Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
210/07.0TBCDN.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CARVALHO MARTINS
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
PRESCRIÇÃO
RECIBO DE QUITAÇÃO
CASO JULGADO
TRANSPORTE GRATUITO
Data do Acordão: 05/11/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: CONDEIXA-A-NOVA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA PARCIALMENTE
Legislação Nacional: ARTS.498, 504, 505, 564, DIRECTIVA Nº90/232/CEE DE 14/5/1990, DL Nº 14/96 DE 6/3
Sumário: I - O prazo estabelecido no n.° 1 do art. 498.º do Cód. Civil conta-se do momento em que o lesado teve conhecimento do seu direito, ou seja, a partir da data em que ele, conhecendo a verificação dos pressupostos que condicionam a responsabilidade, soube ter direito à indemnização pelos danos - outros danos - que sofreu.

II - Em relação aos danos supervenientes, o prazo prescricional respectivo só dever começar a contar da data em que o lesado deles teve conhecimento

III - O caso julgado da decisão anterior releva como autoridade de caso julgado material no processo posterior quando o objecto processual anterior (pedido e causa de pedir) é condição para apreciação do objecto processual posterior.

IV - No recibo em que o lesado declara à seguradora do lesante ter recebido certa indemnização dela para pagamento de todos os danos patrimoniais e não patrimoniais que tenha sofrido no acidente de viação, dando-se por cabal e integralmente indemnizado e dando quitação, e que renunciava a todos os direitos de acção judicial e indemnização que lhe pudessem caber em virtude do acidente, não cabem os prejuízos ou danos que só posteriormente vieram a revelar-se, pois é esse o sentido que um declaratário normal atribui a tal declaração.

V - Considera-se facto inerente ao funcionamento do veículo automóvel a derrapagem consequente quer de efeito orgânico do mesmo, quer do estado defeituoso do piso da via por onde circula, pois nessa circulação residem alguns riscos de utilização normal de veículos terrestres.

VI - Não há causa de força maior, nos termos do art. 505.º (exclusão de responsabilidade) do Cód. Civil, exoneratória de responsabilidade pelo risco, quanto aos danos provocados pelo embate de um veículo, que entrou em derrapagem, deslizando, provocada pela existência no pavimento de produto derramado ou existente (água).

VII - A Directiva n.° 90/232/CEE, de 14 de Maio de 1990, estabelece, no seu art. 1.º, que o seguro de responsabilidade civil atinente à circulação de veículos automóveis, deve cobrir a responsabilidade por danos pessoais de todos os passageiros, com excepção dos sofridos pelo condutor, o que implicou a nova redacção dada ao n.° 3 do art. 504.° do Cód. Civil pelo Dec.-Lei n.° 14/96, de 6 de Março.

VIII - O regime emergente do Dec.-Lei n.° 14/96, de 6 de Março, pretende regular não apenas as situações ocorridas posteriormente à sua entrada em vigor como também as anteriores que ainda não tenham sido objecto de decisão transitada em julgado.

Decisão Texto Integral: Acordam, em Conferência, na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

I - A Causa:

H (…), residente na Rua (…) , intentou a presente acção declarativa de condenação com processo ordinário contra Companhia de Seguros (…) S.A., com sede (…) Lisboa, pedindo a condenação da Ré a pagar-lhe a quantia de € 83.010,25 a título de danos patrimoniais e não patrimoniais e bem assim do montante que se vier a liquidar em execução de sentença com os gastos necessários de colocação de uma prótese do ombro direito, com a alteração da incapacidade que daí decorra.

Com vista a obter procedência do pedido, a A. alegou, em síntese, que no dia 25 de Dezembro de 1995, quando seguia como passageira do veículo com a matrícula (...)-EG, o condutor do mesmo — F (…)—, por seguir completamente distraído, entrou de modo brusco e repentino num lençol de água, despistando-se, indo embater contra uma árvore.

Acrescentou que, em consequência desse embate, lhes sobrevieram os danos que concretizou.

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Contestou a Ré, arguindo nessa peça processual a excepção da prescrição bem como a do ressarcimento integral dos danos efectuado em acção anteriormente intentada pela A.

Para além disso, sustentou que o condutor não teve culpa na produção do acidente, pelo que, seguindo a A. “à boleia”, face à redacção do art.° 504.°, n.° 2 do Cód. Civil que então vigorava, a Ré não está obrigada ao ressarcimento dos danos.

Impugnou ainda os danos invocados.

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A Ré não ofereceu resposta, sendo que, de todo o modo, na petição inicial já havia alegado que os danos agora invocados, se vieram a manifestar já depois de ter sido celebrada transacção na acção anterior.

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Findo os articulados, foi proferido o despacho saneador (onde, com os fundamentos aí enunciados, se relegou para a sentença a apreciação da excepção da prescrição), com a verificação da regularidade da instância, organizada a matéria assente e fixada a base instrutória.

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A A. veio posteriormente requerer a ampliação do pedido, com a formulação de pedido de condenação da Ré nos montantes de € 25.500 a título de danos não patrimoniais e de € 77.111,51 referente a danos não patrimoniais, ampliação essa que foi admitida por despacho de 22 de Dezembro de 2008.

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Oportunamente, foi proferida decisão onde se consagrou que

Em face do exposto e sem outras considerações, julgo a acção parcialmente procedente, por provada na mesma medida, e, consequentemente,

a) julgo improcedentes as excepções suscitadas pela Ré;

b) condeno a Ré Companhia de Seguros(…) SA. a pagar à A H (…) a a quantia de trinta e cinco mil quinhentos e cinco euros e quarenta e um cêntimos (€ 35.505,41) a título de danos patrimoniais, acrescida de juros moratórios, vencidos e vincendos, à taxa legal, contados desde a citação da Ré até efectivo e integral pagamento;

c) condeno a Ré Companhia de Seguros (…), SA. a pagar à A. a quantia de quinze mil euros (€ 15.000) a título de danos não patrimoniais sofridos, acrescida de juros moratórios, vencidos e vincendos, à taxa legal, contados da presente data até integral e efectivo pagamento;

d) condeno a Ré Companhia de Seguros (…), SA. a pagar . A os custos decorrentes da intervenção cirúrgica a que a mesma venha a ser submetida para prótese do ombro direito (a incluir transportes, medicamentos e fisioterapia para recuperação funcional).

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Custas pela A. e pela Ré na proporção do decaimento,

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(…) SA, Ré nos autos, não se conformando com a sentença proferida, que julgou improcedente as excepções e que condenou a recorrente a pagar à Autora valores indemnizatórios e custos de intervenção cirúrgica, e uma vez que a presente acção foi instaurada aos 09/05/2007, dela veio interpor recurso (art.° 676°, 1 do CPC, anterior redacção dada pelo DL 329-A de 12/11), de apelação (art.° 691° anterior redacção), alegando e concluindo que:

1.

A A. na acção anterior — Acção Sumária 234/98 — previu e configurou danos e despesas futuras emergentes da fractura com esmagamento bilateral dos úmeros, a tal ponto, diz, que nunca mais conseguiu elevar os braços, nem arranjar-se, nem pentear-se, e a imprevisibilidade dos tratamentos forçam-na a relegar a sua liquidação para execução de sentença.

2.

No entanto, apesar de, na petição da Acção Sumária 234/98 ter anunciado a existência de danos futuros imprevisíveis e relegáveis para decisão ulterior, o certo é que, no petitório daquela acção não acautelou uma tal pretensão, omissão que só a ela A. pode ser imputável.

3.

Ocorre prescrição dos pretensos direitos da A., porque o acidente é de 25/12/95, a A. instaurou a presente acção aos 09/05/2007, tinha instaurado em Dezembro de 1998 outra acção para ressarcimento de todos os danos do acidente, a Ré foi citada aos 14/05/2007, o prazo de prescrição é de 3 anos, e a A. deixou-o transcorrer porque não acautelou na primitiva acção os danos futuros ainda não conhecidos nos termos dos artigos 564°, 2 do CC e 471º, 378º e seguintes e 601º e 805º e seguintes do CPC, uma vez que quando a Ré foi citada para esta última acção estavam volvidos mais de 11 anos após o acidente e mais de 5 a partir da data em que ocorreu a transacção no anterior processo.

4.

A A. na anterior acção e na douta p.i. então apresentada, previu e configurou danos e despesas pretéritas e futuras emergentes da fractura com esmagamento bilateral dos úmeros e se é certo que, omitiu no petitório, a contemplação de danos futuros, na altura ainda não determinados e imprevisíveis, em vez de correr os riscos do julgamento optou pelo contrato de transacção com a Ré.

