Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
190/11.7TBIDN.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: VIRGÍLIO MATEUS
Descritores: REGISTO PREDIAL
RECUSA
EMOLUMENTOS
Data do Acordão: 04/02/2013
Votação: DECISÃO SUMÁRIA
Tribunal Recurso: IDANHA-A-NOVA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS.8-A, 8-C, 8-D, 66, 140 CRP
Sumário: 1. A norma que se retira da parte final do nº 1 do artigo 8º-C do CRP, segundo a qual o registo deve ser pedido no prazo de 30 dias a contar da data (…) do pagamento das obrigações fiscais quando este deva ocorrer depois da titulação, deve interpretar-se extensivamente, abarcando no termo inicial do prazo a data de qualquer vicissitude que consista no cumprimento dessas obrigações e não apenas o estrito pagamento.

2. Tendo o acto da partilha sido titulado por escritura de 23.8.2011 e tendo o impetrante do registo obtido as declarações fiscais de 14.9.2011 relativas a IMT e IS, é atempado o pedido de registo apresentado em 26.9.2011.

3. Consequentemente, não é devido o agravamento emolumentar e o pedido de registo não deve ser recusado com fundamento na falta do seu pagamento.

Decisão Texto Integral: I- Relatório:
M (…), casado, contribuinte fiscal n.º ..., desempregado, residente na ...Santarém, ao abrigo do disposto no artigo 140.º, n.º 1, do Código de Registo Predial (CRP) impugnou judicialmente a decisão de recusa de registo proferida em despacho de qualificação de 7.10.2011 a fl. 46, referente à requisição por via electrónica de registo de aquisição a seu favor de dois prédios rústicos, sitos nas freguesias de ... e da ..., concelho do Cartaxo, a que se referem os artigos matriciais 48, secção E, e 28, secção B, descritos respectivamente sob os nºs 4333 e 1213.
Essa decisão de recusa do registo baseou-se em o interessado impetrante não ter efectuado o pagamento do emolumento em dobro nos termos do nº 6 do artigo 8º-C do CRP (depois de o mesmo ter sido notificado do despacho de 29.9.2011 para em cinco dias suprir as deficiências aí descritas, entre as quais a «falta de preparo na quantia de 250 euros referente ao agravamento emolumentar em virtude de o mesmo (registo) ter sido requerido fora de prazo»). No mesmo despacho do Conservador consta que, mesmo que o acto não fosse recusado, o acto seria qualificado como provisório por dúvidas nos termos dos artigos 68º e 70º do CRP pelos fundamentos aí invocados.
Na sua alegação de impugnação dirigida ao Tribunal de Idanha-a-Nova, o impugnante M (…) formulou as seguintes conclusões:
1.ª Não há lugar ao pagamento do emolumento em dobro por violação do prazo para o requisitar o registo, porque dele estava dispensado o impugnante, como decorre do artigo 33.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 116/2008;
2.ª Ainda assim, caso tal não seja entendido, o mesmo foi acatado, porquanto a natureza do título para registo tinha como pressuposto antecedente a instauração de procedimento tributário;
3.ª Ademais, os motivos da recusa vertidos no despacho impugnado não são os que constam do elenco dos previstos no artigo 69.º, do Código do Registo Predial;
4.ª O subscritor do pedido tinha legitimidade para, na qualidade de representante do titular dos prédios, fazer declarações complementares, como dispõem os artigos 38.º, n.º 1, primeira parte e 39.º, n.º 2, alínea b);
5.ª A simples divergência de área do prédio compreendida no âmbito dos limites permitidos pelos artigos 28.º-A e 28.º-B entre os documentos para registo e as declarações complementares são supríveis por declaração do representante do titular em que tal se deve a mero lapso e que os daqueles constantes são os correctos;
6.ª A mera divergência na composição dos prédios entre o título e a declaração complementar não constitui motivo de recusa ou provisoriedade, já que apenas é exigido quanto a esta uma mera descrição da composição do prédio e não uma descrição exaustiva e completa do prédio.
A Ex.ma Conservadora proferiu despacho sustentando a decisão de recusa do registo, nos termos do artigo 142º-A/1 do CRP (vd. fls. 50 e segs).
O processo foi com vista ao Ministério Público, que emitiu o douto parecer constante de fls. 63 e segs, no sentido do não provimento da impugnação judicial.
A sentença conheceu das questões colocadas pelo impugnante e concluiu decisoriamente: «julgo improcedente a impugnação judicial apresentada por M (…) e, em consequência, mantenho a decisão de qualificação proferida, em 07 de Outubro de 2011, pela Conservatória do Registo Predial de Idanha-a-Nova. Custas pelo impugnante, nos termos do disposto no artigo 446.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil e artigo 7.º do Regulamento das Custas Processuais e Tabela II anexa a tal diploma. Valor do recurso: o do facto cujo registo foi recusado – artigo 147.º-A, do Código do Registo Predial)».

