Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
835/15.0T8LRA.C2
Nº Convencional: JTRC
Relator: PAULA DO PAÇO
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
DIREITO DE AÇÃO
SINISTRADO
CADUCIDADE
Data do Acordão: 03/10/2017
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA – JUÍZO DO TRABALHO – J2
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTºS 18º E 32º DA LAT (LEI Nº 100/97, DE 13/09, E LEI Nº 98/2009, DE 4/09); 483º DO C. CIVIL.
Sumário: I – O específico regime de acidentes de trabalho e doenças profissionais não exclui as regras gerais de responsabilidade civil delitual ou aquiliana.

II – Respeitando a causa de pedir e o pedido, apresentados em acção declarativa, com processo comum, à responsabilidade civil por factos ilícitos da ex-empregadora (artº 483º C. Civil), não tendo sido formulado qualquer pedido relativo às prestações por doença profissional previstas na LAT (Lei nº 100/97, de 14/09), não se mostra aplicável a caducidade do direito de acção consagrada no artº 32º desta lei.

Decisão Texto Integral:

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Coimbra

I. Relatório

A... intentou ação declarativa com processo comum, contra B... , S.A., pedindo a condenação da ré a pagar-lhe a quantia de € 75.101,40, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, acrescida de juros de mora, à taxa de 4%, desde a citação e até integral pagamento.

No essencial, referiu que contraiu uma doença profissional enquanto exerceu funções como trabalhadora subordinada da ré, considerando-se titular do direito ao ressarcimento dos danos materiais e não patrimoniais alegadamente sofridos.

A ré contestou, excecionando a incompetência absoluta do tribunal cível (a petição inicial foi apresentada na Secção Cível da Comarca de Leiria), a caducidade do direito de ação, a prescrição do direito de indemnização, para além de negar qualquer responsabilidade pelo ressarcimento dos danos peticionados, concluindo pela sua absolvição.

Proferida decisão a julgar procedente a exceção dilatória da incompetência absoluta, que foi confirmada por acórdão da Secção Cível desta Relação que faz fls. 150 a 159 dos autos, a demandante veio solicitar a remessa do processo ao Tribunal do Trabalho da Comarca de Leiria, o que foi deferido.

Por despacho datado de 18/10/2006 (ref.83272724), foi julgada procedente a exceção da caducidade do direito de ação, tendo a ré sido absolvida do pedido formulado.

Inconformada com esta decisão, veio a autora interpor recurso da mesma, rematando as suas alegações com as conclusões que se transcrevem:

[…]

Contra-alegou a ré, concluindo a final:

[…]

Admitido o recurso, os autos subiram ao Tribunal da Relação, tendo sido observado o preceituado no artigo 87.º, n.º 3 do Código de Processo do Trabalho.

O Exmo. Procurador-Geral Adjunto propugnou pela improcedência do recurso.

Não foi oferecida resposta a tal parecer.

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.


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            II. Objeto do Recurso

            É consabido que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da recorrente, com a ressalva da matéria de conhecimento oficioso (artigos 635.º n.º 4 e 639.º n.º 1 do Código de Processo Civil aplicáveis por remissão do artigo 87.º n.º 1 do Código de Processo do Trabalho).

            Em função destas premissas, a questão suscitada nas conclusões do recurso reconduz-se em saber se ocorreu ou não a declarada caducidade do direito de ação.


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            III. Matéria de Facto

O tribunal de 1ª instância considerou assente a seguinte factualidade:
1- A Autora requereu ao Centro Nacional de Proteção contra os Riscos Profissionais uma pensão por incapacidade permanente por doença profissional em 29.06.2009;
2- O Centro Nacional de Proteção contra os Riscos Profissionais reconheceu à Autora a incapacidade permanente parcial de 5%, a que corresponde a atribuição de uma pensão, com efeitos a partir de 20.02.2009, conforme comunicação que dirigiu à Autora em 16.03.2012;
3- A Autora intentou a presente ação em 09.03.2015.


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IV. Caducidade do direito de ação

Como já referimos, a única questão suscitada no recurso que importa apreciar e decidir é a de saber se ocorreu a declarada caducidade do direito de ação.

O tribunal a quo apreciou a exceção da caducidade do direito de ação, invocada na contestação, nos seguintes termos:

«O n.º 1 do artigo 32.º da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro – aqui aplicável atenta a data em que a Autora requereu ao Centro Nacional de Proteção contra os Riscos Profissionais uma pensão por incapacidade permanente por doença profissional e a data em que este fez reportar os efeitos da incapacidade permanente parcial de 5%, com a atribuição de uma pensão – estabelece que o direito de ação respeitante às prestações fixadas nesta lei caduca no prazo de um ano a contar da alta clínica formalmente comunicada ao sinistrado.

