Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
9042/17.6T8CBR-B.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MOREIRA DO CARMO
Descritores: PRESCRIÇÃO
QUOTAS DE AMORTIZAÇÃO
JUROS
CONTRATO DE MÚTUO
CONVERSÃO DO PRAZO
OUTRO TÍTULO
INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO
Data do Acordão: 05/08/2019
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA - SOURE - JUÍZO EXECUÇÃO - JUIZ 1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS.309, 310, 311, 323, 325, 326 CC, DL 287/93 DE 20.8
Sumário: 1. Prescrevem no prazo de 5 anos, nos termos da e) do art. 310º do CC, as obrigações consubstanciadas nas sucessivas quotas de amortização do capital mutuado ao devedor, originando prestações mensais e sucessivas, de valor predeterminado, englobando os juros devidos.

2. Neste caso, apesar de obrigação de pagamento das quotas de capital se traduzir numa obrigação unitária, de montante predeterminado, cujo pagamento foi parcelado ou fraccionado em prestações, a circunstância de a amortização fraccionada do capital em dívida ser realizada conjuntamente com o pagamento dos juros vencidos, originando uma prestação unitária e global, determinou, por expressa determinação legislativa, a aplicabilidade a toda essa prestação do prazo quinquenal de prescrição;

3. Quando o art. 311º, nº 1, do CC, estatui que o direito para cuja prescrição a lei estabelecer um prazo mais curto do que o prazo ordinário fica sujeito a este último, se sobrevier sentença passada em julgado que o reconheça, ou outro título executivo, este “outro título executivo”, só releva se o mesmo for posterior à dívida e não já quando contemporâneo;

4. O que não ocorre no caso, pois o título emergente do art. 9º, nº 4, do DL 287/93 de 20.8 é contemporâneo da dívida, ele nasceu com a titulação do empréstimo, e não posteriormente;

5. Só têm a virtualidade de interromper a prescrição a prática de acto judicial ou equiparado, como decorre do nº 1 do art. 323º do CC, não uma carta particular;

6. A interrupção da prescrição, por reconhecimento do direito, nos termos do art. 325º do CC, não sendo expressa, só pode ser tácita quando resulte de factos que inequivocamente o exprimam; se o devedor não responde a carta do credor a reclamar o pagamento de créditos vencidos, essa não resposta não reveste carácter de inequivocidade;

7. Cabendo a prova dos factos extintivos do direito invocado àquele contra quem a invocação é feita, compete ao mesmo provar que a interrupção da prescrição tinha ocorrido, por reconhecimento do devedor, alegando os factos concretos que permitam tirar essa conclusão.

Decisão Texto Integral:







I – Relatório

1. C (…) S.A., com sede em Lisboa, instaurou contra CM (…), residente em (...) , e Outros, execução para pagamento de quantia certa, com base em contrato de mútuo com fiança, em que a executada outorgou como fiadora.

A executada deduziu embargos, nos quais, em suma, invocou a prescrição do capital reclamado, por decurso de prazo superior a 5 anos, ou caso assim não se entenda, a prescrição dos juros com mais de 5 anos.

A exequente contestou, defendendo não ter ocorrido tal prescrição, tendo até a fiadora reconhecido a sua dívida, após prévia interpelação, pelo que houve interrupção da prescrição.

*

Foi depois proferido saneador-sentença, no qual se julgou totalmente procedentes os Embargos de Executado, e se decidiu julgar extintas, por prescrição, as obrigações exequendas quanto à Executada/Embargante CM (…) e julgar extinto o Processo Executivo quanto à mesma.

*

2. A exequente recorreu, concluindo que:

(…)

3. Inexistem contra-alegações.

II – Factos Provados

1. A presente Oposição à Execução por Embargos de Executado foi instaurada pela Executada/Embargante CM (…)a 23-02-2018.

2. A Exequente/Embargada “C (…),S.A.” (NIPC: ... ) instaurou, a 27-11-2017, o Processo Executivo n.º 9042/17.6T8CBR de que os presentes autos constituem incidente declarativo processado por apenso, contra:

I) “P (…) UNIPESSOAL,L.da” (…)

II) CM (…)

III) A (…)

IV) M (…) 

V) A (…)  

com vista à cobrança coactiva dos seguintes créditos (fls.1 a 2v. do Processo Executivo cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido):

– €17.500,00 de capital;

– €26.571,79 de juros, desde 04-08-2008 até 24-11-2017;

– €1.235,00 de comissões;

– Juros moratórios desde 24-11-2017, sobre o capital, à taxa anual de 15,450%, até efectivo e integral pagamento;

– Imposto do Selo sobre os juros que forem cobrados, à taxa legal (actualmente 4%).

