Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
206/09.7GACDN.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JOSÉ EDUARDO MARTINS
Descritores: PENA DE MULTA
Data do Acordão: 06/29/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE CONDEIXA-A-NOVA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART.º 47º, N.º 2, DO C. PENAL
Sumário: A nossa lei (artigo 47.º, n.º 2, do C. Penal) aponta para além de uma visão puramente economicista e contempla critérios de razoabilidade e exigibilidade.
Assim, se é verdade que a pena de multa terá de representar uma censura do facto e, ao mesmo tempo, uma garantia para a comunidade da validade e vigência da norma violada, não é menos certo que deverá sempre ser assegurado ao condenado o nível existencial mínimo adequado às suas condições sócio-económicas.
Daí que deva o juiz partir, para a determinação do montante da multa, do chamado rendimento líquido, isto é, a diferença entre o rendimento bruto e as despesas que advêm do seu ganho.
Decisão Texto Integral:
I. Relatório: No âmbito do processo comum (tribunal singular) n.º 206/09.7GACDN que corre termos no Tribunal Judicial de Condeixa-A-Nova, Secção Única, o arguido MM... foi condenado, em 21/12/2010, pela prática, em autoria material, de um crime de usurpação, p. e p. pelos artigos 195.º, n.º 1 e 197.º, n.º 1, ambos do Código dos Direitos de autor e dos direitos Conexos, na pena de 180 dias multa, à razão diária de vinte euros, no montante global de três mil e seiscentos euros.
Mais foi condenado, enquanto demandado cível, no pagamento à demandante cível, “S.P.A. – Sociedade Portuguesa de Autores, CRL”, da quantia de 546, 58 euros, acrescida dos juros de mora vencidos e vincendos, até efectivo e integral pagamento, sendo os juros respeitantes ao montante de 46,58 euros contados desde a data da notificação do arguido do pedido de indemnização cível e os juros referentes à importância de 500,00 euros contados desde a prolação da sentença recorrida.
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Inconformado com a decisão, dela recorreu, em 3/2/2011, o arguido, defendendo que há erro notório na apreciação da prova e que a pena aplicada é desadequada, acrescentando, ainda, ser elevada a condenação do pedido cível, extraindo da respectiva motivação do recurso as seguintes conclusões: 1. Alega o Tribunal a quo que a sua convicção se baseou no conjunto da prova produzida e examinada em audiência, apreciada segundo as regras da experiência comum.
2. Existe erro notório na apreciação da prova, o que levou o Tribunal a quo a condenar o arguido numa pena superior à que deveria ter sido condenado.
3. A matéria que o Tribunal a quo deu como provada na decisão recorrida e os fundamentos que para tanto invocou não são, de todo, suficientes para se decidir como se decidiu pela condenação do arguido.
4. O arguido deveria ter sido condenado com a pena mínima, ou seja, 150 dias, porque os depoimentos das testemunhas foram favoráveis, pois referiram que os clientes eram poucos, a atitude do arguido foi de calma, não se manifestando e admitindo logo que não tinha licença. O CD era uma reprodução legal e não um CD caseiro; o som que saía das colunas não era distorcido e dois dias depois o arguido foi pagar a licença.
5. O arguido deveria ter sido condenado com a pena mínima porque nada consta do seu registo criminal, encontra-se inserido na sociedade e trabalha.
6. O arguido não deveria ter sido condenado à razão diária de 20,00 euros, no montante global de 3.600,00 euros, pois consta dos pontos 14.º e 15.º dos factos provados da sentença que aquele consta no sistema de Segurança Social a descontar na entidade designada por “K..., Lda.”, sendo que o valo declarado do seu salário ascende a 475,00 euros e que não são conhecidos ao arguido quaisquer bens imóveis, nem consta que seja titular de quotas em sociedades.
7. Os pontos 16.º e 18.º dos factos provados da sentença não correspondem à verdade. Quem é responsável pela exploração do bar é o seu irmão mas como não se encontra em Portugal contratou uma empresa de consultadoria para gerir os dois bares que fazem parte da sociedade e é esta que paga aos funcionários, aos fornecedores e trata de toda a burocracia. O arguido e o seu pai nada têm a ver com a sociedade “K...”.
8. O Tribunal de 1ª instância não deve ter em conta os rendimentos da namorada do arguido para o condenar à razão diária de 20,00 euros, pois não vivem em união de facto nem aquela é a responsável pelo pagamento da multa.
9. Para a determinação do quantitativo diário da pena de multa não pode ter em conta a localização do bar onde o arguido trabalha. Presumindo desta forma que o arguido recebe muitas gorjetas.
10. O arguido não pode ser condenado no valor de 46,58 euros a título de danos patrimoniais, pois o dano que existiu foi de 34,18 euros, já que o arguido pagou uma licença no valor de 12,40 euros, o que se encontra provado na sentença no ponto 11. dos factos provados. Sendo esse o prejuízo patrimonial que efectivamente a SPA sofreu, não podendo o arguido ser condenado em quantia maior já que o mesmo não existiu.
11. Não existem danos não patrimoniais e por esse motivo não deve o arguido ser condenado no seu pagamento.
12. Só existem danos morais se os Autores não tiverem conhecimento de que as suas obras vão ser executadas, mas a SPA dá a possibilidade da licença ser emitida e paga posteriormente, o que me leva desde logo a concluir que no caso concreto não existiram danos morais.
13. Existem ainda danos morais quando a execução da obra coloca em causa a sua paternidade, quando é corrompida de alguma forma na sua genuidade. Para que não exista dano moral, a obra tem que ser executada de uma forma íntegra, sem ser deturpada. No caso concreto não houve danos morais, além do CD ser original, o aparelho onde o mesmo se encontrava era de qualidade, não havendo deturpação das obras constantes do mesmo.
14. Nos termos do artigo 40.º, n.º 1, do C. Penal, a aplicação da pena visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade. Ora, a aplicação ao arguido de uma pena de multa de 150 dias, afigura-se-nos que a finalidade que se pretende com a aplicação da pena seria alcançada.
15. A determinação concreta da medida da pena não pode deixar de ter-se por adequada à sua culpa e à satisfação das necessidades de prevenção especial de socialização – influência concreta sobre o agente – bem como de prevenção geral da tutela do ordenamento jurídico – influência sobre a comunidade, no sentido de reforço da consciência jurídica comunitária e do seu sentimento de segurança face à violação da norma ocorrida.
16. O arguido mostrou arrependimento quando solicitou o pagamento de uma licença, o que deve atenuar a pena nos termos do artigo 72.º, n.º 1, e n.º 2, al. c), do C. Penal.
17. Na determinação do quantitativo da pena, deve atender-se à situação económica e financeira do arguido e aos seus encargos pessoais (artigo 47.º, n.º 2, do C. Penal). A medida da pena e a respectiva taxa diária estão, em nosso entender, desajustadas dos rendimentos auferidos pelo arguido que não recebe mais do que um salário mínimo.
18. Nos termos do artigo 47.º, n.º 2, do C. Penal, cada dia de multa corresponde a uma quantia entre 5 e 500 euros que o Tribunal fixa em função da situação económica e financeira do arguido e aos seus encargos pessoais, como supra já se referiu. No caso concreto, o Tribunal a quo fixou o quantitativo diário em 20 euros, baseando-se para tal na localização do bar onde trabalha o arguido, ou seja em suposições.
19. O quantitativo diário tem que ser fixado em função do vencimento auferido pelo arguido e assim o que se afigura correcto e que irá causar desconforto e até mesmo sacrifício económico ao arguido deverá ser fixado o mínimo como quantitativo diário, ou seja cinco euros.
20. Nos termos do artigo 211.º, n.º 1, do CDADC, o infractor fica obrigado a indemnizar a parte lesada pelas perdas resultantes da violação. No caso concreto, o dano patrimonial causado foi no valor de 34,18 euros e não de 46,58 euros, pois se assim não fosse iria existir um enriquecimento sem causa na esfera jurídica da SPA no montante de 12,40 euros.
21. O autor goza dos direitos morais sobre a sua obra, designadamente o direito de reivindicar a sua paternidade e assegurar a genuidade e integridade. Nenhum destes direitos foi violado, pois o CD que se encontrava a tocar era um original e o aparelho que se encontrava a executar essa obra era de boa qualidade, não distorcendo a voz do autor. A sua paternidade, genuidade e integridade estavam asseguradas,
22. O arguido não pode ser condenado a pagar uma quantia pela violação de um direito que não praticou.
23. A Douta Sentença que ora se recorre violou os artigos 40.º, 71.º e 72.º, todos do Código Penal, assim como o artigo 483.º, do C. Civil e o artigo 211.º, n.º 1, do CDADC.
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A “Sociedade Portuguesa da Autores”, em 17/2/2011, respondeu ao recurso, defendendo a improcedência do mesmo, no que toca à parte penal da sentença, e a respectiva rejeição, quanto à parte cível, apresentando as seguintes conclusões: 1. O Tribunal recorrido procedeu a uma correcta valoração da prova produzida e a uma correcta aplicação do direito.
2. É irrelevante para a determinação da medida concreta da pena a impugnação que o recorrente faz dos pontos 16.º e 18.º dos factos provados, na medida em que, para que se verifique a responsabilização criminal, mais do que apurar quem era o proprietário do bar, importa apurar quem detinha, no momento da presumível infracção, o domínio dos factos e a possibilidade concreta de determinar a sua actuação conformemente aos ditames do direito e da lei e de governar o curso do facto.
