Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
92/11.7T2SVV.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JAIME CARLOS FERREIRA
Descritores: VENDA DE COISA DEFEITUOSA
REGIME
DENÚNCIA
DEFEITOS
CADUCIDADE DA ACÇÃO
PRESCRIÇÃO
CRÉDITO
Data do Acordão: 06/25/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DO BAIXO VOUGA – JUÍZO DE MÉDIA E PEQ. INST. CÍVEL DE SEVER DO VOUGA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 913º, 916º E 917º DO C. CIVIL.
Sumário: I – Decorre do disposto no art. 913.º do Código Civil que se a coisa objecto da venda sofrer de vício que a desvalorize ou impeça a realização do fim a que é destinada, ou não tiver as qualidades asseguradas pelo vendedor ou necessárias para a realização daquele fim, é reconhecido ao comprador o direito à anulação do contrato – art. 905.º do Código Civil -, ou à redução do preço – art. 911.º do Código Civil -, e ainda a ser indemnizado pelos prejuízos sofridos – arts. 908.º e 909.º do mesmo diploma legal.

II - Para além do direito à anulação por erro ou dolo, o regime da venda de coisa defeituosa confere ainda ao comprador os direitos à reparação ou substituição da coisa - art. 914.º do Código Civil -, à indemnização em caso de simples erro – art. 915.º do Código Civil -, ao cumprimento coercivo ou à indemnização respectiva – art. 918.º do Código Civil - e à garantia de bom funcionamento – art. 921.º do Código Civil.

III - Os vários meios jurídicos facultados ao comprador de coisa defeituosa pelos arts. 913.º e seguintes do Código Civil não podem ser exercidos de forma aleatória ou discricionária; os mesmos acham-se estruturados de forma sequencial e escalonada.

IV - Em primeiro lugar, o vendedor está vinculado à eliminação do defeito: se esta não for possível ou se for demasiado onerosa, deverá substituir a coisa viciada;

frustrando-se qualquer dessas alternativas, assiste ao comprador o direito de exigir a redução do preço e não se mostrando esta medida satisfatória poderá o mesmo pedir a resolução do contrato.

Com qualquer dessas pretensões pode cumular-se a indemnização - pelo interesse contratual negativo -, destinada a assegurar o ressarcimento de danos não reparados por aqueles meios jurídicos.

V - Para que o vendedor possa ser responsabilizado pelo cumprimento defeituoso e seja reconhecido o direito ao comprador à eliminação dos defeitos é indispensável que este tempestivamente proceda à sua denúncia, nos termos do art. 916.º do Código Civil e, não sendo na sequência dela eliminados, interponha a correspondente acção no prazo fixado no artigo 917º do mesmo diploma.

VI - Numa acção em que a A. parte apenas da já concretizada resolução do contrato, que efectivou por carta, para, com base nessa resolução extrajudicial, pedir à Ré apenas e tão só a devolução do preço que pagou pela máquina, não pode ter aplicação o artº 917º CC, já que a condenação pretendida pela A. deriva apenas do disposto nos artºs 289º, nº 1; 433º; 434º, nº 1; e 436º, nº 1, todos do C. Civil, disposições segundo as quais “a resolução do contrato pode fazer-se mediante declaração à outra parte, sendo equiparada, quanto aos seus efeitos, à nulidade ou anulabilidade do negócio jurídico e tanto a declaração de nulidade como a anulação do negócio têm efeito retroactivo, devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente”.

VII – A este pedido da A. apenas pode ser aplicável o prazo de prescrição ordinária (artº 309º CC) do crédito da A. em questão.

Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

I

                No Tribunal Judicial da Comarca do Baixo Vouga – Juízo de Média e Peq. Instância Cível de Sever do Vouga, a sociedade “G…, L.da”, com sede na …, intentou a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo sumário, contra a sociedade “P…, S.A.”, com sede na …, pedindo a condenação desta:

a) a proceder ao pagamento da quantia de € 10.000,00, acrescida de juros de mora vencidos, que computou em € 1.078,36, e vincendos, calculados à taxa legal para as operações comerciais, até efectivo e integral pagamento; e

b) a proceder ao pagamento da quantia de € 8.400,00, a título de indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais.

