Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3146/08.3TBLRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CARLOS QUERIDO
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
PRIORIDADE DE PASSAGEM
Data do Acordão: 02/23/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: LEIRIA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS.483º, 562º CC
Sumário: I. O direito de prioridade de passagem não tem natureza absoluta, pressupondo por parte do condutor que dele goza, a adopção das precauções indispensáveis em ordem a evitar acidentes.

II. O direito de prioridade de passagem tem como pressuposto e apenas é aplicável quando ambos os veículos chegam ao mesmo tempo ao ponto de intercepção das duas vias.

III. Provando-se que o Apelado seguia a velocidade inferior a 50 Km/hora, ao chegar junto do cruzamento tomou todas as precauções, não se limitou a abrandar a velocidade, imobilizou o veículo e só depois entrou, vindo a ser embatido por um veículo que provinha da direita e que circulava a uma velocidade superior à permitida no local, a culpa do acidente deverá imputar-se ao condutor do veículo proveniente da direita.

IV.A privação do uso de um veículo automóvel constitui, só por si, um dano patrimonial indemnizável.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

I. Relatório
A (…), residente na ...., instaurou a presente acção declarativa, sob a forma sumária do processo comum, contra B (…) COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., com sede  (…), 1069-031 Lisboa, pedindo a condenação da ré no pagamento da quantia global de €: 14.700,00, acrescida de juros de mora.
Para tanto e em síntese, alegou que foi interveniente num acidente de viação ocorrido por culpa exclusiva do condutor do veículo de matrícula 00-00-DQ, segurado na ré, em consequência do qual sofreu danos cujo ressarcimento pretende através do pagamento da indemnização peticionada.
Regularmente citada, a ré apresentou contestação impugnando os factos alegados na petição inicial e atribuindo ao autor a culpa pelo acidente.
Foi proferido despacho saneador, onde se definiu o thema decidendum, com a organização da factualidade assente e da base instrutória.
Procedeu-se à audiência de discussão e julgamento, finda a qual foi proferida decisão sobre a matéria de facto, que também não foi objecto de qualquer reclamação, após o que foi proferida sentença que decidiu a causa nestes termos:
«Pelo exposto, julgando a presente acção parcialmente procedente, por provada em igual medida, este Tribunal decide condenar a ré (…) – COMPANHIA DE SEGUROS, S.A. a pagar ao autor (…) a quantia de €: 6.500,00 [seis mil e quinhentos euros], acrescida de juros desde a citação até efectivo e integral pagamento.»
Inconformada, apelou a Ré, apresentando as seguintes conclusões:
1. A sentença proferida pelo Tribunal “a quo” viola o disposto nos artigos 685°-A, no 2 C PC, por deficiente interpretação e, daí a violação do disposto nos artigos 342°, 341°, 506°, 562° e 566° do Código Civil, bem como o principio da equidade e da proporcionalidade.
2. O local onde ocorreu o embate é um cruzamento com boa visibilidade e existiam boas condições meteorológicas.
3. Os semáforos existentes no local encontravam-se a funcionar com a luz amarela intermitente em todas as artérias.
4. O veículo 00-00-CO, conduzido pelo Autor, circulava pela faixa central da Rua Machado Santos, a qual serve o tráfego que segue em frente.
5. A rua de onde o veículo 00-00-DQ provinha, situa-se à direita da rua de onde o Autor vinha.
6. Pelo que, se aplicam as regras gerais de circulação rodoviária previstas no Código da Estrada, ou seja, a regra da prioridade.
7. O Apelado tinha que ceder passagem ao veículo seguro, que se lhe apresentava pela direita, o que na modesta opinião da Apelante não se verificou.
8. Pela análise das distâncias percorridas por ambos os veículos até ao ponto de embate, verifica-se que, se o Apelado tivesse imobilizado o veiculo junto ao cruzamento, antes de iniciar o atravessamento do mesmo, e efectivamente circulasse a uma velocidade de cerca de 50 km/h, necessária e obrigatoriamente teria avistado o veículo seguro e, o embate não teria ocorrido na mão de trânsito do veículo seguro, nem teria ocorrido de todo.
9. Verifica-se assim que a conduta de ambos os condutores violou as regras plasmadas no Código da Estrada.
10. O Apelado violou o disposto no artigo 30°, n.º 1 do Código da Estrada, e o condutor do veículo seguro violou o disposto no artigo 27° do Código da Estrada.
11. Sendo certo que, o condutor do veículo seguro provinha da direita, gozando de prioridade, pelo que impendia sobre o ora Apelado o especial dever de cuidado.
12. Consta do croqui elaborado pela PSP de ... qual o local do embate, sendo que este documento não foi impugnado pela ora Apelante. Logo o teor do mesmo considera-se assente.
13. A douta sentença limita-se a atribuir, sem mais, o montante de € 1.000,00 pela privação do uso de veículo entre Junho e Outubro de 2005, não fundamentando a razão da atribuição daquele montante.
14. Sempre se dirá que, tal montante se afigura excessivo e desproporcional.
15. Na Participação de Acidente Automóvel junta aos autos sob documento n.º 1 com petição inicial consta que não houve feridos na sequência do acidente em causa.
16. O ora Apelado não alegou quando, onde e qual a intervenção cirúrgica a que foi sujeito.
17. Não basta a mera alegação, e depoimento oral da testemunha (…), uma intervenção médica carece obrigatoriamente de ser documentada e, o Apelado não juntou, como era seu ónus, qualquer documento comprovativo da aludida intervenção.
18. Pelo que, o montante de € 2.000,00 atribuído pelo Mmo “a quo” a título de danos não patrimoniais afigura-se excessivo, por violação ao critério de equidade estabelecido nos artigos 496°, n.º 3 e 566°, n.º 3 do Código Civil.
O Apelado/autor apresentou contra-alegações, nas quais preconiza a manutenção do julgado.