3. Resulta à saciedade da prova produzida que era o recorrente quem, na ausência do gerente no estrangeiro, em concreto, fazia, por si, o giro comercial do bar.
4. O facto de anteriormente à acção de fiscalização o arguido não vir pedindo autorização à assistente para a execução das obras musicais que fazia no bar, apesar de não consubstanciar reincidência, não pode deixar de ser relevado, elevando o grau de ilicitude do recorrente para acima do valor mínimo da moldura penal abstracta.
5. Pelo que não merece a sentença qualquer censura quanto a este ponto.
6. Considerando que o valor da alçada dos Tribunais de 1ª instância é de (euros) 5.000,00 (cfr. artigo 31.º, n.º 1, da LOFTJ), que o valor do pedido de indemnização civil era de (euros) 1.048,16 e que o valor da sucumbência do recorrente era de (euros) 546,58, não se verificam os dois pressupostos cumulativos previstos no artigo 400.º, n.º 2, do CPP, na medida em que são inferiores aos valores de (euros) 5.000,00 e de (euros) 2.500,00, respectivamente.
7. Deve, assim, concluir-se que a sentença não é susceptível de recurso quanto à parte cível, devendo ser proferido despacho declarando a não admissibilidade do recurso quanto àquela parte, o que se invoca com as legais consequências.
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O Ministério Público junto do Tribunal recorrido, em 14/3/2011 respondeu ao recurso, quanto à parte penal, defendendo a sua total improcedência, apresentando as seguintes conclusões: 1. A douta sentença recorrida não enferma de qualquer vício, designadamente, do vício de erro notório na apreciação da prova, previsto no artigo 410.º, n.º 2, al. c), do CPP.
2. Com o presente recurso pretende o recorrente, tão só, impugnar a convicção do tribunal recorrido na apreciação da prova produzida em julgamento, ignorando o disposto no artigo 127.º, do CPP.
3. Pelo que nenhum reparo existe a fazer à douta sentença.
4. A pena concretamente aplicada ao arguido assume-se como a necessária e única capaz de assegurar as finalidades da punição que tanto se pretende acautelar.
5. O quantitativo diário encontrado pela Mma. Juiz revela-se adequado e ajuizado face à situação socioeconómica do arguido, não sendo alheio à realidade e apelando a regras da experiência comum. ****
O recurso interposto, na parte da sentença relativa à indemnização civil, não foi admitido, por despacho de fls. 325, nos termos do disposto nos artigos 400.º, n.º 2, e 414.º, n.º 2, ambos do CPP.
O recurso, na parte da sentença que se refere a matéria penal, foi, em 16/3/2011, admitido.
Já no Tribunal da Relação de Coimbra, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu, em 12/4/2011, douto parecer, no qual acompanhou a resposta do Ministério Público da 1ª instância, defendendo, assim, a improcedência do recurso. Foi cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do CPP, não tendo sido exercido o direito de resposta.
Colhidos os vistos, teve lugar a legal conferência, cumprindo apreciar e decidir.
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II. Decisão Recorrida:
“(…)
II – Fundamentação:
A) De facto
i) Factos Provados
1.º No dia 6 de Junho de 2009, pelas 00h40m, o estabelecimento comercial denominado “WWW…”, sito em …, Condeixa-A-Nova, estava em funcionamento e aberto ao público.
2.º No referido estabelecimento encontrava-se a funcionar uma aparelhagem de música, composta por um gravador de “compact discs”, com uma mesa de mistura e seis colunas de som, distribuídas pelo estabelecimento, que difundia sons referentes ao “compact-disc” “Nação Hip-hop”.
3.º O fonograma em formato “compact disc”, de duplicação industrial, editado pela EMI/Valentim de Carvalho, continha fixadas as seguintes obras musicais interpretadas por vários artistas:
- “Brilhantes Diamantes” – DJ Serial com Maze e Ace;
- “Celebração duma vida normal” – Júnior;
- “Hip hop (Sou eu e és tu) – Boss Ac;
- “Falas disso” – Expensive Soul;
- “Nada a perder” – Sir Stratch;
- “Formato Skebelai” – Verbal;
- “A cena toda” – Dealema;
- “Tempo de antena” – M.A.C. com Choko;
- “Flawless radio” – Black Mastah;
- “Falta de sorte” – Factor Activo;
- “Pretugal” – Chullage;
- “Anjo de luz” – Sagas;
- “Plano B” – Factos Reais;
- “Entendimento” – Prince Walada;
- “Fases e facetas” – Tekilla;
- “O rap é uma potência” – Xeg;
- “It’s a complow” – Dj Nelassassin;
- “A story to be told” – Rocky Marsiano.
4.º Na face contrária à de leitura do disco constam os seguintes dizeres: «Reservados todos os direitos do Produtor Fonográfico e do Proprietário da Obra Gravada. Proibidos a duplicação, o aluguer e a utilização deste disco para execução pública e radiodifusão não autorizados».
5.º Naquela data, o arguido era o responsável pela exploração do estabelecimento, sendo o titular da licença de utilização para serviços de restauração ou de bebidas n.º 12/2003 o seu irmão, RR…, mas constando o arguido como entidade exploradora do bar.
6.º O arguido estava colectado nas Finanças desde Agosto de 2003 para o exercício da actividade de bares.
7.º O arguido não era possuidor da licença dos autores da obra difundida ou da Sociedade Portuguesa de Autores que o habilitasse à difusão pública de obras musicais no período temporal em causa, não tendo procedido ao pagamento dos direitos devidos pela utilização de obras do reportório de gestão da citada SPA no estabelecimento em causa, que ascendia a 46,58€ por mês.
8.º Bem sabia o arguido que necessitava daquela autorização para difundir música no seu estabelecimento.
9.º Com a conduta descrita, o arguido agiu livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que não podia difundir tal obra sem que fosse possuidor da respectiva licença e que a sua conduta era proibida e punida por lei.
10.º Na altura, encontravam-se no mencionado estabelecimento, além do arguido, cerca de 5 clientes, a quem era proporcionada a audição dos temas musicais como supra referido.
11.º Em 8 de Junho de 2009, o arguido solicitou autorização para a execução pública de música gravada, relativa ao dia 5 de Junho de 2009, pela qual pagou a importância de 12,40€.
12.º A “S.P.A. – Sociedade Portuguesa de Autores, CRL”, em 6 de Junho de 2009, representava, directa ou indirectamente, os autores acima identificados.
13.º O arguido não tem antecedentes criminais.
14.º O arguido encontra-se inscrito no regime de segurança social dos trabalhadores independentes desde 09/2003, sem cessação de actividade, com contribuições na entidade designada por “K..., Lda.”, sendo que o valor declarado do seu salário ascendeu a 475,00€, no mês de Outubro de 2010, referente a 30 dias de trabalho
15.º Não são conhecidos ao arguido quaisquer bens imóveis, nem consta que seja titular de quotas em sociedades.
16.º O arguido é empregado de bar, sendo o responsável pela exploração de um bar, sito na Avenida …, em Coimbra, que abre todas as noites, excepto ao domingo, pertencente à sociedade “K..., Lda.”, de que o seu irmão, RR…, é sócio.
17.º Esse irmão do arguido é soldador e trabalha no estrangeiro, encontrando-se actualmente na Holanda.
18.º O arguido reside com o seu pai, que explora um outro bar, sito no local onde antes funcionava o “WWW”.
19.º O arguido faz-se transportar num veículo automóvel da marca Peugeot, modelo Partner, do ano de 2009, que foi adquirido e encontra-se registado em nome da sua namorada, auferindo um vencimento mensal de cerca de 900,00€.
20.º O arguido completou o 6.º ano de escolaridade.
ii) Factos não provados
1.º O arguido é uma pessoa trabalhadora, educada, respeitadora e respeitada no meio familiar e social em que se encontra inserido
iii) Motivação
O tribunal formou a sua convicção com base no conjunto da prova produzida e examinada em audiência, apreciada à luz das regras da experiência comum.
Assim, para prova dos factos vertidos nos pontos 1.º, 2.º, 7.º e 10.º, o tribunal teve em consideração os depoimentos das testemunhas JS.., militar da GNR, HM.. e DF..., ambos inspectores da Sociedade Portuguesa de Autores, em conjugação com o mapa de identificação e autoria de obras, de fls. 55 a 61.
As referidas testemunhas, em depoimentos que se revelaram isentos, objectivos e circunstanciados e, por isso, mereceram a credibilidade do tribunal, descreveram as circunstâncias de tempo, lugar e modo em que ocorreu a acção de fiscalização conjunta na qual participaram e que havia sido previamente concertada por haver notícia de que no bar em causa nestes autos era exibida música sem a necessária autorização.
Não logrou, pois, convencer o arguido de que, à data dos factos em apreço, era um DJ que estava a passar música e, portanto, regularizou a situação ao proceder ao pagamento posterior da autorização para exibição de música gravada.
Efectivamente, resultou provado, no ponto 11.º, que o arguido solicitou essa autorização e que procedeu ao pagamento da respectiva licença, conforme consta da factura de fls. 72 e foi confirmado por FF..., delegado regional da SPA .
