude o n.º 1 do art. 9.º do RJUE.”

50. Os autores não subscreveram a pretensão dos réus pelo que a mesma não foi deferida em virtude de, para além do mais, os réus não terem legitimidade para desacompanhados dos autores requererem tais licenciamentos.

51. Por despacho proferido em 19.3.2012 pelo então Sr. Presidente da Câmara Municipal da Covilhã, foi decidida e ordenada a demolição definitiva das obras objecto do auto de notícia de 18/02/2011.

52. Os réus não deram cumprimento à referida ordem de demolição, o que motivou o despacho de 12.3.2013 proferido pelo então Sr. Presidente da Câmara Municipal da Covilhã a ordenar a remessa do processo aos Serviços Jurídicos do Município com vista a elaborar a competente participação criminal ao Ministério Público pela prática de um crime de desobediência, cujo processo foi arquivado.

Factos Não Provados:

a) Que a doação verbal do prédio identificado em 1. da factualidade provada ocorreu no ano de 1990.

b) Que há mais de vinte anos que os autores tem convicção de que a parte do prédio que hoje constitui a fração designada pela letra “B” é bem próprio e de que exercem a posse e fruição do mesmo por legal título.

c) Há mais de vinte anos que os autores possuem, utilizam e fruem do logradouro identificado com as letras “A/B” nas condições que melhor entendem, exercendo a posse do mesmo à vista de toda a gente, designadamente vizinhos e concretamente os ora réus, sem estorvo ou oposição de quem quer que seja, sem interrupção, na convicção de que o referido logradouro é um bem próprio e no convencimento de que tal posse e fruição são, e foram, por legal título.

d) Em consequência da atuação dos réus, os autores sofreram prejuízos consistentes nas diversas deslocações que foram obrigados a fazer à Câmara Municipal da Covilhã na tentativa de, por via do processo que aí corre termos, pôr fim ao comportamento dos autores.

e) E sofreram angústia, sofrimento e humilhação, principalmente à autora mulher que, entre 2010 e 2012, teve que conviver diariamente com o comportamento abusivo, prepotente e desrespeitador dos réus que decidiram utilizar o logradouro “A/B” como se fosse coisa sua, sem cuidar sequer de dar qualquer explicação ou satisfação aos autores que há vários anos estão sujeitos a esta permanente humilhação.

f) Antes de ser apresentado à Câmara Municipal da Covilhã o projeto para constituição da propriedade horizontal foi visto e aprovado por todos os réus.

g) Todas as decisões relativas aos termos em que veio a ser constituída a propriedade horizontal foram tomadas de comum acordo por autores e por todos os réus nada tendo sido ocultado nem nada tendo sido alterado pelos autores.

b) Apreciação das restantes questões objeto do recurso.

1 – A primeira questão a analisar consiste em saber se ao logradouro se aplica o regime da compropriedade, como pretendem os recorrentes, ou o da propriedade horizontal, como foi defendido pelos Autores na sua petição inicial e contra-alegações.

Estando o prédio constituído segundo o regime da propriedade horizontal, previsto nos artigos 1414.º e seguintes do Código Civil, e constando o logradouro do título constitutivo da propriedade horizontal como área comum mas afetada ao uso dos proprietários das frações «A» e «B», não pode haver dúvidas de que o regime aplicável é o da propriedade horizontal.

Não se afigura que esta questão careça de mais reflexão ou desenvolvimento.

2 – A alteração da matéria de facto implica a necessidade de rever a solução jurídica constante da sentença recorrida.

Com efeito, o dispositivo da sentença sob recurso ordenou a demolição das «…obras de ampliação do terraço com pavimento em azulejo e edificação de um muro em cimento com cerca de setenta cêntimos de altura e duzentos e oitenta de comprimento», por terem sido «efetuadas sem consentimento dos autores comproprietários por não ter sido cumprida a condição imposta de construção de uma garagem no logradouro comum».

Antes de analisar a questão, cumpre referir que o dispositivo da sentença não deve fazer referência aos respetivos fundamentos, ou seja, o dispositivo da sentença fica completo condenando na demolição das mencionadas obras, ficando as razões ou motivos da decisão, no caso, a falta de consentimento dos Autores, a constar apenas da fundamentação.