3. No Processo Executivo, a Exequente/Embargada apresentou à execução como título executivo um convénio contratual denominado de “CONTRATO DE MÚTUO COM FIANÇA” outorgado, a 27-12-2006, por documento particular, subscrito por todos os Executados (fls.3 a 6 do Processo Executivo cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).

4. Por esse convénio contratual, a Exequente/Embargada celebrou com a “P (…) UNIPESSOAL,L.da” um contrato de mútuo pelo qual lhe entregou (a 28-12-2006) por empréstimo a quantia de €17.500,00 para apoio ao investimento.

5. Nos termos contratuais (cláusulas 5., 8., 10. e 12.), convencionaram as partes que o empréstimo seria reembolsado nas seguintes condições:

Prazo:

60(sessenta) meses a contar de 27-12-2006;

Amortização:

Prestações mensais e sucessivas compostas por: iguais fracções do capital + juros remuneratórios + comissões e despesas; com carência de capital nas primeiras 12(doze) prestações mensais;

Taxa dos juros remuneratórios:

Indexada à EURIBOR (European InterBank Offer Rate) a 01 mês, acrescida de um “spread base” de 3,000%.

6. Nos termos contratuais (cláusula 20.), convencionaram as partes, entre o mais, que a Exequente/Embargada poderá considerar antecipadamente vencida toda a dívida e exigir o seu imediato pagamento em caso de incumprimento pela mutuária ou restantes contratantes de qualquer obrigação decorrente do contrato.

7. Nos termos contratuais (cláusula 21.), os outorgantes: CM (…)  obrigaram-se para com a Exequente/Embargada como fiadores solidários e principais pagadores de todas e quaisquer quantias que sejam ou venham a ser devidas à Exequente/Embargada pela mutuária no âmbito do contrato de empréstimo, quer a título de capital, quer de juros, remuneratórios ou moratórios, comissões, despesas ou quaisquer outros encargos e dão antecipadamente o seu acordo a prorrogações do prazo e a moratórias que forem convencionadas entre a Exequente/Embargada e a mutuária;

Os Fiadores renunciaram ao benefício do prazo estipulado no artigo 782.º do Código Civil e ao exercício das excepções previstas no artigo 642.º do mesmo Código.

8. A mutuária deixou de pagar as prestações mensais de amortização do empréstimo desde, inclusive, a prestação mensal vencida a 04-01-2008.

9. A Executada/Embargante CM (…) foi citada para a acção executiva a 12-01-2018.

III – Do Direito

1. Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é delimitado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes (arts. 635º, nº 4, e 639º, do NCPC), apreciaremos, apenas, as questões que ali foram enunciadas.

Nesta conformidade, a única questão a resolver é a seguinte.

- Prescrição do crédito da exequente.

 

2. Na sentença recorrida escreveu-se que:

I-A) Quanto ao prazo aplicável:

A Executada/Embargante defendem que é aplicável o prazo curto de 05 (cinco) anos previsto no art.º 310.º/e) CC tanto ao capital como aos juros.

A Exequente/Embargada defende que ao capital é aplicável o prazo ordinário de 20(vinte) anos previsto no art.º 309.º CC e aos juros é aplicável o prazo curto de 05(cinco) anos previsto no art.º 310.º/d) CC.

Cumpre apreciar e decidir:

No caso concreto, estamos perante um mútuo bancário pelo qual a Exequente/Embargada entregou por empréstimo à mutuária a quantia de €17.500,00.

Convencionaram as partes que a mutuária iria restituir este capital, acrescido de juros remuneratórios, em 60(sessenta) prestações mensais e sucessivas.

As primeiras 12(doze) prestações teriam carência de capital, isto é, iriam incluir apenas o pagamento de juros remuneratórios.

As restantes 48(quarenta e oito) prestações incluiriam iguais quotas-partes da totalidade do capital a restituir e os variáveis juros remuneratórios.

A nosso ver, e sempre salvo o devido respeito por diferente e melhor juízo, a aplicação conjugada dos art.os 309.º e 310.º/d)/e) CC ao contrato de mútuo oneroso parece deixar claro aos sujeitos contratantes que o prazo de prescrição do capital acompanhará o prazo curto de prescrição dos juros consoante seja, ou não, convencionado que o pagamento de juros remuneratórios de forma calendarizada ao longo do prazo do empréstimo será acompanhado pela amortização de quotas/fracções do capital mutuado.

