Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
359/17.0GBFND.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ELISA SALES
Descritores: APRESENTAÇÃO DE PEÇAS PROCESSUAIS
CORREIO ELECTRÓNICO
TELECÓPIA
Data do Acordão: 05/13/2020
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: CASTELO BRANCO (JUÍZO LOCAL CRIMINAL DO FUNDÃO)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ART. 2.º DA PORTARIA 280/2013, DE 26-08; ART. 150.º, N.º 1, AL. D), E N.º 2, DO CPC, NA REDACÇÃO DO DL 324/2003, DE 27-12; PORTARIA 642/2004, DE 16-06; DL 28/92, DE 27-02; ART. 6.º, N.º 1, AL. B), DO DL 329-A/95, DE 12-12
Sumário: INa medida em que a Portaria n.º 280/2013, de 26-08, continua a aplicar-se tão só às acções referidas no seu artigo 2.º, ficando, deste modo, excluídos do seu âmbito regulamentador os processos de índole penal, mantém plena actualidade a jurisprudência fixada no Acórdão do STJ n.º 3/2014, de 6 de Março desse ano.

II – Em conformidade, é admissível, em processo penal, a remessa a juízo de peças processuais através de correio electrónico, nos termos do disposto no art. 150.º, n.º 1, al. d), e n.º 2, do CPC de 1961, na redacção do DL 324/2003, de 27-12, e na Portaria 642/2004, de 16-06, aplicáveis por força do disposto no art. 4.º do CPP.

III – Perante o que dispõe o artigo 10.º da dita Portaria 642/2004, à apresentação de peças processuais por correio electrónico é aplicável o estatuído no DL n.º 28/92, de 27-02, o qual disciplina o regime do uso de telecópia, estabelecendo o artigo 4.º do último dos diplomas mencionados a obrigatoriedade de serem remetidos, no prazo de 10 dias (o prazo inicial de 7 dias previsto no n.º 3 do artigo 4.º, perante o disposto no artigo 6.º, n.º 1, al. b), do DL n.º 329-A/95, de 12-12, passou a ser de 10), ou entregues na secretaria, os respectivos originais.

Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, na secção criminal do Tribunal da Relação de Coimbra

I - RELATÓRIO

No processo comum supra identificado, após a realização da audiência de julgamento, foi proferida sentença que decidiu:

1. Julgar a acusação pública procedente e, em consequência:

- Condenar o arguido A. pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de furto simples p. e p. pelo artigo 203º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 250 dias de multa, à taxa diária de 6,00€ , perfazendo o montante global de 1500,00€ .


*

O arguido não se conformando com a decisão proferida em 1ª instância, interpôs recurso da mesma, tendo extraído da motivação as seguintes conclusões:

1ª- O recorrente entende e propugna que a matéria de facto dada como provada – nomeadamente os pontos 2, 3, 4 e 7 – pela Meritíssima Juíza “a quo” deve ser considerada matéria não provada, uma vez que analisando a prova produzida em sede de audiência de julgamento, ou seja o depoimento do arguido e das testemunhas da acusação, não é possível concluir que tais factos foram provados.

2ª- Consequentemente, dado que não se fez prova de que tenha sido o arguido a efectuar a ligação directa, que habitava a casa e que tenha consumido e usufruído da energia eléctrica, deve o arguido recorrente ser absolvido da acusação pública.

3ª- Existindo dúvida insanável dos factos pelos quais o arguido vinha acusado, deverá operar o princípio da presunção da inocência, ao abrigo do artigo 32º n.º 2 da Constituição da República Portuguesa.

4ª- Entende o recorrente, que a pena concretamente aplicada foi demasiado severa, tendo em conta as condições pessoais, a sua situação económica e a conduta anterior. O arguido não tem antecedentes criminais, tem uma condição económica mediana, sendo que o consumo de energia durou pouco mais de 10 dias e à data dos factos tinha 89 anos de idade.

5ª- A pena concretamente determinada deverá situar-se mais próximo do mínimo da moldura abstracta, ou seja, aplicação de 90 dias de multa, obedecerá, assim, aos critérios de proporcionalidade, relativamente às finalidades de punição e da razoabilidade.

6ª- Ao não decidir assim, a douta sentença faz errada interpretação do disposto no artigo 71º do Código Penal, disposição que deste modo foi violada.

Nestes termos e com o douto suprimento que expressamente se invoca deve ser dado provimento ao recurso, revogando-se a douta sentença recorrida e substituindo-a por decisão que absolva o arguido quanto à acusação pública, ou não se entender assim, por decisão que se condene o arguido na pena acima propugnada ou ainda, a não se entender assim, na que o Venerando Tribunal ad quem tenha por ajustada à factualidade provada em audiência.


*

B., queixosa, lesada e demandante nos autos, veio interpor recurso do despacho proferido em sede de audiência de julgamento (sessão de 30-5-2019), que indeferiu o pedido de indemnização civil apresentado por correio electrónico, não admitindo, por isso, a intervenção da parte civil e consequentemente a inquirição de uma testemunha que possuía informações essenciais e indispensáveis para a descoberta da verdade material e boa decisão da causa, condenando a B. em 2 unidades de conta pelo incidente criado.

E, da respectiva motivação, extraiu as seguintes conclusões:

1. O Tribunal a quo ao decidir, como decidiu, pela invalidade do pedido de indemnização civil apresentado por correio eletrónico do mandatário com assinatura eletrónica avançada, não o considerando em sede de julgamento, incorreu numa errónea interpretação jurídica da Portaria n.º 642/2004 de 16 de junho e do Decreto-Lei n.º 28/92 de 27 de fevereiro.