Vejamos se a fundamentação produzida se mantém face à alteração da matéria de facto ou se será outra.

A fundamentação tem de ser outra porque a que consta da sentença baseou-se na falta de «consentimento dos autores comproprietários» por os Réus não terem cumprido a condição imposta como contrapartida à construção do terraço, que era a da construção, pelos Autores, de uma garagem no logradouro comum», facto este que foi alterado.

O consentimento dos Autores resultava da qualidade de condóminos, por constar da matéria de facto impugnada (facto provado 33) que o terraço foi construído após a constituição da propriedade horizontal.

Sucede que o facto provado n.º 33 foi impugnado e no presente recurso foi dada razão aos Réus, ou seja, o terraço foi construído (ampliado) antes da constituição da propriedade horizontal, portanto antes dos Autores serem condóminos, razão pela qual a falta de consentimento dos Autores relativamente à edificação do terraço, invocada na sentença, não subsiste e, sendo assim, tal fundamento jurídico ficou inviabilizado.

Com efeito, provou-se:

«Em data anterior à constituição da propriedade horizontal, em 2003, os primeiros réus com a colaboração do autor marido ampliaram um terraço…».

«Aquando da realização das obras de ampliação do terraço o autor marido abordou os réus informando-os de que permitiria a realização de tais obras na condição de um dia mais tarde o logradouro ser dividido em duas partes sensivelmente iguais, situando-se a linha divisória a meio do limite do logradouro» - facto provado 35.

«Em face dessa divisão, os autores ficariam com a metade do logradouro onde está aposta a letra “A” e na qual, um dia mais tarde poderiam fazer alguma coisa, para o que os primeiros réus dariam o necessário consentimento» - facto provado 36.

«E os primeiros réus ficariam com a metade do logradouro A/B onde se encontra aposta a letra “B” a qual confina diretamente com a fração de que são proprietários» - facto provado 37.

Mais se provou que «Os primeiros réus não consentem na divisão do logradouro em duas partes porque estão convencidos que havendo divisão do logradouro A/B tal como os autores pretendem, os mesmos irão destruir a instalação dos depósitos de gasóleo e construir uma garagem ficando a fração C sem aquecimento e a fração A mais sombria - facto provado 39.

Vejamos então a situação jurídica em que se enquadra esta factualidade.

Face a estes factos verifica-se que existiu entre Autores e Réus recorrentes um acordo tácito ([7]) no sentido dos Autores consentirem na edificação do terraço (e colocação do barbecue) nas seguintes condições:

(I) Mais tarde as partes dividiriam o logradouro em duas partes sensivelmente iguais, tirando uma linha perpendicular à Rua x (...) .

(II) Os Autores ficariam com a metade do logradouro onde está aposta a letra «A», na qual, um dia mais tarde, poderiam fazer alguma coisa, para o que os primeiros Réus dariam o necessário consentimento.

Sucede que os Réus recorrentes não «…consentem na divisão do logradouro em duas partes porque estão convencidos que havendo divisão do logradouro A/B tal como os autores pretendem, os mesmos irão destruir a instalação dos depósitos de gasóleo e construir uma garagem ficando a fração C sem aquecimento e a fração A mais sombria».

Verifica-se, face a estes factos, que os Réus não cumpriram o acordado.

As justificações dos Réus relativas ao facto de estarem convencidos que os Réus iriam fazer aquelas alterações no logradouro não justificam o incumprimento, pois não preenchem qualquer previsão normativa que lhes permita justificar não cumprir o acordo.

Com efeito, a instalação dos depósitos de gasóleo pode ser deslocada para a metade dos Réus recorrentes ou para qualquer outro local, inclusive na metade dos Autores e quanto à garagem não só não é certo que seja aprovada a sua construção pela Câmara, como também não está demostrado que a sua construção pudesse tornar a «fração A mais sombria».

Verifica-se, por conseguinte, que existia um contrato entre as partes acerca da utilização do logradouro, o qual permitiu aos Réus recorrentes construir o terraço (e o barbecue), contrato que não cumpriram, pois pretendem continuar e continuam a gozar do terraço, mas não aceitam dividir o logradouro e colaborar com os Autores quanto a algo que estes possam querer fazer no logradouro, como, por exemplo, parquear o veículo na metade que cabe aos Autores segundo o acordo ([8]).

