Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
810/12.6JACBR-A.C1-B
Nº Convencional: JTRC
Relator: ORLANDO GONÇALVES
Descritores: PRIMEIRO INTERROGATÓRIO JUDICIAL
DEVER DE INFORMAR
MEDIDAS DE COACÇÃO
PRISÃO PREVENTIVA
Data do Acordão: 06/19/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE ALVAIÁZERE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 27.º, N.º4 E 28.º, N.º1 DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA E 118º Nº 2, 123º, 141º Nº 4 C) E D), 194º NºS 3, 5 E 6 DO C.P.P
Sumário: 1.- O dever de informação imediata e de forma compreensível, das razões da privação da liberdade, destina-se a garantir a proibição de privações da liberdade arbitrárias e assegurar o direito de defesa.

2.- Contendo os factos comunicados às arguidas em 1º interrogatório judicial de arguido detido, as circunstâncias de tempo, modo e lugar, que foi possível apurar nos autos, bem como os concretos atos em que tiveram intervenção, permi­tindo-lhes assim con­testar as sus­peitas que sobre elas recaíam de ter participado neles, em co-autoria com outros arguidos, tal basta para se encontrar cumprido o artº 141º nº 4 c) CPP

3.- No atual quadro legal, não é possível sustentar que os princípios do con­tradi­tório e da igualdade de armas imponham ao legislador que consagre, em todos os casos, um direito absoluto de acesso irrestrito e ilimitado aos autos na fase de inquérito pelo arguido.

4.- Havendo perigo para a integridade física, e mesmo para a vida de testemunhas ouvidas nos autos, justifica-se que não se dê a conhecer às arguidas os seus depoimentos e identidade;

5.- A inobservância do n.º 6 do art.194.º, do C.P.P., isto é, a inclusão na fundamentação da aplicação ao arguido de medida de coação ou de garantia patrimonial, à exceção do termo de identidade e residência, de quaisquer factos ou “elementos do processo” que não tenham sido comunicados ao arguido durante a audição a que se refere o n.º 3, não é cominada em qualquer preceito legal como nulidade.

6.- Assim, a inobservância do disposto no n.º 5 do art.194.º, do C.P.P., designadamente, por fundamentação do despacho com factos que não tenham sido comunicados ao arguido durante a audição a que se refere o n.º 3, apenas gera mera irregularidade, a arguir nos termos dos artigos 118.º, n.º2 e 123.º, ambos do C.P.P

Decisão Texto Integral: Acordam, em Conferência, na 4.ª Secção, Criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra.

       Relatório

Por despacho de 22 de Fevereiro de 2013, proferido nos autos de inquérito n.º 810/12.6JACBR, a Ex.ma Juiz de Instrução do Tribunal Judicial de Alvaiázere determinou, designadamente, que as arguidas A...e B..., devidamente identificadas no auto de 1.º interrogatório, aguardariam os ulteriores termos do processo sujeitas à medida coactiva de prisão preventiva, cumulada com o termo de identidade e residência. 

           Inconformadas com o douto despacho dele interpuseram recurso as arguidas A...e B..., concluindo a sua motivação do modo seguinte:

1. Considerando o supra expendido no ponto I, que aqui se dá por reproduzido, constata-se que às arguidas não foi dado conhecimento integral dos indícios contra elas colhidos nos termos e pela forma porque o deveriam ter sido, em cumprimento das regras das alíneas c) e d) do n.º 4, do art. 141.º do C.P.Penal, que assim foi violado.

2. Efectivamente, a prova constante dos testemunhos de fls. 585 a 591 foi classificada de reservada, em razão de segredo de justiça, pelo que dela não tiveram as arguidas conhecimento, nem sobre ela puderam exercer o contraditório.

3. Não obstante, tal prova terá contribuído de maneira determinante para a convicção do julgador,

4. Essa circunstância, limitadora do aludido contraditório, configura uma inconstitucionalidade por violação dos comandos do n.º 4 do art. 27.º e do n.º1 do art. 28.º da C.R.P..

5. Devendo, consequentemente, ser revogada a decisão recorrida,

6. De uma outra perspectiva, e de acordo com o explanado supra no ponto II que aqui se dá por reproduzido, inexistem fortes indícios da prática, pelas arguidas, dos crimes que se lhes imputam.

7. Constata-se que a investigação assenta no pré-juízo de que as arguidas estariam mancomunadas com os assaltantes, sendo a partir desse pré-juízo que se interpretam os factos.

8. Inexistem, porém, como era mister, indícios sólidos e inequívocos, enquadráveis no conceito legal de fortes indícios.

9. As simples suspeitas que se colhem dos autos, porque imprecisas e não concordantes, não são suficientes para integrarem esse conceito.

10. Na falta de tais fortes indícios, é ilegítima a aplicação da medida coactiva de prisão preventiva, atentas as regras do art.202.º do C.P.Penal, que assim resultou violado.

11. Ainda que se concedesse, o que apenas se faz por hipótese de raciocínio, que as violações supra referidas não ocorreram, sempre a medida coactiva aplicada às arguidas - prisão preventiva - se revela violadora dos princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade, plasmados no art.193.º do C.P.Penal.

12. De facto, não se vislumbra, em concreto, a verificação dos perigos para aquisição e conservação da prova ou de continuação de actuação delituosa.

13. Tais perigos, para relevarem no sentido do normativo terão de ser reais e iminentes e não meramente hipotéticos, virtuais ou longínquos.

14. No caso dos autos, as razões invocadas para a presumida existência de tais perigos são inconsistentes porque subjectivas e não concretizadas.

15. Consequentemente, foi violado o art.204.º do C.P.Penal, por erro de interpretação e aplicação, devendo as arguidas ser sujeitas apenas e tão só a TIR.

16. Sem conceder, a medida aplicada - prisão preventiva – é manifestamente desadequada e desproporcionada, tendo em vista o facto de as arguidas não terem antecedentes criminais (relevando, no que à arguida A...concerne, o facto de ter já 54 anos de idade) e terem situações profissionais e sociais estáveis.

17. Sendo certo que, como se referiu na parte final do ponto III e aqui se dá como reproduzido por economia processual, existem condições que permitem a substituição da prisão preventiva pela obrigação de permanência na habitação com vigilância, electrónica,

18. Medida que, embora gravosa, satisfará plenamente as exigências cautelares e, do mesmo passo, permitirá que a primeira arguida prossiga com os tratamentos médicos e psiquiátricos de que carece, e a segunda arguida possa prestar a necessária assistência ao seu filho menor de seis anos.

Termos em que, na procedência do recurso, deverá ser revogada a medida coactiva aplicada, ficando as arguidas apenas sujeitas a termo de identidade e residência - TIR.

Subsidiariamente, e ainda que se entendesse necessária medida mais gravosa, deverá substituir-se

a aplicada (prisão preventiva) pela prevista no art.201.º do C.P.Penal.

            O Ministério Público respondeu ao recurso interposto pelas arguidas A...e B... pugnando pelo não provimento do mesmo.

            O Ex.mo Procurador-geral adjunto neste Tribunal da Relação emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso interposto pelas arguidas A...e B....

            Dado cumprimento ao disposto no art.417.º, n.º2 do Código de Processo Penal, responderam as arguidas A...e B..., mantendo a posição assumida no recurso. 

            Colhidos os vistos, cumpre decidir.

      Fundamentação

 [...]

*
                                                                        *
                                                  
O âmbito do recurso é dado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação. ( Cfr. entre outros , os acórdãos do STJ de 19-6-96 [1] e de 24-3-1999 [2] e Conselheiros Simas Santos e Leal Henriques , in Recursos em Processo Penal , 6.ª edição, 2007, pág. 103).
São apenas as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas respectivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar [3], sem prejuízo das de conhecimento oficioso .