Julgamos ser hoje dominante na jurisprudência o entendimento de que prescrevem no prazo de 05(cinco) anos [por aplicação da alínea e) conjugada, ou não, com a alínea d) do art.º 310.º CC] os créditos consubstanciados em prestações mensais e sucessivas, compostas por quotas/fracções de capital e juros remuneratórios, com as quais se amortiza e remunera um mútuo oneroso.

E tal prazo curto de prescrição não se altera mesmo que ocorra a perda do benefício do prazo e o vencimento antecipado das prestações vincendas, isto é, a exigibilidade imediata da restituição de apenas [confrontar o Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 7/2009, de 25-03-2009 (DRE, 1.ª série, de 05-05-2009)] todas as quotas/fracções da totalidade do capital mutuado incluídas nas prestações ainda vincendas na data em que ocorre a perda do benefício do prazo.

De forma especialmente clara, e por mais recente, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18-10-2018 (em www.dgsi.pt – Processo n.º 2483/15.5T8ENT-A.E1.S1):

I. O legislador equiparou a amortização do capital, designadamente do mútuo, realizada de forma parcelar ou fracionada por numerosos anos, como o mútuo bancário destinado a habitação própria, ao regime dos juros, ficando sujeito ao mesmo prazo de prescrição, nomeadamente cinco anos – art. 310.º, alínea e), do Código Civil.

II. A circunstância de tal direito de crédito se vencer na sua totalidade, em resultado do incumprimento, não altera o seu enquadramento em termos da prescrição.

III. Um pagamento coercivo não releva, como facto interruptivo da prescrição em relação aos fiadores, na medida em que não intervieram no respetivo processo, nem o credor lhes deu conhecimento desse facto.”.

*

Na fundamentação do acórdão mais se esclarecer que:

Na verdade, desde há muito, que a prestação englobando quotas de amortização de capital e juros, numa proporção variável, tende a ser perspetivada de um modo unitário, com a aplicação do prazo comum de cinco anos, para a verificação da prescrição.

Esta prescrição destina-se a evitar a ruína do devedor, pela acumulação da dívida, derivada designadamente de quotas de amortização de capital pagável com juros. Numa situação destas, a exigência do pagamento de uma só vez, decorridos demasiados anos, poderia provocar a insolvência do devedor a viver dos rendimentos, nomeadamente do trabalho, e que o legislador, conhecedor das opções possíveis, quis prudentemente prevenir, colocando no credor maior diligência temporal na recuperação do seu crédito (VAZ SERRA, BMJ n.º 107, pág. 285).

...

Com efeito, a razão que justifica a prescrição dos juros decorrido o prazo de cinco anos, tem igual cabimento, no caso do referido pagamento fracionado, não obstante a restituição do capital mutuado possa corresponder a uma obrigação unitária.

Dada tal equiparação de regime, compreende-se que, ao caso, não possa ser aplicável o prazo ordinário da prescrição de vinte anos, previsto no art. 309.º do CC.

A circunstância do direito de crédito se vencer na sua totalidade, em resultado do incumprimento, não altera o seu enquadramento em termos da prescrição, sob pena de se poder verificar uma situação de insolvência, a qual, manifestamente, o legislador pretendeu evitar, quando consagrou o prazo comum da prescrição da alínea e) do art. 310.º do CC (acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 4 de maio de 1993, publicado na Coletânea de Jurisprudência (STJ), Ano I, t. 2, pág. 82).”.

*

Entendimento concordante é defendido em outros acórdãos pelo Supremo Tribunal de Justiça e pelos Tribunais da Relação.

A título de exemplo, os acórdãos (em www.dgsi.pt – Processo n.º) de:

Supremo Tribunal de Justiça:

Acórdão de 29-09-2016 (201/13.1TBMIR-A.C1.S1):

I. Prescrevem no prazo de 5 anos, nos termos da al. e) do art. 310.º do CC, as obrigações consubstanciadas nas sucessivas quotas de amortização do capital mutuado ao devedor, originando prestações mensais e sucessivas, de valor predeterminado, englobando os juros devidos.

II. Na verdade, neste caso – apesar de obrigação de pagamento das quotas de capital se traduzir numa obrigação unitária, de montante predeterminado, cujo pagamento foi parcelado ou fraccionado em prestações, a circunstância de a amortização fraccionada do capital em dívida ser realizada conjuntamente com o pagamento dos juros vencidos, originando uma prestação unitária e global, determinou, por expressa determinação legislativa, a aplicabilidade a toda essa prestação do prazo quinquenal de prescrição.”.