Inconformado com a decisão de improcedência, o mesmo interessado recorre de apelação, concluindo a sua alegação:
1ª – Não pode ser exigido ao recorrente o pagamento da sanção devida pelo retardamento do registo de prédios seus;
2ª – Porquanto, o mesmo se encontra dispensado da obrigatoriedade do registo imposta pelo DL 116/2008, diploma que veio prever que somente os factos a ele sujeitos após a sua vigência se encontram abrangidos por este;
3ª – Outrossim, considerando que tal princípio estabelecido pelo diploma referido em 2ª lhe é aplicável, mesmo assim não foi intempestiva a apresentação;
4 – Na medida em que, a mesma foi precedida de procedimento tributário subsequente à titulação dos factos, o qual tem carácter obrigatório, pelo que o “dies a quo” do prazo geral para registo somente se poderia iniciar com a prolação do acto tributário;
5ª – Ademais, tendo por boa a aplicação do referido regime da obrigatoridade, não era ele o obrigado em primeira linha a promover o registo, mas sim a entidade documentadora;
6ª – Não observando esta o prazo legal de 10 (dez) dias para efectuar o pedido;
7ª – Aquele efectuado pelo recorrente libera-a de o fazer;
8ª – Mas, neste caso, não é o recorrente alvo de qualquer sanção pelo retardamento do pedido;
9ª – Porquanto, como sujeito do facto a registar está sempre legitimado para requisitar o registo;
10º - Pois, foi em sua tutela que o legislador impôs a obrigatoriedade do registo às referidas entidades documentadoras, pelo que não pode ser sancionado por acto de terceiros;
11ª – Por último, à míngua de motivo para a rejeição da apresentação e havendo dúvidas quanto à legitimidade para produzir declarações complementares e no respeitante à área e composição dos prédios, deve o registo ser lavrado como provisório por dúvidas.
Por conseguinte, o Mmo. Juiz equivocou-se quanto à interpretação que fez da disposição legal vertida do artº 33º, nº 1, do DL 116/2008, de 4-07, a qual dispensa o recorrente do regime da obrigatoriedade do registo que o mesmo instituiu ao alterar o CRP, porquanto a referida norma refere-se aos factos sujeitos a registo antecedentes à vigência do diploma em causa e não aos títulos que os corporizam, mesmos que lavrados posteriormente a esta.
Por outro lado, omitiu que o acto de registo solicitado se refere a factos quando titulados e após a respectiva titulação, carecem de participação obrigatória ao SF competente por parte dos seus beneficiários, o que sucede nos casos de IMT e IS, pelo que o “dies a quo” do prazo geral de 30 (trinta) dias, somente pode ocorrer após a prolação do acto tributário definidor da situação jurídica tributária do recorrente, como dispõem os arts. 19º e 23º, do CIMT e 26º, nº 1, do CIS.
Outrossim, violou as disposições conjugadas dos arts. 8º-B, nº 2 e 8º-D, nº 3, do CRP, as quais desoneram o recorrente do pagamento da sanção por protelamento do pedido de registo, fazendo-a incidir sobre a entidade que em primeiro lugar, na ordem de prioridade estabelecida no nº 1, do art. 8º-B, por este se encontra sujeita à obrigação de registar.
Termos em que, revogando Vs. Ex.as a sentença recorrida e substituindo-a por outra que conceda provimento ao presente recurso de apelação, farão a melhor justiça.

            O Ex.mo Presidente do Conselho Directivo do IRN contra-alegou, concluindo:
  1. O interessado impugnou junto do Tribunal Judicial de Idanha-A-Nova a "recusa da qualificação" da ap. 523, de 26 de Setembro de 2011, da Conservatória do Registo Predial de Idanha-A-Nova e a bondade da exigência do pagamento da quantia de 250 € (em falta porque dos 350 € devidos só foram entregues 100 €) correspondentes à sanção pecuniária devida pela promoção tardia do acto de registo peticionado, nos termos do disposto no nº 1 do artigo 8º-D do CRP.
2. O interessado viu a sua pretensão impugnatória indeferida por aquele douto Tribunal, dela pretendendo agora recorrer para o Tribunal da Relação de Coimbra.
3. Pela elaboração de um ato de registo, salvo os casos de gratuitidade, isenção ou redução, são devidos os emolumentos previstos no RERN, que, enquanto tributos exigidos aos particulares como contraprestação específica de um serviço, assumem a natureza jurídica de taxas.
4. O emolumento em dobro, derivado do cumprimento intempestivo da obrigação de registar, é de considerar, de igual modo, como uma receita tributária.
5. A falta de entrega da totalidade ou de parte das quantias devidas determina a rejeição da apresentação a que se refere a alínea e) do nº 1 do artigo 66° do CRP.