Alegou para tanto e muito em síntese que se dedica à actividade industrial e comercial de publicidade, artes gráficas e afins, dedicando-se a Ré, por sua vez, ao comércio por grosso de máquinas e equipamentos.

Que no âmbito das respectivas actividades a A. comprou à Ré uma máquina Aramis Lazer JD-9060, com a ref.ª AR9060, pelo preço de € 10.000,00, com IVA incluído, a qual a Ré entregou nas suas instalações no dia 08/03/2010.

                Que a A. procedeu ao pagamento do preço da máquina nessa mesma data.

                Que essa máquina servia para, nomeadamente, se proceder a gravação e corte a laser em porta-chaves, canetas, canecas, acrílicos, madeiras, couros, alumínio, troféus, pen drive, imans, carimbos, brasões, calculadoras, pastas, relógios, expositores, placas PVC/ MDF, pedra, vidro, letras monobloco, metais anodizados ou lacados, cortiças, puzzles, dispondo, ainda, de um recurso de topo, que era a possibilidade de cobrir a gravação com cor utilizando batons e tintas especiais, o que tudo permitia proporcionar ao cliente a personalização exclusiva de uma só peça.

                Que com os métodos tradicionais de impressão é obrigatório o cliente fazer pedidos de grandes quantidades e sem personalização exclusiva e que essa máquina vinha proporcionar novas oportunidades de negócio e a criação de um novo posto de trabalho.

                Que a máquina foi instalada pelo departamento técnico da ré, ficando todavia a funcionar com algumas limitações, designadamente verificaram-se falhas na gravação, deslocações de posição na gravação e outras, como prontamente o reconheceram, logo na altura, os técnicos que a vieram instalar, os quais se comprometeram a vir afinar a máquina.

                Que na perspectiva de que a Ré viria afinar a máquina, a A. começou a fazer publicidade relativamente aos produtos que poderia fornecer com aquele equipamento, de modo a rentabilizar o investimento, e começou a adquirir diversos consumíveis e componentes para a máquina, entre os quais, borracha aero para gravação laser e placas de acrílico 5 mm cristal, no valor de cerca de € 300,00.

                Que quando começou a utilizar a máquina, a fim de executar os trabalhos encomendados pelos clientes, surgiram problemas com o trabalho final, nomeadamente havia constantes falhas na gravação, deslocações de posição na gravação, sendo que a máquina não gravava em determinados momentos do ciclo e não conseguia manter um corte uniforme do início ao fim do ciclo, e as mangueirinhas da água rebentavam dada a sua fragilidade.

                Que quase todas as semanas se via brigada a contactar o departamento técnico da Ré, que vinha às suas instalações de 4 em 4, ou de 5 em 5 dias.

                Que tal situação lhe causou problemas graves, que não conseguia executar os trabalhos encomendados e cumprir os prazos perante os seus clientes.

                Alegou ainda que sempre que os técnicos da ré vinham «afinar» a máquina esta funcionava um dia, mas no dia seguinte voltavam a ocorrer os mesmos problemas e falhas, situação que se arrastou algum tempo, até que exigiu à ré a troca da máquina.

                Que a Ré não aceitou proceder à substituição da máquina, argumentando que estava ciente das deficiências da máquina e que estava a tentar resolver a questão junto dos fabricantes chineses da mesma.

                Que em finais de Setembro de 2010 um comercial da Ré disse que esta iria fazer uma última tentativa no sentido de resolver o problema e que se isso não fosse possível entregaria uma outra máquina nova à A., em substituição da anteriormente fornecida.

                Que no dia 19/10/2010 os técnicos da ré voltaram às suas instalações para trocar mais peças na máquina, mas o problema manteve-se.

                Que no dia 21/10/2010 a Ré veio levantou a máquina, que levou para as suas próprias instalações, alegando que iria fazer testes e que dariam notícias dentro de 2 ou 3 dias, o que não aconteceu.

                Que no dia 28/10/2010, por carta, a A. comunicou à Ré que considerava resolvido o contrato de compra e venda da máquina em questão, mas que até à presente data a Ré não restituiu a quantia de € 10.000,00 relativa ao preço do negócio, o que deveria ter feito por força da resolução do contrato, mantendo a máquina em seu poder.