2. Conforme dispõe o Código de Processo Penal, no artigo 71.º “O pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime é deduzido no processo penal respetivo, só o podendo ser em separado, perante o tribunal civil, nos casos previstos na lei.”

3. Tendo a recorrente, manifestado o propósito de deduzir o pedido de indemnização civil no momento da participação criminal, foi notificada do despacho de acusação deduzido pelo Ministério Público contra o Arguido, nos termos artigo 77.º n.º 2 do CPP, no dia 12.02.2019, devendo deduzir no prazo de 20 dias contados da receção dessa notificação, o pedido em requerimento articulado.

4. Foi, no mesmo dia da receção dessa notificação, pelas 19 horas e 28 minutos, comprovados pela data e hora assinaladas na mensagem de correio eletrónico e na data e hora assinaladas pelo certificado digital da Ordem dos Advogados, fornecido pela entidade certificadora (…), que a Recorrente remeteu o pedido de indemnização civil para os serviços do Ministério Público do Fundão.

5. De acordo com o Acórdão de Fixação de Jurisprudência 3/2014, “Em processo penal, é admissível a remessa a juízo de peças processuais através de correio eletrónico, nos termos do disposto no artigo 150.º, n.º 1 alínea d), e n.º 2, do Código de Processo Civil de 1961, na redação do Decreto-Lei n.º 324/2003, de 27.12, e na portaria n.º 642/2004, de 16.06, aplicáveis conforme o disposto no artigo 4.º do Código de Processo Penal.”

6. Com as alterações introduzidas pela Portaria n.º 170/2017 de 25 de maio, a tramitação electrónica dos processos penais nos tribunais judiciais de 1.ªinstância, passou a ser regulada pela Portaria n.º 280/2013 de 26 de agosto, aplicando-se apenas a partir da receção dos autos em tribunal a que se referem o n.º 1 do artigo 311.º e os artigos 386.º, 391.º-C e 396.º do Código de Processo Penal.

7. Nesse sentido, a apresentação do pedido de indemnização civil, é anterior à receção dos autos pelo tribunal, devendo por isso, aplicar-se ainda hoje a Portaria n.º 642/2004 de 16 de junho.

8. Em conformidade com o artigo 150.º n.º 1 al. d) Código de Processo Civil de 1961, na redação do Decreto-Lei n.º 324/2003, de 27.12, “Os atos processuais que devam ser praticados por escrito pelas partes são apresentados a juízo por… envio através de correio eletrónico, com a aposição de assinatura eletrónica avançada, valendo como data da prática do ato processual a da expedição, devidamente certificada.”

9. O n.º 2 deste artigo referia que, “Os termos a que deve obedecer o envio através dos meios previstos nas alíneas d) e e) do número anterior são definidos por portaria do Ministro da Justiça”, ou seja, a Portaria 642/2004 de 16 de junho.

10. No artigo 3.º n.º 1 desta portaria, “o envio das peças por correio electrónico equivale à remessa por via postal registada nos termos do n.º 3 do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 290-D/99, de 2 de agosto, com a redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 62/2003 de 3 de abril, bastando para tal a aposição de assinatura electrónica avançada.”

11. Acrescenta o n.º 3 deste artigo que “a expedição da mensagem de correio electrónico deve ser cronologicamente validada, nos termos da alínea u) do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 290-D/99, de 2 de agosto, com a redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 62/2003, de 3 de abril, mediante a aposição do selo temporal por uma terceira entidade idónea.”

12. Nestes termos, deve entender-se que é necessário a declaração de uma entidade certificadora, como é o caso da (…), que atesta a data e a hora da expedição de um documento eletrónico, conforme refere alínea u) do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 290-D/99, de 2 de agosto, com a redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 62/2003, de 3 de abril.

13. Assim, à semelhança do que acontece nas peças processuais enviadas via citius, no momento do envio da mensagem de correio eletrónico é aplicado um selo, onde constam as informações relativas ao remente signatário da mensagem de correio eletrónico remetida, a validade da assinatura digital e ainda a data e hora em que a mesma foi assinada.

14. Considerando que, esta assinatura é gerada por um certificado da Ordem dos Advogados, fornecido pela entidade certificadora (…), preenche o requisito da assinatura eletrónica avançada.

15. Da mesma forma, se esse certificado regista a data e a hora (GMT +1) em que a mensagem de correio eletrónico foi assinada, momento que é simultâneo à expedição da mensagem de correio eletrónico, considera-se que se encontra também cumprido o requisito da validação cronológica.

16. Estas informações digitais, ficam guardadas e acessíveis quer ao remetente como ao destinatário daquela mensagem de correio eletrónico, mediante um clique sobre o selo que segue naquela mensagem.

17. Por tudo isto, a mensagem de correio eletrónico enviada a 12 de Fevereiro de 2019, pelas 19 horas e 28 minutos, cumpre os requisitos exigidos pela Portaria n.º 642/2004 de 16 de junho, não devendo por isso ser aplicável o artigo 10.º.

Sem prescindir,

18. Ainda que não se encontrassem cumpridos os pressupostos exigidos pela Portaria n.º 642/2004 de 16 de junho e por causa disso, se aplicasse por remissão do artigo 10.º o Decreto-Lei n.º 28/92 de 27 de fevereiro, o não envio dos originais não implicava pura e simplesmente a invalidade do ato processual.