6. No caso de as especificidades da modalidade do pedido não permitirem sindicar os requisitos de admissibilidade da apresentação antes da sua anotação no diário, como é o caso da apresentação por via electrónica efetuada ao abrigo do disposto no artigo 23º da Portaria nº 1535/2008, de 30 de dezembro, devem tais requisitos ser analisados logo que o pedido se encontre distribuído à conservatória.
7. Se o processo não estiver em condições de prosseguir por falta de pagamento das quantias devidas deve ser "recusada a qualificação" do pedido, mediante despacho a notificar ao interessado, nos termos e para os efeitos previstos no nº 3 do artigo 66º do CRP, superando-se, assim, a incompletude de regulamentação e logrando-se, desta forma, o mesmo resultado substantivo visado na norma.
8. O agravamento emolumentar cobrado pelo ato de registo de aquisição é devido, já que o prazo para a promoção do registo - obrigatório por o facto ter ocorrido após a entrada em vigor das alterações introduzidas ao CRP pelo Decreto-Lei nº 116/2008, de 04.07, ou seja, 21.07.2008 - é fixado em função do sujeito da obrigação, independentemente de quem venha posteriormente apresentar o correspondente pedido de registo, sendo de 10 dias nos casos subsumíveis na alínea b) do n.o 1 do artigo 8º-8 em conjugação com o nº 6 do artigo 8º-C, ambos do CRP.
9. O termo do prazo inicial conta-se a partir da data da titulação do facto, isto é, do dia 23 de agosto de 2011, pelo que o mesmo terminava a 02 de Setembro de 2011. Ora, o pedido de registo foi apresentado para além do prazo legalmente fixado, dado que só ocorreu em 26 de Setembro de 2011.
10. Apenas existe obrigação de comprovar o pagamento das obrigações fiscais quando elas efetivamente existam, não sendo esse o caso da partilha (óbito) em que o herdeiro não recebe qualquer excesso relativamente à quota parte em imóveis que lhe cabia no acervo a partilhar, conforme decorre da escritura pública apresentada para instruir o pedido - cfr. os artigos 2º, nº 1, alínea c), 4º, alínea a), 23º e 49º, nº 4, alínea c), todos do CIMT.
11. Nestes casos, a elaboração do registo definitivo não demanda o cumprimento do disposto no nº 1 do artigo 72º do CRP, logo o termo inicial para a promoção do registo não pode ficar dependente da comprovação de uma obrigação inexistente.

12. Face ao modelo do recurso de reponderação que o direito português consagra, o âmbito do recurso encontra-se objectivamente limitado pelas questões colocadas no tribunal recorrido pelo que não é possível agora solicitar ao tribunal ad quem que se pronuncie sobre a questão da inexigibilidade ao apresentante da sanção com que a Lei sanciona a ofensa ao dever do obrigado de promover o registo no prazo legal, quando esta questão não se integra no objecto da causa tal como foi apresentada e decidida na 1ª instância.
13. A eventual revogação da decisão que rejeitou a apresentação só pode determinar que a sra. Conservadora a admita, procedendo à apreciação do pedido nos termos do artigo 68° do CRP, qualificando-o em conformidade.

Nos termos expostos, e nos demais que V. Exas. doutamente suprirão, o recurso deve ser julgado improcedente e mantida a sentença recorrida que reconheceu a bondade da decisão negatória da qualificação e, por conseguinte, da correcção da liquidação emolumentar.

Tudo visto.

