Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1721/08.5TBAVR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JOSÉ AVELINO GONÇALVES
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
INDEMNIZAÇÃO
CÁLCULO
Data do Acordão: 05/28/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DO BAIXO VOUGA – JUÍZO DE GRANDE INST. CÍVEL DE AVEIRO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE REVOGADA
Legislação Nacional: ARTº 566º DO C. CIVIL.
Sumário: I – No cálculo do valor indemnizatório por danos resultantes de acidente de viação intervêm, sobretudo, critérios de equidade - mas fundados nas circunstâncias do caso concreto -, de proporcionalidade - em função da gravidade do dano -, de prudência, de senso prático, de ponderação das realidades da vida.

II - A indemnização reveste, no caso dos danos não patrimoniais, uma natureza acentuadamente mista, não obedecendo o seu cálculo a uma qualquer fórmula matemática, podendo por isso, variar de acordo com a sensibilidade do julgador ao caso da vida que as partes lhe apresentam.

III - Na apreciação, em sede de recurso, de indemnizações por danos não patrimoniais, estando em causa critério de equidade, as indemnizações arbitradas apenas devem ser reduzidas quando afrontem manifestamente as regras da boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas e de criteriosa ponderação das regras da vida.

IV - Os princípios da igualdade e da unidade do direito e o valor da previsibilidade da decisão judicial vinculam à padronização e à normalização do valor da indemnização. Ou seja, o recurso à equidade não obsta à ponderação, como termo de comparação, dos valores pecuniários encontrados para o mesmo efeito noutras decisões judicias relativas a casos semelhantes, transitadas em julgado, sem prejuízo das especificidades e particularidades do caso que, concretamente, é submetido à apreciação do tribunal.

V - Os danos não patrimoniais indemnizáveis devem ser seleccionados com extremo rigor, devendo atender-se apenas aos que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.

VI - Na impossibilidade de concretizar um critério geral, porque nesta matéria o casuísmo é infindável, apenas importa acentuar que danos consequentes a lesões a direitos de personalidade devem ser considerados mais graves do que os resultantes de violação de direitos referidos a coisas.

VII - Mostrando os autos que os menores, dada a violência do embate e que seguiam no banco de trás da viatura conduzido pelo Autor, sofreram um enorme susto, o que lhes causou muita ansiedade e sofrimento e que ainda hoje têm muito medo de viajar em veículos automóveis, pela sua gravidade, justificam a fixação de uma fatia indemnizatória.

VIII - A incapacidade permanente é susceptível de afectar e diminuir a potencialidade de ganho, por via da perda da remuneração ou da implicação para o lesado de um esforço acrescido para manter os mesmos níveis de ganho ou exercer as várias tarefas e actividades gerais quotidianas…relevando aí como dano biológico e dano patrimonial futuro.

IX - É tarefa melindrosa calcular o valor indemnizatório deste dano, já que, tirando a idade das vitimas e a incapacidade que os afecta, tudo o mais é aleatório. Com efeito é inapreensível, agora, qual vai a ser a evolução do mercado laboral, o nível remuneratório do emprego, a evolução dos níveis dos preços, dos juros, da inflação, a evolução tecnológica, além de outros elementos que influem no nível remuneratório, como por exemplo, os impostos.

X - Daí que, nos termos do n° 3 do art. 566° do Código Civil, a equidade deverá funcionar “com maior peso” ante a dificuldade de averiguar com exactidão a extensão dos danos.

XI - A privação do uso de um veículo automóvel, desde que resulte provado que era efectivamente utilizado, constitui só por si, um dano patrimonial indemnizável, devendo recorrer-se à equidade, nos termos do disposto no art. 566º, nº 3 do C.Civil para fixar o valor da respectiva indemnização.

XII - Este dano, a existir, deve ser fixado mesmo nos casos de perda total do veículo.

Decisão Texto Integral: Acordam na 3.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

1. RELATÓRIO

A… e L…, residentes ambos na Rua …, por si e em representação dos seus filhos menores D… e G… instauraram a presente acção declarativa de condenação, com processo comum, sob a forma ordinária, contra “B… – Companhia de Seguros, S.A., com sede na Rua …, alegando terem sofrido acidente de viação, de que lhes advieram danos patrimoniais e morais, causado por culpa exclusiva do condutor do veículo seguro na ré, pedindo, por isso, que esta seja condenada a pagar-lhes:

a) – ao autor A… a quantia de 81.484,74 €, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais;

b) – à autora L… a quantia de 16.009,50 €, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais;

c) – aos menores D… e G… a quantia total de 5.000,00 €, sendo 2.500,00 € para cada um;

d) – juros legais desde a citação até efectivo e integral pagamento.

A ré contestou, alegando desconhecer as circunstâncias em que ocorreu o acidente, impugnando os danos invocados pelos autores. A final pede que a acção venha a ser julgada de harmonia com os factos que se considerarem provados e as disposições legais aplicáveis.