19. Conforme demonstrou o Mandatário em sede de audiência de julgamento e foi comprovado pelos serviços do Ministério Público, a Recorrente enviou no dia 12 de Fevereiro de 2019, pelas 19 horas e 28 minutos, o pedido de indemnização civil, os documentos probatórios e o substabelecimento com reserva, considerando-se por isso, que aquele ato processual foi praticado tempestivamente pela recorrente.

20. O n.º 3 do artigo 4.º do DL 28/92 de 27 de fevereiro refere que, “os originais… devem ser remetidos ou entregues na secretaria judicial no prazo de sete dias… incorporando-se nos próprios autos.”

21. Mas o ato praticado só não aproveita à parte, se “… apesar de notificada para exibir os originais, o não fizer, inviabilizando culposamente a incorporação nos autos ou o confronto a que alude o artigo 385.º do Código Civil.”

22. Salvo melhor opinião, entende-se que aquele dever previsto no n.º 3 do artigo 4.º, só poderá afetar a validade do ato processual em causa, se e só se, a parte tiver sido notificada para apresentar os originais e não fizer, o que no caso em apreço não aconteceu.

23. Da mesma forma e em conformidade com a jurisprudência dominante, o Tribunal da Relação de Coimbra, no acórdão datado de 09.05.2006 relativamente ao processo 1219/06, explicita que, “a falta de apresentação na secretaria judicial do original da contestação no prazo de 10 dias contado do envio da telecópia não acarreta, sem mais, a invalidade do ato processual; A contestação apresentada por telecópia só não aproveita a parte, se apesar de notificada para apresentar o original, o não fizer.

24. Por tudo que antecede, considera-se que a Meritíssima Juíza do tribunal a quo, não interpretou corretamente a legislação aplicável ao caso concreto invalidando sem mais o pedido de indemnização civil tempestivamente apresentado pela Recorrente.

25. Esta surpreendente decisão do tribunal a quo, não se coaduna com a jurisprudência dominante, nem com o espirito de um legislador que pretende desmaterializar e simplificar os atos processuais com o objetivo de facilitar o acesso à justiça e simplificar os processos de trabalho nos tribunais através da utilização intensiva das novas tecnologias.

26. De igual forma, a posição aqui evidenciada colide de frente com o princípio de adesão, positivado no artigo 71.º e 72.º do Código de Processo Penal.

27. Estamos assim, perante uma irregularidade processual prevista no artigo 123.º do Código de Processo Penal, que apesar de ter sido arguida pela interessada, aqui recorrente, não foi devidamente reparada pelo tribunal a quo, afetando não só, a admissão do pedido de indemnização civil, como, todos os termos subsequentes.

28. Como resultado desta irregularidade e consequente tentativa de resolução da mesma pela interessada, a Meritíssima Juíza do Tribunal a quo, considerou indiscriminadamente e de forma pouco fundamentada que teria sido criado um incidente, o qual deveria ser tributado autonomamente à ofendida no valor de 2 unidades de conta.

29. O regime de custas em processo penal encontra-se expressamente previsto no disposto nos artigos 513.º a 524.º do Código de Processo Penal e no artigo 8.º, conjugado com a tabela III, do Regulamento das Custas Processuais.

30. Este “incidente” inominado, foi criado única e exclusivamente por um erro nítido dos serviços do Ministério Público, que apesar de terem rececionado o pedido de indemnização civil deduzido pela ofendida, não o juntaram aos autos, nem notificaram a demandante, para remeter ou entregar os referidos originais.

31. Um erro que, obliterou a possibilidade de a Recorrente ser ressarcida dos prejuízos causados provocados diretamente por aquele ilícito criminal nos termos artigo 71.º e seguintes do Código de Processo Penal.

32. Nestes termos, a existir um incidente, este originou-se num erro dos serviços judiciais.

33. Não se considerando por isso, que a ofendida tenha dado causa a algum incidente.

34. Por outro lado, a ofendida ao invocar aquela irregularidade processual e ao requerer que mesma fosse reparada, não entorpeceu o andamento de processo, nem implicou a disposição de tempo e meios que permitisse legitimar a aplicação de tal taxa de justiça nos termos do artigo 521.º do Código de Processo Penal.

35. O mandatário da Recorrente, apenas exerceu a defesa da sua constituinte no estrito cumprimento do Estatuto da Ordem dos Advogados, arguindo uma irregularidade processual no momento em que da mesma tomou conhecimento, uma vez que afetava o valor do ato praticado e dos atos subsequentes.

36. Nesse sentido, refere o sumário do acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, datado de 20-03-2019 que “O requerimento de arguição de nulidade, apresentado no momento processual apropriado, sem que seja descabido ou dilatório, não dando causa a um acréscimo anormal da atividade processual, tão pouco a uma excessiva demora na tramitação do processo, não constitui uma ocorrência estranha ao desenvolvimento da lide, não sendo, em razão disso, tributável como incidente anómalo.”

37. Face ao exposto, ao decidir, como decidiu, invalidando sem mais o pedido de indemnização civil apresentado, e por consequência, condenando a ofendida numa taxa de justiça por um incidente indeterminado, o tribunal a quo, errou na interpretação da Portaria n.º 642/2004 de 16 de junho e do Decreto-Lei n.º 28/92 de 27 de fevereiro, violando o principio de adesão positivado no artigo 71.º e 72.º do Código de Processo Penal, assim como, errou na interpretação dos artigos 513.º a 524.º do Código de Processo Penal e o artigo 8.º, conjugado com a tabela III, do Regulamento das Custas Processuais.