II- Fundamentos:

A 1ª instância julgou provados os seguintes factos:
1. Pela ap. 523 de 26 de Setembro de 2011, (…), advogado e na qualidade de mandatário de M (…) requereu, por via electrónica, o registo de aquisição a favor do seu constituinte dos seguintes prédios:
- Prédido rústico, artigo matricial 28, da Secção B, Freguesia da ..., concelho do Cartaxo, com a área de 6280 m2 – Situação: Vale de Água, composto por Cultura arvense, vinha, oliveiras e mato, confrontando a norte com ..., a sul com estrada, a nascente com ... e a poente com ... – a descrever-se sob o n.º 1213.
- Prédido rústico, artigo matricial 48, da Secção E (resultante da divisão do prédio n.º 12), Freguesia de ..., concelho do Cartaxo, com a área de 5280 m2 – Situação: ..., composto por Olival, vinha e cultura arvense, confrontando a norte com ..., a sul com Serventia, a nascente com ... e a poente com ... – a descrever-se sob o n.º 4333.
2. O pedido de registo foi instruído com:
- escritura pública de “Habilitação e Partilha” lavrada em 23 de Agosto de 2011, a fls. 35 e ss. do Livro de Notas para Escrituras Diversas n.º 69-A, do Cartório Notarial do Cartaxo a cargo do Notário ..., a qual consta de fls. 22 a 28 dos autos e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
- duas declarações para liquidação de I.M.T. e Imposto de Selo da Verba 1.1. da Tabela Geral de Imposto de Selo, datadas de 14 de Setembro de 2011, com o valor de liquidação de € 0,00 (zero euros) dos dois impostos, conforme consta de fls. 29 e 30 dos autos e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
3. O apresentante pagou a título de emolumentos a quantia de € 100,00 (cem euros) por o facto registado dizer apenas respeito a prédios rústicos de valor inferior a € 25.000.
4. Em 29 de Setembro de 2011, foi enviado ao apresentante “Despacho de Qualificação”, nos termos do qual:
“Não sendo possível o suprimento das deficiências do pedido de registo n.º 1476602011/2011-09-26, a que coube a Ap. 523 de 2011/09/26 – Req. N.º 2043, pelo mecanismo previsto no artigo 73.º, n.º 1 do Código do Registo Predial, notifica-se o apresentante do registo, para no prazo de cinco dias as suprir, sob pena de o registo ser recusado.
As deficiências do processo consistem no seguinte:
- Falta de preparo na quantia de 250,00 Euros referente ao agravamento emolumentar, em virtude do mesmo ter sido requerido fora do prazo - artigo 8.º-C, n.º 6 do CRP.
- Acresce ainda a falta de legitimidade para prestar declarações complementares, devendo ser respeitado o regime especial de legitimidade prevista no artigo 36º do CRP.
- Descrição n.º 4333 da freguesia de ... – artigo 48 Secção E – divergência quanto à área entre o que consta no título e matriz (5280 m2) e o que consta em declarações complementares (5320 m2).
- Descrição n.º 1213 da freguesia da ...– artigo 28º Secção E – divergência quanto à composição entre o que consta do título (cultura arvense, vinha, oliveiras e mato) e o que consta em declarações complementares (cultura arvense, mato, vinha, macieiras e oliveiras).”- tudo conforme consta de fls. 41 e 43 dos autos e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
5. O apresentante não sanou qualquer deficiência.
6. Em 07 de Outubro de 2011, foi lavrado “Despacho de Qualificação”, pelo ajudante, por delegação, nos seguintes termos:
“Recusado nos termos das disposições combinadas dos artigos 68.º e 69.º do Código do Registo Predial, por não ter sido efectuado o pagamento do emolumento em dobro (n.º 6 do artigo 8.º C, do Código do Registo Predial.
Mesmo que o acto não fosse recusado, o mesmo seria qualificado como provisório por dúvidas, nos termos dos artigos 68.º e 70.º do Código do Registo Predial e com os seguintes fundamentos:
1 - Falta de legitimidade para prestar declarações complementares - artigos 36.º e 38.º do Código do Registo Predial.
2 - Descrição n.º 4333 da freguesia de ... – artigo 48 Secção E – divergência quanto à área entre o que consta no título e matriz (5280 m2) e o que consta em declarações complementares (5320 m2).
3 - Descrição n.º 1213 da freguesia da ...– artigo 28º Secção E – divergência quanto à composição entre o que consta do título (cultura arvense, vinha, oliveiras e mato) e o que consta em declarações complementares (cultura arvense, mato, vinha, macieiras e oliveiras).”- tudo conforme consta de fls. 46 dos autos e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
7. Por ofício P-115-G, de 07 de Outubro de 2011, via postal, foi o apresentante notificado do despacho referido em 6.
Da dita escitura de partilha consta que o de cujus (…) falecera aos 29.01.1988 e que foram adjudicados dois prédios ao mencionado (…), ao qual coube ainda determinado montante em tornas.