Não obstante, as declarações do arguido (que apenas compareceu na última sessão de julgamento, já depois de produzida a prova testemunhal e discutida a prova documental junta aos autos) são infirmadas pelos depoimentos das testemunhas que participaram na referida acção de fiscalização, que não mencionaram encontrar-se no estabelecimento um DJ (de que certamente se lembrariam, pelo menos, os inspectores da SPA, conhecedores dos diversos tipos de autorizações emitidas por aquela entidade). Também as regras da experiência comum contrariam a versão dos factos trazida aos autos pelo arguido, que afirmou que o DJ, aquando da chegada dos inspectores da SPA e da GNR, se encontrava consigo no exterior e que as suas funções, naquele dia, se limitaram à colocação em funcionamento do CD na aparelhagem. Ora, como é sabido, para tanto não é necessário um DJ, cuja actividade nos estabelecimentos de bar não se limita, certamente, a colocar em exibição, como qualquer pessoa, um CD de música, mas sim à escolha de diversos registos sonoros, que se vão sucedendo segundo a escolha musical do animador, para entretenimento dos clientes desses estabelecimentos.
De todo o modo, tal autorização não o habilitou, ainda que posteriormente, à exibição de música ambiente, pois conforme foi explicado pela referida testemunha FF…, para tanto seria necessário que o arguido tivesse efectuado o pagamento da avença mensal especialmente prevista para a exibição de música ambiente, no valor de 46,58€.
O tribunal não ficou com quaisquer dúvidas de que o bar era explorado pelo arguido, em face da conjugação dos depoimentos das referidas testemunhas, que referiram que o arguido se apresentou como o responsável pela exploração do bar, com os documentos juntos aos autos, designadamente o teor da informação prestada pela Câmara Municipal de Condeixa-A-Nova e o alvará de licença de utilização que fazem fls. 85 e 86 e, bem assim, a informação das Finanças de fls. 22. Ademais, o próprio arguido, nas declarações que prestou, admitiu ser ele o responsável pela exploração do bar.
Relativamente aos factos constantes dos pontos 3.º e 4.º, o tribunal atendeu ao auto de exame directo de fls. 63 a 66, efectuado pela Inspecção de Espectáculos e Direito de Autor da Inspecção-Geral das Actividades Culturais.
Quanto ao conhecimento e vontade que estiveram subjacentes à conduta do arguido, o tribunal formou a sua convicção em face da análise da actuação do arguido à luz das regras da experiência comum e do normal suceder. Refira-se, de resto e quanto à intencionalidade referida, que, pertencendo o dolo à “vida interior de cada um”, sendo portanto de natureza subjectiva, insusceptível de directa apreensão, só é possível captar a sua existência através de factos materiais comuns, entre os quais surge, com maior representação, o preenchimento dos elementos integrantes da infracção.
Em face da certidão que faz fls. 190 e 191, o tribunal deu como provado o facto vertido no ponto 12.º dos factos provados.
Os antecedentes criminais resultaram provados com base no certificado de registo criminal junto aos autos a fls. 226.
Quanto às suas condições socioeconómicas do arguido o tribunal fundou-se nas informações prestadas pelas Finanças e pela Segurança Social, a fls. 227-228, 236 e 242, em conjugação com o que, de forma hesitante e algo esquiva, foi sendo declarado pelo arguido nesse âmbito.
No que se refere aos factos dados como não provados, a sua resposta resultou da ausência de prova dos mesmos em audiência de julgamento.
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B) De direito
i) Enquadramento jurídico-penal
Ao arguido é imputada a prática de um crime de usurpação, p. e p. pelo artigo 195.º do Código dos Direitos de Autor e dos Direitos Conexos (CDADC).
A obra é o objecto de protecção no direito de autor.
Nos termos do artigo 1.º, n.º 1, do CDADC, consideram-se obras as criações intelectuais do domínio literário, científico e artístico, por qualquer modo exteriorizadas.
Pode, pois, dizer-se que obra relevante para o CDADC terá de ser vista como o produto original de um trabalho intelectual criativo (com exclusão, portanto, do trabalho puramente técnico ou mecânico) no domínio literário, artístico ou científico, exteriorizado numa forma original que exprime a personalidade do seu autor.
As criações intelectuais do domínio literário, científico e artístico, quaisquer que sejam o género, a forma de expressão, o mérito, o modo de comunicação e o objectivo, compreendem nomeadamente composições musicais, com ou sem palavras (cfr. artigo 2.º, n.º 1, alínea e), do CDADC).
Sob a epígrafe «Fruição e utilização», prevê o artigo 67.º do diploma legal em referência que:
1 – O Autor tem o direito exclusivo de fruir e utilizar a obra, no todo ou em parte, no que se compreendem, nomeadamente, as faculdades de a divulgar, publicar e explorar economicamente por qualquer forma, directa ou indirectamente, nos limites da lei.
2 – A garantia das vantagens patrimoniais resultantes dessa exploração constitui, do ponto de vista económico, o objecto fundamental da protecção legal.
Dispõe o artigo 68.º, n.º 2, alíneas d) e i), do CDADC que assiste ao autor, entre outros, o direito exclusivo de fazer ou autorizar, por si ou pelos seus representantes, a fixação ou adaptação a qualquer aparelho destinado à reprodução mecânica, eléctrica, electrónica ou química e a execução pública, transmissão ou retransmissão por esses meios; a reprodução directa ou indirecta, temporária ou permanente, por quaisquer meios e sob qualquer forma, no todo ou em parte. E ainda, no seu n.º 3, que pertence em exclusivo ao titular do direito de autor a faculdade de escolher livremente os processos e as condições de utilização e exploração da obra.
Assiste ao artista intérprete ou executante o direito exclusivo de fazer ou autorizar, por si ou pelos seus representantes, a reprodução directa ou indirecta, temporária ou permanente, por quaisquer meios e sob qualquer forma, no todo ou em parte, sem o seu consentimento, de fixação das suas prestações quando esta não tenha sido autorizada; e a colocação à disposição do público, da sua prestação, por fio ou sem fio, por forma a que seja acessível a qualquer pessoa, a partir do local e no momento por ela escolhido – artigo 178.º, n.º 1, alíneas c) e d), do CDADC.
Carecem de autorização do produtor do fonograma ou do videograma a reprodução, directa ou indirecta, temporária ou permanente, por quaisquer meios e sob qualquer forma, no todo ou em parte, e a distribuição ao público de cópias dos mesmos, bem como a respectiva importação ou exportação; e, bem assim, a difusão por qualquer meio, a execução pública dos mesmos e a colocação à disposição do público, por fio ou sem fio, por forma a que sejam acessíveis a qualquer pessoa a partir do local e no momento por ela escolhido – artigo 184.º, n.os 1 e 2, do CDADC. Quando um fonograma ou videograma editado comercialmente, ou uma reprodução dos mesmos, for utilizado por qualquer forma de comunicação pública, o utilizador pagará ao produtor e aos artistas intérpretes ou executantes uma remuneração equitativa, que será dividida entre eles em partes iguais, salvo acordo em contrário – artigo 184.º, n.º 3, do CDADC.
Estatui o n.º 1 do artigo 195.º que comete o crime de usurpação quem, sem autorização do autor ou do artista, do produtor de fonograma e videograma ou do organismo de radiodifusão, utilizar uma obra ou prestação por qualquer das formas previstas neste Código.
Neste artigo e, bem assim, nos artigos 196.º e 199.º prevêem-se os crimes contra o direito patrimonial do autor. Fundamentalmente, estes crimes podem reconduzir-se a dois tipos: a usurpação (artigo 195.º) e a contrafacção (artigo 196.º). O artigo 199.º contempla uma situação delituosa derivada de qualquer destes crimes: o aproveitamento ilícito de uma obra usurpada ou contrafeita.
Enquanto a usurpação é toda a utilização não autorizada de uma obra e o excesso dos limites da autorização concedida; a contrafacção é a utilização, como própria, ainda que parcial, de uma obra ou prestação alheias.
O tipo objectivo do crime de usurpação analisa-se através das seguintes vertentes:
a) o exclusivo da exploração económica da obra, reservada ao autor, que é o bem jurídico protegido;
b) a obra protegida, que é o objecto da acção;
c) o titular do bem jurídico, que é o sujeito passivo do crime;
d) a utilização da obra, que é a conduta típica;
e) utilização da obra feita sem a devida autorização.
Quanto às formas de utilização, estão as mesmas previstas no citado artigo 68.º, sendo certo que carece de autorização do mesmo autor ou de quem o represente, a reprodução ou a difusão do fonograma, implicando o pagamento de determinada remuneração (cfr. artigo 184.º).
Assim, para se verificarem preenchidos os elementos deste tipo de ilícito, basta que qualquer cidadão, que não possua autorização do autor da obra ou de quem o represente, proceda à transmissão de tal obra.
É elemento subjectivo do crime o dolo, entendido como conhecimento de todos os elementos objectivos do facto típico e a vontade da sua realização.
É tempo de descer ao caso dos autos.
Não oferece dúvidas que as composições musicais exibidas à data dos factos em apreço são criações do domínio artístico, tratando-se de obras protegidas (cfr. artigos 1.º, n.º 1, e 2.º, n.º 1, alínea e), do CDADC).