 Nestes termos e nos melhores de Direito, conforme     douto   suprimento     de V/Exas., deverão revogar-se as decisões recorridas e, em consequência, deverá ser proferido acórdão determinando o suprimento da irregularidade processual e a invalidade dos termos subsequentes.


*
Ao recurso do arguido, respondeu a Magistrada do Ministério Público junto do tribunal recorrido, defendendo a sua improcedência.
Nesta instância o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer nos seguintes termos:
«Independentemente da decisão que esta Relação venha a tomar em relação ao recurso interposto pela lesada/demandante civil, parece-me que a sentença incorreu em contradição insanável entre a fundamentação e a decisão, já que na matéria de facto não deu como provado o valor do prejuízo que foi causado à lesada e na fundamentação condena o arguido em multa, determinando a pena de multa, entre outras coisas, o valor do prejuízo causado.
(…) Nesta conformidade sou de parecer que deve ser declarada a nulidade da sentença e reenviado o processo para que a mesma seja reparada, mas, caso assim não seja entendido, deverá ser dado parcial provimento ao recurso quanto à medida concreta da pena aplicada, a qual deve ser diminuída.»

Cumprido o disposto no n.º 2 do artigo 417º do CPP, não foi obtida resposta.

Os autos tiveram os vistos legais.


***

II- FUNDAMENTAÇÃO

Da sentença recorrida consta o seguinte:

Factos provados

Da acusação pública

1. A ofendida B. é uma sociedade comercial que exerce a actividade de Operador de Redes de Distribuição, no território continental de Portugal, em regime de serviço público, sendo titular da concessão para a exploração da Rede Nacional de Distribuição (RND) de Energia Eléctrica em Média Tensão (MT) e Alta Tensão (AT), por concessão do Estado, e da exploração das concessões de distribuição de energia eléctrica em Baixa Tensão (BT), por concessão dos municípios.

2. Em data não concretamente apurada, mas situada entre o dia 19 de Junho de 2017 e o dia 31 de Julho de 2017, o arguido A. concebeu o plano de estabelecer o fornecimento de energia eléctrica à casa unicamente, por si habitada, sita na (…).

3. Para a concretização do aludido plano, o arguido, em data não concretamente apurada, mas situada entre o dia 19 de Junho de 2017 e o dia 31 de Julho de 2017, de forma, não concretamente apurada, efectuou uma ligação directa da rede pública de fornecimento de energia eléctrica à sua casa de habitação, sem que tivesse contrato activo com qualquer comercializador de energia.

4. A energia eléctrica, assim obtida, foi consumida pelo arguido.

5. No dia 01 de Agosto de 2017, pelas 15 horas e 20 minutos, através de acção de fiscalização efectuada por funcionários da ofendida, foi detectada a referida ligação directa, tendo sido elaborado um auto de inspecção.

6. Nessa sequência, aqueles funcionários desligaram e retiraram todos os cabos ligados pelo arguido à rede pública de fornecimento de energia eléctrica.

7. O arguido com a conduta que levou a cabo apropriou-se de um número não concretamente apurado de quilowatts de energia eléctrica pertencente à ofendida.

8. O arguido A. actuou de forma livre, voluntária e consciente, com o propósito de integrar no seu património a referida energia eléctrica apesar de saber que a mesma não lhe pertencia e que actuava contra a vontade e sem o consentimento da ofendida, legítima proprietária daquela.

9. O arguido actuou sempre de forma deliberada, livre e consciente, bem sabendo que a sua descrita conduta era censurada, proibida e punida por lei penal.

Das condições pessoais e económicas do arguido:

10. O arguido não tem antecedentes criminais.

11. O arguido é viúvo e não tem filhos. Encontra-se reformado e aufere uma pensão de reforma no montante de cerca de 1000,00 euros mensais. Reside, esporadicamente, em casa própria no Fundão, e, habitualmente, em casa arrendada em Lisboa, pagando a quantia mensal de 120,00 euros, a título de renda.

Factos não provados:

Da acusação pública:

A. Que o valor dos prejuízos sofridos pela B. ascenda a um valor superior a €75,00 (setenta e cinco) euros.


***

APRECIANDO

O âmbito do recurso define-se pelas conclusões que os recorrentes extraem da respectiva motivação, de acordo com o estabelecido no artigo 412º, n.º 1 do CPP, sem prejuízo, contudo, das questões de conhecimento oficioso.

Nos recursos interpostos, as questões suscitadas são:

a) pela B:

   - a validade do pedido de indemnização civil apresentado por correio electrónico;

b) pelo arguido:

   - a errada apreciação da prova, com violação dos princípios da presunção de inocência e in dubio pro reo;

- subsidiariamente, a redução da pena de multa aplicada.


*

A- Recurso da lesada/demandante B.:

Consta da Acta de Audiência de Discussão e Julgamento:

«NOTA:

Quando da realização da chamada, foi o oficial de justiça, alertado, pelo Dr. (…), que não havia chamado a testemunha (…).

Pelo oficial de justiça, foi informado o Dr. (…) que não se encontrava arrolada tal testemunha.

O Dr. (…) esclareceu o oficial de justiça que a referida testemunha está arrolada no Pedido de indemnização Cível.

Compulsados os autos, em papel e eletrónicos, o oficial de justiça certificou-­se de que nos autos não há pedido de indemnização cível, o que comunicou ao Dr. (…).

Pelo Dr. (…) foi exibido o documento comprovativo da remessa via e-mail do pedido de indemnização cível, que se veio a comprovar que não havia sido junta aos autos nos serviços do Ministério Público.