De direito:
As datas dos actos que sobrelevam do provado e que servem de enquadramento às questões a apreciar são as seguintes:
-- Óbito de (…)cuja herança foi partilhada: 29.01.1988;
-- Escritura pública da partilha: 23.8.2011;
-- Declarações fiscais relativas a IMT e IS: 14.9.2011;
-- Pedido de registo (apresentação): 26.9.2011.
A escritura pública da partilha e as declarações fiscais relativas a IMT e IS foram juntas ao pedido de registo.
O pedido de registo foi feito por via electrónica (online).
O interessado impetrante do registo pagou 100 euros de emolumentos, mas, notificado para pagar em 5 dias o agravamento emolumentar de 250 euros por ter feito o pedido fora do prazo legal (art. 8ºC/6 do CRP), não o pagou e, devido a esta omissão, foi-lhe recusado o registo em despacho de qualificação.
No tratamento jurídico do caso relevam especialmente o Código do Registo Predial (CRP), na redacção que lhe foi conferida pelo DL nº 116/2008 de 4.7, vigente em geral desde 21.7.2008 (DL cujo artigo 33º/1 foi alterado pelo DL nº 99/2010 de 2.9). Com essa redacção, o registo passou a ser obrigatório nos termos do artigo 8º-A do CRP, regulando o artigo 8º-B quais os sujeitos da obrigação de registar, regulando o artigo 8º-C os prazos para promover o registo e regendo o artigo 8º-D o incumprimento da obrigação de registar ([1]).
O artigo 8.º -D (Incumprimento da obrigação de registar) preceitua:
1 — As entidades que, estando obrigadas a promover o registo, não o façam nos prazos referidos no artigo anterior devem entregar o emolumento em dobro.
2 — O disposto no número anterior não se aplica aos tribunais e ao Ministério Público.
3 — A responsabilidade pelo agravamento do emolumento previsto no n.º 1 recai sobre a entidade que está obrigada a promover o registo e não sobre aquela que é responsável pelo pagamento do emolumento, nos termos do n.º 2 do artigo 151º.
O artigo 151.º (Pagamento dos emolumentos e taxas) preceitua:
1 — Os emolumentos e taxas devidas pelos actos praticados nos serviços de registo são pagos em simultâneo com o pedido ou antes deste.
2 — É responsável pelo pagamento o sujeito activo dos factos.
3 — Sem prejuízo da responsabilidade imputada ao sujeito activo e, salvo o disposto nos números seguintes, quem apresenta o registo ou pede o acto deve proceder à entrega das importâncias devidas.
            Vem no artigo 66.º, nº 1, do CRP: A apresentação deve ser rejeitada apenas nos seguintes casos: (…)     e) Quando não forem pagas as quantias devidas.
   A questão essencial a reapreciar é a de saber se o interessado apelante estava sujeito ao agravamento emolumentar por ter pedido o registo fora do prazo legal (tese dos serviços de registo e decisão recorrida) ou se ele não está sujeito ao agravamento emolumentar por ter sido promovido o registo dentro do prazo legal (tese do apelante).
O artigo 8.º -B (Sujeitos da obrigação de registar) do CRP preceitua:
1 — Devem promover o registo de factos obrigatoriamente a ele sujeitos as seguintes entidades:
a) As entidades públicas que intervenham como sujeitos activos ou que pratiquem actos que impliquem alterações aos elementos da descrição para os efeitos previstos no n.º 1 do artigo 90.º;
b) As entidades que celebrem a escritura pública, autentiquem os documentos particulares ou reconheçam as assinaturas neles apostas;
c) As instituições de crédito e as sociedades financeiras quando intervenham como sujeitos activos;
d) As entidades públicas que intervenham como sujeitos passivos;
e) As instituições de crédito e as sociedades financeiras quando intervenham como sujeitos passivos;
f) As demais entidades que sejam sujeitos activos do facto sujeito a registo.
2 — No caso de, em resultado da aplicação das alíneas do número anterior, deverem estar obrigadas a promover o registo do mesmo facto a mais de uma entidade, a obrigação de registar compete apenas àquela que figurar em primeiro lugar na ordem ali estabelecida.
3 — Estão ainda obrigados a promover o registo:
a) Os tribunais no que respeita às acções, decisões e outros procedimentos e providências judiciais;
b) O Ministério Público quando, em processo de inventário, for adjudicado a incapaz ou ausente em parte incerta qualquer direito sobre imóveis;
c) Os agentes de execução quanto ao registo das penhoras e os administradores da insolvência quanto ao registo da respectiva declaração.
4 — No caso das entidades referidas nas alíneas c) e e) do n.º 1, a obrigatoriedade de promover o registo estende -se a todos os factos constantes do mesmo título.
5 — A obrigação de pedir o registo cessa no caso de este se mostrar promovido por qualquer outra entidade que tenha legitimidade.