*

Acórdão de 27-03-2014 (189/12.6TBHRT-A.L1.S1):

1. O prazo ordinário da prescrição é de vinte anos (art.º 309.º do C.Civil); todavia, prescrevem no prazo de cinco anos as quotas de amortização do capital pagáveis com os juros art.º 310.º, alínea e), do C. Civil.

2. O débito concretizado numa quota de amortização mensal de 24 prestações (iguais, mensais e sucessivas) referentemente ao capital de 7.326.147$00, enquadra-se na previsão legal do disposto no art.º 310.º, alínea e), do C. Civil.”.

*

Tribunal da Relação de Coimbra:

Acórdão de 19-12-2017 (561/16.2T8VIS-A.C1):

1. Nos termos do art.º 310º, alínea e) do CC prescrevem no prazo de cinco anos as quotas de amortização do capital mutuado pagáveis com os juros respectivos - a amortização fraccionada do capital em dívida, quando realizada conjuntamente com o pagamento dos juros vencidos, originando uma prestação unitária e global, envolve a aplicabilidade a toda essa prestação do prazo quinquenal de prescrição.

2. O facto de vencida uma quota e não paga se vencerem todas as posteriores não releva para a sua prescrição, porque esta respeita a cada uma das quotas de amortização e não ao todo da dívida - depois que os executados deixaram de pagar as prestações (de amortização do capital pagável com juros), a prescrição não pode pôr-se em relação às “quotas em dívida” como um todo, mas em relação a cada uma delas, pois o seu pagamento ficou assim escalonado.”.

*

Tribunal da Relação de Lisboa:

Acórdão de 15-02-2018 (828/16.0T8SXL.L1-6):

I – Apesar da obrigação incumprida incidir sobre quotas vencidas e vincendas – de amortização do capital pagáveis com juros – nos termos do artigo 781º do C.Civil, tal não obsta à aplicação do prazo de prescrição de cinco anos a que se alude nas alíneas e) e/ou g) do artigo 310º do C.C., pois a prescrição respeita a cada uma das prestações e não ao todo em dívida.”.

*

Acórdão de 27-10-2016 (241114.5T8OER-B.L1-6):

“– Para que uma obrigação exequenda deva considerar-se prescrita pelo decurso do prazo de cinco anos, tal como o estabelecido no art. 310.º, alínea e), do C. Civil, o qual tem por objecto as quotas de amortização do capital pagáveis com os juros, basta que a mesma tenha por objecto, não uma obrigação unitária, de prestação fraccionada, mas antes prestações periódicas renováveis, que se prolongam no tempo e que correspondem à utilização de um capital a prazo.

Apesar de concreta obrigação exequenda incidir sobre quotas vencidas e vincendas de amortização do capital pagáveis com os juros nos termos do artº 781º, do C. Civil, tal não obsta à aplicação do prazo de prescrição a que se alude na al. e) do artº 310º do C. Cível, pois que a prescrição respeitará a cada uma das quotas e não ao todo em dívida, não se impondo a aplicação do prazo prescricional ordinário, de 20 anos, previsto no artº 309º do C. Civil.”.

*

Tribunal da Relação de Guimarães:

Acórdão de 08-03-2018 (1168/16.0T8GMR-A.G1):

I – No âmbito das relações imediatas, é lícito ao signatário cambiário invocar as excepções peremptórias inerentes à relação causal, impeditivas, modificativas ou extintivas do direito exercido, para afastar a exigência decorrente da obrigação cartular, por tudo se passar como se a relação cambiária deixasse de possuir as propriedades da literalidade e da abstracção.

II – Prescrevem no prazo de 5 anos, nos termos da al. e) do art. 310.º do CC, as obrigações consubstanciadas nas sucessivas quotas de amortização do capital mutuado ao devedor, originando prestações mensais e sucessivas, de valor predeterminado, englobando os juros devidos.”.

*

Tribunal da Relação de Évora:

Acórdão de 02-10-2018 (552/17.6T8PTG-A.E1):

I. Prescrevem no prazo de cinco anos, as quotas de amortização do capital pagáveis com os juros, relativas a um contrato de mútuo, já que exequente e executada ajustaram, no âmbito da operação de crédito que gerou a divida desta, o pagamento da mesma em prestações mensais de montante predeterminado, que incluíam quer a amortização do capital mutuado, quer o pagamento dos respectivos juros remuneratórios.

