Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1000/19.2T8CTB-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MOREIRA DO CARMO
Descritores: CONTRATO DE SUPRIMENTO
SEUS ELEMENTOS
TRIBUNAL MATERIALMENTE COMPETENTE
AÇÃO EXECUTIVA
TRIBUNAL COMPETENTE
Data do Acordão: 06/22/2021
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE CASTELO BRANCO – JUÍZO CENTRAL CÍVEL DE CASTELO BRANCO – JUIZ 2
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE REVOGADA
Legislação Nacional: ARTº 243º, NºS 1, 2 E 3 DO C.S.C.; ARTºS 117º, Nº 1, AL. B), E 128º, Nº 1, AL. C) DA LEI Nº 62/13, DE 26/08 (LOSJ).
Sumário: i) Se a exequente é sócia da executada, emprestou-lhe dinheiro, com obrigação de restituição, intitulou os 4 contratos de suprimentos, nas suas cláusulas usa-se sempre a expressão “suprimentos” e nos subsequentes aditamentos se refere sempre a expressão “suprimentos”, conjugando o nomen iuris dos contratos com a titularidade subjetiva dos mesmos (sócio e sociedade), está-se perante contratos de suprimentos;
ii) O mesmo é confirmado pelo "carácter de permanência", enquanto elemento específico do contrato de suprimento (art. 243º, nº 1, do CSC), e que é definido por índices, que os nºs 2 e 3 do mesmo preceito enunciam, por um lado, a estipulação de um prazo de reembolso superior a um ano - quer a estipulação seja contemporânea da constituição do crédito, quer seja posterior - e, por outro lado, a não utilização da faculdade de exigir o reembolso devido pela sociedade durante um ano, contado da constituição do crédito;

iii) Fundando-se uma ação declarativa em suprimentos de um sócio à sociedade, cuja constituição está vedada a não sócios, é de considerar que o tribunal materialmente competente para julgar a ação é o Tribunal de Comércio, nos termos do art. 128º, nº 1, c), da Lei 62/13, de 26.8 (LOSJ), pois quando um sócio acciona a sociedade invocando um contrato de suprimento está no exercício de um direito social;

iv) Não assim quando se esteja perante uma ação executiva (de valor superior a 50.000€), com base em títulos executivos que titulam tais suprimentos, pois aí tal competência pertence aos Juízos Centrais Cíveis, nos termos do art. 117º, nº 1, b), da mesma Lei;

v) Se um título era executivo face ao art. 46º, nº 1, c), do anterior CPC, então, face ao Ac. do Tribunal Constitucional nº 408/2015, que determinou (com força obrigatória geral) que: “declara, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade da norma que aplica o art.º 703.º do Código de Processo Civil, aprovado em anexo à Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, a documentos particulares emitidos em data anterior à sua entrada em vigor, então exequíveis por força do art.º 46.º, n.º 1, alínea c) do Código de Processo Civil de 1961, constante dos artºs 703.º do Código de Processo Civil e 6.º, n.º 3, da Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho”, então ele manteve a sua natureza;

vi) Se, posteriormente, as partes efetuaram vários aditamentos, também por escrito particular, em que alteraram apenas a data do reembolso, aditamentos todos eles efetuados antes da data de entrada em vigor do NPCC, em 1.9.2013, estas alterações complementam o título executivo;

vii) Se num último aditamento, também por escrito particular, datado de 31.12.2013, se alterou, de novo, a data do reembolso, embora este último aditamento seja datado de 31.12.2013, posterior à referida data de 1.9.2013, o aludido título executivo, constituído à sombra do anterior CPC, não perde, por esse facto, o seu carácter de título executivo que já tinha, já que esta última alteração se refere apenas à data de vencimento da obrigação e não à sua própria existência – constituição da obrigação pecuniária;

viii) Na realidade, o prazo de vencimento da obrigação ou a sua exigibilidade é requisito de eficácia do título executivo ou requisito de prossecução da execução (arts. 802º e 804º do anterior CPC e 713º e 715º do NCPC), mas não da constituição ou validade de tal título, daí que a aludida última alteração ao título executivo, datada de 31.12.2013, posterior à entrada em vigor do NCPC, já não interfira com a sua prévia existência e constituição;

ix) Se a executada/embargante foi dissolvida, por deliberação dos sócios e está em marcha um processo de liquidação extrajudicial, dispondo a lei (art. 245º, nº 3, a), do CSC) que os suprimentos só podem ser reembolsados aos seus credores depois de inteiramente satisfeitas as dívidas daquela para com terceiros, norma que é imperativa, então estamos perante uma condição suspensiva legal que faz com que a obrigação não seja exigível, por força do art. 715º, nº 1, do NCPC (conjugado com o art. 270º do CC);

x) Assim sendo, para prosseguir a execução, cabia à recorrente/exequente o ónus da sua demonstração (nos termos do apontado 715º, nº 1, do NCPC) – “Quando a obrigação esteja dependente de condição suspensiva …, incumbe ao credor alegar e provar …, no próprio requerimento executivo, que se verificou a condição…”.

Decisão Texto Integral:







I – Relatório

1. H..., SA, com sede em ..., intentou ação executiva para pagamento de quantia certa de 2.405.716,40€, contra C..., S.A – Em Liquidação, com sede em ..., com base em 4 empréstimos datados de 2010 a 2012, com sucessivas alterações, que a executada não pagou, apesar de a tanto instada.  