                Mais, alegou a A. que o negócio lhe causou graves perdas, pelas quais a Ré é responsável, nomeadamente, face à publicidade que fez dos produtos que poderia fornecer, na perspectiva de que a máquina assim o permitisse e que de acordo com as suas funcionalidades específicas foram-lhe feitos diversos pedidos de orçamento, de entre eles de ...

                Que face à falta de qualidade e deficiências da máquina acabou por não executar tais obras e que alguns clientes chegaram mesmo a exigir que fossem executados os trabalhos a que se tinha comprometido, o que obrigou a A. a ter de os mandar executar a terceiros, para satisfazer os clientes, como é o caso dos produtos encomendados pela S…, Lda…

                Que por força da impossibilidade de dar cumprimento às encomendas para que lhe foram pedidos orçamentos, desde a data da entrega da máquina nas suas instalações, até à data da resolução do contrato (28/10/2011), a A. sofreu prejuízo não inferior a € 8.000,00, além da clientela que perdeu, por haverem desacreditado nos serviços publicitados.

                Razões pelas quais demanda a Ré.


II

                A Ré ofereceu articulado de contestação, no qual defendeu, em suma, que a 08/03/2010 vendeu à Autora o equipamento acima referido, que se destinava à prossecução da actividade comercial desta última.

                Que naquela data procedeu à entrega e instalação do equipamento na sede da Autora.

                Que a Autora não denunciou os defeitos a que alude na petição e que ainda que assim não fosse a presente acção só deu entrada em juízo no dia 20/07/2011, pelo que, nos termos do disposto no art. 917º do Código Civil, caducou o direito de interpor a presente acção.

                Que é pacífico o entendimento de que o prazo de seis meses, previsto no referido artigo, é aplicável, por interpretação extensiva, ao exercício de todos os direitos do comprador derivados da venda de coisa defeituosa, incluindo o direito de obter a anulação/resolução do contrato de compra e venda, bem como o de indemnização.

                Que subjacente ao espírito que presidiu à fixação de prazos de caducidade curtos encontra-se o interesse público na definição rápida das situações jurídicas, exigindo-se uma actuação rápida por parte do interessado comprador; que quando a presente acção deu entrada em juízo já há muito se mostrava ultrapassado o prazo de caducidade de seis meses previsto na Lei para a sua propositura e, assim, tendo a Autora exercido o seu direito em 20/07/2011, quando o poderia ter exercido a partir de 28/10/2010, é evidente que o prazo de caducidade da acção foi largamente ultrapassado.

Defendeu, ainda, que o equipamento que vendeu à Autora se destina a efectuar gravações a laser e que tal equipamento não padecia de qualquer vício que o desvalorizasse ou que impedisse a sua normal utilização.

Que até Setembro de 2010 as intervenções efectuadas pelos seus técnicos limitavam-se a meras operações de calibragem e afinação do equipamento, intervenções que foram realizadas nos dias 13/04/2010, 17/05/2010, 21/06/2010 e 19/07/2010, e que passaram, respectivamente, por: troca de lâmpada e calibração de medidas, apertar a correia direita, explicação de limpeza da máquina, apertar correia e dois parafusos, e esticar mais a correia que movimenta a cabeça, configuração de software e limpeza.

Que no final de cada intervenção foram realizados testes, ficando o equipamento a funcionar em perfeitas condições.

Que após a afinação efectuada do equipamento e com o uso que lhe era dado pela Autora este desregulava-se, o que só podia ficar a dever-se ao operador que normalmente o utilizava.

Que em Setembro de 2010, depois de se ter procedido a testes de despistagem/eliminação de outras causas para o anómalo funcionamento que o equipamento então apresentava, tais como a nível de pixelboard ou do cabo SCSI – para os quais foi necessário solicitar o envio de peças de substituição ao fabricante -, concluiu-se que o problema do equipamento provinha do tubo de laser instalado no equipamento.