No caso dos autos, face às conclusões da motivação das recorrentes A... e B... as questões a decidir são as seguintes:

- se ao não haver sido dado conhecimento integral às arguidas dos indícios contra elas recolhidos, nem conhecimento da prova testemunhal de folhas 586 a 591, foi violado o direito ao contraditório a que aludem os art.141.º, n.º 4, alíneas c) e d), do C.P.P. e 27.º n.º 4 e 28.º, n.º1, da C.R.P.;

- se inexistem fortes indícios da prática dos crimes imputados às arguidas, pelo que foram violadas as regras do art.202.º do C.P.P. na aplicação da medida coactiva de prisão preventiva; e

- se é desadequada a medida da prisão preventiva que lhes foi aplicada, por não verificação dos pressupostos a que aludem os artigos 193.º e 204.º do C.P.P., pelo que deve ser revogada aquela medida e substituída por TIR ou mesmo pela medida prevista no art.201.º do mesmo Código.


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            Passemos ao conhecimento da primeira questão

            As arguidas B... e A... defendem que o despacho recorrido violou as regras do art.141.º, n.º4, alíneas c) e d), do C.P.P., porquanto no auto de interrogatório a Ex.ma Juíza se limitou a ler a promoção do Ministério Público e da mesma não constam as circunstâncias de tempo, lugar e modo da prática dos factos que indiciariamente lhe são imputados, dela constando apenas a descrição factual de um assalto a uma instituição bancária por dois indivíduos do sexo masculino. Relativamente à participação das arguidas na preparação do assalto e actuações posteriores inexiste factualidade concreta.

Por outro lado, como se alcança da mesma promoção do Ministério Público e do despacho recorrido, foi decidido que não fosse dado conhecimento dos depoimentos constantes de fls. 585 a 591, classificados de reservados, em razão de segredo de justiça, pelo que as arguidas não tiveram conhecimento desta prova, que terá contribuído de maneira determinante para a convicção do julgador. Esta circunstância, limitadora do contraditório, configura uma inconstitucionalidade por violação dos comandos do n.º 4 do art. 27.º e do n.º1 do art. 28.º da C.R.P..

Vejamos.

O art.27.º, n.º4 da Constituição da República Portuguesa, estabelece que « Toda a pessoa privada de liberdade deve ser informada imediatamente e de forma compreensível das razões da sua prisão ou detenção e dos seus direitos.».

O dever de informação imediata e de forma compreensível, das razões da privação da liberdade, destina-se a garantir a proibição de privações da liberdade arbitrárias e assegurar o direito de defesa.

No mesmo sentido, o art.28.º, n.º1, da Lei Fundamental, estabelece que « A detenção será submetida, no prazo máximo de quarenta e oito horas, a apreciação judicial, para restituição à liberdade ou imposição de medida de coacção adequada, devendo o juiz conhecer das causas que a determinaram e comunicá-las ao detido, interrogá-lo e dar-lhe oportunidade de defesa.». 

A ideia geral que pode formular-se a respeito do direito de defesa, que resulta destes preceitos constitucionais e do art.32.º da Constituição, é a de que o processo criminal há-de configurar-se como um “due processo of  law”, um processo equitativo e leal.

Na concretização das garantias de defesa em processo criminal, o art.141.º do Código de Processo Penal, a propósito do primeiro interrogatório judicial de arguido detido, estabelece no seu n.º 4 – na redacção vigente à data dos factos – que o Juiz de Instrução deve informar o arguido:

« a) Dos direitos referidos no n.º1 do artigo 61.º, explicando-lhos se isso for necessário;

b) Dos motivos da detenção;

c) Dos factos que lhe são concretamente imputados, incluindo sempre que forem conhecidas, as circunstâncias de tempo, lugar e modo; e

d) Dos elementos do processo que indiciam os factos imputados, sempre que a sua comunicação não puser em causa a investigação, não dificultar a descoberta da verdade nem criar perigo para a vida, a integridade física ou psíquica ou a liberdade dos participantes processuais ou das vítimas do crime, ficando todas as informações, à excepção das previstas na alínea a), a constar do auto de interrogatório.».

As alíneas c) e d), deste n.º4 do art.141.º do C.P.P., dão tradução à jurisprudência do Tribunal Constitucional firmada designadamente no acórdão n.º 416/2003, que decidiu «Julgar inconstitucional, por violação dos artigos 28.º, n.º 1, e 32.º, n.º 1, da CRP, a norma do n.º 4 do artigo 141.º do Código de Processo Penal, interpretada no sentido de que, no decurso do interrogatório de ar­guido detido, a “exposição dos factos que lhe são imputados” pode consistir na for­mulação de perguntas gerais e abs­tractas, sem concretiza­ção das circunstân­cias de tempo, modo e lugar em que ocorre­ram os factos que inte­gram a prática desses crimes, nem comunicação ao arguido dos elementos de prova que sustentam aquelas imputações e na ausência da apreciação em concreto da existência de inconveniente grave naquela concretização e na comunica­ção dos específicos elementos probatórios em causa; ».[4]

A propósito da exposição dos factos imputados ao arguido, consignou-se neste acórdão do Tribunal Constitucional, nomeadamente, que o critério orientador, nesta matéria, deve ser o seguinte: « a comunicação dos fac­tos deve ser feita com a concretização necessária a que um inocente possa ficar ciente dos comportamentos materiais que lhe são imputados e da sua relevância jurí­dico‑criminal, por forma a que lhe seja dada “oportunidade de defesa” (artigo 28.º, n.º 1, da CRP).».

No caso em apreciação, resulta medianamente claro, que a promoção do Ministério Público, lida pela Ex.ma JIC às arguidas, como factos que lhe são concretamente imputados nos termos e para os efeitos do art.141.º, n.º4, al. b), do C.P.P., contêm as circunstâncias de tempo, lugar e modo da prática dos factos que indiciariamente lhe são imputados, e que são conhecidas.

Assim, designadamente, imputa-se às arguidas B... e A..., a circunstância de, em data não concretamente apurada, mas pelo menos cerca de um mês antes do dia 30 de Outubro de 2012, terem estabelecido contactos entre si e com os arguidos C..., D..., E..., G..., e terem gizado um plano conjunto de fundarem um grupo organizado, com tarefas definidas, com o objectivo de subtraírem dinheiro dos cofres da instituição bancária na qual a arguida A...exercia funções, sendo que, para a execução do mesmo a arguida A... teria um papel primordial, atendendo à sua condição privilegiada de acesso à referida instituição bancária. Para preparação do plano, delinearam que, uma vez que estava para ocorrer a venda no Stand do arguido C..., do veiculo de marca “Opel”, modelo “Vetra”, de cor azul escura, com a matricula (...), que aquando da respectiva venda apenas seria entregue aos compradores do mesmo uma chave do veiculo e que esse veiculo iria ser utilizado na execução do plano, designadamente para deslocação à instituição bancária. Acordaram ainda que a arguida A... iria solicitar um reforço monetário para os respectivos cofres, e que esta estaria presente no dia que viesse a ser agendado para a concretização do plano delineado e que seria efectuado um disparo na direcção dos membros inferiores da mesma de molde a despistar eventual suspeita de envolvimento da arguida A..., e a possibilitar a reforma antecipada da mesma e eventual indemnização por eventual acidente de trabalho. Mais combinaram todos arguidos que ao veículo que viesse a ser utilizado para a execução do plano delineado seria ateado fogo de molde a não deixar qualquer vestígios susceptível de possibilitar a identificação dos arguidos.

Cerca de três semanas antes do dia 30 de Outubro de 2012, no Stand de comércio de veículos automóveis do arguido C..., sito em (...), Ansião, este e a sua companheira B... venderam o veiculo de marca Opel, modelo “Vetra”, de cor azul escura, com a matricula (...) a M...e a N....  A venda do veiculo em causa foi negociada pela arguida B..., a qual de acordo com o plano anteriormente delineado por todos os arguidos, apenas entregou às compradoras uma das chaves do veiculo, não tendo sido entregue a chave de reserva, que ficou na posse dos arguidos C... e B.... A arguida B... para justificar a não entrega da chave de reserva disse às compradoras que chave estava com problemas de funcionamento, eventualmente falta de pilha.