II. Revela-se inescapável a conclusão de que a situação – prestação fraccionada do capital em dívida integrar, com os juros, uma quantia ou prestação mensal, global e predeterminada, reportada, quer aos juros remuneratórios do capital mutuado, quer à amortização parcelada do próprio capital – está abrangida pela previsão da al. e) do art.º 310.º do Cod. Civil.

III. O vencimento das prestações em falta não descaracteriza a intenção legislativa de tratar conjuntamente as prestações de capital e as de juro e de incentivar a rápida cobrança dos montantes em dívida e de evitar o acumular de quantias em dívida por parte do devedor, assim concretizando o propósito genérico que preside ao instituto da prescrição.”.

*

Acórdão de 21-01-2016 (1583/14.3TBSTB-A.E1):

Prescrevem no prazo de cinco anos as quotas de amortização do capital pagáveis com os juros, nos termos do art.º 310.º, alínea e), do Código Civil).”.

*

I-B) Quanto à verificação da prescrição:

Assente que o prazo de prescrição aplicável às prestações é o prazo de 05(cinco) anos, cumpre apreciar se está completada a prescrição no caso concreto.

Conforme explanado no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19-06-2012 (em www.dgsi.pt – Processo n.º 4944/08.3TBGDM.P1.S1.):

A prescrição, tal como a caducidade e o não uso, exprimem a relevância do tempo (do seu decurso sobre as relações jurídicas), visando a certeza e a segurança do tráfego jurídico, tendo como fundamento a consideração de que não merece a protecção do ordenamento jurídico quem descura o exercício dos direitos que lhes assistem, porque a paz social não se compadece com a inércia, para lá de limites temporais impostos pelo legislador.”.

No caso em apreço:

O pagamento prestacional teve início a 27-12-2006 e prolongava-se por 60(sessenta) meses, ou seja, até 27-12-2011.

A mutuária deixou de pagar as prestações mensais de amortização do empréstimo desde, inclusive, a prestação mensal vencida a 04-01-2008.

A acção executiva foi instaurada a 27-11-2017.

A Executada/Embargante Fiadora foi citada a 12-01-2018.

Deste modo, mesmo na hipótese temporalmente mais favorável para a Exequente/Embargada, isto é, de que o contrato de mútuo se extinguiu por caducidade com o vencimento integral das 60(sessenta) prestações mensais nas respectivas datas até 27-12-2011 (em momento algum a Exequente/Embargada esclarece se terá ocorrido, e em que termos, perda do benefício do prazo e vencimento antecipado de prestações vincendas), decorreram mais de 05(cinco) anos até à data da instauração da acção executiva a 27-11-2017.

É certo que a Exequente/Embargada (artigo 16.º da contestação) alega que terá ocorrido interrupção da prescrição através de interpelação por carta que terá enviado à Executada/Embargante a 05-08-2010 (fls.19); facto que foi impugnado pela Executada/Embargante, contrapondo nunca ter recebido tal carta.

Porém, em nosso entender, e sempre salvo o devido respeito por diferente e melhor juízo, tal discussão é inútil para o objectivo visado.

Por um lado, a lei (art.º 323.º CC) apenas atribui efeito interruptivo da prescrição promovida pelo titular do direito quando tal iniciativa é feita através de actos judiciais.

Nas palavras de JÚLIO GOMES [“Comentário ao Código Civil – Parte Geral”, UCP, 1.ª edição, 2014, página 772]: “Como se vê, no nosso regime, apenas a prática de atos judiciais... pode operar a interrupção da prescrição. A interrupção da prescrição não ocorrerá, por exemplo, com o envio de comunicações extrajudiciais pelo credor.” [no mesmo sentido, RITA CANAS DA SILVA, “Código Civil Anotado”, Volume I, 2017, página 395].

Mesmo que a alegada interpelação tivesse ocorrido, também daí não é possível retirar qualquer reconhecimento do direito à luz do art.º 325.º CC, uma vez que, na ausência de qualquer resposta, a lei só admite o reconhecimento tácito quando este resulte de factos que inequivocamente o exprimam, o que não decorre da não resposta à carta de fls.19.

Por outro lado, e de forma também decisiva, dado que o prazo de prescrição é de 05(cinco) anos, mesmo que tivesse ocorrido interrupção da prescrição a 05-08-2010 outros 05(cinco) anos decorreram desde tal data até à data da instauração da acção executiva a 27-11-2017, pelo que sempre estaria completado o prazo de prescrição (art.º 326.º CC).

Em conclusão final, na data da instauração da acção executiva já se encontravam extintos, por prescrição, todos os créditos, seja de capital, seja de juros, cuja cobrança coactiva era pretendida.