Que o não funcionamento desta “peça” pela sua própria composição e características construtivas – no seu interior tem um gás - pode ficar a dever-se a uma série de causas, tais como um pico de energia no fornecimento de corrente eléctrica ao equipamento, um abanar/empurrão com força no equipamento, ou mesmo, ao desgaste natural da mesma decorrente do uso contínuo e normal do equipamento; que a substituição desta peça, devido às suas características, bem como ao grau de complexidade da intervenção requeria que fosse efectuada no seu próprio departamento técnico.

Que foi dado conhecimento à Autora dessa situação, tendo esta anuído a que o equipamento fosse intervencionado nas instalações da ré, para onde foi transportada a 21/10/2010.

Que a reparação foi efectuada com total sucesso, tendo o equipamento sido submetido a testes intensivos, com execução de trabalhos contínuos num período de mais de 48h00, a fim de se comprovar a qualidade do seu trabalho de gravação, não tendo apresentado qualquer anomalia e/ou defeito nas gravações efectuadas.

Que a quantia peticionada a título de prejuízos para além de não lhe ser devida é exagerada e que dos orçamentos juntos aos autos pela autora não consta o preço dos trabalhos.

                Terminou pugnando pela procedência da excepção de caducidade e, caso assim não se entenda, pela improcedência da acção e, consequentemente, pela respectiva absolvição do pedido.


III

                A Autora apresentou resposta mantendo, no essencial, a posição já assumida na petição inicial.

                No âmbito da resposta, quanto à excepção de caducidade, defendeu, em síntese, que a presente acção não é uma acção de denúncia de defeitos.

                Que a R. sempre reconheceu os vícios de que padecia a máquina, tanto mais, que foi tentando eliminá-los.

                Que o contrato de compra e venda em causa foi por si validamente resolvido, pelo que esta é uma acção de indemnização pelos danos que a Ré lhe causou em virtude da sua actuação negocial.

                Pelo que não se verifica a excepção da caducidade invocada pela Ré.


IV

                Terminados os articulados e realizada uma tentativa de conciliação, sem resultado, foi proferido despacho saneador, no qual foi decidido que o conhecimento da excepção de caducidade era relegado para final e que não se verificam excepções dilatórias nem nulidades secundárias.

                Foi dispensada a selecção da matéria de facto, dada a simplicidade da acção.
Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, com a gravação da prova testemunhal produzida, finda a qual foi proferida decisão sobre a matéria de facto (tida como provada e também como não provada), com indicação da respectiva fundamentação.
Seguiu-se a prolação da sentença sobre o mérito da causa, onde foi decidido julgar verificada a excepção de caducidade do direito da Autora relativamente à indemnização pelos danos decorrentes do mau funcionamento da máquina; julgar a presente acção parcialmente procedente, por parcialmente provada, condenando-se a Ré “P…, S.A.” a restituir à Autora “G…, L.da” a quantia de € 10.000,00, acrescida de juros de mora, calculados à taxa supletiva legal aplicável às empresas comerciais, desde 29.10.2010, até efectivo e integral pagamento; absolver a Ré do demais peticionado.


V

                Dessa sentença interpôs recurso a Ré, recurso que foi admitido como apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito devolutivo.

                Nas alegações que apresentou a Apelante formulou as seguintes conclusões: 


VI

                Contra-alegou a Autora, onde também formulou as seguintes conclusões:
VII
            Nesta Relação foi aceite o recurso interposto, tal como foi admitido em 1ª instância, nada obstando ao conhecimento do seu objecto, o qual se pode resumir à apreciação das três questões seguintes:
A – Apreciação da impugnação apresentada pela Recorrente à decisão de 1ª instância proferida sobre a matéria de facto constante dos articulados das partes (não houve lugar à elaboração de base instrutória);
B – Face a tal apreciação e para a hipótese de ter lugar a alteração da matéria de facto, reapreciação da decisão de mérito;
C – Reapreciação da excepção da caducidade do direito da A. relativamente à parte decisória constante da sentença recorrida que julgou improcedente esta excepção e que condenou a Ré no pagamento à A. da quantia de € 10.000,00, acrescida de juros moratórios.
            Antes de procedermos a tal abordagem e desde já cumpre aqui registar a matéria de facto dada como provada em 1ª instância, dado que a impugnação apresentada pela Recorrente não visa esta decisão (positiva) mas apenas a decisão proferida sobre a matéria de facto dada como não provada.
            É essa matéria constituída pelos seguintes pontos, tal como constam da sentença recorrida:  