Por sua vez, o artigo 32.º do Decreto-Lei n.º 143/99, de 30 de Abril, estatui que quando terminar o tratamento do sinistrado, quer por este se encontrar curado ou em condições de trabalhar, quer por qualquer outro motivo, o médico assistente emitirá um boletim de alta, em que declare a causa da cessação do tratamento e o grau de incapacidade permanente ou temporária, bem como as razões justificativas das suas conclusões (n.º 2), que o referido boletim da alta é emitido em duplicado (n.º 3) e que, no prazo de 30 dias após a realização dos atos, é entregue um exemplar do boletim ao sinistrado (n.º 4).

Do texto dos aludidos preceitos legais não se extrai qualquer elemento interpretativo no sentido de que o prazo do direito de ação respeitante às prestações fixadas na lei se inicia com o mero conhecimento por parte do sinistrado de que lhe foi conferida a alta, antes resulta dos conjugados artigos 32.º, n.º 1, da Lei n.º 100/97, 32.º, n.os 2 a 4, e 63.º do Decreto-Lei n.º 143/99, que o direito de ação respeitante às prestações fixadas naquela lei caduca no prazo de um ano a contar da alta clínica comunicada formalmente ao sinistrado, mediante a entrega de duplicado do boletim de alta, de modelo aprovado oficialmente.

Por força do disposto no n.º 2 do art.º 1.º da Lei n.º 100/97, às doenças profissionais aplicam-se, com as devidas adaptações, as normas relativas aos acidentes de trabalho constantes desta Lei. Ora, desde que foi comunicada formalmente à Autora, pelo Centro Nacional de Proteção contra os Riscos Profissionais, em 16.03.2012, a atribuição de uma pensão em virtude de ter sido reconhecida, por esse Centro, uma incapacidade permanente parcial de que aquela padece, até à data em que foi apresentada em juízo esta ação, já decorreu mais de um ano. Não há notícia, por outro lado, que a Autora tenha discordado da cura clínica e da incapacidade permanente parcial de 5%, fixada pelo Centro Nacional de Proteção contra os Riscos Profissionais.

Como refere Carlos Alegre, Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, 2.ª ed. pág. 152, “quando (…) o art. 32.º n.º 1 da Lei invoca a alta clínica como evento a partir do qual se conta o prazo de prescrição, deve entender-se (…) como a alta clínica devidamente notificada às partes interessadas (especialmente ao sinistrado) através da entrega de duplicado do boletim de alta. Somente a partir de então fica o sinistrado habilitado a exercitar os seus direitos se não concordar, quer com a situação de cura clínica, quer com o grau de incapacidade que lhe tenha sido atribuído”.

Assim se doutrinou, v.g., nos Acórdãos do S.T.J. de 8 de Junho de 1995, publicado no BMJ 448/243 (e também na C.J./S.T.J. Ano III, Tomo II, pg. 296) e de 3 de Outubro de 2000, publicado na C.J./S.T.J., Ano VIII, Tomo III, pg. 267, com fundamentação cuja bondade não vemos por que enjeitar.

Nunca a Autora participou ao Ministério Público a doença profissional. A Autora teve conhecimento, em 16.03.2012, da incapacidade permanente que lhe foi fixada pelo Centro Nacional de Proteção contra os Riscos Profissionais e da data da cura clínica, ou seja, que lhe seria concedida alta naquela data, passando à situação de pensionista por doença profissional com efeitos a partir de 20.02.2009, não tendo reagido, antes se tendo conformado.

Quando em 09/03/2015 intentou a presente ação, há muito se havia esgotado o prazo de um ano que a lei lhe confere para reclamar da Ré a reparação dos danos patrimoniais e não patrimoniais causados pela inobservância culposa das regras de segurança, higiene e saúde no trabalho que terão dado causa à doença profissional.

A caducidade é uma das formas de extinção de direitos pelo seu não exercício durante um determinado prazo, tendo como fundamento a “necessidade de certeza jurídica” (MANUEL DE ANDRADE, Teoria Geral da Relação Jurídica, reimpressão, Coimbra, 1993, II, p. 464) e estando o seu regime previsto nos art.ºs 296.º a 299.º e, mais especificamente, art.ºs 328.º a 333.º do Código Civil.