A executada deduziu embargos, peticionando que na procedência dos mesmos a execução fosse declarada extinta. Para tanto, alegou que é detida pela Sociedade D..., que tem 97,451% do capital social, e pela exequente, que tem 0,035% do capital social. A exequente entrou no capital social da embargante por volta de 2010. Desde que é accionista da embargante a exequente celebrou com ela uma série de contratos de suprimentos, que vieram a ser objecto de aditamentos, onde foi alterada a taxa remuneratória dos suprimentos e diferido o prazo de reembolso dos mesmos. Os referidos contratos de suprimentos foram celebrados por escrito e sob a forma de documento particular, bem como os aditamentos que lhe sucederam, e as partes não fazem qualquer menção à força executiva dos mesmos. O último prazo de reembolso foi fixado para 31.12.2014, tendo a embargante sido dissolvida em Outubro de 2014. Os suprimentos foram conferidos com carácter de permanência, nunca tendo sido reclamado o seu pagamento pelo período de 5 anos e não obstante a exequente participar ativamente nas deliberações da embargante. Inclusivamente esta durante alguns exercícios contabilísticos à suspensão do cálculo dos juros dos suprimentos para não degradar os capitais próprios sob pena de entrar em insolvência e o processo de liquidação ficar sem efeito. Assim, e porque a mesma emprestou dinheiro à embargante na qualidade de acionista, com tal carácter de permanência, o contrato celebrado entre as partes foi de suprimento e não de mútuo. Foi estabelecido em Assembleia Geral que na liquidação primeiro se pagavam os credores e só depois, com o remanescente, se pagavam os suprimentos. O crédito ainda não é exigível, pelo que o título é insuficiente. Ao usar o presente meio processual, de molde a ultrapassar o disposto no art. 245º, nº 3, do CSC e o direito dos restantes credores da embargante, age em abuso do direito, nos termos do disposto no art. 334º do CC.  

A exequente contestou, infirmando toda a alegação da embargante.

*

Em despacho saneador-sentença foi proferida decisão que julgou procedentes os embargos de executado, e, em consequência, absolveu a embargante da instância executiva e declarou extinta a execução.

2. A exequente/embargada recorreu, concluindo que:

...

3. A embargante contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso.

II - Factos Provados

...

III - Do Direito

1. Uma vez que o âmbito objetivo dos recursos é delimitado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes (arts. 635º, nº 4, e 639º, do NCPC), apreciaremos, apenas, as questões que ali foram enunciadas.

Nesta conformidade, as questões a resolver são as seguintes.

- Competência material do tribunal recorrido.

- Existência de título executivo.

- Abuso de direito do uso de ação executiva.

 2. Na sentença recorrida escreveu-se que:

“E, aqui chegados, será então de atender que é objeto do litígio entre as partes a exigibilidade (ou não) dos designados “contratos de suprimentos” e “aditamentos aos contratos e suprimentos juntos aos autos principais como título executivo.

Ora, e quanto a tal, desde já se circunstancia, de forma a enquadrar os ditos elementos supra que, muito embora o contrato de suprimento se encontre no Capítulo do Código das Sociedades Comerciais onde se encontram disciplinadas as sociedades por quotas, as respectivas disposições aplicam-se às sociedades anónimas.

Com efeito, os suprimentos dos sócios à sociedade constituem uma forma de financiamento desta e as vantagens que daí resultam para os acionistas são as mesmas que militam a favor dos sócios nas sociedades por quotas, não se vislumbrando razões para impedir que nas sociedades anónimas os acionistas não possam conceder suprimentos à respetiva sociedade.

Assim, o contrato de suprimento está hoje previsto e encontra o respectivo regime nas disposições dos arts. 243.º a 245.º do CSC.

No n.º 1 daquele primeiro preceito vem definido como "o contrato pelo qual o sócio empresta à sociedade dinheiro ou outra coisa fungível, ficando aquela obrigada a restituir outro tanto do mesmo género e qualidade, ou pelo qual o sócio convenciona com a sociedade o diferimento do vencimento de créditos seus sobre ela, desde que, em qualquer dos casos, o crédito fique tendo carácter de permanência".

Trata-se, pois, de um contrato especial, típico e nominado, que se revela como uma modalidade especial de mútuo em que sobressaem duas notas caracterizadoras: - ser a mutuária uma sociedade e o mutuante um seu sócio e ter o empréstimo carácter de permanência.

Não é, porém, um contrato de mútuo com características especiais, uma modalidade de mútuo, mas, antes, um contrato de tipo próprio, autónomo, em que concorrem elementos comuns ao contrato de mútuo mas há um elemento social a considerar, pois que na prestação do sócio, que «contrata por ser sócio», está presente o fim social (RAÚL VENTURA, "Sociedades por Quotas", II, 99 e 125).

Assim, o contrato de suprimento apresenta-se como um meio contratual especial de financiamento da sociedade pelos seus sócios

Na falta de acordo expresso sobre a natureza do empréstimo, o "carácter permanente", enquanto elemento específico do contrato de suprimento, é definido por índices, que os n.ºs 2 e 3 do art. 243.º enunciam.

Desta forma, eleva a lei a essa categoria de índices, por um lado, a estipulação de um prazo de reembolso superior a um ano, quer a estipulação seja contemporânea da constituição do crédito, quer seja posterior e, por outro lado, a não utilização da faculdade de exigir o reembolso devido pela sociedade durante um ano, contado da constituição do crédito.

No entanto, e como também é consabido, em ambos os casos a permanência se funda no facto da duração do crédito, podendo a presunção ser ilidida pelo credor, demonstrando que o diferimento dos créditos corresponde a circunstâncias relativas a negócios celebrados com a sociedade, independentemente da qualidade de sócio- art. 243.º-4, 2.º segmento.

(…)

Certo é, porém, que a aqui embargada é socia da embargante e fez-lhe empréstimos, que a segunda aceitou;

Tendo ambas reduzido tal vontade a escrito;

E sendo tal em vários documentos que, sucessivamente, se complementaram;

Na verdade, quer os juros relativos a tal, quer a forma de restituição foram sucessivamente objecto de acordos de vontade, com vista a sua alteração.

Assim, entre as partes foi, entretanto, foram levados a cabo os designados “aditamentos ao contrato de suprimentos”, que tiveram por função diferir o prazo de reembolso dos mesmos, sendo no caso do 5.º aditamento ao contrato de suprimentos relativo a cada contrato de suprimento, alterar também a forma e momentos concretos de reembolso, e os juros quanto a tal.

Sendo tais elementos assim finalmente fixados que que balizam os termos em que a embargada intenta a presente acção executiva.