 No dia 24 de Outubro de 2012, no âmbito das suas funções, a arguida A... solicitou um reforço em numerário do cofre-forte do BB... de (...) no valor de € 50.000, valor este que foi entregue na agência a 26 de Outubro de 2012, ficando o cofre-forte com €164.455 e a ATM com €14.060, havendo na agência em causa um total de €178.515.00.

No dia 25 de Outubro de 2012, entre as 13h30 e as 14h00, o arguido D... para ultimar os pormenores do plano delineado deslocou-se ao Stand do arguido C... na companhia de dois indivíduos, um deles o arguido E..., de raça negra, e o outro de identidade desconhecida, de raça branca.

No dia 28 de Outubro de 2012, pelas 17h00, no Café (...), na localidade de (...), Ansião, o arguido D... voltou a reunir-se com o arguido E..., e com o arguido G..., também conhecido pela alcunha de “ GG...”, primo do arguido C..., para ultimarem os acertos do plano já acordado.

No dia 29 de Outubro de 2012, entre as 00h30 e as 08h00, a viatura Opel Vectra, com a matrícula (...), foi subtraída através de método não concretamente apurado na localidade de ..., freguesia de ..., concelho de Ansião, sendo que, para se colocar em funcionamento a referida viatura, por regra, é necessária a chave original atentos os códigos incluídos nas respectivas chaves.

Dia 30 de Outubro de 2012, entre as 08h00 e as 08h10, junto ao BB... de (...), sito na Rua ..., (...), os arguidos E... e D... efectuaram aproximação à referida instituição bancária, conduzindo o veiculo de matricula (...), e estacionaram o mesmo perto da porta de entrada da referida instituição bancária. Entre as 08h17 e as 08h30, em cumprimento do plano anteriormente delineado por todos os arguidos, logo após a arguida A...abrir a porta da instituição bancária, surgiram imediatamente atrás da mesma os arguidos E... e D..., encapuzados e armados, o primeiro com uma pistola de calibre 7,65mm e o segundo com uma espingarda caçadeira de canos cerrados de marca e modelos não concretamente apurados, que a empurraram para o interior da agência, dizendo-lhe que “queriam o cofre”. Após retirarem todo o conteúdo do cofre e antes de abandonarem a instituição bancária com a quantia total de € 178,000,00, o arguido E... desferiu um tiro no pé da arguida A....

No dia 30 de Outubro de 2012, cerca das 8 horas e 40 minutos, no cruzamento da Rua x ... com a Rua y ..., (...), numa zona arborizada, na berma da estrada, os arguidos E... e D... atearam fogo ao referido veiculo de matricula (...) que ficou totalmente carbonizado.

No dia 31 de Outubro de 2012, a arguida B... entregou a N..., num café sito em Ansião, a chave de reserva da veiculo Opel Vectra, e sabendo que o veiculo tinha sido incendiado no dia anterior, disse que não tinha sido necessário a chave ir à oficina da marca Opel, porque o seu companheiro C... colocou uma pilha nova na mesma.

No dia 13 de Dezembro de 2012, a arguida A..., após ter prestado declarações no âmbito dos presentes autos, envia uma mensagem escrita ao arguido D... dizendo “logo quero um abraço não fui presa so falei o indispensável”. Após tais factos, o arguido D... encontrou-se E... no ..., em ....

No dia 4 de Janeiro de 2013, a arguida B... também se encontrou no ..., em (...) com o arguido E..., aparentando existir um relacionamento amoroso entre ambos.

No dia 8 de Janeiro de 2013, os arguidos D... e a B... deslocaram-se para a Torre 8 do ..., em (...) onde já tinham estado anteriormente com o arguido E.... Num banco de jardim, próximo da Torre 8, o arguido D... deu instruções a E... e à arguida B... a respeito da forma como deveriam concertar-se para, na eventualidade de serem chamados a testemunhar, não entrarem em contradição.

Os arguidos A..., B..., C..., D..., E..., G..., em data, local e forma não concretamente apurada, distribuíram entre si as quantias subtraídas da instituição bancária, não se logrando apurar em concreto quais as quantias atribuídas a cada um.

No dia 19 de Fevereiro de 2013, na habitação do arguido E..., sita no ..., Torre 8, 2º D, (...) mais concretamente no quarto do mesmo, no interior de uma caixa de sapatilhas de marca “adidas”, no interior de um envelope, o arguido E... tinha na posse oito notas de 500,00€; vinte e três notas de 100,00€, vinte e seis notas de 50,00€, cinco notas de 20,00€; o arguido E... tinha ainda na sua posse no seu quarto no guarda-fatos, dentro de um saco de cor dourada, cinco notas de € 20,00 a quantia de 100,00€, sendo todas as notas do Banco Central Europeu, no valor total de 7.700,00€.

 Na mesma data (por lapso manifesto menciona-se “Janeiro”), a arguida A..., na sua residência sita na Rua (...), (...), Ansião, tinha na sua posse: no seu quarto, diversos relógios e artigos em ouro, de diversos modelos e feitios, acondicionadas numa bolsa de cor verde da marca “Bonacure Men”; na dispensa atrás da porta um saco preto de marca “puma”, contendo no seu interior vários relógios, artigos em ouro, designadamente fios, colares, cordões, anéis e pulseiras, e uma aliança contendo as inscrição gravada na parte interior “ H... 27-1-01”. Tais objectos de relojoaria que se encontravam na posse de A...foram reconhecidos por H... e esposa I... como sendo propriedade dos mesmos, os quais são ofendidos no âmbito do Inquérito nº 74/13.4JACBR, que corre termos nos Serviços do Ministério Público de (...), no qual se investiga crimes de sequestro e roubo ocorridos no dia 11/02/2013, entre as 19 horas e 45 minutos e as 23 horas e 50 minutos, em (...), na prática dos quais foi utilizada extrema violência.

Ainda no dia 19 de Fevereiro de 2013, na Rua (...), (...), a arguida B... tinha na sua posse, vários telemóveis, e vinte e quatro notas de 20,00€ e quatro notas de 10,00€, do Banco Central Europeu no valor de 520,00€.

A arguida B... através dos seus conhecimentos no ramo automóvel, trata da logística, arranja os veículos necessários, os locais ou casas de apoio e indica eventuais alvos de posteriores roubos.

Os arguidos A..., B..., C..., D..., E... também conhecido pela alcunha de “ F...”, G..., também conhecido pela alcunha de “ GG...”, fundaram o referido grupo com o intuito concretizado de organizarem um plano conjunto para subtrairem as quantias que se encontrassem no interior da referida instituição bancária, e a fazerem suas, como fizeram, estabelecendo um estrutura humana e física para concretizar tal plano de forma concertada e em conjugação de esforços.

Apesar dos arguidos terem conhecimento da ilicitude de tais condutas não se coibiram de levar a cabo a conduta acima descrita, preparando e executando o plano gizado, através do uso de violência.

Os arguidos, de comum acordo, com a conduta acima descrita pretendiam apoderar-se do dinheiro que as vítimas tinham na sua posse, propriedade da referida instituição bancária, ainda que para tanto tivessem que recorrer ao uso de força física, o que fizeram, não obstante saberem que tal conduta era punida por lei penal.

Bem como, sabiam que ao atear fogo, de comum acordo, ao meio de transporte utilizado, provando a carbonização total do veículo, sabiam que causavam estragos em bens patrimoniais alheios de valor elevado.