5.

A transacção foi homologada, e a correspondente sentença constitui caso julgado, que abrange a causa de pedir ou fundamento da acção (art° 294° do CPC), que é excepção dilatória (art° 495° do CPC) que obsta a que o Tribunal aprecie agora a mesma acção (494, 498, 673 e 675,1 do CPC) e a ditar a absolvição da Ré, da instância (artigo 288, 1 do CPC).

6.

Na primitiva acção a A. e a Ré fazendo recíprocas concessões transigiram nos termos do art° 1248° do CC e aquela reduziu a sua pretensão indemnizatória a 800 contos (reportados ao ano de 2000) tendo declarado que com tal recebimento considerava-se integralmente ressarcida de todos os danos patrimoniais e não patrimoniais emergentes do acidente.

7.

A própria sentença reconhece e exara que a causa exclusiva do acidente foi a imprevista presença na estrada de um lençol de água de proporções gigantescas.

8.

A ocorrência do acidente, desencadeada pelas forças de natureza é um caso típico de força maior e totalmente estranho ao funcionamento do veículo e o Ilustre Professor Antunes Varela, in Direito das Obrigações 1 Vol pág. 694, deixou dito, com a autoridade que lhe é reconhecida, que causa de força maior é o acontecimento imprevisível, de efeito danoso inevitável, com as precauções normalmente exigíveis ao condutor, e estranho ao funcionamento do veículo, como é o caso do acidente causado, pela viatura que foi arrastada pela enxurrada...”

9.

No caso dos autos não ocorreu derrapagem que é sinónimo de resvalamento dos rodados do veículo sobre o asfalto, porque o que ocorreu foi que a viatura, assim que penetrou no lençol de água que ocupava toda a largura da estrada, e com um comprimento de 100 metros e altura/profundidade de 0,15 metros, perdeu toda a aderência pneumática, deslizou sobre a água, ficou à deriva, ingovernável tendo guinado para a direita e colidido na oliveira.

10.

A ocorrência é exógena ao veículo, não integra os riscos próprios deste, sendo totalmente estranha ao seu funcionamento, provindo do meio-ambiente e da natureza, - lençol de água de proporções gigantescas no dizer e bem da sentença - capaz de por si só, e pelas suas próprias forças absolutas, tomar conta do veículo, arrojando-o e arrastando-o para rumo incontornável.

11.

Para melhor podermos fazer a necessária destrinça entre os riscos que possam ser próprios do funcionamento de um veículo e aqueles que não lhe são próprios, sendo-lhe estranhos, conjecture-se uma situação de deriva e despiste de uma viatura, mas causada por quebra de direcção, derrapagem pura, rebentamento de pneumático, falta de luz por avaria eléctrica, explosão do depósito de gasolina, ruptura de travões, falta súbita de embraiagem.

12

No caso dos autos estamos perante caso de força maior, estranha ao funcionamento do veículo, previsto no art° 505º do CC e que afasta a responsabilidade pelo risco do art° 503° do CC.

13

A A. era ocupante do veículo seguia transportada gratuitamente, o acidente ocorreu aos 25/12/1995, estava em vigor a anterior redacção do n° 2 do art° 504° do CC e que excluía a responsabilidade pelo risco quanto aos danos causados a quem fosse transportado gratuitamente, porque naquela data a 3ª Directiva do Conselho de 14/05/90 não estava transportada para o nosso Direito.

14

Na fixação do capital para contemplar danos futuros, a sentença acentua que estão em apreciação danos advindos da recidiva reportada a Outubro de 2004, e daí que, nos cálculos, tenha de sofrer diminuição o período de vida activa da A., sendo ainda de realce o facto da IPP permitir-lhe exercício profissional noutros sectores profissionais da área onda a A. laborava, aspecto que não foi sopesado e que a equidade exige que seja, em função do que o capital por danos futuros deva baixar para 15.000,00€.

15

A douta sentença fez incorrecta interpretação e aplicação do que vem disposto nos artigos 298° do CC; 498°, 1 do CC; 564°, 2 do CC; 809° do CC; 504° no 2 do CC; 504°, n° 3 do CC; 503°, n° 1 do CC; 505° do CC; 564° do CC; 5 64°, 2 do CC; 583°n ° 1 do CC, 562° e 564° ambos do CC, e a correcta interpretação e aplicação dos citados normativos e ainda dos artigos 471° e 378° e seguintes e 661° 2 e 805° e seguintes todos do CPC, 1248° do CC; 294° do CPC; 494° alínea i) do CPC; 495° do CPC; 494°, 498°, 673° e 675°, 1 do CPC; 288°, 1 alinea e) do CPC; 504°, 2 do CC anterior redacção, dita a proferição de acórdão que revogue a sentença conhecendo das excepções de prescrição, ou caso julgado, e quitação, que devem ser julgados procedentes, que a ocorrência dos autos é um caso típico de causa de força maior, e que afasta a responsabilidade pelo risco, a qual está desde logo afastada pela anterior redacção do n° 2 do artigo 504° do CC e sem prescindir, subsidiariamente, o capital por danos futuros deve sofrer abaixamento.

H (…), A. nos Autos em epígrafe, notificada das alegações da recorrente, veio apresentar as suas contra-alegações, que pugnaram pela improcedência do recurso interposto.

II. Os Fundamentos:

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir:

Matéria de Facto assente na 1ª Instância e que consta da sentença recorrida:

1. No dia 25.12.1995, cerca das 20.00 horas, na Estrada Nacional n.° 347, em Belide, Condeixa-a-Nova, ocorreu um embate em que interveio o automóvel ligeiro de passageiros, de matrícula (...)-EG.

2. O EG era conduzido pelo seu dono F (…).

3. Era F (…) quem cuidava da manutenção do EG, designadamente verificando o estado das suas peças, introduzindo-lhe combustível e procedendo à sua limpeza, pagando o selo de circulação e o prémio de seguro.

4. A A. seguia no interior do EG, no lado direito do banco traseiro, viajando “à boleia”.

5. O embate ocorreu quando o EG circulava na estrada referida em 1., no sentido Condeixa-a-Nova/Belide pela metade direita da faixa de rodagem.

6. F (…) circulava pela metade direita da estrada, atento o respectivo sentido de marcha a velocidade não superior a 80 km/hora.

7. No supra referido local encontrava-se um lençol de água com um comprimento de 100 metros e uma profundidade de 15 cm, o qual ocupava toda a largura da estrada.

8. O condutor do EG foi subitamente surpreendido por esse lençol de água.

9. Ao entrar nesse lençol de água o EG deslizou sobre a água e guinou para a direita.

10. Ao entrar nesse lençol de água o veículo perdeu totalmente a aderência pneumática e tornou-se ingovernável, tendo, em virtude disso, ocorrido o embate referido em 1.

11. Ao entrar no lençol de água o condutor do EG não diminuiu a velocidade.

12. O veículo foi embater contra uma oliveira situada do lado da metade direita da faixa de rodagem da estrada referida em 1.

13. No local do embate a estrada tem uma largura de 7,20 metros.

14. No local onde ocorreu o embate a estrada é constituída por uma recta.

15. Em consequência do embate a A. sofreu luxação do ombro esquerdo e fractura do ombro direito com 3 fragmentos.

16. Desde a data referida em 1 até 12.03.1997 a autora foi submetida a tratamentos ambulatórios no Centro de Saúde de Condeixa-a-Nova, tendo efectuado tratamento fisiátrico funcional durante um ano.

17. No período em que se seguiu ao embate, a A. esteve de “baixa médica” por período não apurado com rigor.

18. Em 3 de Março de 1997 a A. foi submetida a uma intervenção cirúrgica com acromioplastia de Neer e queilectomia da cabeça umeral.

19. Em 28 de Maio de 1997 foi dada alta à A. pelo serviço de ortopedia do Centro Hospitalar de Coimbra, tendo retomado o trabalho.

20. Em 15.10.2004, com relação ao ombro direito, foi diagnosticado à autora acentuada rarefacção óssea, alterações morfológicas e estruturais do colo do úmero compatíveis com sequelas de traumatismo antigo, artrose gleno-umeral e calcificações projectadas nos tecidos moles do espaço articular sub-acromial.

21. De Outubro de 2004 a Setembro de 2006 a autora tem vindo a sofrer de dores ao nível do ombro e braço direitos.

22. Em 18.05.2005, 21.06.2005 e 13.07.2005 a autora foi observada em consulta externa de ortopedia, tendo-lhe sido diagnosticadas as seguintes mobilidades do ombro direito: antepulsão 100°; abdução 90°; rotação externa 10°; rotação interna - mão ao sacro /nádega.