Foi dado como provado: que o arguido, à data dos factos, era o responsável pela exploração do estabelecimento comercial de bar; que, no dia 6 de Junho de 2009, pelas 00h40m, esse estabelecimento estava em funcionamento e aberto ao público; que, no seu interior, encontrava-se a funcionar uma aparelhagem de música, difundindo sons referentes ao CD “Nação Hip-hop”, fonograma, de fabrico industrial, com obras musicais interpretadas por vários artistas; que, na altura, se encontravam no estabelecimento, além do arguido, cerca de 5 clientes, a quem era proporcionada a audição daqueles temas musicais; que o arguido não era possuidor da licença dos autores da obra difundida ou da Sociedade Portuguesa de Autores que o habilitasse à difusão pública de obras musicais; que não procedera ao pagamento dos direitos devidos pela utilização de obras do reportório de gestão da citada SPA, no estabelecimento e no período temporal em causa, que ascendiam a 46,58€.
Como tal, em sede dos elementos objectivos do tipo, a mencionada previsão está preenchida.
Por outro lado, o arguido, ao agir como descrito, representou a realidade fáctica que provocava, conhecendo, com actualidade, os elementos objectivos (normativos e descritivos) do tipo. Para mais, actuou com a intenção de provocar a sua realização. O arguido – portador da necessária inteligência e liberdade para se conduzir e possuindo o conjunto de qualidades pessoais que são necessárias para ser passível de um juízo de censura por não ter agido de outra maneira –, tendo a possibilidade de conhecer a ilicitude dos factos que praticava, decidiu livremente a sua actuação.
Em consequência e na ausência de qualquer causa de exclusão da ilicitude ou de desculpação, importa condenar o arguido em consonância.
ii) Escolha da pena
O crime de usurpação é cominado em abstracto com pena de prisão de um mês até três anos ou com pena de multa de 150 até 250 dias (cfr. artigos 197.º, n.º 1, do Código dos Direitos de Autor e dos Direitos Conexos, 41.º, n.º 1, e 47.º, n.º 1, ambos do Código Penal).
Nos termos do artigo 70.º do Código Penal, sempre que a pena de multa alternativa à de prisão revelar virtualidades para, na sua aplicação, satisfazer as finalidades da punição, deverá o juiz optar por ela, em detrimento da prisão. É um critério que dá satisfação ao favor libertatis, que tem assento constitucional (cfr. artigos 27.º, n.os 1 e 2, da Constituição da República Portuguesa) e decorre dos princípios da necessidade e proporcionalidade das penas.
É no artigo 40.º do Código Penal (preceito para o qual nos remete o referido artigo 70.º) que encontramos plasmadas as finalidades da punição, a saber: protecção de bens jurídicos e reintegração do agente na sociedade.
No caso em apreço, tendo em conta que o arguido não tem antecedentes criminais e que se encontra profissional e familiarmente inserido, o tribunal está em crer que a aplicação de uma pena de multa se mostra como a mais adequada à prossecução das finalidades da punição.
iii) Determinação concreta da medida da pena
Estabelece o artigo 40.º, n.º 1, do Código Penal que a aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade. Por sua vez, resulta do n.º 2 do mesmo normativo legal que em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa.
As finalidades da punição penal são, pois, aquelas que resultam do n.º 1 do artigo 40.º, devendo buscar-se entre elas, na medida em que são complementares e não se excluem materialmente, um justo equilíbrio.
Tais finalidades são de natureza exclusivamente preventiva (e não retributiva), sendo de considerar, por um lado, a prevenção geral positiva ou de reintegração e, por outro, a prevenção especial positiva ou de (res)socialização.
Através daquela, o legislador visa, de algum modo, a confirmação da validade e actualidade da norma incriminadora e a consequente tutela da confiança da comunidade na sua vigência, restabelecendo-lhe a paz jurídica que fora abalada pelo crime.
Já com o recurso à vertente especial da prevenção, tem-se em vista a satisfação das necessidades de ressocialização do agente, no sentido de o preparar para no futuro não cometer outros crimes e, em última instância, da sua reintegração na sociedade.
Evidentemente que a culpa, como limite inultrapassável da actuação punitiva do Estado (n.º 2 do artigo 40.º do Código Penal), tem, aqui, um papel fundamental. É o princípio da culpa, enquanto limitador do poder e intervencionismo estatais, o garante do respeito pela dignidade da pessoa.
De acordo com a construção de Figueiredo Dias e assumida pela jurisprudência, a pena é orientada pela prevenção geral positiva e, se tem como limite máximo possível o limite determinado pela culpa, tem como mínimo o limite comunitariamente indispensável de tutela da ordem jurídica. É dentro desses limites que podem e devem actuar pontos de vista de prevenção especial (em regra positiva ou de socialização, excepcionalmente negativa ou de intimidação ou segurança individuais), os quais, deste modo, acabarão por fornecer, em último termo, a medida da pena.
Ora, concretizando os vectores enunciados, o artigo 71.º, n.º 2, do Código Penal, enumera, exemplificativamente, uma série de circunstâncias – relativas à ilicitude, à culpa e às condições pessoais do arguido – atendíveis para a graduação e determinação concreta da medida da pena que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra o agente.
No caso concreto, a sub-moldura penal a determinar terá de ter em conta que:
- são médias as exigências de prevenção geral, tendo em conta a crescente proliferação de espaços que exibem música sem previamente se habilitarem da necessária autorização dos seus autores ou representantes;
- o grau de ilicitude da conduta do arguido é médio/baixo no que toca ao desvalor do resultado, em face do reduzido valor do prejuízo patrimonial causado (46,58€) e do reduzido número de pessoas, que, à data dos factos, se encontravam no interior do estabelecimento;
- o arguido agiu com dolo directo.
Ponderados todos estes circunstancialismos e tendo em conta os limites máximo e mínimo da moldura legal aplicável, afigura-se justa e adequada a aplicação ao arguido da pena de 180 dias de multa.
iv) Determinação concreta do quantitativo diário da pena de multa
No apuramento do quantitativo diário correspondente a cada dia de multa atender-se-á, única e exclusivamente, à situação económica e financeira do condenado e aos respectivos encargos pessoais (n.º 2 do artigo 47.º do Código Penal).
Sendo certo que a pena de multa se não quer um andrajoso simulacro de punição, tem de ter como efeito causar, pelo menos, algum desconforto, se não, mesmo, um sacrifício económico palpável, pelo que os critérios de razoabilidade e de equidade a que a sua determinação deve obedecer impõem a determinação de um quantitativo diário que demande por parte do arguido alguma dose de sacrifício, mas que, ainda assim, lhe deixe assegurado um rendimento que lhe permita suportar as suas necessidades fundamentais.
Neste particular, atenta a moldura do artigo 47.º, n.º 2, do Código Penal – 5,00€ a 500,00€ – e a situação social e financeira do arguido (que, recorde-se, explora um bar sito na Avenida …, em Coimbra, que se encontra aberto ao público todos os dias, excepto ao domingo, e portanto, atenta a sua localização central naquela cidade, próximo de um dos seus principais pólos universitários, certamente será frequentado por um elevado número de pessoas), fixa-se o quantitativo diário em 20,00€.
v) Pedido de indemnização civil
A assistente/demandante cível “S.P.A. – Sociedade Portuguesa de Autores, CRL” deduziu pedido de indemnização pedindo a condenação do arguido no pagamento do montante de 1.048,16€, sendo 548,16€ a título de danos patrimoniais e 500,00€ a título de danos não patrimoniais sofridos em consequência do crime.
Os factos que são objecto do processo criminal podem também ser fundamento de responsabilidade civil, quando lesem interesses susceptíveis de reparação patrimonial nos termos da lei civil. É neste sentido que o artigo 129.º, do Código Penal, estipula que a indemnização de perdas e danos, de qualquer natureza, emergentes de crime, é regulada, nos seus pressupostos, pela lei civil.
No âmbito específico das infracções aos direitos de autor, dispõe o artigo 203.º do CDADC que a responsabilidade civil emergente da violação dos direitos previstos naquele código, não obstante ser independente do procedimento criminal a que esta dê origem, pode ser exercida em conjunto com a acção criminal.
E dispõe o artigo 211.º do CDADC:
1 – Quem, com dolo ou mera culpa, viole ilicitamente o direito de autor ou os direitos conexos de outrem, fica obrigado a indemnizar a parte lesada pelas perdas e danos resultantes da violação.
2 – Na determinação do montante da indemnização por perdas e danos, patrimoniais e não patrimoniais, o tribunal deve atender ao lucro obtido pelo infractor, aos lucros cessantes e danos emergentes sofridos pela parte lesada e aos encargos por esta suportados com a protecção do direito de autor ou dos direitos conexos, bem como com a investigação e cessação da conduta lesiva do seu direito.
3 – Para o cálculo da indemnização devida à parte lesada, deve atender-se à importância da receita resultante da conduta ilícita do infractor, designadamente do espectáculo ou espectáculos ilicitamente realizados.
4 – O tribunal deve atender ainda aos danos não patrimoniais causados pela conduta do infractor, bem como às circunstâncias da infracção, à gravidade da lesão sofrida e ao grau de difusão ilícita da obra ou da prestação.