Os factos comunicados às arguidas B... e A... pela Ex.ma JIC contêm as circunstâncias de tempo, modo e lugar, que foi possível apurar nos autos, bem como os concretos actos em que tiveram intervenção, permi­tindo‑lhes assim con­testar as sus­peitas que sobre elas recaíam de ter participado neles, em co-autoria com outros arguidos.

Assim, não se reconhece a violação pelo Tribunal a quo do disposto na al. c), n.º 4 do art.141.º do  Código de Processo Penal.

Relativamente à não comunicação integral dos elementos do processo que indiciam os factos que lhes são imputados, importa clarificar, na senda da jurisprudência do Tribunal Constitucional, e da correspondente redacção da al. d), n.º4 do art.141.º do Código de Processo Penal, que no actual quadro legal, não é possível sustentar que os princípios do con­tradi­tório e da igualdade de armas imponham ao legislador que consagre, em todos os casos, um acesso irrestrito e ilimitado aos autos na fase de inquérito pelo arguido. O que se tem como constitucionalmente intolerável, como se decidiu no Acórdão do TC n.º 121/97, é que relativamente aos específicos ele­mentos de prova tidos como relevantes para a defesa do arguido, se considere sempre e em quaisquer circunstâncias interdito esse acesso, com alegação de potencial prejuízo para a investigação, protegida pelo segredo de jus­tiça, sem que se proceda, em concreto, a uma análise do conteúdo desses elementos de prova e à pon­deração, também em concreto, entre, por um lado, o prejuízo que a sua revelação possa causar à investigação e, por outro lado, o prejuízo que a sua ocultação possa causar à defesa do arguido.

De facto, as circunstâncias podem variar de caso para caso, no que toca ao tipo de crime investigado e ao próprio grau de desenvolvimento das actividades de recolha da prova.

No caso em apreciação, a Ex.ma JIC, no âmbito da informação sobre os elementos do processo que fortemente indiciariam os factos constantes da promoção do Ministério Público deu conhecimento às arguidas/recorrentes de prova documental, testemunhal e pericial.

No que concerne à prova testemunhal, a Ex.ma JIC, indicou os depoimentos de 15 testemunhas e, aderindo ao requerido pelo Ministério Público, no sentido de não se dar a conhecer aos arguidos os depoimentos e a identidade de duas testemunhas, identificadas a fls. 585 a 588 e 589 a 591, não deu a conhecer às ora arguidas/recorrentes esses depoimentos e identidade porquanto poderia ser colocada em causa “a segurança” das mesmas testemunhas.

Embora de modo sucinto, a Ex.ma JIC fundamentou, com o perigo para a integridade física, seguramente, e mesmo para a vida das aludidas testemunhas, eventualmente, a razão pela qual não deu a conhecer às arguidas os depoimentos e identidade das duas testemunhas identificadas a folhas 585 a 588 e 589 a 591.

E efectivamente, esse perigo para as testemunhas existia em concreto, pois os arguidos D... e E... já cumpriram pena de prisão efectiva, sendo o primeiro por crimes de furto, de roubo, de detenção de arma proibida, de falsificação de documentos, de consumo de estupefacientes, de sequestro, de roubo qualificado e de furto qualificado; e o segundo por crimes violação, roubo, sequestro, ofensa à integridade física simples, tráfico de estupefacientes, dano qualificado e tentativa de homicídio qualificado, encontrando-se, actualmente em liberdade condicional, concedida no âmbito do Processo n.º 4375/10.5TXLSB-A.

Consta de folhas 558, destes autos de recurso, que o arguido D..., aquando da realização da busca domiciliária, assumiu uma atitude conflituosa e provocatória, ameaçando os Inspectores da PJ que nela participavam, dizendo, nomeadamente, que se tivesse uma “ arma á disposição os mataria a todos.”.

Considerando que às arguidas A... e B... vinham imputados factos, em co-autoria com aqueles arguidos, que integravam indiciariamente a prática de um crime de roubo agravado, previsto e punido pelo artigo 210º, nº1, nº 2, alínea a) e b,) por referência ao artigo 204º, nº1, alínea e) e nº2 alienas a) e f) do Código Penal, punido em abstracto com pena de prisão de 3 a 15 anos; de um crime de incêndio, previsto e punido pelo artigo 272º, nº 1, alínea a) do Código Penal punido em abstracto com pena de prisão de 3 a 10 anos; de um crime de associação criminosa previsto e punido pelo artigo 299º, nº1 do Código Penal, era de todo justificado que se salvaguardasse a segurança das aludidas testemunhas, como requerido pelo Ministério Público, titular do inquérito. 

Se as ora recorrentes A... e B... entendiam que a justificação para a não informação da identidade e depoimentos dessas testemunhas era insuficiente ou de algum modo violava o disposto no art.141.º, n.º 4, al. d), do C.P.P., como agora vêm sustentar no presente recurso, deveriam ter arguido a respectiva irregularidade logo após ter sido dado cumprimento ao disposto no art.141.º deste Código.

Não o tendo feito, mesmo que alguma irregularidade existisse no cumprimento do disposto no art.141.º, n.º4 do C.P.P., a mesma encontra-se sanada, atento o disposto no art.123.º, n.º1 do C.P.P..

Questão algo diferente, é a referência no despacho de aplicação de medidas de coacção, aos depoimentos constantes de fls. 585 a 591, classificados de reservados, em razão de segredo de justiça, a qual nos remete para o disposto no art.194.º do C.P.P., com realce para os seus n.ºs 5 e 6, vigentes à data dos factos.

Pese embora as recorrentes não façam qualquer alusão no recurso á violação do disposto no art.194.º do C.P.P., diremos a este propósito que este preceito estatuía o seguinte:

« 5. A fundamentação do despacho que aplicar qualquer medida de coacção ou garantia patrimonial, à  excepção do termo de identidade e residência, contém, sob pena de nulidade:

a) A descrição dos factos concretamente imputados ao arguido, incluindo, sempre que forem conhecidas, as circunstâncias de tempo, lugar e modo;

b) A enunciação dos elementos do processo que indiciam os factos imputados, sempre que a sua comunicação não puser gravemente em causa a investigação, impossibilitar a descoberta da verdade ou criar perigo para a vida, a integridade física ou psíquica ou a liberdade dos participantes processuais ou das vítimas do crime;

c)- A qualificação jurídica dos factos imputados;

d)- A referência aos factos concretos que preenchem os pressupostos de aplicação da medida de coacção, incluindo os previstos nos artigos 193.º e 204.º.

6. Sem prejuízo do disposto no alínea b) do número anterior, não podem ser considerados para fundamentar a aplicação ao arguido de medida de coacção ou de garantia patrimonial, à excepção do termo de identidade e residência, quaisquer factos ou elementos do processo que lhe não tenham sido comunicados durante a audição a que se refere o n.º3.».

A nulidade a que alude o n.º 5 do art.194.º, do C.P.P., como consequência da falta de fundamentação do despacho que aplica medida de coacção ou garantia patrimonial, é uma nulidade sanável, atento o disposto nos artigos 118.º, n.º1 e 120.º, n.º1 do mesmo Código. A mesma tem de ser arguida no próprio acto a que o interessado assista, antes desse acto ter terminado ( art. 120.º n.º 3, alínea a) do CPP), sob pena de ficar sanada [5].

A inobservância do n.º 6 do art.194.º, do C.P.P., isto é, a inclusão na fundamentação da aplicação ao arguido de medida de coacção ou de garantia patrimonial, à excepção do termo de identidade e residência, de quaisquer factos ou “elementos do processo” que não tenham sido comunicados ao arguido durante a audição a que se refere o n.º 3, não é cominada em qualquer preceito legal como nulidade.

Assim, a inobservância do disposto no n.º 5 do art.194.º, do C.P.P., designadamente, por fundamentação do despacho com factos que não tenham sido comunicados ao arguido durante a audição a que se refere o n.º 3, apenas gera mera irregularidade, a arguir nos termos dos artigos 118.º, n.º2 e 123.º, ambos do C.P.P.[6].