23. Entre 18 de Maio de 2005 e 13 de Julho de 2005 foi realizada ressonância magnética ao ombro direito da autora a qual revelou sequelas de fractura do colo do úmero, sendo que a consolidação a nível do colo foi viciosa, estando associada a angulação e deformação da cabeça umeral, havendo também sequelas de arrancamento do troquiter e atrofia adiposa dos músculos supra e infra - espinhosos (grau II).

24. Entre 18 de Maio de 2005 e 13 de Julho de 2005 foram efectuados exames radiológicos à A. os quais revelaram a cabeça do úmero deformada com subida acentuada (quase 1 cm) do troquiter e já com adaptação troquiter-acrómio.

25. Em 19.10.2006 a A. foi internada no serviço de Ortopedia B dos Hospitais da Universidade de Coimbra, com o seguinte diagnóstico: rigidez do ombro direito pós fractura da extremidade proximeal do úmero e artrose acrómio clavicular à direita.

26. Em 23.10.2006 a A. foi submetida a cirurgia ao ombro direito destinada à libertação de múltiplas aderências ao ombro, a exérese da extremidade distal da clavícula e a acromioplastia

27. (...) tendo tido alta em 25.10.2006, com a seguinte indicação terapêutica: fazer pensos a nível da ferida operatória, mobilização activa do ombro, retirar pontos de sutura decorridos 15 dias do pós - operatório e observação em consulta externa.

28. Após, a A. efectuou pensos, retirou pontos 15 dias depois após a operação e efectuou mobilização activa do ombro.

29. A autora esteve com Incapacidade Temporária Absoluta para o trabalho desde 19.10.2006 até 30.10.2006.

30. Em 19 Setembro de 2006, a autora foi submetida a avaliação clínica, tendo sido, nessa data, prevista uma intervenção cirúrgica para aplicação de prótese no ombro direito.

31. A autora foi submetida em 21.11.2006 a exames radiológicos, tendo os mesmos evidenciado o aumento do espaço sub-acromial, mas mantendo deformação da cabeça umeral.

32. Após 25 de Outubro de 2006 a A. tem vindo a ser sujeita a tratamentos fisiátricos no Centro de Saúde de Condeixa-a-Nova.

33. A A. encontra-se de baixa médica desde 16 de Agosto de 2006.

34. Desde a data da consolidação das lesões (28 de Maio de 1997) sofridas aquando do embate referido em 1 a A. apresenta uma IPP geral de 17 pontos a agravar-se, no futuro, para 22 pontos.

35. Essa incapacidade impede-a de exercer a actividade de empregada de andares, sendo, no entanto, compatível com o exercício de outras profissões da área da sua preparação técnico-profissional, embora exigindo-lhe esforços acrescidos.

36. Os tratamentos a que a A. foi submetida causaram-lhe dores de grau 5, numa escala de gravidade crescente de 1 a 7 graus.

37. Devido às lesões sofridas e intervenções cirúrgicas efectuadas, a A. ficou com prejuízo estético de grau 3, numa escala de gravidade crescente de 1 a 7 graus.

38. Após 11 de Abril de 2000 e até à presente data a autora tem vindo a padecer de dores, incómodo e mal-estar, consequência, designadamente, dos tratamentos médicos a que foi submetida, dores que aumentam com as mudanças de tempo, as quais a vão acompanhar durante toda a vida.

39. Após 2004 a autora deixou de poder alimentar-se, vestir-se e calçar-se tal como o fazia anteriormente, o que a deixa perturbada, triste e amargurada.

40. Os factos referidos em 16 a 39 são consequência do embate descrito em 1 e das lesões referidas em 20.

41. Em virtude das lesões sofridas aquando do embate, dos tratamentos e intervenções cirúrgicas efectuadas para recuperação das mesmas (a incluir a intervenção efectuada a 19 de Outubro de 2006) e repouso necessário, a A. manteve-se totalmente incapacitada para o trabalho pelo período total de 550 dias.

42. À data em que o embate ocorreu, a A. trabalhava como empregada de andares na Pousada de Santa Cristina, em Condeixa-a-Nova.

43. Em 2006 a A. auferia como remuneração desse trabalho o salário mensal base de € 505,41, pago 14 meses por ano.

44. No mês de Julho de 2006 a A. recebeu € 136,51 a título de “prémio de assiduidade” e € 45,74 de “trabalho suplementar prestado em feriados”.

45. No mês de Agosto de 2006 a A. recebeu, para além do salário base, a gratificação adicional de € 70,03.

46. Nos períodos em que se encontrou de baixa médica a A. recebeu o montante diário de € 18,41 a título de subsídio de doença.

47. Na data referida em 1 F (…) tinha transferida para a Ré a responsabilidade decorrente da circulação do EG por via de acordo previamente celebrado, titulado pela apólice n.° 6147229.

48. A fls. 79 dos autos consta o “termo de transacção”, outorgado em 11.04.2000, na acção sumária n.° 234/98, do Tribunal Judicial da Comarca de Condeixa-a-Nova, no qual a aqui autora, a Companhia de Seguros Mundial Confiança, 5. A., à qual sucedeu a ora ré Companhia de Seguros (…), S. A., e o Centro Regional de Segurança Social de Coimbra, ao qual sucedeu o Centro Distrital de Solidariedade e Segurança Social de Coimbra, declararam que “vêm consignar neste termo o acordo a que chegaram sobre o litígio que discutiam nos presentes autos de acção sumária, aos quais por este meio põem fim”

49. (...) mais declararam que “são as seguintes as cláusulas em que assentaram e que reciprocamente aceitam: 1) A autora H (…) reduz o pedido à quantia de 800.000$00 (oitocentos mil escudos) contra o recebimento da qual se considera integralmente indemnizada de todos os danos patrimoniais e não patrimoniais; 2) O interveniente Centro Regional de Segurança Social reduz o seu pedido à quantia de 585.000$00 (quinhentos e oitenta e cinco mil escudos); 3) A ré (…) obriga-se a pagar as referidas quantias no prazo de vinte dias a contar de hoje, sendo que a devida à autora por cheque a enviar para o escritório da sua mandatária, contra recibo, e a devida ao Centro Regional de Segurança Social por cheque a enviar para a Rua Abel Dias Urbano, n.° 2, r/c, 3000, Coimbra.

50. Por sentença constante de fls. 80 dos autos, proferida em 26.04.2000 no processo supra, foi decidido que “por válida quanto ao seu objecto e qualidade dos intervenientes, homologo a referida transacção, condenando as partes na observância dos seus precisos termos.

51. A autora é sobrinha de F (…).

52. A A. nasceu a 13 de Maio de 1963.

Nos termos do art. 712º CPC, acrescentam-se os seguintes factos que se têm por provados:

53. Na acção sumária com o nº 234/98 (junta aos Autos por certidão, solicitada telefonicamente, para efectivação do ordenado na decisão proferida a fls. 325, até então incumprido) consta do seu art. 23º que

“O cômputo atingido por estas despesas atinge o quantitativo de 1 989 000 $ 00 (Um milhão novecentos e oitenta e nove mil escudos)”;

54. Havendo o pedido sido formulado da seguinte forma:

“Nestes termos, e nos melhores de Direito e com o suprimento de V. Ex.a, deve a presente acção ser julgada procedente e provada e a ré (Companhia de Seguros (…)), condenada a pagar à aqui autora (H (…)) a quantia de l.989.000$00 (Um milhão novecentos e oitenta e nove mil escudos) assim discriminados:

1. Danos morais - 450 000 $00

2. Vencimentos não auferidos - 1 360 000 $00

3. Danos patrimoniais - 179 000 $00”.

 55. No termo de transacção lavrado nessa mesma acção sumária com o nº 234/98 fez-se consignar, no que aqui importa destacar, que

1) A autora H (…) reduz o pedido à quantia de 800.000$00 (oitocentos mil escudos) contra o recebimento da qual se considera integralmente indemnizada de todos os danos patrimoniais e não patrimoniais (cf. fls. 19 e 20 dos Autos).

Nos termos do art. 684°, n°3, e 690°,n°1, do CPC, o objecto do recurso acha-se delimitado pelas conclusões do recorrente, sem prejuízo do disposto na última parte do n°2, do art. 660°, do mesmo Código.