Por outro lado constatou-se que o original desse e-mail não foi junto aos autos, pois relativamente à prática dos atos por correio eletrónico, em processo penal, aplica-se a Portaria n.º 642/2004, de 16/06. Nos termos do artigo 10º, as peças podem ainda ser enviadas por correio electrónico simples ou sem validação electrónica, aplicando-se nestes casos o regime do envio por telecópia do DL n.º 28/92, de 27/02. O regime da telecópia, o DL n.º 28/92, de 27/02, refere a obrigatoriedade de serem remetidos no prazo de dez dias, ou entregues na secretaria os originais dos articulados, bem como quaisquer documentos autênticos ou autenticados - n.º 3 do artigo 4.º.

Assim tal P.I.C. é destituído de validade, pelo que não pode ser considerado.


*

(…) pela M.ma Juiz foi declarada aberta a audiência de discussão e julgamento.

*

Pelo Dr. (…), foi pedida a palavra e, no seu uso, apresentou um substabelecimento, que a M.ma Juiz, depois de analisar e rubricar, ordenou que fosse junto aos autos.

Mais requereu a junção aos autos do pedido de indemnização cível.


*

Na sequência do requerido, pela M.ma Juiz foi proferido o seguinte:

DESPACHO

Indefere-se liminarmente o P.I.C. ora apresentado, atenta a sua extemporaneidade - artigo 77 do C.P.P.

Custas do Incidente a cargo da ofendida, fixando-se a taxa de justiça em 2 Ucs.

Notifique.

Do despacho que antecede foram todos os presentes notificados, do qual disseram ficar cientes, e ao ilustre mandatário da B. foi-lhe entregue o P.I.C. ora rejeitado.


*

(…)

Pelo ilustre mandatário da B. foi pedida a palavra e, no seu uso, disse:

A B., na qualidade de ofendida neste processo, tendo deduzido pedido de indemnização cível a 12 de fevereiro de 2019 por e-mail da ordem dos advogados do mandatário (…), devidamente assinado e validado pela mesma ordem dos advogados, requer, face ao despacho proferido pela M.ma Juiz, que seja dada entrada neste momento, que se pretende apresentar desde já.

Caso assim não se entenda, deverá ser admitido posteriormente, a título de reparação da vítima em casos especiais, no artigo 83-A do C.P.P., e para além disso relativamente ao despacho da M.ma Juiz, caso invalide a admissão do pedido de indemnização cível, essa invalidade, serve como se não tivéssemos apresentado o pedido de indemnização cível, ou seja: não deverá ser a B. condenada em taxa de justiça.

Este requerimento encontra-se gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso neste Tribunal, com início às 11:31:05 horas e fim às 11:32:24 horas.


*

Na sequência do requerido pela M.ma Juiz foi proferida o seguinte:

DESPACHO

Conforme já despacho anteriormente proferido, sendo certo que a ignorância da lei a ninguém aproveita, muito menos aos intervenientes do foro processual, e na esteira das portarias já fixadas, o douto requerimento apresentado via electrónica, sem o posterior envio em suporte de papel, carece de validade.

Quanto ao demais requerido, sendo certo que o ilustre advogado já tinha requerido a apresentação do documento neste momento e o Tribunal tinha indeferido atenta a extemporaneidade do mesmo, nada mais há a considerar.

Notifique.

Alega a recorrente:

“A 4 de agosto 2017, a recorrente, por intermédio do seu legal representante, participou criminalmente contra A., por furto de energia, dano em instalações e perturbação de serviços.

No decorrer das investigações em sede de inquérito, o Ministério Público notificou a ofendida para ir aos autos, juntar o mapa discriminativo da energia furtada e bem assim, o valor dos prejuízos sofridos, conforme Doc. 2 que aqui se junta e se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais.

Nesse sentido a ofendida, através do correio eletrónico do seu mandatário, dirigiu-se ao processo remetendo todas as informações solicitadas pelo Ministério Público, conforme Doc. 3 que aqui se junta e se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais.

Em conformidade com o artigo 77.º n.º 2 do Código de Processo Penal, no dia 12.02.2019 através de carta registada, a B. foi notificada da acusação deduzida pelo Ministério Público, dando-se a oportunidade à lesada, para, querendo, deduzir pedido de indemnização civil, conforme Doc. 5 que aqui se junta e se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais.

Nesse mesmo dia, às 19 horas e 28 minutos, o Mandatário da Recorrente, remeteu o pedido de indemnização civil para endereço de correio eletrónico da Procuradoria do Juízo Local do Fundão, que se encontra devidamente evidenciado naquela notificação da acusação (fundao.ministeriopublico@tribunais.org.pt), ou seja, da mesma forma que enviou o pedido de informações supra referido.

Nesta mensagem, enviada do endereço de correio eletrónico registado na Ordem dos Advogados (menesescardoso-57742p@adv.oa.pt) e assinada digitalmente pelo mandatário subscritor, foi identificado o assunto, o número do processo, a referência da acusação e a data em que ela foi emitida, a referência interna do processo e a data em que foi remetida a mensagem, conforme Doc. 6 que aqui se junta e se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais.

Requeria então o Mandatário, que fosse dada entrada do Pedido de Indemnização Civil, dos documentos probatórios e do substabelecimento com reserva, que seguiam em ficheiro anexo àquela mensagem, no formado .pdf, identificado como “PIC 359-17.0GBFND.pdf” que aqui se junta sob a designação de Doc. 7 dando-se por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais.