O Tribunal da 1.ª instância proferiu a seguinte decisão:

“Nos termos e pelos fundamentos supra expostos, decide-se condenar a ré a pagar:

A) – ao autor A… a quantia global de 28.675,10 €, acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4%, desde a citação até efectivo e integral pagamento;

B) – à autora L… a quantia de 16.009,50 €, acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4%, desde a citação até efectivo e integral pagamento;

C) – aos menores D… e G… a quantia total de 3.000,00 €” , sendo “1.500,00 € para cada um, acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4%, desde a citação até efectivo e integral pagamento. “.

2.O Objecto da instância de recurso

Nos termos do art. 684°, n°3 e 685º - A do Código do Processo Civil, o objecto do recurso acha-se delimitado pelas alegações dos recorrentes.

B… – Companhia de Seguros alega e apresenta as seguintes conclusões:

A… E OUTROS também concluiram:

3. Direito

Atendendo a que a apelante B… restringiu o recurso à matéria dos danos e ao cálculo da indemnização devida, aceitando a sua responsabilidade pelo pagamento da indemnização, haverá que decidir as seguintes questões:

I. Dos danos não patrimoniais arbitrados aos menores D… e G...

II. Dos danos não patrimoniais arbitrados aos AA., A… e L...

III. Dos danos futuros.

IV. Da indemnização por privação de uso do veículo.

A 1.ª instância considerou verificada a seguinte matéria de facto:

Pretende a ré, através do presente recurso, obter a redução/eliminação dos valores indemnizatórios fixados pela 1.ª instância.

Vejamos da oportunidade do recurso:

            I e II. Dos danos não patrimoniais;

O Tribunal da 1.ª instância condenou a apelante a pagar a quantia global de € 3.000,00 (€ 1.500,00 para cada um) a título de danos não patrimoniais alegadamente sofridos pelos menores, filhos dos AA. /Recorridos, na sequência deste sinistro, bem como as quantias de € 5.000,00 a favor de cada progenitor.

Diz a ré B… “que neste caso concreto não se crê – salvo o devido respeito – que sustos e medos consubstanciem danos gravosos que mereçam ser indemnizados, mormente quando se trate de menores que, como é consabido, vivenciam e ultrapassam este género de situações com relativa facilidade, não se tratando, portanto, de danos de tal modo gravosos que mereçam a tutela do direito”. Mais, na esteira, aliás, do que vem mencionado na douta sentença onde se lê expressamente, a fls. 17 da mesma, “(…) dado que o sinistro ocorreu quando os menores D… e G… eram ainda muito novos, não sendo expectável que os mesmos fiquem afectados por muito mais tempo.(…)”.

No tocante à fixação do dano não patrimonial, são estes os princípios tidos para nós, como “sagrados”, e que lográmos aplicar em outras instâncias recursivas cujo objecto se fixava no valor indemnizatório – por ex. o Acórdão desta Relação de 6.11.2012:

1. No cálculo do valor indemnizatório por danos resultantes de acidente de viação intervêm, sobretudo, critérios de equidade - mas fundados nas circunstâncias do caso concreto -, de proporcionalidade - em função da gravidade do dano -, de prudência, de senso prático, de ponderação das realidades da vida.

2. A indemnização reveste, no caso dos danos não patrimoniais, uma natureza acentuadamente mista, não obedecendo o seu cálculo a uma qualquer fórmula matemática, podendo por isso, variar de acordo com a sensibilidade do julgador ao caso da vida que as partes lhe apresentam.

3. Na apreciação, em sede de recurso, de indemnizações por danos não patrimoniais, estando em causa critério de equidade, as indemnizações arbitradas apenas devem ser reduzidas quando afrontem manifestamente as regras da boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas e de criteriosa ponderação das regras da vida.

4. Os princípios da igualdade e da unidade do direito e o valor da previsibilidade da decisão judicial vinculam à padronização e à normalização do valor da indemnização. Ou seja, o recurso à equidade não obsta à ponderação, como termo de comparação, dos valores pecuniários encontrados para o mesmo efeito noutras decisões judicias relativas a casos semelhantes, transitadas em julgado, sem prejuízo das especificidades e particularidades do caso que, concretamente, é submetido à apreciação do tribunal.

Avançando.

Nos termos do art.º. 496, nº 1, do Código Civil – que será o diploma a citar sem menção de origem -, são apenas ressarcíveis os danos não patrimoniais suficientemente graves para merecerem a tutela do direito.

A indemnização atribuída por danos de natureza não patrimonial respeita apenas aos danos que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito, como é o caso da ofensa dos direitos à integridade física, saúde e qualidade de vida, entre outros - já se escrevia no Acórdão do STJ de 12.7.1988, que os danos não patrimoniais indemnizáveis devem ser seleccionados com extremo rigor, devendo atender-se apenas aos que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito -.

A gravidade mede-se por um padrão objectivo, conquanto a apreciação deva ter em linha de conta as circunstâncias concretas – neste preciso sentido, A. Varela, Obrigações, pág. 428 -.

Escreve esta Relação de Coimbra, em Acórdão de 21.3.2013, que, “na impossibilidade de concretizar um critério geral, porque nesta matéria o casuísmo é infindável, apenas importa acentuar que danos consequentes a lesões a direitos de personalidade devem ser considerados mais graves do que os resultantes de violação de direitos referidos a coisas”.