(…)

Quanto a tal matéria, e como também é consabido, o art.º 128.º n.º 1 al. c) da LOSJ - determina a competência do Tribunal de Comércio.

Assim, é evidente que este Tribunal é materialmente competente para conhecer da presente discussão, sendo a mesma competência do Tribunal de Comércio.

Recordemos o que a respeito regula o art.º 128.º n.º1 da Lei 62/2013 de 26 de Agosto – Lei da Organização do Sistema Judiciário (LOSJ):

“1– Compete aos juízos de comércio preparar e julgar:

a)- Os processos de insolvência e os processos especiais de revitalização;

b)- As ações de declaração de inexistência, nulidade e anulação do contrato de sociedade;

c)- As ações relativas ao exercício de direitos sociais;

d)- As ações de suspensão e de anulação de deliberações sociais;

e)- As ações de liquidação judicial de sociedades;

f)- As ações de dissolução de sociedade anónima europeia;

g)- As ações de dissolução de sociedades gestoras de participações sociais;

h)- As ações a que se refere o Código do Registo Comercial;

i)- As ações de liquidação de instituição de crédito e sociedades financeiras.

2– Compete ainda aos juízos de comércio julgar as impugnações dos despachos dos conservadores do registo comercial, bem como as impugnações das decisões proferidas pelos conservadores no âmbito dos procedimentos administrativos de dissolução e de liquidação de sociedades comerciais.

3– A competência a que se refere o n.º 1 abrange os respetivos incidentes e apensos, bem como a execução das decisões.”

Pelo que, quanto mais não fosse, o conhecimento da presente situação sempre deveria ser incluída na alínea c) daquela norma, ou seja, no elenco de questões que, nos termos da legislação da organização judiciária em vigor e das regras de competência, devem ser resolvidas pelos tribunais de comércio, por se incluir no exercício de direitos sociais.

Antes de mais, importará saber o que são direitos sociais, já que a lei os não define.

Porém, a Jurisprudência e a Doutrina ajudam a esclarecer:

Vejamos o que a este respeito diz o Supremo Tribunal de Justiça, no Acórdão de 07-06-2011, Processo 612/08, disponível em www.dgsi.pt. “Devem incluir-se neste conceito, naturalmente, os direitos dos sócios previstos no art. 21 do Código das Sociedades Comerciais, como seja: quinhoar nos lucros, participar nas deliberações dos sócios, obter informação sobre a vida da sociedade e ser designado para os órgãos de administração e fiscalização da sociedade, sempre nos termos do contrato e da lei. Também, seguramente, se incluem nos direitos sociais: o direito de acção de anulação de deliberações sociais, de requerer inquérito judicial por falta de apresentação de contas e de deliberação sobre elas, de propor acção judicial de responsabilidade contra membros da administração, de preferência nos aumentos de capital por novas entradas em dinheiro, e o direito à quota de liquidação – arts 59, 67, 77, 156, 266 e 458 do C.S.C.”.

Não podemos perder de vista que a criação dos tribunais de comércio pela Lei n.º 3/99, de 18/01, obedeceu a uma orientação de política judiciária fundada em critérios de especialização jurisdicional, estando subjacente à criação dos tribunais do comércio a necessidade de atribuir a estes tribunais todas as matérias relacionadas com a vida societária, com a vastidão de problemas e vicissitudes que lhe é característica, e com complexidade e diversidade especiais que se lhe reconhece, e que, por isso, se justifica que não estejam atribuídos aos tribunais comuns.

Ora, nesta ordem de ideias, e admitindo que o direito invocado pelo exequente se deva qualificar como contrato de suprimento, a restituição do valor prestado pelo acionista como suprimento se configura como o exercício de um direito social, uma vez que, ao contrario do que é habitual, tal é levado a cabo por uma sociedade em liquidação e tem a ver por isso com a dita alínea c), ou seja, cm as ações de liquidação judicial de sociedades e os seus incidentes constantes do n.º 3.

Com efeito, o sentido e alcance do conceito de “exercício de direitos sociais” está estritamente ligado ao exercício dos direitos que resultam para os sócios do contrato de sociedade celebrado.

Sendo certo que aqui temos apurado que em 22 de Julho de 2016 ficou estabelecido em sede de Assembleia Geral que “Por fim, foi, ainda, referido que quando a sociedade for liquidada, o valor de liquidação deverá ser utilizado primeiramente para liquidar as dívidas dos credores, sendo o remanescente utilizado para liquidar os suprimentos dos acionistas”

Assim, é evidente que a matéria em crise tem caracter societário.

Ora, se com a com a referida norma visa-se o estabelecimento duma competência especializada quando estão em causa as posições jurídicas que os sócios pretendem fazer valer para defesa dos seus interesses societários;

E se no caso em apreço nestes autos, o direito que a exequente pretende fazer valer radica nos acordos societários celebrados e a sua forma e momento de recebimento é assim balizada, assume a natureza de um direito social.

Assim, e em face à natureza do contrato estamos assim, perante uma acção relativa ao exercício de direitos sociais – art.º 128.º n.º 1 al. c) da LOSJ – o que determina a competência do Tribunal de Comércio e a consequente situação de incompetência material – artº 40º da LOSJ.

Pelo que, também por isso, não poderia ser conhecida neste Processo/Tribunal.” - o sublinhado é da nossa autoria.

O tribunal recorrido dubitativamente não toma posição sobre se os empréstimos da exequente são ou não suprimentos. Embora admita que sim, expressamente não o afirma.

Posição que não é congruente, pois se o não forem queda sem sentido o reconhecimento que faz de que o tribunal recorrido é incompetente em razão da matéria por ser competente o tribunal de comércio, com a consequente absolvição da instância executiva.

Há, por isso, que verificar em primeiro lugar se os empréstimos efectuados pela exequente à executada são suprimentos. A recorrente entende que não, por 3 razões (cfr. H a L das conclusões de recurso).