***
            Prosseguindo com a abordagem da questão B – Face a tal apreciação e para a hipótese de ter lugar a alteração da matéria de facto, reapreciação da decisão de mérito -, como não há alteração da matéria de facto, fica prejudicada a apreciação desta questão.
            Pelo que resta apreciar a questão C – Reapreciação da excepção da caducidade do direito da A. relativamente à parte decisória constante da sentença recorrida favorável à A. -, já que não está em causa a parte da sentença recorrida em que se decidiu julgar verificada a excepção de caducidade do direito da Autora relativamente ao seu pedido de indemnização pelos danos decorrentes do mau funcionamento da máquina (a Autora não recorreu desta parte da sentença e a Ré não o podia fazer nem o fez).
            Na sentença recorrida foi apreciada esta questão da seguinte forma (resumida):
            “…”

A Recorrente defende (e já o fez em sede de contestação) que se deve considerar como tendo caducado o direito da A., nos termos do artº 917º do C. Civil, dado que entre 28/10/2010 e 20/07/2011, data de propositura da presente acção, decorreram mais de 6 meses, tendo-se como correcto o enquadramento jurídico do contrato havido entre as partes – um contrato de compra e venda de uma máquina – cumprido de forma defeituosa pela Recorrente.

É o que bem resulta das suas alegações e conclusões recursivas (15ª a 32ª e 35ª).

Cumpre, pois, reapreciar esta questão, tanto mais que a Autora/Recorrida também pugna pela confirmação da sentença recorrida quanto a esta questão, defendendo que a A. resolveu o contrato tempestivamente, em 28/10/2010.      

Ora, com o devido respeito, afigura-se-nos que a Ré/Recorrente incorre num claro erro/lapso na sua argumentação recursiva, tal como já o fez na sua contestação, a este respeito.

Vejam-se a este propósito os pontos 7º, 8º, 9º e 10º da contestação, onde a Recorrente escreve o seguinte: “Ainda que, e sem conceder, a denúncia inicial dos defeitos junto da Ré tenha sido feita tempestivamente e pedida a reparação dos defeitos pela Ré e esta não tivesse sido efectuada, e consequentemente assistisse à A. o direito de pedir a resolução do contrato de compra e venda e dar entrada da competente acção judicial para o exercício de tais direitos, a presente acção só deu entrada em juízo no dia 20/07/2011; ora, nos termos do artº 917º do .C.C. “a acção de anulação por simples erro caduca findo qualquer dos prazos fixados no artigo anterior sem o comprador ter feito a denúncia, ou decorridos sobre esta seis meses, …; sendo entendimento pacífico que o prazo de seis meses previsto no artigo 917º do CC é aplicável, por interpretação extensiva, ao exercício de todos os direitos do comprador derivados da venda de coisa defeituosa, incluindo o direito de obter a anulação/resolução do contrato de compra e venda, bem como o de indemnização”, posição que repete nas suas alegações de recurso, onde repete o seguinte:Ora, considerando que a acção foi proposta em 20/07/2011 e não se tendo verificado qualquer causa impeditiva da caducidade do direito à resolução contratual; e tendo presente que o exercício do direito de resolução foi exercido pela A./recorrida por via de acção que deu entrada em juízo no dia 20/07/2011, sempre importaria concluir que o direito em causa, a existir, teria caducado”.    

Com efeito, com a presente acção não se pede a resolução do contrato de compra e venda em causa celebrado entre as partes – o qual é aceite pelas partes, sem discussão – nem tão pouco que seja judicialmente decidida essa resolução.

Nesta acção a A. parte apenas da já concretizada resolução desse contrato, que efectivou em 28/10/2010, por carta – ver ponto 16 supra – para, com base nessa resolução extrajudicial, pedir à Ré apenas e tão só a devolução do preço que pagou pela máquina.

Vejam-se os pedidos formulados na acção (no que a este respeito interessa, já que o segundo pedido foi julgado improcedente, por caducidade do direito da A. a esse propósito).