O artigo 8º-C, relativamente aos prazos, preceitua:
1 — Salvo o disposto nos números seguintes ou disposição legal em contrário, o registo deve ser pedido no prazo de 30 dias a contar da data em que tiverem sido titulados os factos ou da data do pagamento das obrigações fiscais quando este deva ocorrer depois da titulação.
2 — O registo das acções referidas nas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 3.º, sujeitas a registo obrigatório, deve ser pedido até ao termo do prazo de 10 dias após a data da audiência de julgamento.
3 — O registo das decisões finais proferidas nas acções referidas no número anterior deve ser pedido no prazo de 10 dias a contar do respectivo trânsito em julgado.
4 — O registo das providências decretadas nos procedimentos referidos na alínea d) do artigo 3.º deve ser pedido no prazo de 10 dias a contar da data em que tiverem sido efectuadas.
5 — As entidades referidas na alínea a) do n.º 1 do artigo anterior devem promover o registo dos actos referidos na parte final do mesmo número, através de comunicação efectuada no prazo de 10 dias após a prática do acto.
6 — Nos casos previstos nas alíneas b) a e) do n.º 1 e na alínea b) do n.º 3 do artigo anterior, o registo deve ser promovido no prazo de 10 dias a contar da data da titulação dos factos.
7 — Os factos sujeitos a registo titulados por documento particular autenticado em serviço de registo competente são imediatamente apresentados.
Este artigo, nos nºs 1 a 6, contempla duas espécies de prazos, conforme os casos: o de 30 dias e o de 10 dias.
O serviço de registos e a 1ª instância entenderam que ao caso é aplicável o prazo de 10 dias, pelo nº 6 desse artigo, enquanto o apelante defende que aplicável é o de 30 dias, pelo nº 1 do artigo. A relevância da questão está em que, se o prazo aplicável é o de 30 dias, o pedido é atempado e assim o interessado não tem de suportar o agravamento emolumentar e o registo não pode ser recusado com o fundamento na falta desse pagamento.
O prazo previsto no nº 1 vem apontado como sendo o prazo geral.
O interessado, que é sujeito activo no acto da partilha, está englobado na al. f) do nº 1 do artigo 8º-B. E os nºs 2 a 7 do artigo 8º-C não prevêm o caso daquela al. f) para o efeito de aplicação do prazo de dez dias, sendo certo que o apelante só pode integrar a previsão dessa al. f). Assim, pareceria que o prazo de 30 dias previsto no nº 1 do artigo 8º-C, mais que prazo geral, haveria de ser também o residual, ou seja, não se tratando de caso previsto nos nºs 2 a 7, seria aplicável o prazo de 30 dias, sem condicionalismos ([2]).
O preceito desse nº 1 estabelece dois termos iniciais alternativos, para contagem do prazo de 30 dias: a “data em que tiverem sido titulados os factos” ou a “data do pagamento das obrigações fiscais quando este deva ocorrer depois da titulação”.
O registo foi pedido para além de 30 dias depois da titulação do facto, isto é, para além de 30 dias depois da celebração da escritura de partilha.
Resta apreciar se o outro termo inicial previsto é aplicável, caso em que o registo foi pedido dentro do prazo de 30 dias.
Refere a sentença: «atentando no concreto teor da escritura de habilitação e partilha verifica-se efectivamente que, uma vez que o adjudicatário não levou qualquer excesso da quota-parte, não se encontra sujeito ao pagamento de qualquer obrigação fiscal a satisfazer ulteriormente à titulação, imperando aqui o que vai estatuído no artigo 2.º, n.º 5, alínea c), do Código do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis, e bem convocado também pela Excelentíssima Senhora Conservadora. Como tal, não se lhe impondo a instauração de procedimento tributário, em virtude da concreteza do título e da sua situação transmissária, sossobra também aqui o argumentário do impugnante».

E refere o apelado:

«O punctum saliens está em que, no caso sub judice, resulta do título apresentado com o pedido que ao adquirente, ora apelante, não coube excesso em imóveis na quota-parte que lhes pertencia no acervo patrimonial a partilhar.
«De facto, o que importa aferir nestes casos de pedido de aquisição baseado em escritura de partilha é se o sujeito ativo da inscrição a lavrar, segundo os termos daquela e de direito sobreditos, adquiriu bens imóveis cujo valor excede o da sua quota parte, havendo, ou não, por conseguinte, lugar ao cumprimento de obrigações fiscais.