Das conclusões, ressaltam as seguintes questões, em formulação de parte, a considerar sequencialmente:

1. Ocorre prescrição dos pretensos direitos da A., porque o acidente é de 25/12/95, a A. instaurou a presente acção aos 09/05/2007, tinha instaurado em Dezembro de 1998 outra acção para ressarcimento de todos os danos do acidente, a Ré foi citada aos 14/05/2007, o prazo de prescrição é de 3 anos, e a A. deixou-o transcorrer porque não acautelou na primitiva acção os danos futuros ainda não conhecidos nos termos dos artigos 564°, 2 do CC e 471º, 378º e seguintes e 601º e 805º e seguintes do CPC, uma vez que quando a Ré foi citada para esta última acção estavam volvidos mais de 11 anos após o acidente e mais de 5 a partir da data em que ocorreu a transacção no anterior processo.

Apreciando diga-se que, não obstante a A. não haver apresentado réplica, fez consignar, na p.i. (fls. 6 dos Autos), que, nesta acção, “apresenta danos não abrangidos” pelos danos reclamados naquela acção, “isto é, apresenta danos futuros não apurados aquando do referido termo de transacção”, tendo em conta, de acordo com o elemento narrativo dos Autos e a matéria que neles resultou provada, que as sequelas de que ficou a padecer se manifestaram posteriormente.

Ou seja, quando nos art.s 15º, 16º e 17º da contestação se invoca, em subordinação à rubrica RESSARCIMENTO INTEGRAL - QUITAÇÃO, resulta comprovado, da prova produzida e como tal consignada nestes Autos, que

(15°) no âmbito da já referida acção sumária  - com o nº 234/98 - a A reduziu o pedido que havia formulado à quantia então de 800 contos e mediante o recebimento deste valor considerou-se ressarcida de todos os danos patrimoniais e não patrimoniais.

Tal, no entanto, não traduz que

(16°) a declaração de total ressarcimento que consta do termo de transacção de livre iniciativa da A seguida que foi de recibo de plena quitação significa que a A foi indemnizada quanto a todos os danos emergentes do acidente.

Nem tão pouco chancela para o argumentado em

(17°) invocam-se assim para os legais efeitos as declarações da autoria da A de limitação dos seus danos à quantia de 800 contos e de quitação integral quanto a todos os danos sofridos em virtude do acidente as quais quanto mais não seja valem por renúncia a todos e quaisquer outros e eventuais danos.

Com efeito, o dizer-se “ressarcida de todos os danos patrimoniais e não patrimoniais” não pode traduzir que “a A foi indemnizada quanto a todos os danos emergentes do acidente”, nem que traduz “quitação integral quanto a todos os danos sofridos em virtude do acidente as quais quanto mais não seja valem por renúncia a todos e quaisquer outros e eventuais danos”.

Antes que se considerou ressarcida de todos os danos patrimoniais e não patrimoniais individualizados, detectados e contabilizados naquela outra acção sumária referida, em função dos seus termos e do seu próprio petitório.

Ou como se concede na alegação da Ré de fls. 365 -

a A., já vimos, na causa de pedir da anterior acção, previu e configurou danos e despesas futuras emergentes da fractura com esmagamento bilateral dos úmeros,

dando-se por

certo que olvidou no pedido a contemplação de uma tal pretensão, certo é também, que, em vez de correr os riscos do julgamento, optou pelo contrato de transacção com a Ré.

Tal, com vinculação aos termos consignados, antes continua a significar que se tratam de danos não abrangidos pelos danos reclamados naquela acção, mas antes, danos futuros não apurados aquando do referido termo de transacção.

Assim, pois que o escopo final a que converge todo o processo interpretativo é o de pôr a claro o verdadeiro sentido e alcance do que se expressa, em termos de o dito corresponder, exactamente ao que se pretendeu dizer: interpretar, igualmente nesta matéria, quer dizer não só descobrir o sentido que está por detrás da expressão, como também, de entre as várias significações que estão cobertas pela própria expressão, eleger a verdadeira e decisiva (Cf. Manuel de Andrade, Ensaio sobre a Teoria da Interpretação das Leis, 21 e 26).

Exactamente, levando em conta a superveniência, como se fixou em 20) dos factos provados, uma vez que:

(20.) Em 15.10.2004, com relação ao ombro direito, foi diagnosticado à autora acentuada rarefacção óssea, alterações morfológicas e estruturais do colo do úmero compatíveis com sequelas de traumatismo antigo, artrose gleno-umeral e calcificações projectadas nos tecidos moles do espaço articular sub-acromial.

 O que, por sua vez, determina - enquanto danos supervenientes -, que o prazo prescricional respectivo só dever começar a contar da data em que a A. deles teve conhecimento -, a saber, como se fixou, 15 de Outubro de 2004.

Levando em conta o mencionado “quadro recidivo novo” e a circunstância de a Ré haver sido citada em 14 de Maio de 2007 (fls. 56), é curial concluir que não ocorre a invocada prescrição do crédito correspondente à indemnização pelos danos verificados a partir de 15 de Outubro de 2004.

Até porque o início da contagem do prazo não coincide, necessariamente, com o momento do acidente (Ac. RC. 3-5-1972: BMJ, 217-183), mas cabe ao lesado o ónus da prova do deferimento para momento posterior do conhecimento dos pressupostos condicionadores da responsabilidade (Ac. RC. 19-5-1972: BMJ. 217.º-188), estando sempre o direito à indemnização sujeito ao prazo ordinário da prescrição (Ac. STJ. 9-3-1976: BMJ, 255-114). Tendo em conta que o conhecimento do direito equivale à consciência da possibilidade legal de ressarcimento dos danos. O lesado não necessita de saber o quantum da indemnização a que tem direito; o essencial é que saiba que tem direito a indemnização pelos danos que sofreu: é também indispensável que sofresse danos como consequência acidental (RT, 86.º- 159). Tal como aconteceu.

Quer isto dizer que o prazo estabelecido no n.° 1 do art. 498.º do Cód. Civil conta-se do momento em que o lesado teve conhecimento do seu direito, ou seja, a partir da data em que ele, conhecendo a verificação dos pressupostos que condicionam a responsabilidade, soube ter direito à indemnização pelos danos - outros danos - que sofreu (Ac. STJ. 6-10-1983: BMJ, 330.°.495).

Assim, a obrigação de indemnizar compreende toda a extensão do prejuízo sofrido pelo lesado. O que significa que a lei tutela a segurança integral, total, completa, global dos danos, lesões e prejuízos sofridos ou consequências motivadas, e não é aceitável, nem configurável indemnizar o lesado apenas de parte dos seus danos e prejuízos. Em direito civil, o prazo de prescrição aplicável será um só e, dentro dele, se irão reparar todas as lesões, prejuízos e danos causados. A regra da prescrição do direito de total reparação civil, pela extensão integral dos danos, está marcada no art. 498.°, n.° 1, do Cód. Civil, que lhe fixou um prazo normal, geral, de três anos, e só o prazo - e não a extensão do direito é que pode ser alargado pela regra do seu número terceiro. Nestes termos, enquanto não expirar, por prescrição, o direito de indemnização, haverá que reparar, sem distinção, todos os danos ou lesões causadas pelo mesmo responsável (Ac. STJ, 15-11-1983: BMJ, 431.°- 535).

2. A A. na anterior acção (Acção Sumária 234/98) e na douta p.i. então apresentada, previu e configurou danos e despesas pretéritas e futuras emergentes da fractura com esmagamento bilateral dos úmeros e se é certo que, omitiu no petitório, a contemplação de danos futuros, na altura ainda não determinados e imprevisíveis, em vez de correr os riscos do julgamento optou pelo contrato de transacção com a Ré.

3. A transacção foi homologada, e a correspondente sentença constitui caso julgado, que abrange a causa de pedir ou fundamento da acção (art° 294° do CPC), que é excepção dilatória (art° 495° do CPC) que obsta a que o Tribunal aprecie agora a mesma acção (494, 498, 673 e 675,1 do CPC) e a ditar a absolvição da Ré, da instância (artigo 288, 1 do CPC).

4. Na primitiva acção a A. e a Ré fazendo recíprocas concessões transigiram nos termos do art° 1248° do CC e aquela reduziu a sua pretensão indemnizatória a 800 contos (reportados ao ano de 2000) tendo declarado que com tal recebimento considerava-se integralmente ressarcida de todos os danos patrimoniais e não patrimoniais emergentes do acidente.

Uma transacção judicial é uma das possíveis causas de extinção de uma qualquer instância judicial, em paralelo com o julgamento (e subsequente decisão transitada em julgado), a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide, a deserção ou o compromisso arbitral art. 287.° do CPC -, sendo que através de uma transacção uma dada causa cessa nos precisos termos em que essa transacção é efectuada - art. 294.° do CPC (Ac. RC, de 29.6.2004: Proc.1 772/04.dgsi.Net).