Portanto, toda a argumentação da Ré/Recorrente a este respeito assenta em pressupostos incorrectos, porque com a presente acção não se visa ver judicialmente decretada essa resolução, o que teve lugar extrajudicialmente e em tempo oportuno, por parte da aqui Autora.

Ora, o prazo de caducidade previsto no artº 917º do C. Civil, mesmo segundo o entendimento de que o prazo de seis meses aí previsto é aplicável, por interpretação extensiva, ao exercício de todos os direitos do comprador derivados da venda de coisa defeituosa, incluindo o direito de obter a anulação/resolução do contrato de compra e venda, bem como o de indemnização – ver, p. ex., a este respeito, o Ac. Rel. Lisboa de 30/11/1977, in BMJ 273, 316; Pedro Romano Martinez, in “Cumprimento Defeituoso em especial na compra e venda e na empreitada”, pgs. 366 e segs., onde escreve: “Apesar do artº 917º ser omisso, tendo em conta a unidade do sistema jurídico no que respeita ao contrato de compra e venda, por analogia com o disposto no artº 1224º, dever-se-á entender que o prazo de seis meses é válido, não só para interpor o pedido judicial de anulação do contrato como também para intentar qualquer outra pretensão baseada no cumprimento defeituoso. De facto, não se compreenderia que o legislador só tivesse estabelecido um prazo para a anulação do contrato, deixando os outros pedidos sujeitos à prescrição geral de vinte anos (artº 309º)…; por último, se o artº 917º não fosse aplicável, por interpretação extensiva, a todos os pedidos derivados do defeito da prestação, estava criado um caminho para iludir os prazos curtos.”-, não pode ter aplicação ao presente caso/acção, já que a condenação pretendida pela A. deriva apenas do disposto nos artºs 289º, nº 1; 433º; 434º, nº 1; e 436º, nº 1, todos do C. Civil, disposições segundo as quais “a resolução do contrato pode fazer-se mediante declaração à outra parte, sendo equiparada, quanto aos seus efeitos, à nulidade ou anulabilidade do negócio jurídico e tanto a declaração de nulidade como a anulação do negócio têm efeito retroactivo, devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente”.

Tal direito à anulação/resolução do contrato de venda de coisa defeituosa deriva do disposto nos artºs 905º e 913º do C.Civil, questão esta que se considera como decidida na sentença recorrida, já que não logrou procedência a impugnação da matéria de facto, conforme antes exposto.

Logo, não colhe a argumentação da Recorrente acerca da aplicabilidade à presente acção e apenas no que respeita ao 1º pedido formulado pela A. – e que é o que está aqui em apreciação – do artº 917º do C. Civil, isto é de dever ter-se também como aplicável a este respeito/a este pedido este preceito legal, tal como se entendeu e se fez/aplicou em relação ao 2º pedido formulado pela A..

Face ao que em relação ao 1º pedido da A. apenas pode ser aplicável o prazo de prescrição ordinária (artº 309º CC) do crédito da A. em questão, o que não vem ao caso.

Pelo que não se verifica a caducidade em questão, tal como foi e bem decidido em 1ª instância, o que se impõe confirmar, assim improcedendo o presente recurso, o que se decide.         

Apenas como suporte jurisprudencial do supra exposto, passamos a transcrever parte de dois acórdãos que vão no dito sentido.

                São eles: 

Acórdãos STJAcórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
09B0057
Nº Convencional:JSTJ000
Relator:PIRES DA ROSA
Descritores:COMPRA E VENDA DE COISA DEFEITUOSA
INDEMNIZAÇÃO
CADUCIDADE
ABUSO DE DIREITO
QUESTÃO NOVA
Nº do Documento:SJ20090507000057
Data do Acordão:07-05-2009
Votação:UNANIMIDADE
Texto Integral:S
Privacidade:1
Meio Processual:REVISTA
Decisão:NEGADA A REVISTA
Sumário :