II. Questão prévia à apreciação do mérito do recurso
(….)

III. Do mérito do recurso

1. Objecto do recurso
O objecto do recurso, delimitado pelas conclusões das alegações (artigo 684º, nº 3, e 690º, nºs 1 e 3, CPC), salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 660º, nº 2, in fine), consubstancia-se nas seguintes questões:
1) Saber se a culpa deverá ser imputada apenas ao condutor seguro na Apelante, tal como o fez a sentença recorrida (conclusões 1.ª a 12.ª);
2) Saber se é infundado o montante indemnizatório fixado na sentença, relativo à privação do uso de veículo (conclusões 13.ª e 14.ª);
3) Saber se é excessivo o montante indemnizatório fixado na sentença, relativo à intervenção cirúrgica (conclusões 14.ª a 17.ª).

2. Fundamentação de facto
Provou-se nos autos a seguinte factualidade:
1. No dia 5 de Junho de 2005, pelas 00h.20m, no Largo da República, em ..., ocorreu um embate em que foram intervenientes: o veículo ligeiro de passageiros, com a matrícula 00-00-CO, propriedade do Autor e ao tempo por ele conduzido, e o veículo ligeiro de passageiros com a matrícula 00-00-DQ, propriedade de (…) e naquele momento conduzido por (…).
2. Ao tempo do referido embate encontrava-se transferida para a Ré a responsabilidade civil pelos danos causados a terceiros pelo veículo 00-00-DQ, através de contrato de seguro titulado pela apólice número ... e que se encontrava em vigor no momento dos factos.
3. O local onde ocorreu o embate é um cruzamento com boa visibilidade e existiam boas condições meteorológicas.
4. O veículo 00-00-CO circulava no sentido Rua Machado dos Santos para a Rua João Soares e o veículo 00-00-DQ circulava no sentido Rua dos Mártires para a Rua do Município, o que implicava o cruzamento entre os veículos identificados.
5. Os semáforos existentes no local encontravam-se a funcionar com a luz amarela intermitente em todas as artérias.
6. O veículo 00-00-CO, conduzido pelo Autor, circulava pela faixa central da Rua Machado Santos, a qual serve o tráfego que segue em frente.
7. A rua de onde o veículo00-00-DQ provinha, situa-se à direita da rua de onde o Autor vinha.
8. Em resultado do referido embate o veículo 00-00-CO sofreu danos materiais, tendo sido efectuada peritagem da responsabilidade da Ré.
9. A ré, em face do valor do veículo 00-00-CO à data do embate que se cifrava em €3.500,00, considerou que o embate determinara a sua perda total.
10. A ré apenas assumiu o valor dos danos do veículo na carta datada de 8 de Novembro de 2005 e enviada ao autor, nunca tendo assumido a responsabilidade pelo acidente.
11. O autor seguia a velocidade não concretamente apurada, mas inferior a 50 Km/hora.
12. Ao aproximar-se do cruzamento reduziu a velocidade.
13. Junto ao cruzamento, o autor imobilizou o veículo para atravessar o cruzamento.
14. O autor avançou na direcção da Rua João Soares.
15. Quando já se encontrava a transpor o cruzamento, surgiu o veículo segurado na ré.