Ora, em relação aos menores ficou demonstrado nos autos que, dada a violência do embate, estes, que seguiam no banco de trás da viatura conduzido pelo Autor, sofreram um enorme susto, o que lhes causou muita ansiedade e sofrimento e que ainda hoje têm muito medo de viajar em veículos automóveis.

Mais, durante as viagens de automóvel que fazem com os seus pais vivem momentos de angústia e sobressaltos enquanto a mesma decorre.

Estes factos, mostram dois menores fragilizados pelo acidente e que, em consequência do mesmo, têm medo em viajar de automóvel, o que, em termos de normalidade lhes retira alguma qualidade/prazer.

Com todo o respeito pela alegação da recorrente, entendemos que este quadro factual, merece que o Tribunal os compense, recorrendo à citada norma.

Como é sabido, tratando-se de danos de natureza infungível, não sendo possível a reconstituição da situação que existia anteriormente ao evento danoso, procura-se apenas proporcionar ao beneficiário, através da indemnização, o gozo de possíveis situações de bem-estar decorrentes da utilização desse dinheiro.

Por isso, bem andou a 1.ª instância ao considerar estes danos com gravidade suficiente para lhes arbitrar uma indemnização.

No entanto, salvo o devido respeito pelo Julgador da 1.ª instância, entendemos que os valores não se mostram adequados.

Nesta questão da fixação dos danos não patrimoniais, deveremos, desde logo e como modo de comparação, lançar mão das indemnizações fixadas pelos Tribunais a propósito do dano morte.

Todos os outros, naturalmente – salvo casos muito excepcionais – serão sempre de montante inferior.

No que respeita ao dano morte, que representa o bem mais valioso da pessoa e simultaneamente o direito de que todos os outros dependem, a compensação atribuída pelo STJ tem oscilado, nos últimos anos, entre € 50 000 e € 80 000, com ligeiras e raras oscilações para menos ou para mais – por todos, ver o Acórdão do STJ de 31.1.2012-.

Vejamos, algumas decisões, proferidas pelos nossos Tribunais, acerca da fixação dos danos não patrimoniais – esta comparação valerá, também para o caso dos pais autores -:

“Se o autor, vítima de acidente de viação cuja culpa exclusiva foi atribuída ao outro interveniente no sinistro, “desde a data do acidente jamais deixou de ter dores na bacia, dores que o incomodam e obrigam a tomar medicação para tolerar essas dores, tem, por via dessa lesão na bacia, dificuldades em arranjar posição para dormir, o que lhe afecta negativamente o sono, o descanso e o lazer, no momento do acidente passou por enorme pânico e teve medo de morrer, e, nos meses que se lhe seguiram, sofreu dores intensas, angústias, temores e medos, tem atribuída uma I.P.G. de 2% e um quantum doloris de grau 4, na escala de 0 a 7”, é equitativo, a título de indemnização por danos não patrimoniais, fixar-lhe uma indemnização de 7 500,00 € - Relação de Guimarães de 11.5.2010.

“O quantum doloris (grau 4 em 7), a perda de vários dentes e demais tratamentos dentários, uma cicatriz notória no lábio superior e a dificuldade interior em lidar com tal situação, justificam a atribuição à lesada Autora de uma indemnização de € 15.000, a título de danos não patrimoniais – Relação do Porto de 15.1.2013.

O autor sofreu fractura da vértebra D12 e da 1ª falange do 5º dedo do pé direito, foi sujeito a tratamentos hospitalares, andou com colete durante cerca de quatro meses, fez hidroterapia durante cerca de três meses, sofreu traumatismo no dorso lombar com a referida fractura de D12, escoriações nos membros inferiores, membros superiores e nádega esquerda. Padeceu internamentos hospitalares, deitado em leito duro e imobilizado com colete de Jewete-L, efectuou discectomia L4 e L5, sente dor em pressão na região dorsal e lombar posterior, quando está sentado ou de pé, na mesma posição durante cerca de 20 minutos, padeceu dores que o impediam de andar, o que o determinou a deslocar-se à urgência hospitalar, tem dores nos membros inferiores, sobretudo na face externa e anterior da coxa direita até ao joelho, que o impedem de dormir, sente desconforto e rigidez da coluna vertebral ao fazer movimentos, ao apanhar objectos do chão, pegar em objectos pesados e permanecer sentado no posto de trabalho por mais de 20 minutos e padeceu de um período de incapacidade temporária durante um ano e quatro meses e uma IPG de 15% (alíneas I) a N) e S) a Y) dos factos provados). Tratamentos, intervenções cirúrgicas e internamentos que lhe provocaram dores e sofrimento num quantum doloris fixável em grau 5, num máximo de 7. Sofreu desgosto, susto e angústia de não saber se poderia morrer em resultado do acidente, medos de poder ficar paraplégico e desgosto por se ver parcialmente incapacitado para o resto da sua vida e com cicatrizes (alíneas AA) a AB) dos factos apurados)…foi fixada a quantia de €30.000 – Acórdão da Relação do Porto de 29.5.2012 -.

No acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 5 de Fevereiro de 2004, foi atribuída a indemnização de € 24.939,89 a um lesado que, tendo 52 anos à data do acidente, ficou afetado de um IPP de 35% e sofreu lesões muito graves que o obrigaram a diversas intervenções cirúrgicas e implicaram limitações muito sérias à sua mobilidade.

Num outro acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 25 de Junho de 2009 – Na Colectânea de Jurisprudência do Supremo II, pág. 128, escreveu-se: «Não pode considerar-se excessiva a fixação em € 40.000,00 da indemnização devida a título de danos não patrimoniais relativamente a jovem de 21 anos, do sexo feminino, estudante, vítima de acidente de viação, que esteve internada em sucessivos hospitais e por tempo considerável, ficando afetada de uma incapacidade absoluta durante 12 meses, e se viu sujeita a diversas intervenções cirúrgicas e sucessivos tratamentos, que sofreu danos físicos extensos que deixaram sequelas irreversíveis e gravosas, quer físicas, quer emocionais, ficando afetada de uma Incapacidade Permanente Parcial de 50% com aumento previsto de 3%».

No acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 4 de Dezembro de 2007, foi arbitrado o montante de € 35.000,00 por danos morais a um lesado com 44 anos à data do acidente, na sequência do qual esteve em coma e em perigo de vida durante vários dias e sofreu diversas sequelas, e ao qual foi fixada uma IPP de 47%.

Também no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7.6.2011, foi atribuída uma indemnização de € 23.000,00 a um sinistrado que ficou com ferimentos a nível da face, couro cabeludo, tórax, região dorsal e membro superior direito. Esteve internado12 dias, apresentando traumatismo torácico com pneumotórax bilateral, fratura D4, D5 e D6 e fratura da clavícula direita. Ficou a padecer de uma IPG de 16%, sendo as sequelas descritas compatíveis com o exercício da atividade habitual, mas implicando esforços suplementares. E mesmo após a alta dos hospitais, andou em tratamento ambulatório, durante vários meses para lhe ser prestada assistência e tratamentos médicos por diversos especialistas, pois apresentava sinais e sintomas de disfunção, temporo-mandibular, tendo sido submetido a extrações e intervenções dentárias. Esteve, em consequência do acidente, com Incapacidade Temporária Geral quase três meses; com Incapacidade Temporária Geral Parcial, cerca de 7 meses e com Incapacidade Temporária Profissional Total, cerca de 10 meses. Ficou ainda demonstrado que sofreu um quantum doloris fixável em grau 4 e que ainda hoje sente dores, tomando, por vezes, analgésicos para suportar as mesmas. Teve de se deslocar várias vezes ao Porto para tratamentos e teve de usar um colete ortopédico durante cerca de 2 meses. À data do acidente era um jovem saudável e alegre, trabalhando, como sócio gerente e, em consequência do mesmo, sentiu-se e sente-se angustiado.

No acórdão da Relação do Porto de 31.3.2009 – retirado da Colectânea de Jurisprudência, Tomo II, pág. 219 -, a vítima foi compensada com uma indemnização de € 45.000,00 pelos danos não patrimoniais. Tinha 54 anos de idade na data da sentença, ficou com uma incapacidade permanente de 25% e com um pretium doloris relativo a grau 5 numa escala de 7, cicatrizes visíveis no crânio e nas pernas determinantes de prejuízo de imagem e, por isso, também sexual, tendo ficado ainda dependente de terceiro para o desempenho de várias tarefas domésticas. Neste acórdão foi citada vária jurisprudência de que se destaca o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20.1.2003, Colectânea de Jurisprudência do Supremo, T. III, pág. 149, onde se ponderou que “tendo a Autora ficado em estado de coma e com gravíssimas lesões por todo o corpo e sido submetida a diversas intervenções cirúrgicas, com tratamentos prolongados, e ficando ela com profundas e desfigurantes cicatrizes por todo o corpo e, devido às sequelas de que ficou a padecer, completamente impossibilitada de exercer a sua profissão, será ajustada a verba de 7.500.000$00 (€ 37.409,84) como compensação dos danos não patrimoniais sofridos”.

Finalmente, no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10.10.2012 conheceu-se de um caso identificado com o seguinte quadro essencial: acidente que originou lesões múltiplas, nomeadamente gravosas lesões ortopédicas, insuficientemente ultrapassadas, face às sequelas permanentes para a capacidade de movimentação da lesada;- afetação relevante e irremediável do padrão de vida de sinistrado jovem, com praticamente 20 anos de idade, associada, desde logo, ao grau de incapacidade fixado (suscetível de, em prazo não muito dilatado, alcançar os 22%) - com repercussões negativas, não apenas ao nível da atividade profissional, mas também ao nível da vida e afirmação pessoal; várias cicatrizes, geradoras do consequente dano estético;
- internamentos e tratamentos médico-cirúrgicos muito prolongados, com imobilização e períodos de total incapacidade do doente e envolvendo dores e sofrimentos físicos e psicológicos muito intensos.