No caso em apreciação, mesmo que de modo breve, a Ex.ma JIC justificou no despacho de aplicação da medida de coação a razão pela qual inclui os depoimentos das testemunhas constantes de fls. 585 a 591 na prova que fundamentam os factos indiciados e omite a identificação delas, não permitindo a consulta dos seus depoimentos, remetendo novamente para as razões que constavam da promoção do Ministério Público, a que assim adere.    

Estando as arguidas e respectivos Ex.mos Defensores presentes, mesmo que existisse a este respeito alguma nulidade relativa ou irregularidade processual, designadamente a nível de suficiência de fundamentação, não tendo sido arguida até ao final do auto de interrogatório qualquer violação do disposto no art.194.º do C.P.P. – o que as recorrentes também não invocam  no presente recurso – sempre a eventual inobservância de lei estaria sanada. 

Aliás, o depoimento das testemunhas identificadas a folhas 585 a 588 e 589 a 591, respeitam essencialmente à identificação dos arguidos D... e E..., como estando presentes na zona de Ansião, e encontro público entre eles, dias antes do assalto ao BB... em (...), pelo que pouco relevância têm para a directa defesa dos factos imputados às recorrentes.

Pelo exposto, não se reconhecendo no despacho recorrido a invocada violação do disposto nas  alíneas c) e d), n.º4 do art. 141.º, do C.P.P., nem qualquer concreta dimensão ou segmento normativos aplicados em violação do disposto no n.º 4 do art. 27.º e no n.º1 do art. 28.º, ambos da C.R.P., julga-se improcedente esta questão.

Segunda questão - inexistência de fortes indícios da prática dos crimes imputados às arguidas e consequente violação das regras do art.202.º do C.P.P. na aplicação da medida coactiva de prisão preventiva.

As recorrentes A... e B... defendem que no despacho recorrido existem não mais do que meras suspeitas e conclusões, que comportam várias interpretações. Assim, não se mencionam que reuniões, sobre que temas e que deslocações várias fizeram as arguidas A... e B.... Imputa-se à arguida A... um papel primordial na elaboração e execução do plano, mas não se fundamenta a factualidade indiciária que permita essa afirmação. Não se vislumbra onde estão os factos que permitam concluir que a arguida A... terá um relacionamento amoroso com o arguido D... e que pernoitava na residência daquela com frequência. Nem se vislumbra o que possa sustentar as afirmações constantes dos pontos n.ºs 8 a 14, 19, 48, 58 e 59 do despacho recorrido.  

Relativamente aos objectos referidos no ponto n.º 51 do despacho recorrido, não foi dado conhecimento à arguida A... do teor da certidão extraída do respectivo inquérito.

Existe uma situação pré-juízo em relação às arguidas, no sentido de que estariam mancomunadas com os assaltantes, sendo a partir desse pré-juízo que se interpretam os factos. As simples suspeitas que se colhem dos autos, porque imprecisas e não concordantes, não são suficientes para integrarem esse conceito.

Vejamos se assim é.

O art.202.º do C.P.P., sob a epígrafe “ prisão preventiva”, estatui, designadamente, o seguinte:

« 1. Se considerar inadequadas ou insuficientes , no caso , as medidas referidas nos artigos  anteriores , o juiz pode impor ao arguido a prisão preventiva quando:

     a) Houver fortes indícios de prática de crime doloso punível com pena de prisão  de máximo superior a cinco anos ;

b) Houver fortes indícios de prática de crime doloso que corresponda a criminalidade violenta;
c) Houver fortes indícios de prática de crime doloso de terrorismo ou que corresponda a criminalidade altamente organizada punível com pena de prisão de máximo superior a 3 anos;
d) Houver fortes indícios de prática de crime doloso de ofensa à integridade física qualificada, furto qualificado, dano qualificado, burla informática e nas comunicações, receptação, falsificação ou contrafacção de documento, atentado à segurança de transporte rodoviário, puníveis com pena de prisão de máximo superior a 3 anos;
e) Houver fortes indícios da prática de crime doloso de detenção de arma proibida, detenção de armas e outros dispositivos, produtos ou substâncias em locais proibidos ou crime cometido com arma, nos termos do regime jurídico das armas e suas munições, puníveis com pena de prisão de máximo superior a 3 anos;

       f) Se tratar de pessoa que tiver penetrado ou permaneça irregularmente em território nacional, ou contra a qual estiver em curso processo de extradição ou de expulsão.».

Com a expressão “fortes indícios” quer-se inculcar a ideia de factos de relevo, bastantes para se concluir que o arguido vai ser acusado e com toda a probabilidade vai ser condenado.

O art.1.º, al. j) do C.P.P., considera “criminalidade violenta” as condutas que dolosamente se dirigirem contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou a autoridade pública e forem puníveis com pena de prisão de máximo igual ou superior a 5 anos. Estas condutas, de acordo com a al.l), do art.1.º do C.P.P., se forem puníveis com pena de prisão de máximo igual ou superior a 8 anos, consideram-se como integrando “criminalidade especialmente violenta”.

A al.m), deste art.1.º, considera “ criminalidade altamente organizada”, designadamente, as condutas que integrarem crimes de associação criminosa. 

Nos termos do art. 127.º do Código de Processo Penal, “salvo quando a lei dispuser de modo diferente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente.”.

As normas da experiência são «...definições ou juízos hipotéticos de conteúdo genérico, independentes do caso concreto “sub judice”, assentes na experiência comum, e por isso independentes dos casos individuais em cuja observação se alicerçam, mas para além dos quais têm validade.»[7].

Sobre a livre convicção do juiz diz o Prof. Figueiredo Dias que esta é “... uma convicção pessoal -  até porque nela desempenha um papel de relevo não só a actividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis (v.g. a credibilidade que se concede a um certo meio de prova) e mesmo puramente emocionais  -  , mas em todo o caso , também ela uma convicção objectivável e motivável , portanto capaz de impor-se aos outros.”[8].

Por outro lado, importa acentuar que o objecto da prova pode incidir sobre os factos probandos ( prova directa ), como pode incidir sobre factos diversos do tema da prova, mas que permitem, com o auxílio das regras da experiência, uma ilação quanto a este ( prova indirecta ou indiciária).

A prova indirecta “ … reside fundamentalmente na inferência do facto conhecido – indício ou facto indiciante – para o facto desconhecido a provar, ou tema último da prova” . [9]

Como salienta o acórdão do STJ de 29 de Fevereiro de 1996, “ a inferência na decisão não é mais do que ilação, conclusão ou dedução, assimilando-se todo o raciocínio que subjaz à prova indirecta e que não pode ser interdito à inteligência do juiz.” [10]

Como nota o Prof. Cavaleiro de Ferreira, “ são mais frequentes os casos em que a prova é essencialmente indirecta do que aqueles em que se mostra possível uma prova directa.”.[11]

Retomando o caso concreto, começamos por avançar que o argumento apresentado pelas recorrentes A... e B... de que o despacho recorrido não menciona “que reuniões, sobre que temas e que deslocações várias fizeram” , não pode proceder.

Sem querer repetir a factualidade consignada na resposta à questão anterior a propósito dos factos imputados às arguidas pelo Ministério Público, diremos, em síntese, que o despacho recorrido considerou aqueles factos como fortemente indiciados.

Assim, o Tribunal a quo considerou fortemente indiciado que, pelo menos cerca de um mês antes do dia 30 de Outubro de 2012, as arguidas A... e B... se reuniram com os co-arguidos C..., D..., E..., G....

O tema central da conversa foi gizar um plano conjunto de fundarem um grupo organizado, com tarefas definidas, com o objectivo de subtraírem dinheiro dos cofres da instituição bancária na qual a arguida A...exercia funções.