A caducidade é de conhecimento oficioso quando diga respeito a direitos indisponíveis (art.º 333.º do Código Civil), como no caso vertente (por se tratar de matéria excluída da disponibilidade das partes (art.º 35.º da LAT), não se suspende ou interrompe (art.º 328.º do Código Civil) e só é impedida pela prática do ato a que a lei ligue esse efeito impeditivo (art.º 331.º do Código Civil).

Finalmente, a caducidade constitui, a nível processual, uma exceção perentória – um facto extintivo do direito do autor, o mesmo sucedendo, de resto, com a prescrição.

O réu, ao defender-se por exceção perentória, “admite que os factos articulados pelo autor sejam suscetíveis de produzir o efeito pretendido, mas visa obstruir ou alterar este efeito pelo contra-efeito derivado de outros factos – os factos excepientes” (MANUEL TOMÉ SOARES GOMES, Da defesa por contestação, Lisboa, 1997, p. 37).

Deste modo, o direito de ação contra a sua Entidade Patronal, à luz das normas que regem a Lei dos Acidentes do Trabalho e das Doenças Profissionais, acima citadas, extinguiu-se por caducidade dado que a Autora não exerceu tempestivamente o seu direito.

São termos em que se julga procedente a exceção de caducidade do direito de ação, absolvendo-se a Ré, “ B... , S.A.” do pedido formulado pela Autora, A... .»

A recorrente insurge-se contra o decidido, por entender que não se mostra aplicável o especifico regime previsto para os acidentes de trabalho e doenças profissionais, designadamente a caducidade do direito de ação no mesmo prevista.

Refere que, na petição inicial, não faz apelo à doença profissional em termos da sua verificação ou consequências, mas, ao invés, à ofensa à sua saúde justificativa do direito a uma indemnização no quadro da responsabilidade civil extracontratual.

Analisemos!

No articulado que origina a ação, a ora recorrente alega que trabalhou sob as ordens, direção e fiscalização da recorrida, mediante retribuição, desde 12/06/1995 até 31/12/2008. A longa exposição direta às poeiras, no exercício da sua atividade profissional, originou que viesse a sofrer uma pneumoconiose por silicatos que se manifestou desde o início de 2007, mas só veio a ser identificada como doença profissional a 16/03/2012. Em razão de tal doença, diz ter sofrido e continuar a sofrer danos patrimoniais e não patrimoniais. Refere que cabe ao empregador respeitar os artigos 281.º e 282.º do Código do Trabalho, a fim de assegurar aos trabalhadores condições laborais idóneas e aplicar as medidas necessárias por forma a combater na sua origem o risco de acidentes de trabalho e doenças profissionais que sejam previsíveis face aos locais de trabalho e aos processos de trabalho adotados a fim de reduzir ou excluir os seus efeitos negativos, concluindo que foi a violação destas regras que esteve diretamente ligada com a verificação da doença que lhe causou os danos que pretende ver ressarcidos através da indemnização que peticiona.

Ora, considerando a causa de pedir e o pedido apresentados, afigura-se-nos que estamos manifestamente perante uma responsabilização da ex-empregadora fundamentada em responsabilidade civil subjetiva, pois não se pedem as prestações tarifadas[1] previstas no específico regime dos acidentes de trabalho e doenças profissionais.

No caso dos autos, a recorrente não peticiona o reconhecimento da doença profissional, tendo aceitado a decisão do Centro Nacional de Proteção contra os Riscos Profissionais (cf. artigo 155.º do Código de Processo do Trabalho), nem peticiona a responsabilidade agravada da ex-empregadora ao abrigo do preceituado no artigo 18.º da Lei 100/97, de 13 de setembro (aplicável pelos motivos referidos na decisão recorrida), com as necessárias adaptações.

A recorrente arroga-se titular do direito a ser ressarcida pelos danos sofridos decorrentes da doença profissional ao abrigo da responsabilidade civil por factos ilícitos - artigo 483.º do Código Civil.

Ora, o específico regime dos Acidentes de Trabalho e Doenças profissionais não exclui as regras gerais da responsabilidade delitual ou aquiliana.

Sobre a temática, pode ler-se na obra “Direito do Trabalho”, de Pedro Romano Martinez, 3.ª edição, pág. 814:

«Ainda quanto à questão de saber se em caso de culpa do empregador não seriam ressarcidos outros danos, para além dos previstos na Lei dos Acidentes de Trabalho, à exceção do agravamento constante do art. 18.º da LAT, parece que não se pretendeu resolver os problemas derivados da responsabilidade civil subjetiva do empregador. Na realidade, a Lei dos Acidentes de Trabalho de 1997, na sequência das que a precederam, pretendeu instituir uma responsabilidade objetiva, sem, todavia, excluir as regras gerais da responsabilidade aquiliana. Dito de outro modo, a responsabilidade civil objetiva visava completar as deficiências surgidas da aplicação da responsabilidade extracontratual subjetiva, sem, contudo, a substituir.