Começando a análise, importa afirmar que estamos perante verdadeiros suprimentos, na modalidade de mútuo, como decorre do citado art. 245º, nº 1, do CSC. A exequente é sócia da executada emprestou-lhe dinheiro, com obrigação de restituição. Os 4 contratos são intitulados de suprimentos, nas suas cláusulas usa-se sempre a expressão “suprimentos” e nos subsequentes aditamentos refere-se sempre a expressão “suprimentos”. Conjugando o nomen iuris dos contratos com a titularidade subjetiva dos mesmos, sócio e sociedade, temos por certo que se trata de suprimentos. O mesmo é confirmado pelo mencionado "carácter de permanência", enquanto elemento específico do contrato de suprimento, e que é definido por índices, que os nºs 2 e 3 do art. 243º enunciam.

Eleva a lei a essa categoria de índices – presunções juris tantum -, por um lado, a estipulação de um prazo de reembolso superior a um ano, quer a estipulação seja contemporânea da constituição do crédito, quer seja posterior e, por outro lado, a não utilização da faculdade de exigir o reembolso devido pela sociedade durante um ano, contado da constituição do crédito.

Ora, estes índices verificam-se quanto aos 3 primeiros contratos de 29.12.2010 (e não 19.12.2012, como por lapso se menciona no facto 7.), 24.2.2011 e 1.8.2011, no que respeita ao aludido prazo de reembolso superior a 1 ano, e quanto ao último contrato, no que respeita à não exigência de reembolso durante um ano, contado da constituição do crédito, como tudo deriva dos factos provados 7. a 12 (no facto 7., por lapso, refere-se a data de 30.12.2012 para os dois primeiros contratos, mas a data correcta, de acordo com os mesmos é 30.3.2012). 

Prosseguindo, diremos que os referidos índices, como presunções júris tantum, podem ser ilididas pelo sócio, demonstrando que os empréstimos correspondem a circunstâncias relativas a negócios celebrados com a sociedade, independentemente da qualidade de sócio (art. 243º, nº 4, 2ª parte). Isto é, ao sócio caberá provar circunstâncias objetivas que demonstrem que não se agiu uti socius, que ao efectuar um empréstimo agiu como um qualquer terceiro.  

Ora, neste aspecto nada se provou neste último sentido, nem a recorrente alega no seu recurso algo de pertinente para este propósito. 

Cabe, conhecer, agora das 3 objeções da recorrente a que acima aludimos.

- quanto à primeira, a executada ser sociedade anónima e por isso os créditos da exequente não terem a natureza de suprimentos, a sentença recorrida já deu a resposta que se impunha, sem contudo a recorrente alinhavar, nas suas alegações de recurso, um argumento que seja em sentido contrário. Como a posição da decisão recorrida corresponde, à doutrina e jurisprudência corrente e pacíficas nada há a retorquir ou alterar.

- quanto à segunda, a sua participação no capital social da executada ser de apenas 0,035%, tal objeção, da maneira simples e seca como está enunciada, não colhe, pois a lei, em lado algum, atenta ou dá relevo ao facto do mutuante ter uma parcela maior ou menor no capital social da sociedade para definir se se trata de um suprimento ou não. Só circunstâncias específicas poderiam revelar estarmos perante um não suprimento à sociedade anónima embargante, que, todavia, não só não se mostram apuradas como a apelante, nas suas alegações de recurso, não as invoca em concreto.    

- relativamente à terceira, diremos que estando perante contratos de suprimento, a exigência da sua restituição corresponde a ação relativa ao exercício de direitos sociais. E, portanto, em princípio, a uma ação da competência do tribunal comercial, nos termos da norma convocada pelo tribunal a quo.

Efectivamente, como se explicita no mencionado Ac. do STJ de 7.6.2011, e que subscrevemos:
“A lei não define o que são direitos sociais.
Devem incluir-se neste conceito, naturalmente, os direitos dos sócios previstos no art. 21 do Código das Sociedades Comerciais, como seja: quinhoar nos lucros, participar nas deliberações dos sócios, obter informação sobre a vida da sociedade e ser designado para os órgãos de administração e fiscalização da sociedade, sempre nos termos do contrato e da lei.
Também, seguramente, se incluem nos direitos sociais: o direito de acção de anulação de deliberações sociais, de requerer inquérito judicial por falta de apresentação de contas e de deliberação sobre elas, de propor acção judicial de responsabilidade contra membros da administração, de preferência nos aumentos de capital por novas entradas em dinheiro, e o direito à quota de liquidação – arts 59, 67, 77, 156, 266 e 458 do C.S.C.
Mas como se observa no voto de vencido constante do Acórdão recorrido (fls 462), a doutrina vem considerando que são direitos sociais “todos aqueles que os sócios de uma determinada sociedade têm, pelo facto de o serem, enquanto titulares dessa mesma qualidade jurídica, dirigidos à protecção dos seus interesses sociais.
São direitos que nascem na esfera jurídica do sócio, enquanto tal, por força do contrato de sociedade, baseados nessa particular titularidade.
Não revestem essas características os direitos de que os sócios são igualmente titulares, independentemente da sua qualidade de sócios, aqueles em que essa qualidade não releva para o exercício do direito, representando direitos extra-sociais, que os sócios podem exercer como qualquer outra pessoa, numa posição semelhante à de terceiros” (Paulo Olavo Cunha, Breve Nota Sobre os Direitos dos Sócios, em Novas Perspectivas do Direito Comercial, pág. 232; Menezes Cordeiro, Direito das Sociedades, I, pág. 509 ; Brito Correia, Direito Comercial, 2º Vol., págs 305 e segs).
No caso em apreço, o autor vem pedir o pagamento (reembolso) dos invocados suprimentos que, enquanto sócio e por ter essa qualidade, fez à sociedade ré.
O contrato de suprimento está previsto no art. 243 do Código das Sociedades Comerciais.
O contrato de suprimento é um tipo próprio, autónomo, em que concorrem elementos comuns ao contrato de mútuo, mas onde também há um elemento social a considerar, pois que, na prestação do sócio que contrata por ser sócio, está presente o fim social (Raul Ventura, Sociedades por Quotas, Vol. II, págs 99 e 125).
Ao contrato de suprimento é essencial a qualidade de “sócio” por parte de quem entrega o dinheiro e a qualidade de “sociedade” por banda de quem o recebe.
No regime do contrato de suprimento, estabelecido no art. 245 do C.S.C., sobressaem principalmente as limitações ao direito de reembolso dos créditos de suprimentos, em primeiro lugar para salvaguardar os interesses dos restantes credores sociais e, em segundo lugar, para assegurar uma certa estabilidade no gozo dos empréstimos por parte da sociedade.
Fundando-se a acção em alegados suprimentos cuja constituição está vedada a não sócios (reportado ao momento da sua constituição e cujo reembolso tem de respeitar as limitações impostas pelo citado art. 245 do C.S.C.), é de concluir que o tribunal materialmente competente para preparar e julgar a presente acção é o Tribunal de Comércio de Vila Nova de Gaia e não a 4ª Vara Cível do Porto, nos termos do art. 89, nº1, al. c) do citada Lei nº 3/99, de 13 de Janeiro, pois quando um sócio acciona a sociedade invocando um contrato de suprimento está no exercício de um direito social.
(…)
Neste mesmo sentido se tem decidido em vários arrestos, designadamente no Acórdão da Relação do Porto 20-5-02, Proc. 0250621; Ac. da Relação do Porto de 29-4-03, Proc. 0320867; Ac. da Relação do Porto de 24-4-08, Proc. 0832420; Ac. da Relação de Lisboa de 31-1-02, Proc. 0008012 e Ac. da Relação de Lisboa de 12-3-09, Proc. 10562/08, todos disponíveis em www.dgsi.pt e já citados na decisão da 1ª instância.”.
Porém, ocorre uma nuance no caso concreto. É que não estamos perante uma ação declarativa, mas sim perante uma ação executiva.