Foi ali atribuída à vítima a indemnização de € 45.000,00 pelos danos morais.

Neste quadro factual, legal e jurisprudencial comparativo, em que sobrelevam as especificidades do caso submetido à nossa apreciação, considerando, ainda, como escreve a 1.ª instância - “(…) dado que o sinistro ocorreu quando os menores D… e G… eram ainda muito novos, não sendo expectável que os mesmos fiquem afectados por muito mais tempo.(…)”- parece-nos que a mais justa e adequada a quantia de € 500,00 para cada um dos filhos dos autores.

Quanto aos pais autores escreve a 1.ª instância que “… os autores A… e L… peticionam a quantia de 5.000,00 € cada um … a título de indemnização por danos morais.

Neste conspecto, relevam os factos descritos sob os pontos 19 a 27, 29 a 32, 45 a 49 e 53 a 56.

Tudo ponderado e, segundo um juízo de equidade, critério basilar neste domínio, afiguram-se-nos adequados os montantes indemnizatórios peticionados pelos autores A… e L…”.

Nada temos a censurar, os valores foram correctamente fixados, atenta o acervo factual trazido aos autos, os princípios supra referidos e o valor de danos morais atribuídos aos menores.

III. Dos danos futuros.

Têm razão os autores quando afirmam que, “ dano em questão - «défice permanente da integridade físico-psíquica – é hoje qualificado como «dano biológico», «dano corporal» ou «dano à integridade psico-física» e que vem sendo entendido como dano-evento, reportado a toda a violação da integridade físico psíquica da pessoa com tradução médico-legal, ou como diminuição somático-psíquica e funcional do lesado, com repercussão na sua vida pessoal e profissional, independentemente de dele decorrer ou não perda ou diminuição de proventos laborais…”

A própria apelante não coloca em causa esse dano, apenas o valor fixado.

De facto, nas suas conclusões escreve que, “nesta medida, entende-se adequado que esta indemnização não deva ultrapassar os € 2.500,00 para cada um dos Autores A… e L…, perfazendo o montante global de € 5.000,00, em face quer da diminuta incapacidade que os afecta, quer por não se ter provado que, nem num caso nem no noutro, haja reflexos ao nível profissional, quer em face da conjuntura de crise económico – social que actualmente atravessamos”.

A incapacidade permanente constitui, de per si, um dano patrimonial, quer acarrete para o lesado uma diminuição efectiva do seu ganho laboral - presente ou previsivelmente futuro -, quer lhe implique apenas um esforço acrescido para manter os mesmos níveis dos seus proventos profissionais - actuais ou previsivelmente futuros - - neste sentido, o Acórdão do STJ, de 19.11.2009, retirado do site  www.stj.pt, Sumários de Acórdãos, onde se afirma que “estamos perante danos patrimoniais indirectos quando o dano, atingindo embora valores ou interesses não patrimoniais, se reflecte no património do lesado, daí que possa concluir-se que nem sempre o dano patrimonial resulta da violação de direitos ou interesses patrimoniais”.

Também o Acórdão do STJ de 17.11.2005 – retirado da Col. Jur. Ano XIII, Tomo III, pág. 127 – escreveu o seguinte ensinamento: “ A incapacidade permanente é susceptível de afectar e diminuir a potencialidade de ganho, por via da perda da remuneração ou da implicação para o lesado de um esforço acrescido para manter os mesmos níveis de ganho ou exercer as várias tarefas e actividades gerais quotidianas…relevando aí como dano biológico e dano patrimonial futuro”.

Escreveu, a propósito, a 1.ª instância:

“Subsequentemente, peticiona o autor A… a quantia de 69.509,65 €, pela incapacidade permanente parcial de que ficou afectado e a autora L… a quantia de 6.000,00 €. Esta pede, ainda, indemnização pelo “prejuízo” decorrente dos 720 dias em que sofreu défice funcional temporário parcial que, por referência ao salário mínimo nacional, quantifica em 5.000,00 €. Salienta-se que pese embora tal indemnização seja diversa daqueloutra, com projecção futura, não tendo resultado apurado um prejuízo efectivo, já que a autora não desempenhava actividade profissional remunerada, será contemplada conjuntamente com o dano futuro, que neste caso, como veremos, mais do que perda de capacidade de ganho reveste a natureza de dano biológico, mais abrangente do que aquele.

Com relevo para a apreciação de tais pretensões, provou-se que: - o autor A… ficou afectado de um Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica fixável em 2 (dois) pontos percentuais, sendo as sequelas de que ficou a padecer compatíveis com a sua actividade profissional, exigindo, contudo, esforços acrescidos; - a autora L… sofreu um período de défice funcional temporário parcial fixável, em termos médico-legais, em 720 dias, e ficou afectada de um Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica fixável em 4 (quatro) pontos; - o autor A… trabalhava, à data, como professor e formador e a autora estava desempregada.