Assim, é absolutamente fundada a oposição deduzida pela Executada/Embargante contra o exercício de direitos prescritos e legítima a recusa de pagamento (art.º 304.º/1 CC).”.

Subscreve-se esta fundamentação jurídica, pois aplica os preceitos legais correctos, citando doutrina adequada, e convoca a jurisprudência mais pertinente sobre a questão e que acompanhamos por a termos por mais acertada.

A recorrente levanta 5 objecções, que, por isso, cabe analisar.

a) defende que o prazo de prescrição especial, de 5 anos, previsto no art. 310º do CC, se reporta, nas suas alíneas, apenas a situações de prestações periódicas, reiteradas, repetidas ou com trato sucessivo, prestações de natureza duradoura que, não sendo de execução continuada, se renovam em prestações singulares sucessivas, enquanto no caso em apreço nos autos está em causa um contrato de empréstimo que se traduz numa obrigação única para os devedores, correspondente ao pagamento do capital mutuado e respectivos juros remuneratórios, sendo o seu reembolso efectuado através de prestações fraccionadas ou repartidas mediante prestações mensais, sucessivas e iguais previamente acordadas entre as partes, pelo que não pode ser enquadrada na e) de tal normativo, pelo que o prazo de prescrição é o ordinário de 20 anos – os sublinhados são nossos (cfr. conclusões de recurso A. a I.). Juridicamente, temos por acertada esta diferenciação, que, porém, é insuficiente para dirimir a solução correcta e concreta a aplicar.  

Ante a factualidade apurada, dúvidas não temos de que a situação em análise consubstancia uma obrigação de valor predeterminado (capital e juros) cujo cumprimento, por acordo das partes, foi fraccionado ou parcelado num número fixado de prestações mensais.

Todavia, como claramente se explicita no Ac. do STJ de 29.9.2016, acima enunciado, “Porém, o reconhecimento desta específica natureza jurídica da obrigação de restituição do capital mutuado não preclude, sem mais, a aplicabilidade do regime contido no citado art. 310º, já que – por explicita opção legislativa - esta situação foi equiparada à das típicas prestações periodicamente renováveis, ao considerar a citada al. e) que a amortização fraccionada do capital em dívida, quando realizada conjuntamente com o pagamento dos juros vencidos, originando uma prestação unitária e global, envolve a aplicabilidade a toda essa prestação do prazo quinquenal de prescrição.

Ou seja, o legislador entendeu que, neste caso peculiar, o regime prescricional do débito parcelado ou fraccionado de amortização do capital deveria ser absorvido pelo que inquestionavelmente vigora em sede da típica prestação periodicamente renovável de juros, devendo, consequentemente, valer para todas as prestações sucessivas e globais, convencionadas pelas partes, quer para amortização do capital, quer para pagamento dos juros sucessivamente vencidos, o prazo curto de prescrição decorrente do referido art.º 310º.”.

E assim sendo, por força do preceituado no aludido art. 310º, d) e e), do CC, a obrigação de restituição do capital mutuado foi equiparada à das típicas prestações periodicamente renováveis, ao considerar a dita e) que a amortização fraccionada do capital em dívida, quando realizada conjuntamente com o pagamento dos juros vencidos, originando uma prestação unitária e global, envolve a aplicabilidade a toda essa prestação do prazo quinquenal de prescrição.

Temos, pois, por mais correcto o entendimento que o prazo de prescrição é de 5 anos e não de 20 anos.

b) a recorrente também defende que no caso de prestações fraccionadas o incumprimento de uma das prestações, importa o vencimento imediato de todas as prestações imposto pelo art. 781º do CC, tornando o capital imediatamente exigível e assim fazendo cessar o regime de pagamentos conjuntos de capital e juros, pelo que por força do vencimento antecipado o contrato em causa ficou sujeito ao prazo prescricional de 20 anos (cfr. conclusões de recurso J. a L.).

Contudo, embora se tenha convencionado contratualmente esse vencimento antecipado, como decorre do facto provado 6., certo é que não está provado facto algum nesse sentido, que a exequente tivesse declarado vencida toda a dívida aos devedores, como decorre do falado art. 781º do CC (anote-se que é pacífico na jurisprudência e largamente maioritária a doutrina que a situação prevista no art. 781º não importa vencimento automático, como se pode ver em A. Varela, D. Obrigações, Vol. II, 7ª Ed., págs. 54, e A. Costa, D. Obrigações, 6ª Ed., pág. 894, exigindo-se a consequente necessidade de interpelação por parte do credor, para haver mora do devedor).  