A tarefa definida à arguida A... passava, essencialmente, por pedir um reforço monetário para os cofres da agência do BB..., em (...), e transmitir aos arguidos D... e E..., as condições de funcionamento e acesso à designadamente a melhor hora e dia, para estes concretizarem o planeado assalto à agência.

Por sua vez, a arguida B..., no seguimento da tarefa que lhe foi definida na reunião havida entre os mesmos arguidos, quando negociou a venda de um veículo não procedeu à entrega duma das chaves do mesmo, de forma a possibilitar o uso do veículo no assalto à instituição bancária.

No dia 24 de Outubro de 2012, no âmbito das suas funções, a arguida A... solicitou um reforço em numerário do cofre-forte do BB... de (...) no valor de € 50.000, valor este que foi entregue na agência a 26 de Outubro de 2012 e no dia 30 de Outubro, do mesmo ano, logo que chegou à agencia bancária, conforme planeado, os arguidos D... e E... concretizaram o assalto, com a violência que consta retratada nos pontos 26 a 36 da factualidade dada como fortemente indiciada no despacho recorrido, levando com eles a quantia total de € 178,000,00, não sem que antes tenham ateado fogo a alguns objectos existentes na agência e o arguido E... tenha desferido um tiro no pé da arguida A..., de molde a despistar eventual suspeita de envolvimento desta arguida e a possibilitar-lhe a reforma antecipada e eventual indemnização por acidente de trabalho.

Mais se refere, como fortemente indiciado, que os arguidos que gizaram este plano, nomeadamente as arguidas A... e B..., em data e local não apurados, distribuíram entre si as quantias subtraídas da instituição bancária e que no dia 19 de Fevereiro de 2012 (por lapso manifesto menciona-se Janeiro), no decurso de uma busca realizada à residência da arguida A..., forma nela encontrados objectos subtraídos aos seus donos, com extrema violência, no dia 11 de Fevereiro de 2012.

Quanto a deslocações várias das arguidas A... e B..., elas mostram-se indicadas em diversos pontos da factualidade dada como provada. Assim, no ponto 42, menciona-se uma deslocação,  em 31 de Outubro de 2012, da arguida B... a um café, em Ansião, para entregar à N... a chave do veículo de marca Opel, incendiado no dia anterior pelos arguidos D... e E..., e que a arguida N... segurara contra todos os riscos em valor superior ao seu valor comercial . Nos pontos n.ºs 43 a 47, mencionam-se outras deslocações, como uma da  arguida A... a prestar declarações, comunicando por SMS ao arguido D... que não foi presa e só falou o essencial e outra da arguida B... ao ..., em (...) a fim de ir ter com o arguido E....

Mas outras deslocações são mencionadas na fundamentação da matéria de facto do despacho recorrido, enquanto remete designadamente para os Relatos de Diligências Externas (RDE), de que são exemplo, as constantes de folhas 196 verso e 216 verso. As próprias arguidas/recorrentes, e o co-arguido D..., nos autos de interrogatório judicial, descrevem deslocações da A... e da B... a vários locais, como a Vila Franca de Xira e a Lisboa.   

Quanto ao papel primordial atribuído à arguida A... na elaboração e execução do plano, o mesmo resulta claro do despacho recorrido. Sendo ela funcionária da agência bancária sabia  quando havia nela maior quantidade de dinheiro, o tempo de abertura do cofre, quem o podia abrir e, assim, qual o momento mais oportuno para os assaltantes entrarem na agência e  subtraírem as quantias monetárias sem serem interceptados e descobertos.

Neste âmbito, verifica-se que depois da gerente ter já accionado o sistema de abertura retardada do cofre, é que entra na agência a arguida A..., pessoa sem a qual a abertura não se completa – cfr. declarações da testemunha Q... a folhas 68 dos autos de recurso –, seguida imediatamente de uma pessoa esquerdina e outra de raça negra, encapuçados, que coincidem, indiciariamente, com o arguido D... e com o arguido E..., respectivamente. Este último é mesmo reconhecível nas imagens gravadas antes de esconder o rosto, e na busca à sua residência foi encontrado um “ passa montanhas” e umas sapatinhas que poderão ter sido usadas no dito assalto à agência bancária.

O assalto desenrolou-se com “profissionalismo” e elevada violência. Entre outros crimes violentos contra as pessoas, o de roubo não falta entre os mencionados nos antecedentes criminais dos arguidos D... e E.... Serem “profissionais” é algo que o arguido D... exige expressamente aos arguidos B... e E..., para não entrarem em contradições “ se um dia forem chamados” ( RDE de folhas 202 verso a 203 dos autos de recurso).

A este respeito, a conversa telefónica entre a arguida B... e uma tal DD..., ocorrida a 9 de Novembro de 2012, transcrita de folhas 120 a 129 - descrevendo com algum pormenor a “esperteza” dos assaltantes, a sua “sorte” em ter entregue as duas chaves do carro que vendera e a  sorte da sua mãe, a arguida A..., pelo facto de ter si atingida com uma bala no pé, ficando com uma reforma de € 2.000,00 por mês e uma indemnização que vai ser a independência das duas – é um manancial sobre os objectivos pretendidos pelos arguidos e modo de execução do assalto à instituição bancária.

Ao contrário do mencionado pela arguida B... à dita DD..., resulta fortemente indiciado dos autos - designadamente da transcrição das escutas telefónicas a folhas 131 dos autos de recurso, dos depoimentos das testemunhas M...e N..., e das declarações do co-arguido C... prestadas em interrogatório judicial -, que a segunda chave, suplente, do veículo Opel, vendido à N..., necessária a colocar em marcha motor do veículo, uma vez que as chaves têm um código próprio, só foi entregue à dona de veículo depois de ter sido realizado o assalto à agência bancária, no dia 31 de Outubro de 2012. 

Relativamente à menção de existência de um relacionamento amoroso da arguida A... com o arguido D... e que pernoitava na residência daquela com frequência, pese embora o que seja relevante é que ambos se conhecem e são vistos algumas vezes juntos, diremos que no SMS, transcrito a folhas 110 verso, a arguida A... chama o arguido D... de “ amorzito”, o que denuncia alguma intimidade e a folhas 293, também dos autos de recurso, consta referido pelo Coordenador da PJ que entre estes arguidos existe aquele tipo de relacionamento.

Considerando o ora exposto e os meios de prova indicados no despacho recorrido , o Tribunal da Relação considera que existe base probatória para sustentar, indiciariamente a factualidade constante dos pontos n.ºs 8 a 14, 19, 48, 58 e 59, do despacho recorrido.  

Por fim, relativamente aos objectos referidos no ponto n.º 51 do despacho recorrido, encontrados na busca à residência da arguida A... importa mencionar que consta da promoção do Ministério Público, lida aos arguidos, que entre outros meios de prova relativos aos factos do inquérito n.º 76/13.4JACBR, existe uma “certidão extraída do Processo n.º 76/13.4JACBR”, como também é mencionado o “auto de reconhecimento de objectos”, realizado nos presentes autos, no dia 20 de Fevereiro de 2013, pelos ofendidos H... e esposa I....

Essa certidão e o “auto de reconhecimento de objectos”, é mencionada na fundamentação do despacho recorrido.

E, efectivamente, de folhas 325 a 329 dos autos de recurso, encontra-se uma certidão respeitante ao Processo n.º 76/13.4JACBR, e de folhas 303 a 305 dos presentes autos de recurso consta o aludido “auto de reconhecimento de objectos”.

A arguida A... foi interrogada sobre os objectos encontrados na busca, referindo que os encontrados no quarto eram seus e os que estavam atrás da porta da dispensa nunca os tinha visto. 

Assim, não o Tribunal da Relação não pode sufragar a alegação das recorrentes de que não foi dado conhecimento à arguida A... do teor da certidão extraída do respectivo inquérito.