A questão que se coloca agora consiste em verificar:

(I) Se a demolição se pode basear nos preceitos que disciplinam a propriedade horizontal; ou

(II) Se o incumprimento dos Réus é fundamento para ordenar a demolição do terraço; e

(III) Se não ocorre uma situação de abuso de direito por parte dos Autores por exigirem a demolição de uma obra que antes consentiram

A resposta é afirmativa quanto às duas primeiras questões e negativa relativamente à terceira, pelos motivos que irão ser expostos de seguida.


*

(I) Desconformidade entre a existência do terraço e o teor do título constitutivo da propriedade horizontal.

Verifica-se que além do fundamento acabado de indicar, o pedido dos Autores obtém tutela com fundamento nas normas do instituto da propriedade horizontal.

O terraço não está abrangido pelo título constitutivo da propriedade horizontal porque este título formou-se sobre o projeto de construção tal como foi aprovado pelos serviços camarários e o terraço não constava do projeto de construção aprovado, nem foi submetido posteriormente a licenciamento, ou seja, o terraço é uma construção «clandestina».

Não se trata, por isso, de uma construção feita em violação do título constitutivo da propriedade horizontal, mas sim de uma construção anterior que não faz parte dele (título).

Afigura-se, porém, que a solução legal é a mesma em ambos os casos.

Com efeito, nos termos do n.º 1 do artigo 1418.º do Código Civil,
« No título constitutivo serão especificadas as partes do edifício correspondentes às várias frações, por forma que estas fiquem devidamente individualizadas, e será fixado o valor relativo de cada fração, expresso em percentagem ou permilagem, do valor total do prédio».
Ou seja, só a realidade física que que está contida no título tem tutela jurídica. O que está em desconformidade com o título, quer tenha sido feito antes ou depois de constituído o título, não tem tutela e isso pode implicar a sua demolição para fazer coincidir a realidade jurídica com a realidade factual, se a sua manutenção afetar os direitos de algum condómino.

Verifica-se, como se disse, que o terraço não consta, nem podia constar, por não ter sido licenciado pelos serviços municipais, do título constitutivo da propriedade horizontal, pelo que não goza da proteção conferida por este título, isto é, tal edificação está em desacordo com o título constitutivo da propriedade horizontal.

Por isso, não pode subsistir como edificação se impedir o gozo de direitos de algum dos condóminos previstos no título, como é o caso.

Com efeito, no n.º 1, do artigo 1422.º, do Código Civil dispõe-se que,
«Os condóminos, nas relações entre si, estão sujeitos, de um modo geral, quanto às frações que exclusivamente lhes pertencem e quanto às partes comuns, às limitações impostas aos proprietários e aos comproprietários de coisas imóveis».

No que respeita às partes comuns, o n.º 1 do artigo 1406.º, do Código Civil, refere que,
«Na falta de acordo sobre o uso da coisa comum, a qualquer dos comproprietários é lícito servir-se dela, contanto que a não empregue para fim diferente daquele a que a coisa se destina e não prive os outros consortes do uso a que igualmente têm direito».

No caso dos autos, a construção do terraço privou, priva e privará enquanto não for demolido, o outro condómino, os Autores, de usufruir do espaço onde está implantado e, por isso, esta situação infringe o disposto nesta última disposição legal citada, na parte em que diz que um condómino não pode usar a coisa em termos tais que «prive os outros consortes do uso a que igualmente têm direito».

Por conseguinte, com base nestas normas, atinentes ao regime jurídico da propriedade horizontal, o referido terraço não pode manter-se porque limita o gozo do logradouro por parte do outro condómino, os Autores.

(II) Incumprimento do acordo celebrado entre Autores e Réus.

O consentimento dos Autores quanto à construção do terraço só foi dado pelos Autores no pressuposto de que mais tarde existiria um correspetivo a prestar pelos Réus recorrentes, desde logo, e em primeiro lugar, que estes (recorrentes) concretizariam a divisão do logradouro.