5 – Na impossibilidade de se fixar, nos termos dos números anteriores, o montante do prejuízo efectivamente sofrido pela parte lesada, e desde que este não se oponha, pode o tribunal, em alternativa, estabelecer uma quantia fixa com recurso à equidade, que tenha por base, no mínimo, as remunerações que teriam sido auferidas caso o infractor tivesse solicitado autorização para utilizar os direitos em questão e os encargos por aquela suportados com a protecção do direito de autor ou direitos conexos, bem como com a investigação e cessação da conduta lesiva do seu direito.
São, assim, pressupostos da responsabilidade civil (1) um facto voluntário, (2) a ilicitude, (3) a imputação do facto ao lesante, (4) a culpa, (5) o dano e (6) o nexo de causalidade entre o facto e o dano.
O facto voluntário, elemento básico da responsabilidade, há-de consistir numa acção ou omissão praticada pelo agente e controlável pela sua vontade.
A ilicitude, por sua vez, projecta-se na violação do direito de autor ou dos direitos conexos de outrem.
O pressuposto da culpa ou censura ético-jurídica exige que a conduta do agente seja merecedora da reprovação do direito, podendo assumir a forma de dolo, se houver uma adesão da vontade do agente ao comportamento ilícito, ou de negligência, quando o agente omitiu o cuidado exigível para ter evitado a ocorrência do facto.
Os danos consistem nos prejuízos ou lesões causadas nos interesses juridicamente tutelados dos autores, os quais podem revestir natureza patrimonial ou não patrimonial, consoante sejam ou não susceptíveis de avaliação pecuniária. No exercício dos direitos de carácter patrimonial, o autor tem o direito exclusivo de dispor da sua obra e de fruí-la e utilizá-la, ou autorizar a sua fruição ou utilização por terceiro, total ou parcialmente (cfr. artigo 9.º, n.os 1 e 2, do CDADC). Os danos patrimoniais abrangem não só os danos emergentes ou perdas patrimoniais, como os lucros cessantes ou frustrados que se traduzem nos benefícios que o lesado deixou de obter por causa do facto ilícito mas a que ainda não tinha direito à data da lesão. Por seu lado, os danos não patrimoniais são ressarcíveis, na medida em que o autor goza de direitos morais sobre a sua obra, designadamente o direito de reivindicar a respectiva paternidade e assegurar a sua genuinidade e integridade (cfr. artigo 9.º, n.os 1 e 3, do CDADC).
Último pressuposto é o nexo de causalidade entre facto e dano, estabelecendo o artigo 562.º do Código Civil um critério de causalidade adequada, exigindo que o facto, mais do que simples condição para a ocorrência do dano, constitua uma condição adequada à provável produção do dano.
Posto isto, vejamos então o caso concreto.
Ao difundir no estabelecimento por si explorado e que se encontrava aberto ao público, proporcionando aos clientes a sua audição, um “compact disc” que continha obras musicais de diversos artistas, sem para tal estar devidamente autorizado pelos produtores de fonogramas ou seus representantes, pelos artistas e/ou pelos seus representantes, e consciente de que tal conduta era proibida, o demandado praticou, como supra se viu, um acto ilícito culposo, já que actuou em desconformidade com a lei e de forma censurável. Por outro lado, tendo ficado demonstrado que a autorização para duplicação das obras correspondia a um custo de 46,58€, está também verificada a existência de prejuízos na esfera patrimonial da demandante, existindo um nexo de causalidade adequada entre este dano e o facto praticado.
Verificados os pressupostos de que a lei faz depender a atribuição de uma indemnização ao lesado pelas perdas e danos resultantes da violação, importa agora apurar tal montante.
Em face do que dispõe o citado artigo 211.º, a indemnização assume uma tríplice vertente ou natureza, a saber: a) ressarcitória, na medida em que pretende tornar indemne danos emergentes, lucros cessantes e danos morais; b) correctiva, pois que visa remover o lucro ilícito e os benefícios indevidamente obtidos pelo infractor; c) preventiva ou dissuasora, já que pretende evitar que, no futuro, o infractor reitere a sua actividade ilegal.
A demandante cível fundamentou o seu pedido, desde logo e no que concerne aos danos patrimoniais, no valor que seria devido pela emissão da licença necessária à emissão pública dos fonogramas. A este respeito, resultou provado que o valor de tal licença ascendia a 46,58€, pelo que é neste valor que o tribunal fixa a quantia indemnizatória devida a título de danos patrimoniais. É certo que a demandante peticiona o valor da licença que seria devida ao longo de um ano, mas fundando-se o pedido de indemnização civil na prática de um facto ilícito típico e tendo resultado tão-somente apurada a infracção criminal do arguido num concreto dia, não pode o tribunal extrapolar a infracção para os outros dias do ano, nem exigir ao demandado mais do que o pagamento do valor da licença de que, naquela altura, ele devia ser titular.
Quanto aos danos não patrimoniais e atendendo a que o diploma legal em referência prevê expressamente o seu ressarcimento, na medida em que o autor goza de direitos morais sobre a sua obra, designadamente o direito de reivindicar a respectiva paternidade e assegurar a sua genuinidade e integridade e considerando que, na impossibilidade de apurar em concreto o valor desses danos não patrimoniais, o tribunal deve fixar tal valor equitativamente, afigurando-se como justo e adequado a fixação de tal montante em 500,00€.
É sabido que a SPA tem poderes de representação dos verdadeiros titulares dos direitos de autor em causa, resultando tal representação da simples qualidade de sócio ou aderente ou da inscrição como beneficiário dos respectivos serviços.
Efectivamente, segundo o artigo 72.º do CDADC, os poderes relativos à gestão do direito de autor podem ser exercidos pelo seu titular ou por intermédio de representante deste devidamente habilitado, dispondo o artigo 73.º nos seguintes termos:
1 – As associações e organismos nacionais ou estrangeiros constituídos para gestão do direito de autor desempenham essa função como representantes dos respectivos titulares, resultando a representação da simples qualidade de sócio ou aderente ou da inscrição como beneficiário dos respectivos serviços.
2 – As associações ou organismos referidos no n.º 1 têm capacidade judiciária para intervir civil e criminalmente em defesa dos interesses e direitos legítimos dos seus representados em matéria de direito de autor, sem prejuízo da intervenção de mandatário expressamente constituído pelos interessados.
A expressão da vontade dos representados, no sentido do exercício da representação, resulta da inscrição como sócio. É para isso que se assume tal qualidade e se pagam as respectivas quotas. O organismo representativo actua sempre que, no exercício da gestão do direito, a situação concreta tal proporciona. Compete à SPA a defesa dos direitos e interesses dos autores nacionais e estrangeiros seus associados, quer através da sua inscrição na SPA, como cooperadores ou beneficiários, quer através da sua inscrição em sociedades congéneres de outros países com os quais mantém contratos de representação recíproca.
A SPA realiza fins de natureza particular, mormente a protecção do direito de autor, que tem o direito a ser compensado pela disposição da obra (no caso, composições musicais), representando a SPA os autores na cobrança dessa compensação. Pelo que tem a mesma legitimidade para exigir o pagamento das quantias pedidas a troco da autorização para reprodução das obras dos autores que representa, estando demonstrada nos factos provados essa representação.
A demandante cível peticiona juros de mora.
No que respeita aos danos patrimoniais e em face do disposto nos artigos 804.º, n.os 1 e 2, e 805.º, n.os 2, alínea b), e 3, 2.ª parte, ambos do Código Civil, são os mesmos devidos desde a data da notificação do demandado cível do pedido de indemnização civil
No que respeita aos danos não patrimoniais, a quantia de 500,00€ vence juros de mora, à taxa legal, contados desde a prolação da presente sentença, pois que a indemnização foi calculada em valores actualizados até este momento, valor esse que já engloba os prejuízos que os juros moratórios visam ressarcir.
vi) Responsabilidade pelas custas
No que concerne às custas criminais do processo, atenta a disciplina resultante das disposições conjugadas dos artigos 513.º, n.os 1 e 3, 514.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Penal, e 8.º, n.º 5, do Regulamento das Custas Processuais, com referência à Tabela III, caberão as mesmas ao arguido, fixando a taxa de justiça em 3 UC, atendendo ao número de sessões de julgamento.
Relativamente às custas cíveis do processado, em face do disposto nos artigos 523.º do Código de Processo Penal e 446.º, n.os 1 e 2, do Código de Processo Civil, caberiam as mesmas à demandante e ao demandado cíveis, na proporção do respectivo decaimento e sem prejuízo da isenção de custas de que aquela beneficia. Todavia e uma vez que o valor do pedido de indemnização civil é inferior a 20 UC, estão ambas as partes isentas do seu pagamento (artigo 4.º, n.º 1, alínea m), do Regulamento das Custas Processuais).
vii) Destino dos objectos
Conforme resulta do auto de apreensão que faz fls. 6, foram apreendidos à ordem destes autos:
- um leitor de cd’s, marca Pioneer, modelo CDJ 400;
- uma mesa de mistura, marca Pioneer, modelo DMJ700;
- seis colunas, marca HK;
- um cd, com o título genérico “Nação Hip-hop 2006”.
Dispõe o artigo 201.º, n.º 2, do Código dos Direitos de Autor e dos Direitos Conexos que a sentença que julgar do mérito da acção judicial declara perdidos a favor do Estado os bens que tiverem servido ou estivessem destinados directamente a servir a prática de um ilícito, ou que por este tiverem sido produzidos, sendo as cópias ou exemplares destruídos, sem direito a qualquer indemnização.