Aliás, como justamente se salienta na aludida fundamentação jurídica, em momento algum a exequente/embargada esclarece se terá ocorrido, e em que termos, perda do benefício do prazo e vencimento antecipado de prestações vincendas. Portanto, o argumento recursivo da recorrente não tem, nesta parte, razão de ser.  

De modo que, não se tendo demonstrado qualquer vencimento antecipado das prestações em falta, no caso em apreço verificamos, face aos factos provados, que o pagamento das prestações teve início a 27.12.2006 e prolongava-se por 60 meses, ou seja, até 27.12.2011, tendo a mutuária deixado de pagar as prestações mensais de amortização do empréstimo desde, inclusive, a prestação mensal vencida a 4.1.2008 e a acção executiva sido instaurada a 27.11.2017, sendo que a executada/embargante fiadora foi citada a 12.1.2018.

Assim, é manifesto que o indicado prazo de prescrição de 5 anos já tinha decorrido.

E mesmo na hipótese temporalmente mais favorável para a exequente/embargada, isto é, de que o contrato de mútuo se teria extinto, por caducidade, com o vencimento integral das 60 prestações mensais na apontada data de 27.12.2011, mesmo aqui já tinham decorrido mais de 5 anos até à data da instauração da acção executiva a 27.11.2017.

c) refere, igualmente, a exequente/recorrente, que terá se atender-se ao disposto no art. 311º do CC, pois que existe, no caso,  um título executivo - um contrato de empréstimo, de harmonia com o disposto no art. 703º do NCPC, e art. 9º nº 4, do DL 287/93 de 20.8, que reconhece a existência do direito de crédito da recorrente, pelo que, por esta via, terá de ser afastado o prazo de prescrição mais curto de 5 anos (cfr. conclusão de recurso M.).

Dispõe tal normativo, seu nº 1, que o direito para cuja prescrição, bem que só presuntiva, a lei estabelecer um prazo mais curto do que o prazo ordinário fica sujeito a este último, se sobrevier sentença passada em julgado que o reconheça, ou outro título executivo.

Como não sobreveio nenhuma sentença, passada em julgado, vê-se que a recorrente se atém apenas ao texto legal “outro título executivo”, que afirma é o empréstimo titulado nos termos do DL 287/93.

Mas, salvo o devido respeito, labora em equívoco. Efectivamente como professa A. Castro (em Acção Executiva, 1970, págs. 278/279), este outro título executivo só opera se o título executivo for posterior à dívida e não já quando contemporâneo. É a lógica compreensível que decorre de tal preceito.

O que não ocorre no nosso caso, pois o título emergente do indicado DL 287/93 é contemporâneo da dívida, ele nasceu com a titulação do empréstimo, e não posteriormente.

d) acresce pugnar a recorrente pela interrupção da prescrição, nos termos do art. 323º do CC, que prevê que a prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o acto pertence, e que é equiparado à citação ou notificação, para efeitos deste artigo, qualquer outro meio judicial pelo qual se dê conhecimento do acto àquele contra quem o direito pode ser exercido (cfr. conclusões de recurso N., Q., e R.).

Na verdade, o mencionado normativo tem a redacção indicada. Mas as mencionadas comunicações, referidas pela recorrente, uma carta e por isso revestindo natureza particular, como foi explicado na sentença recorrida, acima transcrita, não têm a virtualidade de interromper a prescrição. Só o tendo a prática de acto judicial ou equiparado, como decorre do nº 1 de tal comando legal e do AUJ 3/98 do STJ de 26.3.1998, em DR, I-A, de 12.5.1998, que decidiu que a notificação judicial avulsa é meio adequado à interrupção da instância.

Portanto, a alegada comunicação da exequente extrajudicial não tem aptidão legal para interromper a prescrição.

e) finalmente pugna a apelante por tal interrupção, mas nos termos do disposto no art. 325º do CC que reza que a prescrição é ainda interrompida pelo reconhecimento do direito, efectuado perante o respectivo titular por aquele contra quem o direito pode ser exercício, sendo certo que perante a credora, quer a mutuária quer os fiadores sempre reconheceram a existência da divida e a sua obrigação de pagamento (cfr. conclusões de recurso N. a P.). Realmente tal normativo, no seu nº 1, prescreve a mencionada interrupção, nos termos apontados. Já o nº 2, dita que o reconhecimento tácito só é relevante quando resulte de factos que inequivocamente o exprimam.