Ou seja, se os Autores soubessem, na altura do acordo, que mais tarde os Réus recorrentes se recusariam a dividir o logradouro e a colaborar com os Autores no sentido destes darem um qualquer destino à sua parte, como garagem, se autorizada pelos serviços camarários, ou mero parqueamento do veículo a céu aberto, deslocando-se eventualmente a abertura do logradouro para a metade dos Autores, ao invés de permanecer, nos termos do projeto aprovado, a meio da largura do logradouro, na parte que confina com a rua, dizia-se, se os Autores soubessem, não teriam dado o seu consentido à construção do terraço.

Este incumprimento dos Réus é definitivo, pois os Autores há alguns anos que não acedem ao logradouro e os Réus fecharam a abertura que os Autores haviam aberto no muro adjacente à rua, precisamente para acederem ao logradouro, pois de outro modo não têm acesso a ele.

Mas, mais que isso, provou-se que «Os primeiros réus não consentem na divisão do logradouro em duas partes…» – facto n.º 39 – para efeitos de uso individualizado entre eles.

Trata-se, por conseguinte, de uma situação definitiva.

Ora, face ao disposto no n.º 2 do artigo 801.º do Código Civil, «Tendo a obrigação por fonte um contrato bilateral, o credor, independentemente do direito à indemnização, pode resolver o contrato e, se já tiver realizado a sua prestação, exigir a restituição dela por inteiro».

Nos termos do n.º 1 do artigo 436.º, do Código Civil, «1. A resolução do contrato pode fazer-se mediante declaração à outra parte».

Coloca-se agora a questão de saber se existiu esta declaração de resolução.

A resposta é afirmativa.

A declaração de resolução resulta da existência desta ação e do modo como está configurada.

Com efeito, os Autores invocaram a existência de um acordo, o cumprimento do mesmo pelos Autores e a recusa definitiva dos Réus em cumpri-lo.

Ao pedirem a demolição das obras feitas pelos Réus ao abrigo do acordo, os Autores estão a comunicar, a declarar, aos Réus, sem qualquer margem para dúvida, que põem fim ao acordo.

Existe, por isso, declaração (tácita) de resolução fundada no incumprimento definitivo dos Réus.

Prosseguindo.

Os efeitos da resolução são os previstos no artigo 433.º do Código Civil, ou seja, «na falta de disposição especial, a resolução é equiparada, quanto aos seus efeitos, à unidade ou anulabilidade do negócio jurídico…».

Nos termos do n.º 1, do artigo 289.º do Código Civil, «Tanto a declaração de nulidade como a anulação do negócio têm efeito retroativo, devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição não for possível, o valor correspondente».

No caso concreto, a prestação dos Autores consistiu em darem consentimento à realização das obras de ampliação do terraço, consentimento esse que, por via do efeito da resolução do contrato desaparece, fica sem efeito, como se nunca tivesse existido.

Sendo retirado o consentimento, ou ficando sem efeito, as obras feitas ficam numa situação semelhante à de ausência de consentimento por parte dos Autores.

Conforme referiu Galvão Telles, nestes casos de incumprimento contratual, «As partes ficam desligadas dos seus compromissos como se nunca os tivessem contraído. Nenhuma delas pode ser compelida a executar esses compromissos; e, se o autor da resolução já satisfez o seu, tem direito a reaver por inteiro o que prestou (art. 801.º, n.º 2)» ([9]).

É certo que na altura não existia propriedade horizontal e, por isso, do ponto de vista jurídico, poderá objetar-se que os Réus não careciam do consentimento dos Autores para fazerem a ampliação do terraço, porque nem uns nem outros eram condóminos, nem eram, aliás, proprietários das frações.

Efetivamente, os Autores e os Réus não eram ainda donos das respetivas frações, pois ainda não tinha sido feita a escritura de doação, pelo que quem tinha de autorizar a ampliação do terraço eram os pais da Autora e Ré mulheres.

Como os Réus não tinham direito a ampliar o terraço, por não serem sequer, à data, proprietários e condóminos, então o acordo celebrado com os Autores foi feito tendo em vista o futuro, estendendo os seus efeitos sobre o futuro, com base nas expectativas sérias de proximamente, uns e outros, virem a ser proprietários e condóminos das frações que já ocupavam, expectativas quais vieram a confirmar-se.