Não se provou que, mercê da incapacidade de que ficaram afectados, os autores ganhem menos ou vejam reduzida a sua capacidade de ganho futuro, entendida esta em sentido estrito.

No entanto, é incontornável que, ao longo da sua vida, seja qual for a actividade que exerça, o autor terá sempre que desenvolver um esforço acrescido para alcançar o mesmo rendimento que outra pessoa que não sofra de qualquer incapacidade, desde logo em todos os pequenos movimentos que diariamente terá que executar, quer no plano profissional, quer pessoal, indissociável daquele.

No que respeita à autora, que ficou a padecer de “perturbação de stress pós traumático”, que se objectiva numa «tonalidade depressiva de humor, irritabilidade, ansiedade, angústia e medo, sempre que confrontada com situações que lhe fazem lembrar o acidente, bem como perturbações no sono, o que faz com que fique limitada no encarar o seu dia-a-dia, afectando a sua autonomia pessoal, social e profissional.

Significa isto que conquanto não haja perda de capacidade de ganho, existe perda de capacidade de trabalho (remunerado ou não), realidades distintas mas igualmente indemnizáveis.

Ora, tendo em conta os mencionados critérios jurisprudenciais e as circunstâncias concretas do caso, sendo certo que o autor nasceu em 01.05.1965, pelo que tinha 38 anos à data do acidente, desconhecendo-se a data de nascimento da autora L…, resultando, porém, dos assentos de nascimento dos filhos de ambos que tem uma idade próxima da daquele, a sua expectativa de vida em termos estatísticos – de acordo com os elementos fornecidos pelo Instituto Nacional de Estatística, actualmente a esperança média de vida é de 75,49 anos para os homens, 81,74 para as mulheres e 78,70 para ambos os sexos –, o grau de incapacidade que os afecta, de acordo com o critério de equidade, decide-se fixar as indemnizações em 11.000,00 € para a autora L… e 18.000,00 € relativamente ao autor A...

Sublinha-se que a diferença de montantes se de essencialmente ao facto de apesar de a incapacidade atribuída ao autor ser quantitativamente menor que a atribuída à autora, afigura-se-nos mais abrangente em virtude daquele desempenhar actividade profissional específica e ter ocorrido repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer que praticava, designadamente a natação e a música (tocava viola), o que passou a fazer com dificuldade” – fim de citação -.

Como salienta o Acórdão da Relação do Porto, de 07.05.2001 - disponível in www.dgsi.pt -, “sem dúvida que e é tarefa melindrosa calcular o valor indemnizatório, já que, tirando a idade do Autor e a incapacidade que o afecta, tudo o mais é aleatório. Com efeito é inapreensível, agora, qual vai a ser a evolução do mercado laboral, o nível remuneratório do emprego, a evolução dos níveis dos preços, dos juros, da inflação, a evolução tecnológica, além de outros elementos que influem no nível remuneratório, como por exemplo, os impostos. Daí que, nos termos do n°3 do art.º 566° do Código Civil, haja que recorrer à equidade ante a dificuldade de averiguar com exactidão a extensão dos danos”.

A justiça tem ínsita a ideia de proporção, de medida, de adequação, de relativa previsibilidade. É tudo isto que no seu conjunto origina o sentimento de segurança, componente essencial duma sociedade assente em bases sólidas.

O Supremo Tribunal de Justiça vem afirmando - a título de exemplo, os acórdãos de 28 de Outubro de 1999, de 7 de Fevereiro de 2002, de 25 de Junho de 2002, de 27 de Novembro de 2003, de 15 de Janeiro de 2004, de 8 de Março de 2007, ou de 14 de Fevereiro de 2008 -, que a equidade desempenha um papel corrector e de adequação da indemnização decretada às circunstâncias do caso, nomeadamente quando, como é frequente, os tribunais recorrem a “cálculos matemáticos e a tabelas financeiras”.

Na Relação do Porto – Acórdão de 21.12.2012 - já se decidiu que “No cálculo da indemnização por dano futuro resultante de IPP ou por dano biológico, considerando as variáveis envolvidas, ainda que possam utilizar-se tabelas normalmente usadas, o critério decisivo é a equidade”

Esse recurso à equidade não afasta, todavia, a necessidade de observar as exigências do princípio da igualdade, isto é, deve o Julgador adequar a sua solução a outras decisões já proferidas, sendo certo que, também nesta área, “cada caso é um caso” - na fixação da indemnização pelo dano não patrimonial resultante de acidente de viação, o indispensável recurso à equidade não obsta à ponderação, como termo de comparação, dos valores pecuniários encontrados para o mesmo efeito noutras decisões judicias relativas a casos semelhantes, transitadas em julgado, sem prejuízo das especificidades e particularidades do caso que, concretamente, é submetido à apreciação do tribunal -.

Como se escreve no Acórdão do STJ de 28.3.2013 – retirado do site www.dgsi.pt

 “Os valores em jogo não afastando a lúcida ponderação necessária a todos os casos que têm de se julgar, determina necessariamente que não se seja parco na fixação do valor.