No entanto, de acordo com o disposto no mesmo art. 294º CPC (efeitos da confissão e da transacção), as obrigações assumidas pelas partes, em transacção homologada, são somente as constantes do respectivo termo ou da acta do julgamento. Não outras!

Isto porque a dicotomia do preceito (modificação do pedido ou cessação da causa) tem em conta a possibilidade alternativa de a confissão do pedido e a transacção actuarem apenas sobre parte ou sobre a totalidade das situações jurídicas controvertidas: sendo parciais, a causa prosseguirá na parte sobre a qual o negócio não haja incidido; sendo totais, nada restando para a decisão jurisdicional, a instância ir-se-á extinguir. Só este caso, portanto, é verdadeiramente abrangido pelo disposto no art. 287-d, pois o outro só tem como efeito processual a modificação do objecto do processo, que se restringe. De qualquer modo, porém, a cessação da causa só indirectamente é efeito do negócio celebrado: directamente, apenas é efeito da sentença que o homoIoga (José Lebre de Freitas, CPC Anotado, Vol. 1º, 2ª Edição, p. 567).

Tratando-se de negócio de auto-composição do litígio, o juiz, verificado que o acto é válido e que é pertinente para o processo, profere sentença homologatória, que, embora não aplicando o direito objectivo aos factos provados na causa, constitui uma sentença de mérito, como tal condenando o réu no pedido ou dele o absolvendo, consoante o negócio jurídico celebrado; e, tratando-se de acto de desistência da instância, o juiz, verificado que o praticou o autor, absolve o réu da instância (n.os 3 e 4).

Neste último caso, a instância extingue-se (art. 287-d). Nos outros, a sentença homologatória tem, para além deste, o efeito de constituir caso julgado material (arts. 301-2 e 671-1) e o de, sendo condenatória, formar título executivo (art. 46-a). Distinguem-se assim os efeitos de direito substantivo do negócio de auto-composição do litígio e os efeitos processuais da sentença que o homologa (José Lebre de Freitas, CPC Anotado, Vol. 1º, 2ª Edição, p. 577).

Circunstancialmente, verifica-se que, na primeira acção, conforme resulta da p.i. respectiva,

 a A. reclamou o pagamento de indemnização ligada à fractura com esmagamento bilateral dos úmeros, várias escoriações na cara e nas mãos e hematomas, tendo na mesma peticionado a indemnização pelos danos morais (dores, mal-estar, cicatrizes), perda de vencimento e demais danos patrimoniais (179.000$00).

Sendo que, no caso sub judice, diferenciadamente, a A. alegou que,

 em Outubro de 2004, como sequelas das lesões sofridas do acidente, começou a sentir dores no ombro e braço direito, que se foram tornando mais frequentes e a obrigaram a interromper a sua actividade laboral e posteriormente a obrigaram a nova intervenção cirúrgica, encontrando-se no presente com uma incapacidade permanente para o trabalho não inferior a 20%.

Tanto assim que o facto 24 da base instrutória - e que foi dado como provado - revela-se, efectivamente,

determinante para a apreciação da excepção porquanto dele decorre que o diagnóstico que deu lugar aos tratamentos a que a A. foi posteriormente sujeita só foi efectuado em 15 de Outubro de 2004.

O que emerge, agora, directamente, dos termos consignados na matéria considerada como provada nos nºs 25, 26 e 27, a saber:

25. Em 19.10.2006 a A. foi internada no serviço de Ortopedia B dos Hospitais da Universidade de Coimbra, com o seguinte diagnóstico: rigidez do ombro direito pós fractura da extremidade proximeal do úmero e artrose acrómio clavicular à direita.

26. Em 23.10.2006 a A. foi submetida a cirurgia ao ombro direito destinada à libertação de múltiplas aderências ao ombro, a exérese da extremidade distal da clavícula e a acromioplastia

27. (...) tendo tido alta em 25.10.2006, com a seguinte indicação terapêutica: fazer pensos a nível da ferida operatória, mobilização activa do ombro, retirar pontos de sutura decorridos 15 dias do pós - operatório e observação em consulta externa.

Em tais termos, tal torna adequado considerar, como foi empreendido no tribunal a quo, que, dos elementos constantes dos autos, é possível aceitar que, a partir dessa data, se está em presença de um quadro “recidivo” novo.

Exactamente como se fixou em 20) dos factos provados, uma vez que:

(20.) Em 15.10.2004, com relação ao ombro direito, foi diagnosticado à autora acentuada rarefacção óssea, alterações morfológicas e estruturais do colo do úmero compatíveis com sequelas de traumatismo antigo, artrose gleno-umeral e calcificações projectadas nos tecidos moles do espaço articular sub-acromial.

 O que, por sua vez, pois, determina - enquanto danos supervenientes -, que o prazo prescricional respectivo só dever começar a contar da data em que a A. deles teve conhecimento -, a saber, como se fixou, 15 de Outubro de 2004.

O que o disposto no art. 564º Código Civil (cálculo da indemnização) também não veda, uma vez que, no seu próprio enunciado, (nº2) “na fixação da indemnização pode o tribunal atender aos danos futuros, desde que sejam previsíveis; se não forem determináveis, a fixação da indemnização correspondente será remetida para decisão ulterior”, nem - com essa configuração - se descentra do disposto no art.1248º Código Civil (transacção - noção).

Por sua vez, em decorrência do disposto no art. 498º CPC (requisitos do caso julgado) o caso julgado da decisão anterior releva como autoridade de caso julgado material no processo posterior quando o objecto processual anterior (pedido e causa de pedir) é condição para apreciação do objecto processual posterior (Ac. STJ, de 19.2.1998: BMJ, 474.°- 405). O que, tendo em consideração a factualidade, agora, considerada como vinculística, de todo se não configura.

Consequentemente [como se concluiu no Ac. STJ de 28-11-96, Processo: 96B290 - Nº Convencional:JSTJ0003 1173, Relator: JOAQUIM DE MATOS, - Descritores: ACIDENTE DE VIAÇAO, INTERPRETAÇÃO DO NEGÓCIO JURÍDICO, SEGURO OBRIGATÓRIO AUTOMÓVEL, ACTUALIZAÇÃO, LIMITE DA INDEMNIZAÇÃO, INDEMNIZAÇÃO, QUITAÇÃO, N° do Documento: STJ 99611280002902], até “no recibo em que o lesado declara à seguradora do lesante ter recebido certa indemnização dela para pagamento de todos os danos patrimoniais e não patrimoniais que tenha sofrido no acidente de viação, dando-se por cabal e integralmente indemnizado e dando quitação, e que renunciava a todos os direitos de acção judicial e indemnização que lhe pudessem caber em virtude do acidente, não cabem os prejuízos ou danos que só posteriormente vieram a revelar-se, pois é esse o sentido que um declaratário normal atribui a tal declaração”.

O que vale por dizer que, em rigor, no texto documentado se inserem duas declarações - uma de quitação e outra de renúncia.

A respeito de caso semelhante decidiu o Supremo Tribunal de Justiça em termos que aqui se transcrevem, por sua manifesta oportunidade: «Tendo o autor declarado no recibo de quitação de indemnização paga pela seguradora que renunciava a todos os direitos de acção judicial e indemnização que lhe pudessem caber, em virtude do mesmo acidente, o declaratário normal, colocado na posição do réu, não podia entender tal declaração senão como respeitando apenas aos prejuízos desse lesado sofridos até ao momento de tal declaração» (Cfr. acórdão do STJ de 28.11.96, Proc. 290/96,2.8 Sec., na Página da Internet in http./www.cidadevirtual.pt/stj)

De feito, nada consentia à apelada pudesse deduzir do texto em causa que o mesmo se reportava a prejuízos futuros, no sentido de ainda não produzidos, do facto lesivo.

O sentido de uma tal declaração, dedutível por um «declaratário normal», para o efeito prevenido no art. 236 1 do CC, só precipitada e levianamente poderia compreender os danos futuros, desde logo pela consabida imprevisibilidade das consequências de lesões traumáticas da gravidade das dos autos.

Entendimento diverso levaria, nos casos em que sobrevêm a morte do lesado, por forma não previsível na época da quitação por ele dada, por evolução não prevista das lesões sofridas, à conclusão de que lhe estaria vedado, por obra de tal quitação, o direito, transmissível por sucessão, de ser indemnizado.