Este modus operandi, realizado neste e noutros processos que correram no mesmo Juízo Local Criminal, sempre foi aceite e nunca foi levantada qualquer objeção à apresentação de tais peças processuais por este meio.

In casu, a excelentíssima Juíza de Direito do tribunal a quo, entendeu que, o requerimento apresentado por via eletrónica, sem o posterior envio em suporte de papel, carecia de validade.

Segundo a douta decisão do tribunal a quo, aos atos praticados por correio eletrónico em processo penal, aplica-se a Portaria n.º 642/2004, de 16 de junho, que por remissão do artigo 10.º dessa Portaria, aplica o regime de envio por telecópia (Decreto-Lei n.º 28/92 de 27 de fevereiro) às peças enviadas por correio eletrónico simples ou sem validação eletrónica.

Assim sendo e de acordo com o artigo 4.º n.º 3 do DL 28/92 de 27.02, a ofendida deveria ter apresentado os originais por correio registado no prazo de dez dias ou entregar nesse mesmo prazo os originais na secretaria judicial.

Efetivamente, o pedido de indemnização civil foi enviado por correio eletrónico e foi recebido naqueles serviços (do Ministério Público), mas por algum motivo, não imputável à demandante, o mesmo não foi junto aos autos.

A mensagem de correio eletrónico, enviada para o Ministério Público do Fundão, foi assinada digitalmente por um certificado da Ordem dos Advogados, fornecido pela entidade certificadora (…).

Este certificado, garante não só a autenticidade, a integridade e o não repudio do documento elaborado pelo mandatário subscritor, como também garante, o momento em que o mandatário assina e envia a referida mensagem por correio eletrónico.

O envio desta mensagem por correio eletrónico com o certificado da Ordem dos Advogados, fornecido pela entidade certificadora (…), preenche o requisito da assinatura eletrónica avançada e simultaneamente da validação cronológica, cumprindo-se assim os pressupostos elencados no artigo 3.º da portaria 642/2004 de 16 de junho.

Por conseguinte, o pedido de indemnização civil enviado em anexo à mensagem de correio eletrónico tem o mesmo valor jurídico da remessa por via postal registada, não sendo necessário, o envio de qualquer original.”

Vejamos,

Regulam os artigos 111º a 117º do CPP sobre a comunicação dos actos processuais e sobre a convocação para os mesmos; no entanto, este Código não contém norma que discipline o modo como as peças processuais podem ser remetidas a juízo.

Perante esta lacuna, acabaram por surgir divergências jurisprudenciais, tendo o STJ através do Assento n.º 2/2000, de 9-12-1999 (publicado no DR, 1ª Série-A, de 7-2-2000), fixado jurisprudência no sentido de que «O n.º 1 do artigo 150º do Código de Processo Civil é aplicável em processo penal, por força do artigo 4º do Código de Processo Penal». ---------- Posteriormente, o Assento n.º 1/2001, de 8-3-2001 (publicado no DR, 1ª Série-A, de 20-4-2001), veio aplicar o Assento n.º 2/2000 ao processo contra-ordenacional.

Então, dispunha o n.º 1 do artigo 150º do CPC, sob a epígrafe “Entrega ou remessa a juízo das peças processuais” (na redacção do DL n.º 329-A/95, de 12.12) que «Os articulados, requerimentos, respostas e as peças referentes a quaisquer actos que devam ser praticados por escrito pelas partes no processo podem ser entregues na secretaria judicial ou a esta remetidos pelo correio, sob registo, acompanhados dos documentos e duplicados necessários, valendo, neste caso, como data do acto processual a da efectivação do respectivo registo postal

Estipulando o n.º 3 que «Podem ainda as partes praticar actos processuais através de telecópia, nos termos previstos no respectivo diploma regulamentar

Como vem sublinhado no Ac. do STJ n.º 3/2014 “O primeiro passo no sentido da desburocratização dos serviços judiciais através do uso das novas tecnologias foi dado pelo Decreto-Lei n.º 28/92, de 27 de Fevereiro. Nesse diploma avulso, introduziu-se a possibilidade do uso da telecópia para a transmissão de mensagens entre os serviços judiciais e entre estes e os serviços públicos e facultou-se «às partes e aos intervenientes em processos judiciais de qualquer natureza o uso de telecópia para a prática de actos judiciais, evitando os custos e a demoras resultantes de deslocações às secretarias judiciais», conforme se fez constar do preâmbulo do diploma. O uso de telecópia em processo penal era possível sempre que se harmonizasse com os princípios do processo penal e compatível com o segredo de justiça.

Até então a entrega das peças processuais na secretaria judicial era a única forma prevista no Código de Processo Civil para a prática de actos processuais escritos, exigindo-se dos interessados que subscrevessem requerimentos e não fossem conhecidos no tribunal a exibição do bilhete de identidade ou o reconhecimento da assinatura por notário”.

Mais tarde, o artigo 150º do CPC foi alterado pelo DL n.º 183/2000, de 10.08; diploma que entrou em vigor em 1-1-2001 (art. 8º), data em que também entrou em vigor a alteração ao CPP introduzida pelo DL n.º 320-C/2000, de 15.12 (art. 4º).

Procurando combater a morosidade processual, consta do preâmbulo do DL n.º 183/2000 “Relativamente à prática dos actos processuais pelas partes, prevê-se a apresentação dos articulados e alegações ou contra-alegações escritas em suporte digital, acompanhados de um exemplar em suporte de papel, que valerá como cópia de segurança e certificação conta adulterações introduzidas no texto digitalizado e dos documentos que não esteja digitalizados.