Ora, conjugando o apontado art. 128º, nº 1, c), da Lei 62/2013 (LOSJ) com o nº 3 da mesma Lei, que dispõe que a competência a que se refere o n.º 1 abrange a execução das decisões, então temos por bom o entendimento que tais execuções se referem a decisões tomadas nas prévias ações declarativas, ou seja, para o que agora nos interessa, numa ação declarativa em que se peticione o reembolso de suprimentos.

Mas assim sendo, estando nós perante uma ação executiva (ainda que os respetivos títulos sejam suprimentos), então temos de procurar para o nosso caso concreto a norma que regula a competência material das acões executivas e essa é a que dispõe que tal competência pertence aos Juízos Centrais Cíveis, no âmbito das execuções de valor superior a 50.000€ (como é o nosso caso), como resulta do art. 117º, nº 1, b), da dita Lei.

Portanto, o tribunal recorrido, o Juízo Central Cível de Castelo Branco, é o tribunal competente materialmente para conhecer da presente execução.

Procede, por isso, o recurso nesta parte.

3. Na decisão recorrida também se escreveu que:

“E, aqui chegados, será então de atender que é objeto do litígio entre as partes a exigibilidade (ou não) dos designados “contratos de suprimentos” e “aditamentos aos contratos e suprimentos juntos aos autos principais como título executivo.

Ora, e quanto a tal, desde já se circunstancia, de forma a enquadrar os ditos elementos supra que, muito embora o contrato de suprimento se encontre no Capítulo do Código das Sociedades Comerciais onde se encontram disciplinadas as sociedades por quotas, as respectivas disposições aplicam-se às sociedades anónimas.

Com efeito, os suprimentos dos sócios à sociedade constituem uma forma de financiamento desta e as vantagens que daí resultam para os accionistas são as mesmas que militam a favor dos sócios nas sociedades por quotas, não se vislumbrando razões para impedir que nas sociedades anónimas os accionistas não possam conceder suprimentos à respectiva sociedade.

Assim, o contrato de suprimento está hoje previsto e encontra o respectivo regime nas disposições dos arts. 243.º a 245.º do CSC.

No n.º 1 daquele primeiro preceito vem definido como "o contrato pelo qual o sócio empresta à sociedade dinheiro ou outra coisa fungível, ficando aquela obrigada a restituir outro tanto do mesmo género e qualidade, ou pelo qual o sócio convenciona com a sociedade o diferimento do vencimento de créditos seus sobre ela, desde que, em qualquer dos casos, o crédito fique tendo carácter de permanência".

Trata-se, pois, de um contrato especial, típico e nominado, que se revela como uma modalidade especial de mútuo em que sobressaem duas notas caracterizadoras: - ser a mutuária uma sociedade e o mutuante um seu sócio e ter o empréstimo carácter de permanência.

Não é, porém, um contrato de mútuo com características especiais, uma modalidade de mútuo, mas, antes, um contrato de tipo próprio, autónomo, em que concorrem elementos comuns ao contrato de mútuo mas há um elemento social a considerar, pois que na prestação do sócio, que «contrata por ser sócio», está presente o fim social (RAÚL VENTURA, "Sociedades por Quotas", II, 99 e 125).

Assim, o contrato de suprimento apresenta-se como um meio contratual especial de financiamento da sociedade pelos seus sócios

Na falta de acordo expresso sobre a natureza do empréstimo, o "carácter permanente", enquanto elemento específico do contrato de suprimento, é definido por índices, que os n.ºs 2 e 3 do art. 243.º enunciam.

Desta forma, eleva a lei a essa categoria de índices, por um lado, a estipulação de um prazo de reembolso superior a um ano, quer a estipulação seja contemporânea da constituição do crédito, quer seja posterior e, por outro lado, a não utilização da faculdade de exigir o reembolso devido pela sociedade durante um ano, contado da constituição do crédito.

No entanto, e como também é consabido, em ambos os casos a permanência se funda no facto da duração do crédito, podendo a presunção ser ilidida pelo credor, demonstrando que o diferimento dos créditos corresponde a circunstâncias relativas a negócios celebrados com a sociedade, independentemente da qualidade de sócio- art. 243.º-4, 2.º segmento.