Ainda quando, porém, se admitisse que o texto do documento de quitação suscitasse legitima dúvida sobre a inclusão, ou não, de danos futuros, sempre se deveria acolher, nos termos do art. 237 do CC, o sentido conducente ao maior equilíbrio das prestações. E não sofre dúvida que uma interpretação inclusiva daqueles prejuízos levaria a um severo desequilíbrio, pela exclusão da reparação de danos posteriormente sobrevindos.

Ao que precede poderia obtemperar-se que, sendo embora de conceder que a declaração de quitação se reportasse apenas aos prejuízos passados, a renúncia que lhe e subsequente, pela latitude mesma de seus termos, compreenderia os prejuízos futuros.

A tal conclusão se oporia, contudo, o mandamento do art. 809º do CC, que comina com a nulidade a renúncia antecipada aos direitos facultados pela lei nos casos de não cumprimento ou de mora do devedor - preceito que é aplicável responsabilidade delitual (Cfr. ANTUNES VARELA, Das Obrigações Em Geral, vol. I, 3ª ed., Coimbra, 1980, pag. 786; e MENEZES CORDEIRO, Direito das Obrigações, 2º vol., L.x., 1988, ed. AAFDL, pag. 425).

Nem procede o argumento em contrário, no sentido de que aquela regra não teria aplicação à espécie dos autos, por nesta se não verificar a renúncia antecipada, produzido como estaria já, na data da quitação, o facto lesivo. Com o que — renunciável o direito à indemnização depois de adquirido, com aplicação do regime geral das obrigações, notadamente do principio da liberdade contratual — ganharia validade e eficácia a declaração de renúncia.

A tanto se opõe, porém, a natureza consabidamente complexa, sequencial ou serial do facto gerador de responsabilidade civil delitual, que se não esgota no acto ilícito, antes compreende, satisfeitos os demais pressupostos ou nexos da imputação e da causalidade, os danos ou prejuízos, de cuja ocorrência depende, pois, a constituição da obrigação de indemnizar fundada naquela responsabilidade.

Aquela peculiar índole da responsabilidade delitual resultaria subvertida se os efeitos danosos posteriores à fixação da indemnização, por via judicial ou extra-judicial, não pudessem ser objecto de reparação, pelo simples facto de não terem sido ou podido ser previstos. Bastará atentar, nos termos preditos, na evolução, até clinicamente imprevisível, dos efeitos de lesões traumáticas ou na superveniência da morte, em resultado de um «processus» patológico medicamente não prognosticado ou até não prognosticável.

Vale, pois, em tal matéria, o princípio que preside à cominação de nulidade contida no falado art. 809 do CC: o da natureza imperativa das normas que estabelecem o direito à indemnização, quando este ainda não tenha sido definitivamente adquirido (Ac. Rel. Lxa., de 5 de Dezembro e 2000, CJ, Ano XXV-2000, pp. 120-121).

5. A própria sentença reconhece e exara que a causa exclusiva do acidente foi a imprevista presença na estrada de um lençol de água de proporções gigantescas.

6. No caso dos autos estamos perante caso de força maior, estranha ao funcionamento do veículo, previsto no art° 505º do CC e que afasta a responsabilidade pelo risco do art° 503° do CC.

Em acidente de viação a responsabilidade pelo risco encontra a sua justificação nos perigos potencialmente graves que resultam da circulação terrestre de veículos. Para se excluir tal responsabilidade não é necessário que o lesado e o terceiro tenham tido qualquer espécie de culpa; apenas se exigindo que se lhes possa imputar materialmente o acidente (Ac.RP. 30-4-1992: BMJ. 416.°-704).

Com efeito, considera-se facto inerente ao funcionamento do veículo automóvel a derrapagem consequente quer de efeito orgânico do mesmo, quer do estado defeituoso do piso da via por onde circula, pois nessa circulação residem alguns riscos de utilização normal de veículos terrestres. Assim, não constitui causa de força maior estranha ao funcionamento do veículo a derrapagem resultante do piso escorregadio da estrada por se encontrar molhado (Ac. STJ. 21-2-1980: BMJ, 294-321; e RLJ, 114.°- 201, com anotação de Antunes Varela).

Ora, na lição dos dicionaristas, DICIONÁRIOS EDITORA, DICIONÁRIO DA LÍNGUA PORTUGUESA, 6.ª edição corrigida e aumentada, por J. Almeida Costa e A. Sampaio e Melo, com a contribuição de um grupo de colaboradores especializados, PORTO EDITORA, p. 485, derrapar, v. intr. (gal.) equivale a escorregar (a roda de um veículo em andamento); resvalar (Do fr, déraper, «id»), o que se parifica, conceitual e facticamente, com a ocorrência sinistral. Tendo em conta que resultou provado - sem que tal matéria venha impugnada -, como se destacou, e se torna vinculativo:

“no dia 25.12.1995, cerca das 20.00 horas, na Estrada Nacional n.° 347, em Belide, Condeixa-a-Nova, ocorreu um embate em que interveio o automóvel, ligeiro, de passageiros, de matrícula (...)-EG; o EG era conduzido pelo seu F (…); era F (…) quem cuidava da manutenção do EG, designadamente verificando o estado das suas peças, introduzindo-lhe combustível e procedendo à sua limpeza, pagando o selo de circulação e o prémio de seguro; a A. viajava à boleia no interior do EG, no lado direito do banco traseiro; o embate ocorreu quando o EG circulava na estrada nacional n.° 347, no sentido Condeixa-a-Nova/Belide pela metade direita da faixa de rodagem; F (…) circulava pela metade direita da estrada, atento o respectivo sentido de marcha a velocidade não superior a 80 km/hora; no supra referido local encontrava-se um lençol de água com um comprimento de 100 metros e uma profundidade de 15 cm, o qual ocupava toda a largura da estrada; o condutor do EG foi subitamente surpreendido por esse lençol de água; ao entrar no lençol de água o EG deslizou sobre a água e guinou para a direita;  ao entrar no lençol de água o condutor do EG não diminuiu a velocidade; ao entrar nesse lençol de água o veículo perdeu totalmente a aderência pneumática e tornou-se ingovernável, tendo, em virtude disso, ocorrido o embate do EG ido embater contra uma oliveira situada do lado da metade direita da faixa de rodagem da estrada; no local do embate a estrada é constituída por uma recta com a largura de 7,20 metros”.

Tal esquisso factual, torna impossível atribuir a ocorrência do acidente a título de culpa ao respectivo condutor.

 

Fundando-se a responsabilidade pelo risco (art. 503º Código Civil - acidentes causados por veículos), no risco especial criado com a utilização do veículo, só devem haver-se como tais aqueles que dão lugar a perigos especiais, isto é, maiores que os causados pelas outras coisas em geral. (Vaz Serra, RLJ, 99-302).

Por sua vez, também não há causa de força maior, nos termos do art. 505.º (exclusão de responsabilidade) do Cód. Civil, exoneratória de responsabilidade pelo risco, quanto aos danos provocados pelo embate de um veículo, que entrou em derrapagem, deslizando, provocada pela existência no pavimento de produto derramado (Ac. RL, 24-7-1985: BMJ, 355-423).

O dever de indemnizar «os danos provenientes dos riscos próprios do veículo», a que alude o art. 503.º, nº 1, do Cód. Civil, pressupõe um nexo de causalidade entre o veículo e os danos, o que, circunstancialmente, tudo visto, resulta incontroverso (Ac. RE.29-11-1984: BMJ, 343-390).

7. A A. era ocupante do veículo seguia transportada gratuitamente, o acidente ocorreu aos 25/12/1995, estava em vigor a anterior redacção do n° 2 do art° 504° do CC e que excluía a responsabilidade pelo risco quanto aos danos causados a quem fosse transportado gratuitamente, porque naquela data a 3ª Directiva do Conselho de 14/05/90 não estava transportada para o nosso Direito.

Assim acontecia! Chegando a julgar-se que “o contrato de seguro tem natureza pessoal, só respondendo o segurador na medida em que foi responsável o seu segurado. Fazendo-se a vítima transportar em veículo automóvel gratuitamente e não se provando a culpa não há lugar ao dever de indemnizar. O Dec.-Lei n.° 522/85, ao alargar aos passageiros transportados gratuitamente a obrigatoriedade do seguro, não revogou o disposto na lei civil quanto à responsabilidade!” (Ac. RC, 19-11-1991: CJ, 1991, 5.°- 65).