As partes poderão ainda praticar os referidos actos através de telecópia ou por correio electrónico, valendo como data da prática do mesmo a da sua expedição, que será possível mesmo fora do horário de funcionamento dos tribunais, prevendo-se no entanto a obrigatoriedade de envio, no prazo de cinco dias, do suporte digital ou da cópia de segurança, respectivamente, acompanhados dos documentos que não tenham sido enviados.”

Mas, uma nova redacção veio a ser dada ao artigo 150º do CPC, agora pelo DL n.º 324/2003, de 27.12, com entrada em vigor em 1-1-2004 (arts. 5º e 16º).

Consta do preâmbulo deste diploma: “simultaneamente, e à margem da revisão do Código das Custas Judiciais, clarifica-se o regime do envio e do suporte das peças processuais, previsto no artigo 150º do Código de Processo Civil, cuja aplicação e utilidade práticas têm vindo a suscitar inúmeras dúvidas, designadamente no que respeita à utilização do suporte digital e do correio electrónico, instituindo-se um normativo susceptível de acarretar vantagens e benefícios para todos os operadores judiciários. Assim, numa clara e efectiva aposta nas novas tecnologias, fomenta-se, mediante a consagração de uma redução da taxa de justiça devida e sem que sejam criados quaisquer factores de exclusão, a utilização do correio electrónico. Ao mesmo tempo, confere-se ao suporte digital uma relevância prática adequada à utilidade que o mesmo efectivamente comporta, eliminando-se factores geradores de desperdício de meios materiais e humanos.”

Assim,

O artigo 150º, com a epígrafe “Apresentação a juízo dos actos processuais” passou a ter a seguinte redacção:

«1– Os actos processuais que devam ser praticados por escrito pelas partes são apresentados a juízo por uma das seguintes formas:

a) Entrega na secretaria judicial, valendo como data da prática do acto processual a da respectiva entrega;

b) Remessa pelo correio, sob registo, valendo como data da prática do acto processual a da efectivação do respectivo registo postal;

c) Envio através de telecópia, valendo como data da prática do acto processual a da expedição;

d) Envio através de correio electrónico, com aposição da assinatura electrónica avançada, valendo como data da prática do acto processual a da expedição, devidamente certificada;

e) Envio através de outro meio de transmissão electrónica de dados.

2 – Os termos a que deve obedecer o envio através dos meios previstos nas alíneas d) e e) do número anterior são definidos por portaria do Ministro da Justiça.

3 – A parte que proceda à apresentação de acto processual através dos meios previstos nas alíneas d) e e) do n.º 1 remete a tribunal, no prazo de cinco dias, todos os documentos que devam acompanhar a peça processual.

4 – Tratando-se da apresentação de petição inicial, o prazo referido no número anterior conta-se a partir da data da respectiva distribuição.

5 – (Revogado.)

6 – (Revogado.)»

Na sequência do estabelecido no n.º 2 do artigo 150º foi publicada a Portaria n.º 337-A/2004, de 31.03, regulando a forma de apresentação a juízo dos actos processuais enviados através de correio electrónico, nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 150.º do CPC, assim como as notificações efectuadas pela secretaria aos mandatários das partes, ao abrigo do n.º 2 do artigo 254º e a forma de apresentação a juízo do ficheiro informático a que alude o n.º 6 do artigo 152º, ambos do CPC.

Esta Portaria foi revogada pelo artigo 11.º da Portaria n.º 642/2004, de 16.06.

A Portaria n.º 642/2004, de 16 de Junho, dando execução ao disposto no n.º 2 do artigo 150.º do CPC, clarificou alguns dos aspectos técnicos a que deve obedecer o envio por correio electrónico, por forma a assegurar a máxima segurança, definido um conjunto de regras uniformes que garantam a eficácia das comunicações.

Esta Portaria veio a ser revogada pelo artigo 27º, al. a), da Portaria n.º 114/2008, de 6.02., relativamente às acções indicadas no artigo 2º (da Portaria n.º 642/2004).

Portanto,

A Portaria n.º 114/2008, que foi aprovada no âmbito do projecto «Desmaterialização, eliminação e simplificação de actos e processos na justiça», regula a forma de apresentar a juízo, por tramitação electrónica de dados, os actos processuais e documentos pelas partes, através do sistema informático CITIUS, cabendo no âmbito da tramitação electrónica, nos termos do artigo 2º, as acções declarativas cíveis, providências cautelares e notificações judiciais avulsas, com excepção dos pedidos de indemnização cível ou dos processos de execução de natureza cível deduzidos no âmbito de um processo penal, e as acções executivas cíveis, com excepção da apresentação do requerimento executivo, a efectuar nos termos previstos no CPC e, também, os processos da competência dos tribunais ou juízos de execução das penas.

Ou seja, para o processo penal, nada tendo sido determinado, continuaria em vigor a Portaria n.º 642/2004 e o artigo 150º do CPC, na redacção do DL n.º 324/2003.

Entretanto, o Novo Código de Processo Civil, que entrou em vigor em 1-9-2013, foi aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26.06, tendo sido revogados (pelo art. 4º) o DL n.º 44129, de 28-12-1961, que procedeu à aprovação do CPC e diplomas conexos.

E, nomeadamente, quanto à tramitação electrónica de processos, que até então tinha sido regulamentada pela Portaria n.º 114/2008, foi esta Portaria revogada (art. 37º) pela Portaria n.º 280/2013, de 26.08.