(…)

Certo é, porém, que a aqui embargada é socia da embargante e fez-lhe empréstimos, que a segunda aceitou;

Tendo ambas reduzido tal vontade a escrito;

E sendo tal em vários documentos que, sucessivamente, se complementaram;

Na verdade, quer os juros relativos a tal, quer a forma de restituição foram sucessivamente objecto de acordos de vontade, com vista a sua alteração.

Assim, entre as partes foi, entretanto, foram levados a cabo os designados “aditamentos ao contrato de suprimentos”, que tiveram por função diferir o prazo de reembolso dos mesmos, sendo no caso do 5.º aditamento ao contrato de suprimentos relativo a cada contrato de suprimento, alterar também a forma e momentos concretos de reembolso, e os juros quanto a tal.

Sendo tais elementos assim finalmente fixados que balizam os termos em que a embargada intenta a presente acção executiva.

Pelo que, tendo em conta o peticionado, a existir nestes autos título executivo, o mesmo sempre seria um título executivo de formação complexa, abrangendo não só os contratos onde se mostram determinados os seus elementos essências iniciais, mas também os seus aditamentos, onde se mostram fixados elementos essências para a exequibilidade dos mesmos, como seja a data de vencimento (e a sua exequibilidade) e as taxas de juro aplicável (de onde decorre a certeza/liquidez).

Ora, toda a execução tem por base um título, que além de determinar o seu fim e, consequentemente, o seu tipo, estabelece os seus limites objetivos e subjetivos (artigo 10º, nº 5 do Novo CPC)

Assim, a aceitar-se a exequibilidade de tais contratos, encontrar-nos-emos necessariamente perante um título executivo complexo – quando a obrigação exequenda exija vários documentos para a sua verificação/demonstração, documentos esses que, podendo ser de natureza diversa, se complementam entre si e nos seus conteúdos e levam à demonstração do crédito/obrigação exequendo.

Como tal, tendo em conta a data em que o título se completou e formou – a data do ultimo diferimento- No dia 31 de Dezembro de 2013- e as partes convencionaram um último diferimento do prazo de reembolso de todos os contratos para 31 de Dezembro de 2014. E sendo consabido que a Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, que aprova o Código de Processo Civil foi aprovada em 19 de abril de 2013 e entrou em vigor no dia 1 de setembro de 2013.

Assim, considera-se que o mesmo é de constituição posterior à entrada em vigor do NCPC.

Por isso, desde já se encontra prejudicada a questão da inconstitucionalidade derivada da eliminação de exequibilidade de um documento que tivesse sido dotado de força executiva e que a tivesse perdido por força da entrada em vigor da nova lei.

Ou seja, tendo o suposto título ficado perfeito- no que tange a quantia em divida, data de pagamento e taxa de juros aquando da entrada em vigor da Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, esta e só esta deverá ser aplicada no caso dos autos.

Assim, e nos termos da mesma Lei, são títulos executivos “As sentenças condenatórias; Os documentos exarados ou autenticados, por notário ou por outras entidades ou profissionais com competência para tal, que importem constituição ou reconhecimento de qualquer obrigação; Os títulos de crédito, ainda que meros quirógrafos, desde que, neste caso, os factos constitutivos da relação subjacente constem do próprio documento ou sejam alegados no requerimento executivo; Os documentos a que, por disposição especial, seja atribuída força executiva.”

Uma vez que o Novo Código de Processo Civil, no artº. 703, restringiu a espécie de títulos executivos, eliminando os documentos particulares que importem o reconhecimento ou a constituição de uma obrigação pecuniária, cujo montante seja determinável por simples cálculo aritmético, ou obrigação de entrega de coisa ou de prestação de facto seu elenco, a não ser, conforme expressamente é referido na alínea b) do nº1 daquela disposição legal que os mesmos tenham sido exarados ou autenticados por notário ou outras entidades ou profissionais com competência para tal.

(…)

A definição do que são documentos autênticos ou particulares autenticados encontra-se no artigo 363.°, do CC, estipulando-se no seu n.º 2 que apenas são autênticos os que forem exarados, com as formalidades legais, pelas autoridades públicas nos limites da sua competência ou, dentro do círculo de atividade que lhe é atribuído, pelo notário ou outro oficial público provido de fé pública; todos os outros documentos são particulares. Por sua vez, nos termos do seu n.º 3, os documentos particulares são havidos por autenticados, se forem confirmados pelas partes perante o notário, nos termos prescritos nas leis notariais.

No que respeita aos documentos particulares e à possibilidade da sua certificação/autenticação, invocando, também, a análise da respetiva sequência legislativa.

Estão aqui em causa documentos sem qualquer intervenção das autoridades públicas nos limites da sua competência ou, dentro do círculo de atividade que lhe é atribuído, pelo notário ou outro oficial público provido de fé pública, ou seja, e a contrario, documentos particulares.

Mais releva que, em qualquer dos documentos que o foram formando nunca acordaram as partes que aos mesmos era dada força executiva.

Ora, para que este seja título executivo tem que importar a “constituição ou reconhecimento de qualquer obrigação”.

Este segmento reproduziu o que já dispunha o artigo 50.º do anterior Código de Processo Civil.

Esclarece ainda o artigo 707º do atual Código de Processo Civil que os documentos exarados ou autenticados, por notário ou por outras entidades ou profissionais com competência para tal, em que se convencionem prestações futuras ou se preveja a constituição de obrigações futuras podem servir de base à execução, desde que se prove, por documento passado em conformidade com as cláusulas deles constantes ou, sendo aqueles omissos, revestido de força executiva própria, que alguma prestação foi realizada para conclusão do negócio ou que alguma obrigação foi constituída na sequência da previsão das partes.

O que aqui também não sucedeu, sendo tal relativamente a todos os elementos que fundam o título complexo dado a execução.

Assim, exige-se que os títulos sejam de constituição originária da obrigação ou que apresentem um reconhecimento de uma obrigação pré-existente (o que ocorre, neste segundo caso quando há a confissão de um ato, de um facto ou uma dívida, face aos artigos 352.º, 358.º n.º 2, 364.º e 458.º do Código Civil).