Em todo o caso, e não obstante, a responsabilidade objectiva, pressupõe os mesmos requisitos da responsabilidade subjectiva, com excepção da parte que lhe não é aplicável. Sendo o risco, como é, o perigo que resulta da complexidade e, por vezes, da imprevisibilidade do funcionamento de um maquinismo em plena laboração - ou na sua relação - interacção funcional com o meio -, não pode aqui falar-se em culpa nem em ilicitude; contudo, devem estar presentes os restantes elementos: o facto, traduzido em acção ou omissão; o dano que pode ser patrimonial e ou não patrimonial, e o nexo de causalidade. Transporte gratuito é o não pago, o gracioso, efectuado por gentileza, por cortesia, normalmente por espírito de liberalidade e no interesse, sobretudo, do transportado, de que a boleia é ocaso típico.

Com este enquadramento, a Directiva n.° 90/232/CEE, de 14 de Maio de 1990, estabelece, no seu art. 1.º, que o seguro de responsabilidade civil atinente à circulação de veículos automóveis, deve cobrir a responsabilidade por danos pessoais de todos os passageiros, com excepção dos sofridos pelo condutor, o que implicou a nova redacção dada ao n.° 3 do art. 504.° do Cód. Civil pelo Dec.-Lei n.° 14/96, de 6 de Março (Ac. STJ, 4-7-1995: BMJ, 459.°-527).

Sem que se possa olvidar que - e a tal foi o tribunal a quo sensível - as

“jurisdições nacionais devem, dentro do possível, interpretar o respectivo direito nacional à luz das Directivas Comunitárias no caso aplicáveis, mesmo que não transpostas ou incorrectamente transpostas. É a chamada obrigação de interpretação conforme(Ac. do STJ de 4 de Outubro de 2007, R.L.J., Ano 137.°, n.° 3946, pg. 44).

Impõe-se, por isso, com vista ao respeito pelo princípio da primazia do direito comunitário em relação ao direito infra-constitucional e pelas soluções que o próprio legislador nacional sufragou, o entendimento de que o regime emergente do Dec.-Lei n.° 14/96, de 6 de Março, pretende regular não apenas as situações ocorridas posteriormente à sua entrada em vigor como também as anteriores que ainda não tenham sido objecto de decisão transitada em julgado.

Em decorrência, à situação dos autos é aplicável o regime legal consagrado actualmente no art.° 504º n.° 3 do Código Civil, no sentido de que, no caso de transporte gratuito, não é excluída a responsabilidade pelo risco, mas a responsabilidade abrange apenas os danos pessoais da pessoa transportada.

A este resultado conduz uma interpretação progressista ou actualista do próprio art. 505º Código Civil, que tenha em conta a unidade do sistema jurídico e as condições do tempo em que tal norma é aplicada, em que a responsabilidade pelo risco é enfocada a uma nova luz, iluminada por novas concepções, de solidariedade e justiça (Acórdão do STJ de 4 de Outubro de 2007, RLJ, Ano 137, Nº3946, pp. 35, 36). Configurando-se, assim, como incontornável a influência das directivas comunitárias no domínio do seguro obrigatório automóvel e no direito da responsabilidade civil, defendendo-se que a interpretação das suas disposições ou o seu efeito útil geram soluções que penetram (ou devem penetrar) as legislações nacionais nessas matérias — cfr., a propósito desta temática, o importante estudo do Conselheiro José Carlos Moitinho de Almeida, “Seguro obrigatório automóvel: o direito português face à jurisprudência do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias”, acessível em www.stj.pt (link Estudos Jurídicos).

8. Na fixação do capital para contemplar danos futuros, a sentença acentua que estão em apreciação danos advindos da recidiva reportada a Outubro de 2004, e daí que, nos cálculos, tenha de sofrer diminuição o período de vida activa da A., sendo ainda de realce o facto da IPP permitir-lhe exercício profissional noutros sectores profissionais da área onda a A. laborava, aspecto que não foi sopesado e que a equidade exige que seja, em função do que o capital por danos futuros deva baixar para 15.000,00€.

Resulta explícito do decisório que, em conformidade à matéria dada por provada,

«que as sequelas são impeditivas da sua actividade habitual».

Do mesmo modo que

«à data da consolidação das lesões sofridas (28 de Maio de 1997) a A. tinha 34 anos de idade.

Admitindo-se, num juízo de prognose coincidente com o comum dos cidadãos, que viesse a cessar a sua vida profissional por volta dos 65 anos, temos encontrado um período de 31 anos de actividade profissional e onde, naturalmente, iria obter rendimentos.

De uma forma singela, dever-se-ia considerar para a A. uma perda de rendimento mensal no montante de € 111,19 (€ 505,41x22%)».

Tal - nesses precisos termos -, só por si, não permite acobertar juridicamente a circunstância alegada de

“o facto da IPP permitir-lhe exercício profissional noutros sectores profissionais da área onda a A. laborava, aspecto que não foi sopesado e que a equidade exige que seja, em função do que o capital por danos futuros deva baixar para 15.000,00€”.

Isto porque a indemnização por dano patrimonial deve corresponder à quantificação da vantagem que, segundo o curso normal das coisas ou de harmonia com as circunstâncias especiais do caso, o lesado teria obtido não fora a acção ou omissão lesiva (Ac. STJ, 9-12-2004: CJ/STJ, 2004, 3.°-137). Com a diminuição da capacidade de trabalho a ser, em si mesmo, uma perda patrimonial indemnizável, independentemente, até, da perda imediata da retribuição salarial (Ac. STJ, 12-3-2002: JSTJ00042866IITIJ/Net).

Sem se poder afastar que os danos patrimoniais compreendem não só os danos emergentes, isto é, os prejuízos sofridos, ou seja, a diminuição do património do lesado, como também os lucros cessantes, ou seja os ganhos que se frustraram, os prejuízos que lhe advieram por não ter aumentado, em consequência da lesão, o seu património. Sendo a força de trabalho do homem um bem patrimonial, uma vez que lhe propicia rendimentos, a incapacidade permanente parcial é, consequentemente, um dano patrimonial. Para a indemnização dos danos futuros não se exige que os mesmos sejam certos, bastando a mera previsibilidade, que deverá aferir-se à luz da experiência comum. Não obstante para o cálculo da indemnização pelos danos futuros se poder recorrer ao montante do salário e ao tempo de vida activa, porque estes não são valores imutáveis nem estão sujeitos a regras pré-determinadas e fixas, não é possível determinar o quantum indemnizatório com rigor matemático, havendo, em consequência, que fazer apelo a um juízo de equidade (Ac. RP 19-9-1994:BMJ, 439.°- 644). Levando em conta que, nos termos dos arts. 562°, 564.° e 566.° do Cód. Civil, deve seguir-se de perto a chamada teoria da diferença entre aquilo que o lesado perdeu por causa do acidente e o que, natural e previsivelmente, não teria perdido se não tivesse ocorrido o acidente (Ac. RL, 23-1-1997: BMJ, 463.°- 628).

Assim, exactamente levando em ponderação :

-    o grau de incapacidade de que a A. ficou a padecer;

- as consequências dessa incapacidade (inviabilizando a continuação da sua actividade profissional)

-   o rendimento mensal de referência;

-   o tempo provável de vida activa;

-   inflação anual; ganhos de produtividade e evoluções salariais que em condições de normalidade teria obtido não fora o evento

é que se não mostra ajustado fixar, a título desta compensação, a quantia de 35.000.

Exactamente porque já se legitima - como é feito - alegar que

“na fixação do capital para contemplar danos futuros, a sentença acentua que estão em apreciação danos advindos da recidiva reportada a Outubro de 2004”.

O que merece, porque pertinente, referencial e algebricamente, introduzir elemento correctivo correspondente, sem deixar de fazer apelo ao critério utilizado, mas com outra diferenciada vinculação temporal, a reportar a Outubro de 2004, que haverá de reconduzir-se, algebricamente, ao seguinte enunciado:

111,19 x (12x6) = 8.005, 68 Euros

O que torna ajustado antes fixar, a título desta compensação, a quantia de

€ 35.000,00 - € 8.005,68 = € 26.994, 32.