 “Uma funcionária bancária de 33 anos de idade (à data da alta clínica) que vencia mensalmente € 1.340,70, tendo ficado afectada de incapacidade permanente de 12%, justifica uma indemnização pela perda de capacidade de ganho no montante de € 45.000,00”- Acórdão do Tribunal da Relação do Porto 22.12013 -.

O Acórdão do STJ de 17.11.2005 – acima referido – fixou estes danos – a autora ficou com uma incapacidade de 5% - em € 17.500,00.

No nosso Acórdão de 14.5.2013 – não publicado - fixámos em €30.000,00 o valor da indemnização a título de danos futuros para uma incapacidade permanente parcial, para o exercício da actividade que vier a exercer e para todo o trabalho em geral, não inferior a 23%, sendo que à data do acidente, a autora tinha 12 anos de idade.

Visto isto, considerando os factos supra referidos, nomeadamente o valor da IP, a idade dos autores e outra jurisprudência que consultámos, além da que aqui damos conhecimento, mantemos o valor atribuído à autora L… - € 11.000,00 -, baixando, no entanto, o valor atribuído ao autor A… - 18.000,00 € - para a quantia de 15.000,00.

A justificação dada pela 1.ª instância para a diferença de valores atribuído ao casal – estando aqui em causa um dano biológico futuro – não nos parece adequada – salvo devido o respeito por valoração contrária - atenta o valor da IP atribuída a cada um deles.

IV. Da indemnização por privação de uso do veículo.

O autor reclama, ainda, indemnização pela privação do uso da viatura, desde a data do acidente (30.08.2004) até final do mesmo ano.

O aluguer de uma viatura de substituição do veículo sinistrado, denota suficientemente, em termos de normalidade e razoabilidade, a necessidade de utilização regular desse veículo e o propósito de o utilizar.

No Acórdão desta Relação, de 22.1.2013, decidiu-se que “a privação do uso de um veículo automóvel, desde que resulte provado que era efectivamente utilizado, constitui só por si, um dano patrimonial indemnizável, devendo recorrer-se à equidade, nos termos do disposto no art. 566º, nº3 do C.Civil para fixar o valor da respectiva indemnização.”

Também desta Relação – Acórdão de 6.3.2012 – saiu a seguinte decisão:” Para o proprietário ter direito a indemnização pela privação do uso do veículo, nos termos do n.º 1 do artigo 483.º e 562.º e seguinte do Código Civil, não basta a verificação em abstracto da privação, sendo ainda necessário que a privação do veículo cause uma diminuição ao nível da satisfação das necessidades do proprietário consideradas na sua globalidade. Concluindo-se pelo dano e não sendo possível quantificá-lo em valores certos face aos factos provados, o tribunal deverá recorrer à equidade para fixar a indemnização, nos termos previstos no artigo 566.º, n.º 3, do Código Civil. A quantia de €10,00 diários é adequada a título de indemnização pela paralisação diária de um veículo que satisfazia as necessidades básicas de deslocação do lesado e de um seu irmão que também o utilizava por empréstimo”.

“Quando a privação do uso recaia sobre um veículo automóvel, danificado num acidente de viação, bastará que resulte dos autos que o seu proprietário o usaria normalmente para que possa exigir-se do lesante uma indemnização a esse título, sem necessidade de provar directa e concretamente prejuízos efectivos” – Acórdão desta Relação de Coimbra de 15.5.2012 -.

Escreveu-se, no recente Acórdão do STJ de 8.5.2013 – todas as decisões citadas no nosso acórdão foram retiradas do site www.dgsi.pt -, que: “A privação do uso de um veículo é, em si mesma, um dano indemnizável, desde logo por impedir o proprietário (ou, eventualmente, o titular de outro direito, diferente do direito de propriedade, mas que confira o direito a utilizá-lo) de exercer os poderes correspondentes ao seu direito.

O cálculo da correspondente indemnização há-de ser efectuado com base na equidade, por não ser possível avaliar “o valor exacto dos danos” (nº 3 do artigo 566º do Código Civil).

A equidade tem de partir da consideração dos factos que ficaram provados e, sendo indissociável da consideração específica da concreta situação de facto, o controlo pelo Supremo Tribunal limita-se à “verificação acerca dos limites e pressupostos dentro dos quais se situou o (…) juízo equitativo formulado pelas instâncias face à ponderação casuística da individualidade do caso concreto ‘sub iudicio’” (acórdão de 28 de Outubro de 2010 (www.dgsi.pt, proc. nº272/06.7TBMTR.P1.S1, em parte por remissão para o acórdão de 5 de Novembro de 2009).

Normalmente, a indemnização pela privação do uso de um veículo acidentado deverá ter como limites temporais, por um lado, a ocorrência do sinistro e, por outro, o pagamento efectivo da indemnização; no caso, todavia, sabe-se que, a partir do momento em que o autor adquiriu um outro, a falta de disponibilidade do veículo sinistrado, cuja perda total havia sido declarada, deixou de se traduzir num dano para o autor”.

Este dano, a existir, deve ser fixado mesmo nos casos de perda total do veículo.