O que também não sucedeu em qualquer dos documentos dados a execução.

(…)

Enfim, como a ação executiva visa a realização coativa de uma prestação (ou de um seu equivalente pecuniário), a mesmo tem que estar diretamente demonstrado no título que a funda, revelando-se, seja pela sua constituição, seja pelo seu reconhecimento.

Concluindo, a exequente não é detentora de título executivo que lhe permitisse reclamar o crédito, como fez, uma vez que o título de formação complexa que junta aos autos não tem qualquer dos requisitos supra.

Enfim, nada do que peticiona pode ter lugar nestes autos, nesta fase processual, por completa falta de título executivo que demonstre suficientemente a existência de qualquer crédito de que seja titular, pelos fundamentos supra”.

A apelante discorda (cfr. B) a G) das alegações de recurso). E com ela concordamos.

Recorde-se que o Ac. do Tribunal Constitucional nº 408/2015, DR de 14.10.2015, 1ª série, veio determinar (com força obrigatória geral) que a alteração legislativa emergente do Novo Código de Processo Civil, Lei 41/2013, de 26.6, entrado em vigor em 1.9.2013, não prejudicava os documentos particulares exequíveis emitidos na vigência do diploma revogado, o anterior CPC, conforme consta do sumário: “declara, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade da norma que aplica o art.º 703.º do Código de Processo Civil, aprovado em anexo à Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, a documentos particulares emitidos em data anterior à sua entrada em vigor, então exequíveis por força do art.º 46.º, n.º 1, alínea c) do Código de Processo Civil de 1961, constante dos artºs 703.º do Código de Processo Civil e 6.º, n.º 3, da Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho”.

Desta sorte, os títulos executivos que existiam à sombra desse art. 46º, nº 1, c), do anterior CPC, mantiveram as suas características.

O indicado art. 46º, número e alínea, rezava assim: “À execução apenas podem servir de base, os documentos particulares, assinados pelo devedor, que importem constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante seja determinado ou determinável por simples cálculo aritmético de acordo com as cláusulas dele constantes, ou de obrigações de entrega de coisa ou de prestação de facto”.

Ora, os 4 contratos de suprimentos, documentos particulares, são exemplos paradigmáticos de títulos executivos, pois identificam credor e devedor, e importam constituição de obrigações pecuniárias, com montante determinado (cfr. factos provados 5. a 7. e 15. e docs. de suporte). Por isso títulos executivos “habemus”.

Acontece que, posteriormente, as partes efetuaram vários aditamentos, também por escrito particular, em que alteraram apenas a data do reembolso (salvo num deles em que alteraram também a taxa de juros), aditamentos todos eles efetuados antes da referida data de 1.9.2013 (cfr. factos provados 8. a 12. e docs. de suporte).

Estas alterações complementam, assim, os títulos executivos.

Por fim, deu-se um último aditamento em todos os títulos executivos, também por escrito particular, datado de 31.12.2013, em que se alterou, de novo, a data do reembolso, para 31.12.2014 (cfr. factos provados 9. a 15. e docs. de suporte), sendo que naquela data de 31.12.2013 a embargante já pagou 10% do capital e dos juros devidos (ibidem docs. de suporte).

Embora este último aditamento seja datado de 31.12.2013, posterior à referida data de 1.9.2013, os aludidos títulos executivos constituídos à sombra do anterior CPC, não perderam, por esse facto, o seu carácter de títulos executivos que já tinham, só porque o último aditamento ocorreu depois da entrada em vigor do NCPC. Esta última alteração complementar dos aludidos títulos executivos não se evapora por esse mero facto.  

Na verdade, esta última alteração refere-se apenas à data de vencimento da obrigação e não à sua própria existência – constituição da obrigação pecuniária.

De maneira que o prazo de vencimento da obrigação ou a sua exigibilidade é requisito de eficácia do título executivo ou requisito de prossecução da execução (arts. 802º e 804º do anterior CPC e 713º e 715º do NCPC), mas não da constituição ou validade de tal título. Daí que a aludida última alteração aos títulos executivos, datada de 31.12.2013, posterior à entrada em vigor do NCPC, já não interfira com a sua prévia existência e constituição.  

Procede, pois, esta parte do recurso.

4. Finalmente, ainda se deixou dito na decisão recorrida que:

“Ora, face à natureza dos títulos invocados nos autos - contrato de suprimento - e uma vez que no dia 29 de Outubro de 2014 a Embargante foi dissolvida junto dos serviços do Registo Comercial de Lisboa, sob o registo da AP. 257/20141029, nos termos e para os efeitos do Art.º 141, n.º 1, alínea b) do Código das Sociedades Comerciais, encontrando-se, como a sua própria designação indica, em processo de liquidação é evidente que estamos perante matéria relativa ao exercício de direitos sociais.

Sendo certo que ao usar o presente meio processual, de molde a ultrapassar o disposto no artigo 245.º, n.º 3 do C.S.C. e o direito dos restantes credores da embargante, age em abuso do direito, nos termos do disposto no artigo 334.º do CC;”.

A recorrente dissente (cfr. M das suas alegações de recurso).

Cobrar uma um crédito não implica, na normalidade das situações, qualquer abuso de direito. Nem tentando fazê-lo coercivamente, através de uma ação executiva.

Uma vez que a embargante foi dissolvida, por deliberação dos sócios (factos provados 17. e 18.), está em marcha um processo de liquidação extrajudicial. Na sua Assembleia Geral ficou estabelecido que que quando a sociedade for liquidada, o valor de liquidação deverá ser utilizado primeiramente para liquidar as dívidas dos credores, sendo o remanescente utilizado para liquidar os suprimentos dos acionistas (facto 19.), que é o que resulta da lei, no art. 245º, nº 3, a), do CSC: “a) Os suprimentos só podem ser reembolsados aos seus credores depois de inteiramente satisfeitas as dívidas daquela para com terceiros;”.