(…) «Posto isto, patenteia o título uma situação em que o sujeito ativo da inscrição cuja conta é impugnada não está sujeita nem a IMT nem a Imposto de Selo da verba 1.1 da TGIS.

«Com efeito, no que respeita ao IMT, dispõe a aI. c) do nº 5 do artigo 2º do CIMT que "Em virtude do disposto nº 1, são também sujeitas a IMT, designadamente o excesso da quota-parte que ao adquirente pertencer, nos bens imóveis, em acto de divisão ou partilhas, bem como a alienação da herança ou quinhão hereditário".

«Determina, por sua vez, o artigo 4º, aI. a), do mesmo Código, respeitante à incidência pessoal ou subjectiva do imposto, que "Nas divisões e partilhas, o imposto é devido pelo adquirente dos bens imóveis cujo valor exceda o da sua quota nesses bens" (sublinhado nosso)",

«Ora, no caso em apreço, ao adquirente dos prédios não ficou a pertencer excesso em bens imóveis relativamente à quota-parte que lhe cabia na herança a partilhar. Como vimos, na partilha os valores adjudicados ficam aquém da quota-parte que caberia ao herdeiro que acaba por preencher o seu quinhão com tornas em dinheiro (cfr. artigo 201º, do CC)5.

«Relativamente ao imposto de selo, há lugar à cobrança do imposto previsto na verba 1.1 da TGIS, sobre o valor das tornas passíveis de IMT, apuradas na partilha".

(…) «8. Em resumo, considerando que o herdeiro, ora apelante, não adquiriu no ato de partilha qualquer excesso em imóveis relativamente à quota-parte que lhe cabia no acervo a partilhar, não há lugar à tributação em IMT, a suportar pelo adquirente, como resulta, a contrario, do disposto na alínea c) do nº 1 do artigo 2º e na alínea a) do artigo 4º, ambos do CIMT. Sobre esta matéria veja-se, ainda, o que preceituam os artigos 23º e 49º, nº 4, alínea c), do mesmo Código.

«Igualmente, também não há lugar à cobrança do imposto previsto na verba 1.1 da TGIS, sobre o valor das tornas passíveis de IMT, apuradas na partilha.

«Assim, a data relevante para o início da contagem do prazo para a promoção do registo de aquisição por partilha, efetuada mediante a aludida escritura pública sem dar lugar ao pagamento de quaisquer tornas, é a data da sua celebração ou,
na terminologia legal, o momento da titulação do facto».