Donde, ao abrigo deste comando normativo e porque os objectos acima discriminados serviram para a prática do crime pelo qual o arguido vai condenado, declaro os mesmos perdidos a favor do Estado.”
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III. Apreciação do Recurso:
O objecto de um recurso penal é definido pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso – artigos 403.º e 412.º, n.º 1, ambos do C.P.P.
Na realidade, de harmonia com o disposto no n.º1, do artigo 412.º, do C.P.P., e conforme jurisprudência pacífica e constante (designadamente, do S.T.J. – Ac. de 13/5/1998, B.M.J. 477/263, Ac. de 25/6/1998, B.M.J. 478/242, Ac. de 3/2/1999, B.M.J. 477/271), o âmbito do recurso é delimitado em função do teor das conclusões extraídas pelos recorrentes da motivação apresentada, só sendo lícito ao tribunal ad quem apreciar as questões desse modo sintetizadas, sem prejuízo das que importe conhecer, oficiosamente por obstativas da apreciação do seu mérito, como são os vícios da sentença previstos no artigo 410.º, n.º 2, do mesmo diploma, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito (Ac. do Plenário das Secções do S.T.J., de 19/10/1995, D.R. I – A Série, de 28/12/1995).
São só as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas conclusões, da respectiva motivação, que o tribunal ad quem tem de apreciar – artigo 403.º, n.º 1 e 412.º, n.º1 e n.º2, ambos do C.P.P. A este respeito, e no mesmo sentido, ensina Germano Marques da Silva, “Curso de Processo Penal”, Vol. III, 2ª edição, 2000, fls. 335, «Daí que, se o recorrente não retoma nas conclusões as questões que desenvolveu no corpo da motivação (porque se esqueceu ou porque pretendeu restringir o objecto do recurso), o Tribunal Superior só conhecerá das que constam das conclusões».
Os recursos são meios de impugnação de decisões judiciais para se obter o reexame da matéria que foi sujeita à apreciação da decisão recorrida e não vias jurisdicionais para um novo julgamento.
As declarações oralmente prestadas em audiência foram documentadas em acta por referência aos respectivos suportes áudio, nos termos estipulados no artigo 363.º do C.P.P.
Deste modo, deverá conhecer este Tribunal de facto e de direito, de acordo com o artigo 428.º, n.º 1, do C.P.P. As questões a conhecer são as seguintes:
1 – Saber se há erro notório na apreciação da prova.
2 – Saber se a pena aplicada ao recorrente é adequada.
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1 – Da impugnação da matéria de facto/erro de julgamento:
Um recorrente pode pretender invocar vícios oficiosos do artigo 410º, do CPP, assim impugnando a matéria de facto dada como provada, ou pode pretender reapreciar a matéria dada como provada, nos termos do artigo 412º, n.º 3 do CPP. Não há que confundir estas duas formas de impugnação da matéria factual – por um lado, a invocação dos vícios previstos no artigo 410º, n.º 2, alíneas a). b) e c), e por outro, os requisitos da impugnação – mais ampla - da matéria de facto a que se refere o artigo 412º, n.º 3, alíneas a), b) e c), todos do CPP. **** Estabelece o art. 410.º, n.º 2, do CPP, que, mesmo nos casos em que a lei restringe a cognição do tribunal, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum: a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão; c) Erro notório na apreciação da prova. Saliente-se que, em qualquer das apontadas hipóteses, o vício tem que resultar da decisão recorrida, por si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo por isso admissível o recurso a elementos àquela estranhos, para o fundamentar, como, por exemplo, quaisquer dados existentes nos autos, mesmo que provenientes do próprio julgamento (cf. Maia Gonçalves, Código de Processo Penal Anotado, 10. ª ed., 729, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, Verbo, 2ª ed., 339 e Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6.ª ed., 77 e ss.), tratando-se, assim, de vícios intrínsecos da sentença que, por isso, quanto a eles, terá que ser auto-suficiente. A “insuficiência para a decisão da matéria de facto provada”, vício previsto no artigo 410.º, n.º 2, alínea a), ocorrerá quando a matéria de facto provada seja insuficiente para fundamentar a decisão de direito e quando o tribunal não investigou toda a matéria de facto com interesse para a decisão – diga-se, contudo, que este vício se reporta à insuficiência da matéria de facto provada para a decisão de direito e não à insuficiência da prova para a matéria de facto provada, questão do âmbito do princípio da livre apreciação da prova, que é insindicável em reexame restrito à matéria de direito. A “contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão”, vício previsto no artigo 410.º, n.º 2, alínea b), consiste na incompatibilidade, insusceptível de ser ultrapassada através da própria decisão recorrida, entre os factos provados, entre estes e os não provados ou entre a fundamentação e a decisão. Tal ocorre quando um mesmo facto com interesse para a decisão da causa seja julgado como provado e não provado, ou quando se considerem como provados factos incompatíveis entre si, de modo a que apenas um deles pode persistir, ou quando for de concluir que a fundamentação conduz a uma decisão contrária àquela que foi tomada. Finalmente, o “erro notório na apreciação da prova”, a que se reporta a alínea c) do artigo 410.º, verifica-se quando um homem médio, perante o teor da decisão recorrida, por si só ou conjugada com o senso comum, facilmente percebe que o tribunal violou as regras da experiência ou de que efectuou uma apreciação manifestamente incorrecta, desadequada, baseada em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios. O erro notório também se verifica quando se violam as regras sobre prova vinculada ou das legis artis (sobre estes vícios de conhecimento oficioso, Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos em processo penal, 5.ª edição, pp.61 e seguintes). Esse vício do erro notório na apreciação da prova existe quando o tribunal valoriza a prova contra as regras da experiência comum ou contra critérios legalmente fixados, aferindo-se o requisito da notoriedade pela circunstância de não passar o erro despercebido ao cidadão comum ou, talvez melhor dito, ao juiz “normal”, ao juiz dotado da cultura e experiência que deve existir em quem exerce a função de julgar, devido à sua forma grosseira, ostensiva ou evidente (cf. Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, Verbo, 2ª Ed., 341). Trata-se de um vício de raciocínio na apreciação das provas que se evidencia aos olhos do homem médio pela simples leitura da decisão, e que consiste basicamente, em decidir-se contra o que se provou ou não provou ou dar-se como provado o que não pode ter acontecido (cf. Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6ª Ed., 74). Não se verifica tal erro se a discordância resulta da forma como o tribunal teria apreciado a prova produzida – o simples facto de a versão do recorrente sobre a matéria de facto não coincidir com a versão acolhida pelo tribunal não leva ao ora analisado vício.
**** Por sua vez, o erro de julgamento, consagrado no artigo 412º, nº 3, do CPP, ocorre quando o tribunal considere provado um determinado facto, sem que dele tivesse sido feita prova pelo que deveria ter sido considerado não provado ou quando dá como não provado um facto que, face à prova que foi produzida, deveria ter sido considerado provado. Aqui, nesta situação de erro de julgamento, o recurso quer reapreciar a prova gravada em 1ª instância, havendo que a ouvir em 2ª instância.
Neste caso, a apreciação não se restringe ao texto da decisão, alargando-se à análise do que se contém e pode extrair da prova (documentada) produzida em audiência, mas sempre dentro dos limites fornecidos pelo recorrente no estrito cumprimento do ónus de especificação imposto pelos n.º 3 e 4 do art. 412.º do CPP. Nos casos de impugnação ampla, o recurso da matéria de facto não visa a realização de um segundo julgamento sobre aquela matéria, agora com base na audição de gravações, antes constituindo um mero remédio para obviar a eventuais erros ou incorrecções da decisão recorrida na forma como apreciou a prova, na perspectiva dos concretos pontos de facto identificados pelo recorrente. E é exactamente porque o recurso em que se impugne (amplamente) a decisão sobre a matéria de facto não constituiu um novo julgamento do objecto do processo, mas antes um remédio jurídico que se destina a despistar e corrigir, cirurgicamente, erros in judicando ou in procedendo, que o recorrente deverá expressamente indicar, é que se impõe a este o ónus de proceder a uma tríplice especificação, estabelecendo o artigo 412.º, n.º3, do C.P.P.: «3.Quando impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, o recorrente deve especificar: a)- Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b)-As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida; c)-As provas que devem ser renovadas». A dita especificação dos «concretos pontos de facto» traduz-se na indicação dos factos individualizados que constam da sentença recorrida e que se consideram incorrectamente julgados, só se satisfazendo tal especificação com a indicação do conteúdo especifico do meio de prova ou de obtenção de prova e com a explicitação da razão pela qual essas «provas» impõem decisão diversa da recorrida. Além disso, o n.º 4, do citado artigo 412.º contempla o seguinte:Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na acta, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 364.º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação.” Ora, no caso em apreço, o arguido, ainda que se refira ao erro notório na apreciação da prova, situa, no seu requerimento de interposição do recurso, sem margem para dúvidas, a sua discordância em relação à matéria de facto no âmbito do erro de julgamento, já que apela à reapreciação da prova gravada em audiência (fls. 278), no que concerne aos depoimentos de JS.., HM.., DF... (só estas dizem respeito à parte criminal da sentença).
Como resulta do ponto 7 das conclusões (relembre-se que são estas que delimitam o objecto do recurso), o recorrente apenas coloca em causa, em sede de matéria de facto, os factos provados 16º e 18º.