Na ponderação conjugada dos elementos de prova deixados referenciados resulta, inquestionável que os autos evidenciam a forte indiciação da prática pelo mesmo dos factos descritos no despacho recorrido, pelo que temos como preenchido o requisito dos “fortes indícios” a que alude o nº 1 do art. 202º do C.P.P.

Última questão: se é desadequada a medida da prisão preventiva que foi aplicada às arguidas/recorrentes, por não verificação dos pressupostos a que aludem os artigos 193.º e 204.º do C.P.P., pelo que deve ser revogada aquela medida e substituída por TIR ou mesmo pela medida prevista no art.201.º do mesmo Código.

A este propósito importa começar por mencionar o disposto no art.191.º, n.º1 do C.P.P., que consagra o principio da legalidade e da tipicidade das medidas de coacção, do mesmo passo que afirma implicitamente o principio da necessidade, ao estipular que só exigências processuais de natureza cautelar podem limitar, total ou parcialmente, a liberdade das pessoas.

O art.193.º, n.º 1 do C.P.P. estabelece, por sua vez, os princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade das medidas às exigências cautelares e, da proporcionalidade à gravidade do crime e das sanções hipoteticamente aplicáveis.

O carácter subsidiário da prisão preventiva e da obrigação de permanência na habitação é acentuado no art. 193.º do C.P.P., ao mencionar-se no seu n.º2, que “A prisão preventiva e a obrigação de permanência na habitação só podem ser aplicadas quando se revelarem inadequadas ou insuficientes as outras medidas de coacção.”.

Condição necessária à aplicação da prisão preventiva é, pois, a inadequação ou insuficiência das seguintes medidas de coacção: termo de identidade e residência (art.196.º); caução (art.197.º); obrigação de apresentação periódica (art.198.º); suspensão do exercício de funções, de profissão e de direitos (art.199.º); proibição de permanência, ausência e de contactos (art.200.º); e obrigação de permanência na habitação (art. 201.º). 

Como bem observa o Prof. Germano Marques da Silva, «a lei estabelece uma certa progressão da gravidade das diversas medidas cuja diversa gravidade deve ser sempre tida em conta pelo juiz no momento da escolha da que julgue mais idónea a salvaguardar as exigências cautelares de cada caso.».[12]

A aplicação da medida de prisão preventiva - que é a mais gravosa das medidas de coacção - como da generalidade das medidas de coacção depende , para além dos requisitos especiais da própria medida , da verificação , em concreto , de  requisitos ou condições gerais enunciados no art. 204.º do Código de Processo Penal , ou seja :

  « a)  Fuga ou perigo de fuga ;

     b) Perigo de perturbação do decurso do inquérito ou da instrução do processo e, nomeadamente , perigo para a aquisição , conservação ou veracidade da prova ; ou

     c) Perigo, em razão da natureza e das circunstâncias do crime ou da personalidade do arguido, de que este continue a actividade criminosa ou perturbe gravemente a ordem e a tranquilidade públicas.».

Estes requisitos ou condições gerais enumerados taxativamente nas alíneas a), b) e c) do art. 204.º do C.P.P., são alternativos, bastando que exista algum deles para que, conjuntamente com os especiais previstos na medida de coacção, essa medida possa ser aplicada.[13]

O perigo de perturbação do decurso do inquérito ou da instrução do processo e, nomeadamente , perigo para a aquisição , conservação ou veracidade da prova, deve ter-se como verificado quando em concreto se possa concluir que em plena liberdade desenvolverá uma actividade  no sentido de prejudicar a investigação.

O requisito de perigo de continuação da actividade criminosa, a que alude a alínea c), do art.204.º do C.P.P., será de ter como verificado quando, atentas as circunstâncias do crime ou a personalidade do arguido, for de recear que este continue a praticar o crime ou crimes pelos quais está indiciado. Para este efeito torna-se necessário efectuar um juízo de prognose de perigosidade social do arguido, atendendo às circunstâncias anteriores ou contemporâneas à sua indiciada actividade delituosa.

Quanto ao perigo de que o arguido perturbe gravemente a ordem e a tranquilidade públicas, ele resulta, designadamente, do alarme e revolta que causa no meio social onde se integra a vítima, podendo determinar estados de medo ou de algum movimento de vingança, nomeadamente de meios próximos da vítima.

As recorrentes A... e B... alegam a respeito dos requisitos ou condições gerais e especiais, em síntese, o seguinte:

A medida aplicada, de prisão preventiva, é manifestamente desadequada e desproporcionada, desde logo porque não se verifica a existência de perigo para a aquisição e conservação da prova nos autos, nem o perigo de prosseguirem a actividade criminosa.

Não se vislumbra onde foi o Tribunal a quo buscar a qualidade de “destreza intelectual” das arguidas, nem refere como tal qualidade, a existir, poderia em concreto, influir na evolução do inquérito. Existe apenas uma referência à arguida A..., no sentido de que a sua experiência como bancária poderia “p. ex. por via telefónica ou por internet (…) impedir a aquisição de prova (…) mormente o apuramento do remanescente do produto do roubo”, mas no despacho recorrido afirma-se que os arguidos distribuíram entre si as quantias subtraídas da instituição bancária, e não se alcança que outras diligências impeditivas de prova  pudessem ser feitas por aquela via que não por recomendação a amigos ou conhecidos. Quanto ao eventual prosseguimento da actividade criminosa, há a considerar que a arguida A... tem 54 anos de idade, 30 anos de profissão como funcionária bancária, está socialmente integrada e não tem antecedentes criminais e não está minimamente esclarecida a situação dos objectos encontrados em sua casa, alegadamente produto de um furto ou roubo.

No que à arguida B... diz respeito, tem 32 anos e profissão definida como vendedora de automóveis. Tem situação social e familiar estável e não possui antecedentes criminais.

Assim, sendo também improvável a alegada continuação actividade criminosa, não se verificam em concreto as circunstâncias exigidas no art.204.º do C.P.P., que permitam a aplicação de medida de coacção diferente de TIR.

Subsidiariamente e sem conceder, sempre a aplicação da medida de prisão preventiva se revela desproporcional e inadequada, pois existem condições que permitem a sua substituição pela obrigação de permanência na habitação com vigilância, electrónica.

Os eventuais contactos entre as arguidas, que se mantêm no Estabelecimento Prisional e entre a arguida B... e o arguido C..., podem ser acautelados com a fixação de residências separadas.

Embora gravosa, esta medida satisfará plenamente as exigências cautelares e permitirá à arguida A... que prossiga com os tratamentos médicos e psiquiátricos de que carece, e à arguida B... que possa prestar a necessária assistência ao seu filho menor de seis anos.

A este respeito, importa recordar que, relativamente às arguidas A... e B..., a Ex.ma JIC considera que se verifica o perigo de perturbação do decurso de inquérito, porquanto a totalidade do produto do roubo que nestes autos de inquérito se investiga, permanece por localizar; a arguida A... pelas funções profissionais que exerce, tem facilidade em executar operações de movimentação de fluxos monetários, podendo, desta forma, impedir a aquisição da prova nestes autos; e os autos demonstram que todos os arguidos têm facilidade em se movimentar no território nacional, sendo que, como resulta das diligências investigatórias, muitas vezes, desligam os seus telemóveis como forma de não serem encontrados, obviando o sucesso da localização celular.