O que se nos afigura é que este esforço argumentativo foi demasiado longe, na sua incursão pelos códigos fiscais, matéria para a qual são especificamente competentes os serviços de finanças.
Não têm, no caso, os serviços de registo de indagar através dos normativos dos códigos fiscais se há ou não há lugar à cobrança dos impostos (IMT e IS), porquanto apenas há que atender-se ao que consta das declarações fiscais apresentadas.
É que no caso o pedido foi instruído com declarações fiscais onde consta que o valor de imposto a liquidar é de zero euros. E o artigo 72º do CRP, no capítulo da qualificação do pedido, preceitua no seu nº 2: «Não está sujeita à apreciação do conservador ou do oficial de registo a correcção da liquidação de encargos fiscais feita nos serviços de finanças».
Mas se o valor liquidado é de zero euros, o apelante nada pagou de imposto. E pelo artigo 8º-C, nº 1, o registo deve ser pedido no prazo de 30 dias a contar (…) da data do “pagamento das obrigações fiscais”...
Com a expressão “pagamento das obrigações fiscais” o legislador terá dito menos do que quereria. Terá dito menos, no sentido de que o pagamento é apenas uma das vicissitudes possíveis que cabem ao serviço público notarial ou registal verificar, sendo outras por exemplo que o imposto esteja assegurado ou que a declaração fiscal tenha sido feita mesmo sem nada a cobrar de imposto. E essas vicissitudes várias englobam-se no conceito mais amplo de cumprimento das obrigações fiscais: é esse cumprimento das obrigações (que pode consistir no pagamento do liquidado mas nem sempre chegará a tal) que o serviço deve verificar. Há até casos frequentes em que o contribuinte é legalmente obrigado a declarar factos às finanças e afinal nada tem a pagar: aí ele cumpriu a sua obrigação fiscal, sem pagamento.
Sucede que a linguagem do legislador é imprópria. As obrigações não se pagam, cumprem-se. O que se pagam são quantias pecuniárias, designadamente as que resultem de liquidação. Mas a liquidação pode resultar em zero a pagar. Há liquidação e há cobrança (reverso do pagamento): são momentos e aspectos diferenciados. A cobrança implica prévia liquidação, mas nem toda a liquidação dá lugar a pagamento.
E, em termos de fiscalização tributária, os serviços de registo não têm de fiscalizar tão só os pagamentos ao fisco. Tanto assim é que o próprio artigo 72º/3 do CRP, ainda no capítulo da qualificação do pedido, preceitua que «o imposto do selo nas transmissões gratuitas considera-se assegurado desde que esteja instaurado o respectivo processo de liquidação e dele conste o prédio a que o registo se refere»: aí basta ao conservador certificar-se que o imposto está assegurado. É um dos casos possíveis em que o prazo de 30 dias não tem de contar-se desde o pagamento “da obrigação”. Outro caso possível é aquele em que o valor liquidado seja de zero euros. Tais serviços têm acima de tudo o dever de fiscalizar o cumprimento das obrigações fiscais respectivas, cumprimento esse que nalguns casos não culminará em pagamento cuja realização o conservador tenha de verificar.
Como vem referido pelo Conselho Técnico (CT) no parecer emitido no Pº RP 83/99 DSJ-CT, in BRN 1/2000-, “a verificação do cumprimento das obrigações fiscais limita-se ao acto cujo registo foi requerido uma vez que é o único que está sujeito a qualificação. É que esta disposição teve apenas em vista as situações em que, de acordo com o CIMT, houver que proceder ao pagamento de obrigações fiscais que deva ocorrer após a titulação e em que a definitividade do registo a efetuar dependa da prova desse pagamento, por força, designadamente, do disposto no artigo 50º do CIMT de acordo com o qual "Nenhum facto, acto ou negócio jurídico relativo a bens móveis sujeitos a registo pode ser definitivamente registado sem que se mostre pago o IMT que seja devido".
Para essas várias vicissitudes englobáveis no conceito de cumprimento das obrigações fiscais, a ratio legis do prazo de 30 dias é a mesma: determinando a lei que essas obrigações devem interferir na qualificação dos pedidos de registo (cfr. artigo 72º do CRP), não faria sentido obrigar a cumprir a obrigação de promover o registo antes de cumpridas aquelas.
Donde se conclui que no artigo 8º-C, nº 1, do CRP o legislador disse menos do que queria ao referir o «pagamento das obrigações fiscais» e a norma aí constante ao referir como termo inicial a “data do pagamento das obrigações fiscais” deve ser estendida (interpretação extensiva) como data do cumprimento das obrigações fiscais (que ocorra depois da titulação).
Assim entendido o preceito, claro fica que o pedido de registo foi efectuado no prazo legal de trinta dias e portanto atempadamente, não devendo haver lugar ao agravamento emolumentar. O pedido de registo não devia ter sido recusado com fundamento na falta do pagamento do emolumento em dobro.

O conhecimento das restantes questões fica prejudicado.

Em síntese final:
-- A norma que se retira da parte final do nº 1 do artigo 8º-C do CRP, segundo a qual o registo deve ser pedido no prazo de 30 dias a contar da data (…) do pagamento das obrigações fiscais quando este deva ocorrer depois da titulação, deve interpretar-se extensivamente, abarcando no termo inicial do prazo a data de qualquer vicissitude que consista no cumprimento dessas obrigações e não apenas o estrito pagamento.
-- Tendo o acto da partilha sido titulado por escritura de 23.8.2011 e tendo o impetrante do registo obtido as declarações fiscais de 14.9.2011 relativas a IMT e IS, é atempado o pedido de registo apresentado em 26.9.2011.
-- Consequentemente, não é devido o agravamento emolumentar e o pedido de registo não deve ser recusado com fundamento na falta do seu pagamento.
 
III- Decisão:
Pelo exposto, decide-se julgar a apelação procedente, revogando a decisão impugnada.
Custas pelo apelado, salvo havendo legal isenção.


Virgílio Mateus ( Relator )


[1] A matéria fiscal – IMT e IS – consta especificamente dos CIMT e CIS que constituem anexos ao Decreto-Lei n.º 287/2003 de 12/11 e que entraram em vigor em 1.1.2004.
Aquele mesmo DL nº 116/2008, através do artigo 20º, alterou o Regulamento dos Emolumentos dos Registos e Notariado (RERN).


[2] Observa-se que toda a confusão provém do facto de não ter sido o notário a promover o registo (Vd. artigo 8º-B nº 1 al. b)). Se o notário o tivesse promovido, não apareceria o herdeiro adquirente a promover o registo. Só que está documentado nos autos que os prédios estavam omissos no registo (fls. 39 e 40).