Simplesmente a forma como o faz não respeita o que está previsto na lei.
Desenvolvendo um pouco mais o que acima já foi mencionado, pretendendo o recorrente impugnar a matéria de facto, no que concerne ao erro de julgamento, há-de cumprir o ónus de impugnação especificada imposto no art. 412.º, n.º s 3 e 4, do Código de Processo Penal (redacção da Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto), de indicação pontual, um por um, dos concretos pontos de facto que reputa incorrectamente provados e não provados e de alusão expressa às concretas provas que impelem a uma solução diversificada da recorrida e às provas que devem ser renovadas - als. a), b) e c) do n.º 3 -, sendo certo que, quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas als. b) e c) fazem-se por referência ao consignado na acta, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 364.º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que funda a impugnação (n.º 4). A especificação dos “concretos pontos de facto só se mostra cumprida com a indicação expressa do facto individualizado que consta da sentença recorrida e que o recorrente considera incorrectamente julgado, sendo insuficiente, tanto a alusão a todos ou parte dos factos compreendidos em determinados números ou itens da sentença e/ou da acusação, como a referência vaga e imprecisa da matéria de facto que se pretende seja reapreciada pelo Tribunal da Relação. Como todos sabem, uma vez que o tribunal de recurso não vai rever a causa, mas apenas pronunciar-se sobre os concretos pontos impugnados, é absolutamente necessário que o recorrente nesta especificação seja claro e completo, sem esquecer que, nesta especificação, serão totalmente inconsequentes considerações genéricas de inconformismo sobre a decisão. Tenhamos presente, neste sentido, o Ac. do S.T.J. de 24/10/2002, proferido no Processo n.º 2124/02, em que pode ser lido o seguinte: “(…) o labor do tribunal de 2.ª Instância num recurso de matéria de facto não é uma indiscriminada expedição destinada a repetir toda a prova (por leitura e/ou audição), mas sim um trabalho de reexame da apreciação da prova (e eventualmente a partir dos) nos pontos incorrectamente julgados, segundo o recorrente, e a partir das provas que, no mesmo entender, impõem decisão diversa da recorrida – art.º 412.º, n.º 3, als. a) e b) do C.P.P. e levam à transcrição (n.º 4 do art.º 412.º do C.P.P.).
Se o recorrente não cumpre esses deveres, não é exigível ao Tribunal Superior que se lhe substitua e tudo reexamine, quando o que lhe é pedido é que sindique erros de julgamento que lhe sejam devidamente apontados com referência à prova e respectivos suportes”.
Mais, como se observa no Acórdão do S.T.J. de 26/1/2000, publicado na Base de Dados da DGSI (www.dgsi.pt) sob o n.º SJ200001260007483: “Não são os sujeitos processuais (nem os respectivos advogados) quem fixa a matéria de facto, mas unicamente o Tribunal que apura os factos com base na prova produzida e conforme o princípio da livre convicção (artigo 127.º, do Código de Processo Penal), aplicando, depois, o direito aos mesmos factos, com independência e imparcialidade”. Acresce que a exigência legal de especificação das “concretas provas” impõe a indicação do conteúdo específico do meio de prova. Tratando-se de prova gravada, oralmente prestada em audiência de discussão e julgamento, deve o recorrente individualizar as passagens da gravação em que baseia a impugnação, ou seja, estando em causa declarações/depoimentos prestados em audiência de julgamento, sobre o recorrente impende o ónus de identificar as concretas provas que, em sua interpretação, e relativamente ao(s) ponto(s) de facto expressamente impugnados, impõem decisão diversa, e bem assim de concretizar as passagens das declarações (do arguido, do assistente, do demandante/demandado civil) e dos depoimentos (caso das testemunhas) em que se ancora a impugnação. Para atingir esse desiderato, aderimos à posição defendida no Acórdão de 14/7/2010, Processo n.º 508/07.7GCVIS.C1, deste Tribunal da Relação de Coimbra, relatado pelo Exmo. Desembargador Alberto Mira, in www.dgsi.pt, onde se considera que o recorrente, a par da indicação das concretas provas, há-de proceder de uma das seguintes formas: - Reproduzir o conteúdo da prova que, para o fim em vista (impugnação dos concretos pontos de facto), considere relevante; - Expor, ainda que em súmula, os segmentos pertinentes das declarações/depoimentos; ou - Situar objectivamente o segmento da declaração/depoimento em causa por referência a específicas circunstâncias ocorridas. Mas tal não basta. Na realidade, o recorrente deve explicitar por que razão essa prova “impõe” decisão diversa da recorrida. Este é o cerne do dever de especificação. O grau acrescido de concretização exigido pela Lei n.º 48/2007, de 29-08, visa precisamente obrigar o recorrente a relacionar o conteúdo específico do meio de prova que impõe decisão diversa da recorrida com o facto individualizado que considera incorrectamente julgado, conforme defende Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, pág. 1134/1135. Tudo o que vem de ser exposto significa, pois, que as menções exigidas pelo artigo 412.º, n.º s 3 e 4, do CPP, não traduzem um ónus de natureza puramente secundário ou formal que sobre o recorrente impenda, antes se conexionando com a inteligibilidade e concludência da própria impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto.
Antes de avançarmos para a análise concreta do caso, importa, ainda, sublinhar que, no domínio da Lei n.º 59/98, de 25-08, impunha o artigo 412.º, n.º 4, do CPP, que as especificações previstas nas alíneas b) e c) do n.º 3 se fizessem por referência aos suportes técnicos, havendo lugar a transcrição. E como decorria da lógica imediata da sequência dos procedimentos, só após a identificação, no recurso, dos suportes técnicos de gravação, haveria que proceder à transcrição do que fosse relevante – não transcrição de toda a prova, mas apenas dos elementos que se mostrassem previamente identificados e referidos pelo recorrente no cumprimento do ónus de especificação que se lhe impunha a referida norma do artigo 412.º, n.º 4. A transcrição era um acto posterior que incumbia, não ao recorrente, mas ao tribunal efectuar (cfr. Ac. de Fixação de Jurisprudência n.º 2/2003, de 16-01-2003, in DR, I série-A, de 30-01-2003), nos termos e na medida delimitada previamente pelo recorrente, destinando-se a permitir (rectius, a facilitar) então ao tribunal superior a apreciação, nos limites do recurso, da prova documentada. A Lei n.º 48/2007, de 29-08, mudou radicalmente o regime de impugnação da matéria de facto e, entre outras alterações, afastou a transcrição da prova, no caso regra de utilização da gravação magnetofónica ou audiovisual (artigo 364.º, n.º 1, do CPP). A prova não deve ser transcrita, devendo o tribunal de recurso, uma vez cumpridas todas as formalidades previstas no artigo 412.º, n.º s 3 e 4, proceder ao controlo dessa prova por via da audição ou da visualização dos registos gravados (artigo 412.º, n.º 6), com base na indicação pelo recorrente das passagens da gravação em que funda a impugnação (artigo 412.º, n.º 4).
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Acontece que, no caso presente, temos de convir que o recorrente não indica especificadamente as provas que impõem relativamente a cada ponto uma decisão diversa quanto à matéria de facto (pontos 16 e 18).
Na realidade, limita-se, contra o que está hoje determinado na lei, a transcrever determinada prova (fls. 282 verso – fls. 295 verso), sem concretizar, e era isso que deveria ter sido feito, em momento algum, qual a passagem que determina a alteração pretendida, assim como aquilo que a possa impor.
Assim sendo, sem necessidade de mais considerações, não há que alterar a matéria de facto.
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2 – Da medida da pena:
O recorrente entende que deve ser punido na pena de 150 dias de multa, à taxa diária de cinco euros, mostrando-se, por isso, desadequada a pena que consta da sentença recorrida.
Façamos uma breve análise sobre as finalidades legais das penas com reflexos no seu doseamento e nos critérios legais concretos a observar neste doseamento.
Como dispõe o artigo 40.º, n.º 1, do Código Penal, a aplicação de penas visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade. As finalidades das penas, na previsão, na aplicação e na execução, são assim na filosofia da lei penal vigente a protecção de bens jurídicos e a integração do agente do crime nos valores sociais afectados.
Na protecção de bens jurídicos está ínsita uma finalidade de prevenção de comportamentos danosos que afectem tais bens e valores (prevenção geral) como também a realização de finalidades preventivas que sejam aptas a impedir a prática pelo agente de futuros crimes (prevenção especial negativa).
As finalidades das penas na sua vertente de prevenção positiva geral e de integração ou prevenção especial de socialização conjugam-se na prossecução do objectivo comum de, por meio da prevenção de comportamentos danosos, proteger bens jurídicos comunitariamente valiosos cuja violação constitui crime.
No caso concreto a finalidade de tutela e protecção de bens jurídicos há-de constituir o motivo fundamento da escolha do modelo e da medida da pena, da tutela da confiança das expectativas da comunidade na validade das normas e especificamente na validade e integridade das normas e dos correspondentes valores concretamente afectados.
Por seu lado, a finalidade de reintegração do agente na sociedade há-de ser em cada caso prosseguida pela imposição de uma pena cuja espécie e medida, determinada por critérios derivados das exigências de prevenção especial, se mostre adequada e seja exigida pelas necessidades de ressocialização do agente, ou pela intensidade da advertência que se revele suficiente para realizar tais finalidades.