Por conseguinte, considerando o contexto factual existente à data dos factos é de concluir que foi a existência do mencionado acordo entre as partes que tornou possível a ampliação do terraço por parte dos Réus naquele momento temporal ([10]).

Como se disse, a resolução do contrato, por força do disposto no n.º 1, do artigo 289.º do Código Civil, implica a restauração natural da situação física que existia antes do acordo

Por conseguinte, face ao direito dos Autores, os mesmos têm direito a exigir a remoção das obras relativas à ampliação do terraço ([11]), restaurando-se, desse modo, a situação anterior às edificações.


*

 Cumpre, abordar ainda uma questão que respeita ao facto de não existir nos autos um pedido explícito de resolução do acordo existente entre Autores e Réus quanto ao uso do logradouro.

Efetivamente, os Autores embora refiram que existiu um tal acordo e que o mesmo não foi cumprido pelos Réus recorrentes e que, por isso mesmo, exigem a supressão das obras feitas no logradouro a coberto desse acordo, não formulam expressamente o pedido de resolução do contrato, a sua extinção.

Esta questão poderá relevar para efeitos do disposto no artigo 609.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, onde se dispõe que «A sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objeto diverso do que se pedir».

Dir-se-á que os Autores não fizeram o pedido de resolução do contrato que lhes permitiria, num segundo momento, formular aqueles que formularam relativamente à remoção das obras feitas pelos Réus no logradouro, com base nesse acordo.

E, efetivamente, os Autores não formularam tal pedido de modo expresso.

Porém, existem dois modos de formular pedidos: um expresso e outro implícito.

Em regra, o pedido implícito é um pedido que se posiciona como antecedente lógico, necessário ou não, do pedido ou pedidos expressos.

O exemplo típico desta situação ocorre na ação de reivindicação, quando o autor pede a entrega da coisa que lhe pertence, detida pelo réu, sem contudo formular expressamente o pedido de reconhecimento do respetivo direito de propriedade na sua esfera jurídica.

Nestes casos, tem-se entendido que «Sendo a acção caracterizada pelo pedido, que se consubstancia na providência requerida, e pela causa de pedir, que se traduz nos fundamentos por que se solicita essa providência, resulta da petição inicial objecto de apreciação, que a causa de pedir assenta nos factos jurídicos de onde emerge o direito de propriedade de que os autores se arrogam, e que consistem numa aquisição derivada resultante de arrematação judicial e respectivo registo; o pedido de entrega da coisa, encontra-se expressamente formulado; o reconhecimento da propriedade encontra-se ínsito nos termos em que a petição foi configurada (Que a aquisição derivada acompanhada do registo de transmissão é compatível com a reivindicação, não se põe em dúvida)» ([12]).

Sucede algo semelhante no caso dos autos.

O pedido de resolução do contrato está implícito no pedido de remoção das mencionadas obras, pois esse pedido é o antecedente lógico necessário do pedido expresso.

Quer-se dizer, o segundo pedido, o que foi formulado expressamente, pressupõe necessariamente a existência do primeiro pedido e sendo assim, a firmação do segundo pressupõe a afirmação do primeiro, desde que sejam alegados os factos que sustentam a sua existência.

Ora, nestes casos, o tribunal deve interpretar o pedido, não na sua estrita literalidade, mas olhando à causa ou causas de pedir invocadas e à tutela jurisdicional que a parte pretende, recorrendo sempre que necessário à figura do pedido implícito, se se mostrar que ela é necessária a evitar situações em que a forma se sobreponha à substância, isto é, «…que a parte perca o pleito, tendo globalmente razão, por razões formais» ([13]).

Conclui-se, por conseguinte, nesta parte, que a considerar-se necessária a existência de um pedido de resolução, ele está formulado de modo implícito.

Porém, este não é o único modo de ver esta questão.

Com efeito, a questão da resolução do contrato pode não fazer parte do pedido, mas sim da causa de pedir e, sendo assim, não se colocam questões relativas à condenação em objeto diverso do pedido – n.º 1, do artigo 609.º, do Código de Processo Civil.