Como refere o Ac. do STJ, de 24-1-2018, proc. n.º 5007/14.8TDLSB.L1.S1, relatado pelo Cons. Raúl Borges e disponível in www.dgsi.pt, que temos vindo a seguir de perto, quanto à descrita evolução legislativa, surgiu então uma divergência jurisprudencial quanto ao âmbito da revogação da Portaria n.º 642/2004, de 16 de Junho, operada pela mencionada Portaria n.º 114/2008, de 6 de Fevereiro.

Divergência jurisprudencial, que o Pleno das Secções Criminais do Supremo Tribunal de Justiça, pelo Acórdão n.º 3/2014, de 6-3-2014 (DR, 1ª Série, de 15-4-2014) uniformizou, no sentido de que: «Em processo penal, é admissível a remessa a juízo de peças processuais através de correio electrónico, nos termos do disposto no artigo 150.º, n.º 1, alínea d), e n.º 2, do Código de Processo Civil de 1961, na redacção do Decreto-Lei nº 324/2003, de 27.12, e na Portaria n.º 642/2004, de 16.06, aplicáveis conforme o disposto no artigo 4.º do Código de Processo Penal.».

Sublinha, ainda, o citado Acórdão do STJ, de 24-1-2018, “Entendemos que a jurisprudência fixada no Acórdão n.º 3/2014, de 6-03-2014, mantém plena actualidade, na medida em que a Portaria n.º 280/2013, de 26 de Agosto, continua a ter um âmbito de aplicação restrito às acções referidas no seu artigo 2.º, ficando desta forma excluídos de tal regulamentação, uma vez mais, os processos de natureza penal, mantendo-se assim plenamente válidos os fundamentos invocados para fundamentar o referido acórdão de fixação de jurisprudência.”

Retornando ao caso vertente,

Ficou exarado na Acta de Audiência de Discussão e Julgamento a Informação de que, tendo o Ilustre Advogado da lesada alertado o Sr. Oficial de Justiça de que não havia chamado uma testemunha que arrolara no pedido de indemnização civil foi informado de que o PIC não existia nos autos.

Após o que, o Sr. Advogado exibiu o documento comprovativo da remessa via e-mail do PIC, tendo requerido a junção aos autos do pedido de indemnização civil.

Foi então proferido o despacho recorrido que “Indeferiu liminarmente o PIC ora apresentado, a tenta a sua extemporaneidade – art. 77º do CPP e, condenou a lesada nas custas do Incidente”.

Portanto, ficou a demandante, ora recorrente, impossibilitada de inquirir, em audiência de julgamento, uma testemunha que arrolara no pedido de indemnização civil que enviou por correio electrónico, o qual não foi junto aos autos; sendo certo que, de acordo com os documentos 5 e 6 juntos com o recurso interposto, a fls. 154v a 157v, pode verificar-se que efectivamente o pedido de indemnização civil foi enviado por correio electrónico para os Serviços do Ministério Público (Fundão).

Ora, nos termos do artigo 10º da Portaria n.º 642/2004, de 16 de Junho, à apresentação de peças processuais por correio electrónico é aplicável o regime estabelecido para o envio através de telecópia. Regime que se encontra regulado no DL n.º 28/92, de 27 de Fev., o qual estabelece no seu artigo 4º, a obrigatoriedade de serem remetidas, no prazo de 10 dias ([1]), ou entregues na secretaria, os originais das peças processuais.

Não está demonstrado nos autos, nem o recorrente o invoca, que cumpriu o disposto no citado art. 4º, juntando aos autos os originais do PIC.

Porém, não constando o PIC nos autos de acordo com a informação do Sr. Oficial de Justiça, desconhece-se se o respectivo e-mail foi efectivamente recebido.

Mas sabe-se que, tendo o PIC sido enviado, tempestivamente, por correio electrónico para os Serviços do MP do Fundão, o facto de não se encontrar junto aos autos não pode ser imputável à lesada/demandante.

Deste modo, a fim de ficar comprovado nos autos o efectivo recebimento do PIC, deve a lesada/demandante B. ser notificada para, em prazo a designar, vir juntar aos autos os originais (em suporte de papel) do PIC que formulou.

Após o que, deverá ser reaberta a audiência de julgamento para inquirição das testemunhas arroladas, proferindo-se nova sentença em conformidade.

Fica, assim, prejudicado o recurso interposto pelo arguido.


*****

III- DECISÃO

Face ao exposto, acordam os juízes da secção criminal deste Tribunal da Relação em:

- Revogar o despacho proferido em sede de audiência de julgamento (sessão de 30-5-2019 – fls. 105v), que indeferiu liminarmente o PIC apresentado e, condenou a lesada nas custas do incidente, devendo a lesada/demandante B. ser notificada para, em prazo a designar, vir juntar aos autos os originais (em suporte de papel) do PIC que formulou.

Após o que, deverá ser reaberta a audiência de julgamento para inquirição das testemunhas arroladas, proferindo-se nova sentença em conformidade.

Sem tributação.


*****                                                      

Coimbra, 13 de Maio de 2020

Texto processado em computador e integralmente revisto pela relatora e assinado electronicamente - artigo 94º, n.º 2 do CPP

Elisa Sales (relatora)

Jorge Jacob (adjunto)


[1] - O prazo de 7 dias previsto no n.º 3 do art. 4º, passou para 10 dias, nos termos do disposto no art. 6º n.º 1, al. b), do DL n.º 329-A/95, de 12 Dez..