9. Consequentemente, a sentença em apreço não fez incorrecta interpretação e aplicação do que vem disposto nos artigos 298° do CC; 498°, 1 do CC; 564°, 2 do CC; 809° do CC; 504° no 2 do CC; 504°, n° 3 do CC; 503°, n° 1 do CC; 505° do CC; 564° do CC; 5 64°, 2 do CC; 583°n ° 1 do CC, 562° e 564° ambos do CC, e a correcta interpretação e aplicação dos citados normativos e ainda dos artigos 471° e 378° e seguintes e 661° 2 e 805° e seguintes todos do CPC, 1248° do CC; 294° do CPC; 494° alínea i) do CPC; 495° do CPC; 494°, 498°, 673° e 675°, 1 do CPC; 288°, 1 alínea e) do CPC; 504°, 2 do CC anterior redacção. Tornando-se, por isso, insusceptível de ditar acórdão que “revogue a sentença conhecendo das excepções de prescrição, ou caso julgado, e quitação, que devem ser julgados procedentes, que a ocorrência dos autos é um caso típico de causa de força maior, e que afasta a responsabilidade pelo risco, a qual está desde logo afastada pela anterior redacção do n° 2 do artigo 504° do CC e sem prescindir, subsidiariamente, o capital por danos futuros deve sofrer abaixamento”.

O que determina atribuir resposta negativa às questões, todas as questões, configuradas.

Podendo, assim, concluir-se que:

1. O início da contagem do prazo não coincide, necessariamente, com o momento do acidente, mas cabe ao lesado o ónus da prova do deferimento para momento posterior do conhecimento dos pressupostos condicionadores da responsabilidade, estando sempre o direito à indemnização sujeito ao prazo ordinário da prescrição.

2.Tendo em conta que o conhecimento do direito equivale à consciência da possibilidade legal de ressarcimento dos danos, o lesado não necessita de saber o quantum da indemnização a que tem direito; o essencial é que saiba que tem direito a indemnização pelos danos que sofreu: é também indispensável que sofresse danos como consequência acidental. Tal como aconteceu.

3. Quer isto dizer que o prazo estabelecido no n.° 1 do art. 498.º do Cód. Civil conta-se do momento em que o lesado teve conhecimento do seu direito, ou seja, a partir da data em que ele, conhecendo a verificação dos pressupostos que condicionam a responsabilidade, soube ter direito à indemnização pelos danos - outros danos - que sofreu.

4. Assim, a obrigação de indemnizar compreende toda a extensão do prejuízo sofrido pelo lesado. O que significa que a lei tutela a segurança integral, total, completa, global dos danos, lesões e prejuízos sofridos ou consequências motivadas, e não é aceitável, nem configurável indemnizar o lesado apenas de parte dos seus danos e prejuízos.

5. Enquanto não expirar, por prescrição, o direito de indemnização, haverá que reparar, sem distinção, todos os danos ou lesões causadas pelo mesmo responsável.

6. O que, por sua vez, pois, determina - enquanto danos supervenientes -, que o prazo prescricional respectivo só dever começar a contar da data em que a A. deles teve conhecimento -, a saber, como se fixou, 15 de Outubro de 2004.

7. De acordo com o disposto no mesmo art. 294º CPC (efeitos da confissão e da transacção), as obrigações assumidas pelas partes, em transacção homologada, são somente as constantes do respectivo termo ou da acta do julgamento. Não outras.

8. O que o disposto no art. 564º Código Civil (cálculo da indemnização) também não veda, uma vez que, no seu próprio enunciado, (nº2) “na fixação da indemnização pode o tribunal atender aos danos futuros, desde que sejam previsíveis; se não forem determináveis, a fixação da indemnização correspondente será remetida para decisão ulterior”, nem - com essa configuração - se descentra do disposto no art.1248º Código Civil (transacção - noção).

9. Por sua vez, em decorrência do disposto no art. 498º CPC (requisitos do caso julgado) o caso julgado da decisão anterior releva como autoridade de caso julgado material no processo posterior quando o objecto processual anterior (pedido e causa de pedir) é condição para apreciação do objecto processual posterior. O que, tendo em consideração a factualidade, agora, considerada como vinculística, de todo se não configura.

10. No recibo em que o lesado declara à seguradora do lesante ter recebido certa indemnização dela para pagamento de todos os danos patrimoniais e não patrimoniais que tenha sofrido no acidente de viação, dando-se por cabal e integralmente indemnizado e dando quitação, e que renunciava a todos os direitos de acção judicial e indemnização que lhe pudessem caber em virtude do acidente, não cabem os prejuízos ou danos que só posteriormente vieram a revelar-se, pois é esse o sentido que um declaratário normal atribui a tal declaração.

11. Considera-se facto inerente ao funcionamento do veículo automóvel a derrapagem consequente quer de efeito orgânico do mesmo, quer do estado defeituoso do piso da via por onde circula, pois nessa circulação residem alguns riscos de utilização normal de veículos terrestres. Assim, não constitui causa de força maior estranha ao funcionamento do veículo a derrapagem resultante do piso escorregadio da estrada por se encontrar molhado.

12. Derrapar (v. intr. (gal.) equivale a escorregar (a roda de um veículo em andamento), resvalar (do fr, déraper, «id»), o que se parifica, conceitual e facticamente, com a ocorrência sinistral. Tendo em conta o que resultou provado - sem que tal matéria fáctica venha impugnada.

13. Não há causa de força maior, nos termos do art. 505.º (exclusão de responsabilidade) do Cód. Civil, exoneratória de responsabilidade pelo risco, quanto aos danos provocados pelo embate de um veículo, que entrou em derrapagem, deslizando, provocada pela existência no pavimento de produto derramado ou existente (água).

14. O dever de indemnizar «os danos provenientes dos riscos próprios do veículo», a que alude o art. 503.º, nº 1, do Cód. Civil, pressupõe um nexo de causalidade entre o veículo e os danos, o que, circunstancialmente, tudo visto, resulta incontroverso.

15. A Directiva n.° 90/232/CEE, de 14 de Maio de 1990, estabelece, no seu art. 1.º, que o seguro de responsabilidade civil atinente à circulação de veículos automóveis, deve cobrir a responsabilidade por danos pessoais de todos os passageiros, com excepção dos sofridos pelo condutor, o que implicou a nova redacção dada ao n.° 3 do art. 504.° do Cód. Civil pelo Dec.-Lei n.° 14/96, de 6 de Março.

16. Sem que se possa olvidar que - e a tal foi o tribunal a quo sensível - as  jurisdições nacionais devem, dentro do possível, interpretar o respectivo direito nacional à luz das Directivas Comunitárias no caso aplicáveis, mesmo que não transpostas ou incorrectamente transpostas. É a chamada obrigação de interpretação conforme.

17. Impõe-se, por isso, com vista ao respeito pelo princípio da primazia do direito comunitário em relação ao direito infra-constitucional e pelas soluções que o próprio legislador nacional sufragou, o entendimento de que o regime emergente do Dec.-Lei n.° 14/96, de 6 de Março, pretende regular não apenas as situações ocorridas posteriormente à sua entrada em vigor como também as anteriores que ainda não tenham sido objecto de decisão transitada em julgado.

18. Em decorrência, à situação dos autos é aplicável o regime legal consagrado actualmente no art.° 504º n.° 3 do Código Civil, no sentido de que, no caso de transporte gratuito, não é excluída a responsabilidade pelo risco, mas a responsabilidade abrange apenas os danos pessoais da pessoa transportada.

19. A este resultado conduz uma interpretação progressista ou actualista do próprio art. 505º Código Civil, que tenha em conta a unidade do sistema jurídico e as condições do tempo em que tal norma é aplicada, em que a responsabilidade pelo risco é enfocada a uma nova luz, iluminada por novas concepções, de solidariedade e justiça.

20. Para o cálculo da indemnização pelos danos futuros se poder recorrer ao montante do salário e ao tempo de vida activa, porque estes não são valores imutáveis nem estão sujeitos a regras pré-determinadas e fixas, não é possível determinar o quantum indemnizatório com rigor matemático, havendo, em consequência, que fazer apelo a um juízo de equidade. Levando em conta que, nos termos dos arts. 562°, 564.° e 566.° do Cód. Civil, deve seguir-se de perto a chamada teoria da diferença entre aquilo que o lesado perdeu por causa do acidente e o que, natural e previsivelmente, não teria perdido se não tivesse ocorrido o acidente.

III. A Decisão:

Pelas razões expostas, concede-se parcial provimento ao recurso interposto, (b) condenando a Ré Companhia de Seguros (…) SA. a pagar a H (…) a quantia de € 26.994, 32 (vinte e seis mil novecentos e noventa e quatro Euros e trinta e dois cêntimos), a título de danos patrimoniais, acrescida de juros moratórios, vencidos e vincendos, à taxa legal, contados desde a citação da Ré até efectivo e integral pagamento; no mais se confirmando a decisão recorrida.

Custas em proporção, fixando-se a taxa de justiça em 2 UC.