No nosso caso, esta posição da apelante não tem sustentação por dois motivos.      

Primeiro. Como se deixou dito na fundamentação da sentença recorrida, é certo que a exequente/embargada (no art. 16º da sua contestação) alega que terá ocorrido interrupção da prescrição através de interpelação por carta que terá enviado à executada/embargante a 5.8.2010 (a fls.19), facto, aliás, que foi impugnado pela executada/embargante, contrapondo nunca ter recebido tal carta, e que como acabámos de ver não tem qualquer efeito interruptivo. No entanto, não se demonstrou haver qualquer resposta, pelo que exigindo a lei, para o reconhecimento tácito factos que inequivocamente o exprimam, essa não resposta à indicada carta não reveste esse carácter de inequivocidade.

Segundo. A apelante alegou na falada contestação (seu art. 15º), de modo singelo, que perante a credora, quer a mutuária quer os fiadores sempre reconheceram a existência da divida e a sua obrigação de pagamento.

Resulta do disposto no art. 342º, nº 2, do CC, que a prova dos factos impeditivos ou extintivos do direito invocado cabe àquele contra quem a invocação é feita. Competia, pois, à apelante provar que a interrupção da prescrição tinha ocorrido, por reconhecimento do devedor.

Sabido que o prazo prescricional começou a correr em Janeiro de 2008 (facto 8.), ou hipoteticamente na apontada data de 5.8.2010, ou na melhor das hipóteses na indicada data de 27.12.2011, para efeitos de interrupção da prescrição, através do aludido reconhecimento, tornava-.se absolutamente necessário saber em que data terá ocorrido o alegado reconhecimento, para se poder concluir se foi dentro ou não do referido prazo de 5 anos da prescrição. Ónus, que como vimos, cabia à apelante por se tratar de um facto essencial para dirimir a presente questão da prescrição (art. 5º, nº 1, do NCPC). Ónus que a apelante não observou, pois não referiu em que data tal reconhecimento terá ocorrido. Sibi imputet, por isso.

De maneira que a alegada interrupção, por reconhecimento, também não se verifica.    

3. Sumariando (art. 663º, nº 7, do NCPC):

i) Prescrevem no prazo de 5 anos, nos termos da e) do art. 310º do CC, as obrigações consubstanciadas nas sucessivas quotas de amortização do capital mutuado ao devedor, originando prestações mensais e sucessivas, de valor predeterminado, englobando os juros devidos;

ii) Neste caso, apesar de obrigação de pagamento das quotas de capital se traduzir numa obrigação unitária, de montante predeterminado, cujo pagamento foi parcelado ou fraccionado em prestações, a circunstância de a amortização fraccionada do capital em dívida ser realizada conjuntamente com o pagamento dos juros vencidos, originando uma prestação unitária e global, determinou, por expressa determinação legislativa, a aplicabilidade a toda essa prestação do prazo quinquenal de prescrição;

iii) Quando o art. 311º, nº 1, do CC, estatui que o direito para cuja prescrição a lei estabelecer um prazo mais curto do que o prazo ordinário fica sujeito a este último, se sobrevier sentença passada em julgado que o reconheça, ou outro título executivo, este “outro título executivo”, só releva se o mesmo for posterior à dívida e não já quando contemporâneo;

iv) O que não ocorre no caso, pois o título emergente do art. 9º, nº 4, do DL 287/93 de 20.8 é contemporâneo da dívida, ele nasceu com a titulação do empréstimo, e não posteriormente;

v) Só têm a virtualidade de interromper a prescrição a prática de acto judicial ou equiparado, como decorre do nº 1 do art. 323º do CC, não uma carta particular;

vi) A interrupção da prescrição, por reconhecimento do direito, nos termos do art. 325º do CC, não sendo expressa, só pode ser tácita quando resulte de factos que inequivocamente o exprimam; se o devedor não responde a carta do credor a reclamar o pagamento de créditos vencidos, essa não resposta não reveste carácter de inequivocidade;  

vii) Cabendo a prova dos factos extintivos do direito invocado àquele contra quem a invocação é feita, compete ao mesmo provar que a interrupção da prescrição tinha ocorrido, por reconhecimento do devedor, alegando os factos concretos que permitam tirar essa conclusão.

IV – Decisão

 

Pelo exposto, julga-se improcedente o recurso, assim se confirmando a sentença recorrida.

*

Custas pela recorrente.

*

                                                                         Leiria, 8.5.2019

                                                                         Moreira do Carmo( Relator )

                                                                         Fonte Ramos

                                                                         Maria João Areias