Para fixar esta fatia indemnizatória escreve a Sr.ª Juiz da 1.ª instância:

“No caso dos autos, tendo em conta o lapso de tempo pelo qual perdurou tal privação, deduzido o período em que o autor alugou viatura de substituição, e a factualidade descrita nos itens 40 e 42, por recurso à equidade fixa-se a indemnização em 1.500,00 €”.

Mostram-nos os autos o seguinte:

“39. - O Autor encontrou-se privado do uso do seu veículo desde a data do acidente, 30 de Agosto de 2004, até final do mesmo ano; – resposta ao(s) quesito(s) 30º.

40. - Era com o seu veículo que o Autor satisfazia todas as suas necessidades de transporte, se deslocava para o trabalho, levava e trazia os seus filhos à escola, passeava ao fim-de-semana e tratava de assuntos diversos; – resposta ao(s) quesito(s) 31º.

41. - Pelo aluguer de um veículo entre o dia 11.10.2004 a 04.11.2004 gastou a quantia de 654.02 €, e socorreu-se de transportes públicos e da boleia de amigos e colegas; – resposta ao(s) quesito(s) 32º.

42. - Por causa da falta de veículo, perdeu tempo, sujeitou-se aos horários nem sempre convenientes dos transportes públicos, e suportou os incómodos e transtornos inerentes à falta de um meio de transporte, o que lhe provocou embaraços e dificuldades na gestão da sua vida profissional e pessoal; – resposta ao(s) quesito(s) 33º a 35º.”

Ou seja, esteve cerca de 122 dias sem o seu automóvel, que lhe satisfazia todas as suas necessidades de transporte, se deslocava para o trabalho, levava e trazia os seus filhos à escola, passeava ao fim-de-semana e tratava de assuntos diversos, por isso, dano indemnizável.

Durante 25 dias usou um de aluguer pagando, no total, a quantia de €654,02 – a que corresponde a quantia diária de cerca de €26,00 -.

Este custo diário corresponderia, quanto aos restantes 97 dias de privação do veículo, a quantia total de € 2.522,00 – à ré competia alegar e provar que o lesado alugou um veículo de características superiores às da viatura sinistrada e daí resultou um acréscimo de despesa -.

Ora, temperando este valor com alguma equidade – neste entretanto o autor socorreu-se de transportes públicos e da boleia de amigos e colegas -, achamos que o valor fixado na 1.ª instância se mostra adequado.

Passemos ao sumário:

1.Os danos não patrimoniais indemnizáveis devem ser seleccionados com extremo rigor, devendo atender-se apenas aos que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.

2. Na impossibilidade de concretizar um critério geral, porque nesta matéria o casuísmo é infindável, apenas importa acentuar que danos consequentes a lesões a direitos de personalidade devem ser considerados mais graves do que os resultantes de violação de direitos referidos a coisas.

3. Mostrando os autos que os menores, dada a violência do embate e que seguiam no banco de trás da viatura conduzido pelo Autor, sofreram um enorme susto, o que lhes causou muita ansiedade e sofrimento e que ainda hoje têm muito medo de viajar em veículos automóveis, pela sua gravidade, justificam a fixação de uma fatia indemnizatória.

4. A incapacidade permanente é susceptível de afectar e diminuir a potencialidade de ganho, por via da perda da remuneração ou da implicação para o lesado de um esforço acrescido para manter os mesmos níveis de ganho ou exercer as várias tarefas e actividades gerais quotidianas…relevando aí como dano biológico e dano patrimonial futuro.

 5.É tarefa melindrosa calcular o valor indemnizatório deste dano, já que, tirando a idade das vitimas e a incapacidade que os afecta, tudo o mais é aleatório. Com efeito é inapreensível, agora, qual vai a ser a evolução do mercado laboral, o nível remuneratório do emprego, a evolução dos níveis dos preços, dos juros, da inflação, a evolução tecnológica, além de outros elementos que influem no nível remuneratório, como por exemplo, os impostos.

6.Daí que, nos termos do n°3 do art. 566° do Código Civil, a equidade deverá funcionar “com maior peso” ante a dificuldade de averiguar com exactidão a extensão dos danos.

7. A privação do uso de um veículo automóvel, desde que resulte provado que era efectivamente utilizado, constitui só por si, um dano patrimonial indemnizável, devendo recorrer-se à equidade, nos termos do disposto no art. 566º, nº3 do C.Civil para fixar o valor da respectiva indemnização.

8. Este dano, a existir, deve ser fixado mesmo nos casos de perda total do veículo.

Assim, na parcial procedência do recurso, decidimos condenar a ré B… – Companhia de Seguros, S.A a:

1.Pagar aos menores D… e G… a quantia total de € 1.500,00 (mil e quinhentos euros), sendo € 750,00 (setecentos e cinquenta euros) para cada um.

2.Pagar ao autor A… a quantia de € 15.000,00 (quinze mil euros), a título de danos futuros (dano biológico).

3.No mais, mantemos a decisão da 1.ª instância.

4.Custas por apelante e apelados, na proporção do decaimento.

(José Avelino - Relator -)

(Regina Rosa)

(Artur Dias)