Deste modo, estando preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil subjetiva, não está vedado ao trabalhador a possibilidade de ser ressarcido nos termos gerais, designadamente no que respeita a danos não cobertos pela Lei dos Acidentes de Trabalho (p. ex. lucros cessantes. Caso o trabalhador recorra ao regime geral da responsabilidade civil subjetiva, a reparação não poderá ser efetuada nos termos fixados na Lei dos Acidentes de Trabalho, não estando, nomeadamente coberta pelo seguro obrigatório.»

A não exclusão do regime geral da responsabilidade civil subjetiva, quanto aos danos morais, mostra-se expressamente prevista no n.º 2 do artigo 18.º da LAT.

E o n.º 1 do artigo 18.º da atual LAT (Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro), prevê expressamente que quando o acidente tiver sido provocado pelo empregador, seu representante, ou entidade por aquele contratada e por empresa utilizadora de mão-de-obra, ou resultar de falta de observação, por aqueles das regras sobre segurança e saúde no trabalho, a responsabilidade individual ou solidária pela indemnização abrange a totalidade dos prejuízos, patrimoniais e não patrimoniais sofridos pelo trabalhador e seus familiares, nos termos gerais

Ainda sobre a matéria, pode ler-se, com interesse, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 05/06/2002, P. 02S561, do qual se infere que a dedução de pretensão indemnizatória baseada na responsabilidade subjetiva da entidade patronal, derivada da sua culpa, por violação de normas legais que lhe impunham o dever de proporcionar ao trabalhador boas condições de trabalho, em termos de segurança, higiene e saúde, causadoras de doença profissional, de que derivaram danos patrimoniais e não patrimoniais que se pretendem ver reparados, é possível no âmbito de um processo declarativo comum (como acontece nos presentes autos) e não em processo especial para a efetivação de direitos resultantes de doença profissional, previsto no artigo 155.º do Código de Processo do Trabalho.

Ora, se no caso vertente, a causa de pedir e o pedido formulados não se reportam ao direito à reparação emergente do regime especial de acidentes de trabalho e doenças profissionais, inexiste fundamento para aplicar ao caso sub judice a norma prevista neste regime respeitante à caducidade do direito de ação, designadamente o artigo 32.º da LAT.

É que pode ler-se expressamente nesse preceito que a caducidade aí prevista reporta-se ao «direito de ação respeitante às prestações fixadas nesta lei». (realce nosso).

Deste modo, mostra-se inaplicável à situação dos autos, o mencionado normativo.

Como tal, a decisão recorrida tem de ser revogada, havendo que julgar a exceção da caducidade invocada improcedente, por inaplicabilidade do artigo 32.º da LAT, devendo os autos prosseguir os seus normais termos.

Não tendo a questão da prescrição invocada no recurso sido apreciada pela decisão recorrida, não pode o tribunal da Relação pronunciar-se sobre a mesma.

Concluindo, o recurso mostra-se procedente.


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            V. Decisão

            Nesta conformidade, por todo o exposto, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Coimbra em julgar o recurso procedente e, em consequência, revogam a decisão recorrida declarando-se improcedente a exceção da caducidade do direito de ação, devendo o processo prosseguir a sua normal tramitação.

            Custas pela parte vencida a final.

            Notifique.

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Sumário elaborado pela Relatora
I- O específico regime de acidentes de trabalho e doenças profissionais não exclui as regras gerais da responsabilidade delitual ou aquiliana.
II- Respeitando a causa de pedir e o pedido, apresentados em ação declarativa, com processo comum, à responsabilidade civil por factos ilícitos da ex-empregadora (art. 483.º do Código Civil), não tendo sido formulado qualquer pedido relativo às prestações por doença profissional previstas na LAT, não se mostra aplicável a caducidade do direito de ação consagrada no artigo 32º desta lei.



Coimbra, 10 de março de 2017


[1] Expressão utilizada no artigo “Apontamentos em torno do artigo 18.º da LAT de 2009: entre a clarificação e a inovação na efetividade da reparação dos acidentes de TRABALHO”, Azevedo Mendes, Prontuário do Direito do Trabalho n.º 88/89.