Com efeito, como referiu Oliveira Ascensão, a propósito da ação de reivindicação, em que, em regra, existe o pedido de reconhecimento do direito de propriedade sobre a coisa e o pedido de entrega desta,
«Nada impede que o autor pretenda, efectivamente, a proclamação geral do direito de propriedade. Mas também pode não estar interessado nisso. Neste caso, a acção de reivindicação é uma acção como qualquer outra. A demonstração do direito surge como fundamento do pedido e não como pedido autónomo. (…) O titular, que pode intentar acção para o reconhecimento do direito real e a entrega da coisa, não está todavia inibido de intentar acção de condenação, com o único pedido de entrega da coisa. Nesse caso, não está dispensado de indicar os factos em que funda o seu direito. Mas isso pertence à causa de pedir, que é comum a todas as acções reais, e que conhecemos já» ([14]).

Ou seja, no caso dos autos, para fundamentar o pedido de demolição do terraço, os Autores invocaram como causa de pedir factos que juridicamente consistem na existência de um contrato que foi cumprido pelos Autores e incumprido definitivamente pelos Réus e que os Autores declaram extinto através da instauração da ação.

Resta dizer que, quanto à causa de pedir, a lei de processo não impede que se possa constituir sucessivamente no tempo e completar-se com o ato da instauração da ação.

Concluindo: quando a resolução do contrato faz parte da causa de pedir, como é o caso dos autos, e se conclui na fundamentação pela existência da resolução, não há condenação em objeto diverso do pedido – n.º 1, do artigo 609.º, do Código de Processo Civil.

(III) Abuso de direito

Dir-se-á que o terraço foi construído numa altura em que a propriedade horizontal não estava constituída e, além disso, quando os Autores e os Réus Recorrentes aceitaram a doação das frações, mormente do logradouro A/B, aceitaram com as edificações que já lá se encontravam, nomeadamente, o terraço e o jardim e por terem sido realizados pelos Autores ou com o seu consentimento e, por isso, constituirá abuso de direito – artigo 334.º do Código Civil – exigir agora a sua supressão, como exigem os Autores.

Não ocorre este abuso, pelas seguintes razões:

(a) Nos termos do artigo 344.º do CC só «É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito».

Os Autores reagiram contra as obras feitas pelos Réus recorrentes invocando um fundamento jurídico que se verificou existir, um acordo, um contrato.

Tal contrato atribuía-lhes o direito a exigir dos Réus recorrentes a divisão do logradouro, para efeitos de uso entre eles, e a usufruir da parte que lhes fosse atribuída de acordo com a lei, devendo os Réus recorrentes cooperar com os Autores na promoção desse uso, caso fosse necessário o consentimento destes para viabilizar uma futura utilização específica.

Tendo os Autores cumprido a sua parte no contrato e não tendo os Réus cumprido com a sua, não é possível configurar uma situação de abuso de direito imputável aos Autores, pois estes têm razões jurídicas para tomarem uma atitude contrária àquela que antes adotaram.

(b) Por outro lado, o terraço não consta do projeto camarário relativo ao licenciamento da construção do prédio e, por isso, nunca o terraço poderia estar previsto no título constitutivo da propriedade horizontal.

Ora, os Autores não participaram na constituição da propriedade horizontal e, devido a isso, não lhes pode ser imputado o modo como a propriedade horizontal foi definida e constituída.

Se os Autores exigem que a situação factual corresponda à situação jurídica definida no título de constituição da propriedade horizontal, para cuja formação não contribuíram, não estão a adotar uma postura contrária à antes assumida, porque, como se disse, nada decidiram quanto à constituição da propriedade horizontal.

O que se pode argumentar, como argumentam os Réus, é um eventual abuso de direito, por parte dos Autores, por terem consentido na construção do terraço e exigirem agora a sua demolição.

Nesta parte, cumpre referir, como já ficou explanado anteriormente, que o consentimento dos Autores se baseou num acordo que não foi cumprido pelos Réus e, por isso, a postura dos Autores encontra justificação suficiente no incumprimento do acordo por parte dos Réus.