1 – Se alguém pretende obter um determinado efeito jurídico de uma situação que “desenha” como sustentando um direito, fica prejudicado o respectivo conhecimento se acaso se puder concluir que, a existir, o direito estará extinto... por caducidade.
2 – O contrato de compra e venda é um contrato instantâneo – ou se cumpre bem ou se cumpre mal – e, por isso mesmo, o cumprimento defeituoso da obrigação de entregar a coisa – al. b ) do art.879º do CCivil – é em si mesmo, se o defeito é da coisa, o cumprimento defeituoso ... do contrato.
3 – Ainda que só a indemnização por violação do interesse contratual positivo seja pedida, ela não deixa de ter a sua “origem” na venda ... defeituosa, e não deixa de ser, em caso algum, o “sucedâneo” com o qual se pretende assegurar a prestação ”pontual” que o defeito não deixou cumprir.
4 – Daí que a acção respectiva não possa deixar de ser tratada no mesmo âmbito temporal que a acção definida para o “essencial” do remédio do defeito: ou a acção de anulação, ou a redução do preço, ou a reparação e substituição da coisa, ou a resolução.
5 – O prazo de caducidade do art.917º do CCivil aplica-se, por isso, por interpretação extensiva, a todas as acções propostas pelo credor vítima do cumprimento defeituoso de um contrato de compra e venda, incluindo as de simples indemnização.
6 – Se a questão do eventual “abuso de direito” foi uma questão que não foi levada à Relação no recurso de apelação e é uma questão de que ela não conheceu, não pode o Supremo Tribunal de Justiça conhecer dela porque o recurso de revista é um recurso de revisão ou reponderação e “não é possível reponderar o que não existe”.


***

Acórdãos TRCAcórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1127/07.3TCSNT.C1
Nº Convencional:JTRC
Relator:BARATEIRO MARTINS
Descritores:VENDA DE COISA DEFEITUOSA
ELIMINAÇÃO DOS DEFEITOS
DIREITO A REPARAÇÃO
CADUCIDADE
Data do Acordão:01-02-2011
Votação:UNANIMIDADE
Tribunal Recurso:BAIXO VOUGA – ANADIA – GRANDE INSTÂNCIA
Texto Integral:S
Meio Processual:APELAÇÃO
Decisão:REVOGADA
Legislação Nacional:ARTIGO 879.º B); 913.º; 914.º, nº 1; 917.º do CC
Sumário:1. A expressão “acção”, no rigor técnico jurídico do legislador de 1966, está utilizada e pensada apenas em relação ao direito anulatório, único direito literal e expressamente referido e previsto no art. 917.º do C. Civil; os demais direitos (reparação, substituição, redução, resolução, indemnização) não constam do conteúdo expresso e literal do art. 917.º do C. Civil; foram e são incluídos na previsão do art. 917.º do C. Civil por interpretação extensiva.

2. A oposição de decisões que deu azo a que se “tirasse” o Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 2/97 cingia-se à questão de saber se ao direito à reparação dos defeitos de coisa defeituosa se aplicava o prazo do art. 917.º do C. Civil ou os “princípios gerais”.

3. A ratio interpretativa do art. 917.º sugere que a exigência duma acção só pode/deve ser colocada em relação ao direito anulatório stricto sensu .

4. Quanto aos demais direitos – à reparação/eliminação dos defeitos, à substituição, ou às declarações de redução de preço e de resolução – podem, desde que dentro de tal prazo de 6 meses e respeitados os demais prazos do art. 916.º do C. Civil, ser exercidos extrajudicialmente.

5. Em consequência – não lhes sendo aplicável a exigência da propositura duma acção – podem tais demais direitos ser exercidos extrajudicialmente; e, por este modo oportunamente exercidos, a sua posterior (em relação ao anterior exercício extrajudicial) invocação, em acção judicial, por via de acção, reconvenção ou excepção, já não estará sujeita a qualquer prazo de caducidade, ficando apenas sujeitos, a partir do seu exercício extrajudicial, ao prazo de prescrição geral.

Concluindo, não se verifica a caducidade em questão, tal como foi e bem decidido em 1ª instância, o que se impõe confirmar, assim improcedendo o presente recurso, o que se decide.         


VIII

                Decisão:

                Face ao exposto, acorda-se em julgar improcedente o presente recurso, confirmando-se a sentença recorrida.

                Custas pela Recorrente.

Jaime Carlos Ferreira (Relator)

Jorge Arcanjo

Teles Pereira