Nos limites da prevenção geral de integração e de prevenção especial de socialização será encontrada a medida concreta da pena, sempre de acordo com o princípio da culpa que, nos termos do artigo 40.º, n.º 2 do Código Penal, constitui limite inultrapassável da prevenção a realizar através da pena (cfr. nomeadamente Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 1ª edição, pags. 238 a 255).
Postas estas considerações gerais, que devem estar presentes no juízo conducente à pena concreta e adequada, o artigo 71.º, n.º 1, do Código Penal, preceitua, na senda do citado artigo 40.º, que a determinação concreta da pena, dentro dos limites legalmente definidos, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção e o n.º 2 do mesmo artigo determina que o tribunal atenda a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor ou contra o agente, enumerando algumas a título exemplificativo, circunstâncias estas que nos darão a medida das exigências de prevenção em concreto a realizar porque indicadoras do grau de violação do valor em causa e da prognose de no futuro o agente se poder determinar com o respeito pelo valor penalmente protegido (a necessidade da pena revela-se desse modo em função da menor ou maior exigência do exercício da prevenção e da reintegração).
Em resumo, tendo como suporte axiológico-normativo uma culpa concreta, ou seja, tendo como primeira referência a culpa, a fixação da medida da pena perseguirá concomitantemente a prevenção (que, neste contexto, exige fixação de pena que seja entendida pela sociedade como a necessária à tutela do direito e adequada à confiança na aplicação da justiça) e, sempre, objectivos pedagógicos e ressocializadores, tudo tendo em vista a protecção de bens jurídicos e a reinserção social do agente.
**** Estamos no âmbito de uma pena de multa.
Na dosimetria da pena, devem, então, ser atendidos factores do caso concreto que não integrem o tipo legal (factores relativos à execução do facto, factores relativos à personalidade do agente e factores relativos à conduta do agente anterior e posterior ao facto) – cfr. FIGUEIREDO DIAS, Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, págs. 245-254), nos termos do artigo 71.º, n.º 2, do Código Penal.
Tendo presente tudo aquilo que ficou expresso até agora, no que toca ao número de dias de multa, devemos ter bem presente o seguinte: - a ilicitude do facto [que se afigura de intensidade média, mormente no seu segmento de desvalor do resultado, atendendo ao valor do prejuízo patrimonial causado e ao reduzido número de pessoas que, à data dos factos, se encontravam no interior do estabelecimento]; - o dolo directo com que actuou e a concomitante culpa mais elevada do arguido; - as especiais exigências de prevenção geral [que se afiguram médias, tanto pela necessidade de tutelar os valores protegidos pelas normas jurídicas violadas, de protecção dos direitos dos autores, dos criadores de diversas formas de arte, dos produtores e até dos consumidores, tendo em conta o aparecimento no mercado, nos últimos anos, de espaços que exibem música sem previamente se habilitarem da respectiva autorização, havendo, assim, necessidade de dirigir a ameaça penal aos membros de uma colectividade para que no futuro se abstenham de praticar este tipo de crime]; - as reduzidas necessidades de prevenção especial [o arguido não tem antecedentes criminais]; - a inserção social e familiar do arguido.
Como todos sabem, a actividade jurisdicional de fixação da medida da pena não é discricionária, mas juridicamente vinculada - assim, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24.02.1988, BMJ n.º 374, pág. 229 -, comportando, porém, um momento não quantificável ou silogístico e, como tal, não totalmente explicitável.
Assim, sopesados que foram todos os critérios e factores legais de determinação da concreta medida da pena, considera-se adequada a aplicação ao arguido da pena de 180 dias de multa, nada havendo, portanto, a censurar neste aspecto.
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No que tange ao quantitativo diário da multa, há que atender a alguns aspectos.
Sempre que esteja definida a pena concreta de multa, como já está (180 dias), haverá que determinar a respectiva taxa diária.
Como defende o Professor Figueiredo Dias (Direito Penal Português, pág. 127), todas as considerações atinentes quer à culpa, quer à prevenção geral quer à especial, devem exercer influência sobre a determinação da pena e, por via disso, sobre os dias de multa, e não sobre o quantitativo diário. Em contrapartida, tudo quanto respeite à situação económica-financeira do condenado deve ser considerado na fase de fixação do quantitativo diário da multa.
A lei alemã determina expressamente que o julgador parta em regra do rendimento bruto que o agente, em média, tem, ou poderia ter, diariamente. Na obra acima mencionada, o Professor Figueiredo Dias refere que, podendo tal critério ser considerado como demasiado rigoroso, o mesmo deve ser substituído por um critério de retirada, ou da diminuição, segundo o qual o juiz deve calcular a quantia que, em cada dia, o agente pode economizar, ou que lhe pode ser retirada sem dano para os gastos indispensáveis.
A nossa lei (artigo 47.º, n.º 2, do C. Penal) aponta neste segundo sentido, ou seja, vai para além de uma visão puramente economicista e contempla critérios de razoabilidade e exigibilidade. Assim, se é verdade que a pena de multa terá de representar uma censura do facto, e ao mesmo tempo uma garantia para a comunidade da validade e vigência da norma violada, não é menos certo que deverá sempre ser assegurado ao condenado o nível existencial mínimo adequado às suas condições sócio-económicas.
Daí que deva o juiz partir, para a determinação do montante da multa, do chamado rendimento líquido, isto é, a diferença entre o rendimento bruto e as despesas que advêm do seu ganho.
No primeiro parâmetro (rendimento bruto), deverão entrar todos os rendimentos próprios auferidos pelo condenado qualquer que seja a sua fonte (por exemplo, salário, lucro comercial, rendas, juros).
Contudo, a pena de multa não pode transformar-se numa pena de confisco, pelo que, conforme dizem Jeschek (Tratado de Derecho Penal, pág. 709) e Figueiredo Dias (obra citada, pág. 129), devem ser privadas de influência na determinação do quantitativo diário circunstâncias como as de o condenado viver com sua família num imóvel de alto valor e pagar altíssimos prémios de seguros de vida ou encargos análogos.
Em resumo, deve o juiz ter sempre presente que o património do condenado pode não ter correspondência no seu rendimento líquido.
Por conseguinte, antes de determinar a taxa diária da multa, tem o tribunal de encontrar, na medida do possível, sempre um rendimento disponível com o qual o condenado vai fazer frente às despesas inerentes à satisfação das necessidades económicas próprias e daqueles que de si dependem. Tais necessidades, no fundamental, correspondem a direitos fundamentais que não podem ser colocados em causa, como a educação e a alimentação. Podem, ainda, dizer respeito ao cumprimento de obrigações de pagamento cuja razoabilidade resulta da própria vida em sociedade, como o caso de um empréstimo para compra de habitação.
Deverá, pois, ser sobre o montante obtido da diferença entre o citado rendimento disponível e as despesas e obrigações englobadas naquele núcleo essencial acabado de ser mencionado que será equacionada a fixação da taxa diária da multa.
Em síntese, o n.º 2, do artigo 47.º, do C. Penal, consagra que o respectivo montante deve ser fixado em função da situação económica e financeira do condenado e dos seus encargos pessoais.
Como é entendimento corrente, a taxa diária da multa deve ser fixada de uma forma que represente um sacrifício real para o condenado, para que mantenha a sua característica de verdadeira pena, pois de outro modo não será possível, através da sua aplicação, realizar as finalidades da punição. Na ponderação do quantitativo ajustado ao caso concreto não entram unicamente em linha de conta os rendimentos mensais, apurados ou declarados, mas também todos os outros rendimentos, bens e encargos que definem uma situação económica e que permitem avaliar a repercussão que nela vai ter a pena encontrada, de forma a poder-se concluir se a mesma é, efectivamente e como deve ser, adequada para sancionar a concreta gravidade do facto. Ora, relativamente à condição económica do recorrente, foram dados como provados os factos 14, 15, 16, 18, (sentença ora em crise). Ponderando a condição económica apurada, o tribunal recorrido fixou a taxa diária em vinte euros.
Isso merece algum reparo? Cabe à jurisprudência evitar que a aplicação de montantes ridiculamente baixos redunde no descrédito e ineficácia da pena de multa.
Ora, no caso concreto, encontra-se apurado que o recorrente é empregado de bar, enquanto trabalhador independente, declarou o salário mensal de 475 euros, em Outubro de 2010, não lhe são conhecidos bens imóveis, é responsável pela exploração de um bar pertencente a uma sociedade, reside com o seu pai, sendo certo que não lhe são conhecidos encargos especiais a título de alimentos ou de empréstimos bancários.
Destes elementos, não resulta, de modo algum, que o arguido esteja impossibilitado de suportar o pagamento do quantitativo em causa, por falta de rendimento disponível.
Assim sendo, é manifesto que nada de excessivo existe no quantitativo diário que consta da sentença recorrida, tanto mais que a lei sempre permite o pagamento da pena de multa em prestações, sempre que a situação económica e financeira do condenado o justificar.
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IV – DECISÃO:
Nestes termos, em face do exposto, acordam os Juízes que compõem a 5ª Secção deste Tribunal da Relação de Coimbra em negar provimento ao recurso e, em consequência, confirmar, na íntegra, o acórdão recorrido.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em quatro UC.
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José Eduardo Martins (Relator)
Isabel Valongo