Não ocorre, por isso, uma situação de abuso de direito quando os Autores exigem a demolição do terraço.

Concluindo esta parte.

Assiste aos Autores o direito de exigirem a demolição do terraço porque, de acordo com as disposições legais citadas:

(a) São condóminos;

(b) O terraço não está previsto no título de constituição de propriedade, o qual se formou sobre a planta do edifício executada segundo o projeto aprovado pelos serviços camarários, da qual não constava o terraço;

 (c) O terraço está construído sobre o logradouro que está afeto em exclusividade a Autores e Réus;

(d) O terraço impede os Autores de usufruir do logradouro na parte onde ele está implantado.

Verifica-se, por conseguinte, que os Autores têm direito a exigir dos Réus a demolição do terraço.

(IV) Passando à análise de mais duas questões.

Face ao que vem sendo referido, deve ser suprimido da al. a) do dispositivo da sentença a parte «… foram efetuadas sem consentimento dos autores comproprietários por não ter sido cumprida a condição imposta de construção de uma garagem no logradouro comum».

Verifica-se, porém que retirando esta parte, o resto fica incompreensível.

Por conseguinte, a solução passa por reformular o dispositivo, que ficará com este teor:

«a) Reconhecerem que as obras de ampliação do terraço com pavimento em azulejo e edificação de um muro em cimento com cerca de setenta cêntimos de altura e duzentos e oitenta metros de comprimento não podem manter-se;

Relativamente à al. b) do dispositivo, face à alteração da matéria de facto operada no facto provado n.º 45, verifica-se que apenas pode fazer parte dessa alínea a colocação de gravilha no terreno do logradouro.

Porém, como não é feita alusão à gravilha na al. b) do dispositivo, cumpre retirar da mesma alínea a matéria que antes constava do facto provado n.º 45 constante da sentença.

Assim, essa alínea passará a ter esta redação:

b) Reconhecerem que as obras de vedação do muro do logradouro comum às frações A e B e, foram efetuadas sem consentimento dos autores comproprietários;

As restantes alíneas do dispositivo mantêm-se.

(V) Devido à alteração da matéria de facto, o recurso procede na parte em que se ordenava a retirada dos «…canteiros, sebes e arbustos em vários sítios, abertura de pequenos caminhos e colocação de estátuas em pedra no mencionado logradouro».

(VI) Para efeitos tributários afigura-se que a procedência deste pedido tem diminuta expressão económica, pelo que, no que respeita às custas do recurso se fixa a mesma em 10%, a suportar pelos Autores.

Quanto às custas da ação não se afigura que esta pequena alteração adquira relevância no contexto global dos pedidos formulados na ação e na reconvenção e, por isso, mantém-se a proporção fixada na sentença.

IV. Decisão

Considerando o exposto, julga-se o recurso parcialmente procedente e, de acordo com o que ficou atrás mencionado, dá-se nova redação às alíneas «a)» e «b)» do dispositivo, nestes termos:

«a) Reconhecerem que as obras de ampliação do terraço com pavimento em azulejo e edificação de um muro em cimento com cerca de setenta cêntimos de altura e duzentos e oitenta metros de comprimento não podem manter-se;

b) Reconhecerem que as obras de vedação do muro do logradouro comum às frações A e B e, foram efetuadas sem consentimento dos autores comproprietários;

Mantém-se o restante decidido na sentença recorrida.

Custas do recurso na proporção de 90% para os Réus e 10% para os Autores.

Custas da ação na proporção fixada na sentença.


*

Coimbra, 28 de novembro de 2017

Alberto Ruço ( Relator )

José Vítor Amaral


Luís Cravo


[1] Segue-se o relatório da sentença recorrida com pequenas alterações.
[2] A sequência das questões pressupõe que cada uma delas, ao ser resolvida, não irá prejudicar o conhecimento das seguintes.
[3] O correto consiste em identificar as passagens através dos minutos e segundos, pois se um depoimento tiver a duração de uma hora ou mais, pode ocorrer que a passagem relevante esteja localizada em qualquer parte do depoimento e é desproporcionado obrigar o juiz, ou quem quer que for, a ouvir a totalidade do depoimento, quando é certo que um depoimento versa, em regra, sobre questões diversas e a mesma questão pode ser tratada não só no início, como no meio ou no final do depoimento, pelo que se podem despender largos minutos ou mesmo horas, consoante os processos, sem qualquer proveito, quando era possível e fácil ao recorrente indicar o local exato onde o depoimento se encontra (a não ser que o recorrente tenha impugnado a matéria de facto de memória, sem ter ouvido os depoimentos, como por vezes parece, mas esta omissão não serve de justificação para a não indicação das passagens com referência aos minutos).