Ou seja, a recorrente para poder ser reembolsada dos suprimentos carecia de mostrar que antes se mostrem integralmente pagos os créditos que terceiros detêm sobre a recorrida. Esta norma tem aplicação imperativa, ou seja, o reembolso não poderá ocorrer independentemente da vontade das partes.

Pelo que estamos perante uma condição suspensiva legal que faz com que a obrigação não seja exigível, por força do art. 715º, nº 1, do NCPC (ou art. 804º do anterior CPC), conjugado com o art. 270º do CC. Assim sendo, nunca poderia prosseguir a execução até que aquela condição se mostrasse verificada, sob pena de se prejudicar os credores sociais e se violar o disposto no indicado preceito.

Cabia à recorrente o ónus da sua demonstração, como decorre do apontado 715º, nº 1, do NCPC, “Quando a obrigação esteja dependente de condição suspensiva …, incumbe ao credor alegar e provar …, no próprio requerimento executivo, que se verificou a condição…”. O que a apelante, porém, não demonstrou.

Deste modo, a decisão recorrida, quanto a esta parte, tem de ser mantida, com a consequente extinção da execução (arts. 732º, nº 4, 731º e 729º, e), do NCPC) e improcedência do recurso.  

5. Sumariando (art. 663º, nº 7, do NCPC):

i) Se a exequente é sócia da executada, emprestou-lhe dinheiro, com obrigação de restituição, intitulou os 4 contratos de suprimentos, nas suas cláusulas usa-se sempre a expressão “suprimentos” e nos subsequentes aditamentos se refere sempre a expressão “suprimentos”, conjugando o nomen iuris dos contratos com a titularidade subjetiva dos mesmos (sócio e sociedade), está-se perante contratos de suprimentos;

ii) O mesmo é confirmado pelo "carácter de permanência", enquanto elemento específico do contrato de suprimento (art. 243º, nº 1, do CSC), e que é definido por índices, que os nºs 2 e 3 do mesmo preceito enunciam, por um lado, a estipulação de um prazo de reembolso superior a um ano - quer a estipulação seja contemporânea da constituição do crédito, quer seja posterior - e, por outro lado, a não utilização da faculdade de exigir o reembolso devido pela sociedade durante um ano, contado da constituição do crédito;

iii) Fundando-se uma ação declarativa em suprimentos de um sócio à sociedade, cuja constituição está vedada a não sócios, é de considerar que o tribunal materialmente competente para julgar a ação é o Tribunal de Comércio, nos termos do art. 128º, nº 1, c), da Lei 62/13, de 26.8 (LOSJ), pois quando um sócio aciona a sociedade invocando um contrato de suprimento está no exercício de um direito social;    

iv) Não assim quando se esteja perante uma ação executiva (de valor superior a 50.000 €), com base em títulos executivos que titulam tais suprimentos, pois aí tal competência pertence aos Juízos Centrais Cíveis, nos termos do art. 117º, nº 1, b), da mesma Lei;
v) Se um título era executivo face ao art. 46º, nº 1, c), do anterior CPC, então, face ao Ac. do Tribunal Constitucional nº 408/2015, que determinou (com força obrigatória geral) que: “declara, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade da norma que aplica o art.º 703.º do Código de Processo Civil, aprovado em anexo à Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, a documentos particulares emitidos em data anterior à sua entrada em vigor, então exequíveis por força do art.º 46.º, n.º 1, alínea c) do Código de Processo Civil de 1961, constante dos artºs 703.º do Código de Processo Civil e 6.º, n.º 3, da Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho”, então ele manteve a sua natureza;

vi) Se, posteriormente, as partes efectuaram vários aditamentos, também por escrito particular, em que alteraram apenas a data do reembolso, aditamentos todos eles efectuados antes da data de entrada em vigor do NPCC, em 1.9.2013, estas alterações complementam o título executivo;

vii) Se num último aditamento, também por escrito particular, datado de 31.12.2013, se alterou, de novo, a data do reembolso, embora este último aditamento seja datado de 31.12.2013, posterior à referida data de 1.9.2013, o aludido título executivo, constituído à sombra do anterior CPC, não perde, por esse facto, o seu carácter de título executivo que já tinha, já que esta última alteração se refere apenas à data de vencimento da obrigação e não à sua própria existência – constituição da obrigação pecuniária;

viii) Na realidade, o prazo de vencimento da obrigação ou a sua exigibilidade é requisito de eficácia do título executivo ou requisito de prossecução da execução (arts. 802º e 804º do anterior CPC e 713º e 715º do NCPC), mas não da constituição ou validade de tal título, daí que a aludida última alteração ao título executivo, datada de 31.12.2013, posterior à entrada em vigor do NCPC, já não interfira com a sua prévia existência e constituição;  

ix) Se a executada/embargante foi dissolvida, por deliberação dos sócios e está em marcha um processo de liquidação extrajudicial, dispondo a lei (art. 245º, nº 3, a), do CSC) que os suprimentos só podem ser reembolsados aos seus credores depois de inteiramente satisfeitas as dívidas daquela para com terceiros, norma que é imperativa, então estamos perante uma condição suspensiva legal que faz com que a obrigação não seja exigível, por força do art. 715º, nº 1, do NCPC (conjugado com o art. 270º do CC);

x) Assim sendo, para prosseguir a execução, cabia à recorrente/exequente o ónus da sua demonstração (nos termos do apontado 715º, nº 1, do NCPC) – “Quando a obrigação esteja dependente de condição suspensiva …, incumbe ao credor alegar e provar …, no próprio requerimento executivo, que se verificou a condição…”.

IV – Decisão

Pelo exposto, julga-se o recurso parcialmente procedente, assim se revogando parcialmente a decisão recorrida, declarando-se que o tribunal recorrido é competente em razão da matéria, mais se confirmando a sentença recorrida quanto à extinção da execução.   

Custas pela recorrente.

                                                                     Coimbra, 22.6.2021

                                                                     Moreira do Moreira do Carmo

                                                                     Fonte Ramos

                                                                     Alberto Ruço