Para além do preenchimento das circunstâncias da al.b), do art.204.º do C.P.P., a Ex.ma JIC considera que se verificam ainda as circunstâncias da al. c), deste mesmo preceito, isto é, de que  perigo em razão da natureza e da personalidade dos arguidos de que estes não só continuem tal actividade criminosa e, bem assim, perturbem gravemente a ordem e tranquilidades públicas, uma vez que os crimes imputados aos arguidos (roubo, incêndio e associação criminosa) são de extrema gravidade, foram praticados com recurso a grande violência, causaram absoluto alarme social na pacata vila de (...) que, como é conhecimento geral, vem causando nas pessoas um sentimento de insegurança e de ânsia de justiça por tal desarranjo na ordem jurídica. Os arguidos manuseiam e têm acesso frequente a armas e munições, permitindo concluir que poderão delas lançar mão na prática de outros factos e na casa da arguida A... foram apreendidos objectos (ouro e relógios) reconhecidos por vítimas de um outro processo que corre termos neste Tribunal, com quem, pelas suas relações aquela arguida mantém relações de amizade.

Efectivamente, as arguidas A... e B..., indiciariamente, são duas das três cabeças que o arguido D... – apelidado de “n.º1”– , considera que unidas funcionam melhor. Em face da factualidade dada como fortemente indiciada, e estando por apurar o paradeiro dado à quase totalidade das quantias subtraídas no assalto, é natural, de acordo com as regras da experiência comum, que se mencione que as arguidas em liberdade, especialmente a arguida A..., pelos conhecimentos adquiridos no sistema bancário, poderá perturbar o inquérito e a aquisição da prova, nesta vertente.

A afirmação de que em prisão preventiva também poderiam praticar diligências impeditivas da prova através de recomendação a amigos ou conhecidos, tem alguma verdade; mas falta provar que tem amigos ou conhecidos que aceitem participar nessa actividade.  

O perigo de perturbação do inquérito resulta aliás evidente na conversa transcrita a folhas 113, entre as arguidas A... e B... transcrita a folhas 131 dos presentes autos de recurso.

Após a arguida B... ter conversado com a testemunha N... dizendo-lhe que tinha dito ao homem do seguro que “ tu tinhas as duas chaves” do carro, incentivando-a a confirmar estas suas palavras, quando a arguida A... pergunta à arguida B... se “ela confirma ao menos”, respondeu-lhe a arguida B..., que “ Se não confirma leva nas trombas.”.

Por outro lado, não corresponde à realidade a afirmação das recorrentes de que não está minimamente esclarecida a situação dos objectos encontrados na casa da arguida A.... O SMS da arguida A... para o arguido D..., no dia 8-2-2013, dizendo “ ontem a noite fomos ver aquele novo trab especifico” – cfr- folhas 110 verso do autos de recurso - e as circunstâncias descritas pelas vítimas do violento assalto praticado no dia 11-2-2013, que culminou com o incêndio de mais uma viatura vendida no stand dos arguidos B... e C..., apontam fortemente para que os objectos encontrados  na busca domiciliária à casa da arguida A... e reconhecidos pelas vítimas do novo assalto, não estavam lá por acaso.   

Face à personalidade das arguidas A... e B..., mãe e filha, respectivamente, que resulta dos factos fortemente indiciados nos autos, a possibilidade de continuação da actividade criminosa, ficando as mesmas em liberdade, é um perigo real, embora algo atenuado enquanto os co-arguidos D... e E... se mantiverem na situação de prisão preventiva .

Pese embora as arguidas não possuam antecedentes criminais, a natureza dos crimes imputados (roubo, incêndio e associação criminosa) são de extrema gravidade, e foram praticados com recurso a grande violência, causando o consequente alarme social na vila de (...) e até no País.

A personalidade das arguidas A...e B... demonstrada nos factos fortemente indiciados, integradores de criminalidade violenta e altamente organizada, permitem concluir pela existência de perigo de perturbação grave da ordem e tranquilidades públicas.

Nestas circunstâncias, a distância de pouco mais de uma dúzia de quilómetros entre os locais onde as arguidas residiam e a localidade de (...), não dissipam minimamente este perigo.

Conjugando todo o exposto com os princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade das medidas às exigências cautelares e, da proporcionalidade à gravidade dos crimes e às pesadas penas hipoteticamente aplicáveis, entendemos que os argumentos utilizados pelas arguidas para solicitar a revogação da medida de prisão preventiva e sua substituição por TIR ou mesmo pela medida de obrigação de permanência na habitação, prevista no art.201.º do C.P.P., não podem proceder.

Pelo contrário, a medida de prisão preventiva é a única que satisfaz os objectivos cautelares mencionados na decisão recorrida.

Não merecendo provimento o recurso, mais não resta ao Tribunal da Relação do que confirmar a douta decisão recorrida.

             Decisão

           Nestes termos e pelos fundamentos expostos acordam os juízes do Tribunal da Relação de Coimbra em negar provimento ao recurso interposto pelas arguidas A...e B..., e manter o douto despacho recorrido.

             Custas pelas recorrentes A... e B..., fixando em 5 Ucs a taxa de justiça a cargo de cada uma delas.


*

Orlando Gonçalves (Relator)

Alice Santos


[1]  Cfr. BMJ n.º 458º , pág. 98.
[2]  Cfr. CJ, ASTJ, ano VII, tomo I, pág. 247.
[3]  Cfr. Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, Verbo, 2ª edição, pág. 350.
[4] Em sentido idêntico, decidiu o TC, no acórdão n.º 607/2003, « Julgar inconstitucional, por violação do disposto nos artigos 28º, n.º 1, e 32º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, a norma extraída da conjugação dos artigos 141º, n.º 4, e 194º, n.º 3, ambos do Código de Processo Penal, segundo a qual, no decurso de interrogatório de arguido detido, a exposição dos factos que lhe são imputados e dos motivos da detenção se basta com a indicação genérica ao arguido das infracções penais de que é acusado, da identidade das vítimas como alunos, à data, da B., e outras pessoas, mas todas elas menores de 16 anos, estando o tribunal dispensado, por inutilidade, de proceder a maior pormenorização além da que resulta da indicação feita em tais termos, quando o arguido, confrontado com ela, tome a posição de negar globalmente os factos, e na ausência da apreciação em concreto da existência de inconveniente grave naquela concretização;» - in www.tribunalconstitucional.pt 

[5] Cfr. neste sentido, entre outros, os acórdão da Rel. do Porto, de 3/06/2009, proc. n.º 1324/08.4PPRT-A.P1, e de 20/10/2010, proc. n.º 760/09.3PPPRT-AP1, ambos in www.dgsi.pt.
[6] cfr. neste sentido, o acórdão do Tribunal da Rel. de Guimarães, de 18/01/2010, proc. n.º 758/09.1JABRG-H.G1, in dgsi.pt; e  Prof.ª Teresa Pizarro Beleza, Prisão preventiva e direitos do arguido, pág. 683, in Mário Monte (coord.), “Que Futuro para o Direito Processual Penal”, Coimbra, 2009, pág. 683, onde a autora confrontando as sanções cominadas para os então n.º4 (nulidade) e os n.ºs 5 e 6 ( mera irregularidade) alude a uma “ aparente brecha no sistema criado”.

[7] cfr. Prof. Cavaleiro de Ferreira , in “Curso de Processo Penal”, Vol. II , pág.300. 
[8]  cfr.“Direito Processual Penal”, 1º Vol., Coimbra Ed., 1974, páginas 203 a 205.

[9] cfr. Prof. Cavaleiro de Ferreira, “ Curso de Processo Penal”, Vol. II , pág. 289. 

[10] cfr. Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 6.º, tomo 4.º, pág. 555. No mesmo sentido, o acórdão da Relação de Coimbra, de 9 de Fevereiro de 2000, ano XXV, 1.º, pág. 51.
[11] Obra citada, pág. 289.

[12] Cfr. “Curso de Processo Penal”, II, ed. Verbo, 1993, pág. 219.

[13] Cfr. Cons. Maia Gonçalves , in “Código de Processo Penal anotado”, 9ª ed. , pág. 427., e Conselheiros  Simas Santos e Leal-Henriques , in “Código de Processo Penal anotado”, I Vol. , 2ª ed. , pág. 1004.