[4] Acórdão do STJ de 29-10-2015 (Lopes do Rego), no proc. n.º 233/09.4TBVNG.G1.S1, consultável em dhttp://www.dgsi.pt, «…2. Este ónus de indicação exacta das passagens relevantes dos depoimentos gravados deve ser interpretado em termos funcionalmente adequados e em conformidade com o princípio da proporcionalidade, não sendo justificada a imediata e liminar rejeição do recurso quando – apesar de a indicação do recorrente não ser, porventura, totalmente exacta e precisa, não exista dificuldade relevante na localização pelo Tribunal dos excertos da gravação em que a parte se haja fundado para demonstrar o invocado erro de julgamento - como ocorre nos casos em que, para além de o apelante referenciar, em função do conteúdo da acta, os momentos temporais em que foi prestado o depoimento complemente tal indicação é complementada com uma extensa transcrição, em escrito dactilografado, dos depoimentos relevantes para o julgamento do objecto do recurso» (sumário).
[5] Sobre a estrutura da ação humana ver, por exemplo, JOHN SEARLE, Mente Cérebro e Ciência. Lisboa: Edições 70, 2000, págs. 78-86.
[6] «Racionalizar uma acção é dar a razão do agente para ter levado a cabo aquela acção, tornando assim inteligível enquanto acção aquilo que acontece. Para tal, é sempre necessário atribuir a um agente uma intenção, e para falarmos de intenção precisamos de (pelo menos) um desejo e (pelo menos) uma crença relevante. Acções são então acontecimentos intencionais – o que distingue uma acção de um mero acontecimento é o facto de a acção poder ser descrita de um ponto de vista mentalista. Diremos, portanto, que existe uma acção se acontecimentos do mundo forem racionalizáveis a partir de crenças e desejos de um agente: certas coisas que ocorrem no mundo tornam-se inteligíveis como um fazer desse agente. A intencionalidade é assim a marca da acção…» – SUSANA CADILHA e SOFIA MIGUENS. Filosofia da Acção, em Filosofia, Uma Introdução por Disciplinas, organizada por Pedro Galvão. Lisboa, 2012, Edições 70, pág. 359.
[7] É tácito porque o «sim» ao acordo por parte dos Réus, segundo os factos provados, não foi oral (não se provou que tenha sido oral), mas sim dado através da construção do terraço.
[8] Quando este acordo foi feito não existia propriedade horizontal e, por isso, não se coloca a hipótese de não ser válido (por prever a construção de um terraço) com fundamento no facto de ofender o título constitutivo da propriedade horizontal.

[9]  Direito das Obrigações, 7.ª edição. Coimbra Editora, 1997, pág. 462.
[10] Se o terraço tivesse sido construído sem ter havido acordo dos Autores, no sentido destes mais tarde poderem usufruiu da respetiva metade como entendessem, dentro do permitido pela lei e regulamentos camarários, os Autores poderiam ter exigido aos pais da Autora mulher, e eventualmente conseguido, que tendo os Réus se apropriado já de metade do logradouro, então a outra metade ficaria a constar do título constitutivo da propriedade horizontal como atribuição exclusiva da sua fração (dos Autores).
[11] Sendo certo que o terraço não pode manter-se porque não consta do projeto aprovado pelos serviços camarários.

[12] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24 de janeiro de 1995, em Colectânea de Jurisprudência (acórdãos do STJ), Ano III-I-39.

[13] Manuel de Andrade, in Noções Elementares de Processo Civil, 1979, pág. 387.
[14] Direito Civil – Reais, 5.ª edição revista e ampliada. Coimbra editora, 1993, pág. 428/429.