16. O veículo segurado na ré circulava a uma velocidade de, pelo menos, 60 Km/hora.
17. O veículo segurado na ré deixou um rasto de travagem de 14,50m.
18. O veículo segurado na ré embateu com a frente na porta do lado direito e a embaladeira direita do veículo do Autor.
19. O embate ocorreu em local não determinado do cruzamento formado pela Rua Machado dos Santos, onde circulava o autor, pela Rua dos Mártires, por onde circulava o veículo segurado na ré, pela Rua Dr. João Soares, para onde seguia o autor, e pela Rua do Município, para onde seguia o veículo segurado na ré.
20. O condutor do veículo segurado na ré circulava na faixa esquerda da Rua dos Mártires, para seguir em frente na direcção da Rua do Município.
21. O veículo do autor foi projectado 12,80 metros em direcção ao edifício da Câmara Municipal de ..., imobilizando-se sobre a passadeira junto ao passeio.
22. O veículo do autor esteve imobilizado entre os meses de Junho e Outubro de 2005.
23. O autor é chefe do sector de sinistros na empresa ....
24. O autor utilizava o veículo 00-00-CO nas suas deslocações para se dirigir de e para o trabalho.
25. O autor utilizava o veículo 00-00-CO para as deslocações familiares nas férias e fins-de-semana.
26. Entre Junho e Outubro de 2005, o autor não pôde usar o veículo 00-00-CO.
27. Esteve retido em casa aos fins-de-semana com a família e não pôde visitar os familiares mais próximos que residem fora da cidade de ....
28. O vidro da porta do lado direito do veículo do autor quebrou-se.
29. Em resultado pequenos vidros foram projectados e incrustaram-se sob a pele do pescoço e rosto do autor.
30. Foi necessária intervenção médica para remoção dos fragmentos de vidro, tendo autor sofrido um mal-estar generalizado.
31. E sentiu dores e sofrimento.

3. Fundamentação de direito
3.1. A culpa do acidente
Insurge-se a Apelante contra a decisão recorrida, por considerar que ambos os condutores cometeram infracções estradais, pelo que sobre ambos recai a presunção de culpa.
Recapitulando a factualidade relevante para a definição da dinâmica do acidente:
3. O local onde ocorreu o embate é um cruzamento com boa visibilidade e existiam boas condições meteorológicas.
4. O veículo 00-00-CO circulava no sentido Rua Machado dos Santos para a Rua João Soares e o veículo 00-00-DQ circulava no sentido Rua dos Mártires para a Rua do Município, o que implicava o cruzamento entre os veículos identificados.
5. Os semáforos existentes no local encontravam-se a funcionar com a luz amarela intermitente em todas as artérias.
6. O veículo 00-00-CO, conduzido pelo Autor, circulava pela faixa central da Rua Machado Santos, a qual serve o tráfego que segue em frente.
7. A rua de onde o veículo00-00-DQ provinha, situa-se à direita da rua de onde o Autor vinha.
11. O autor seguia a velocidade não concretamente apurada, mas inferior a 50 Km/hora.
12. Ao aproximar-se do cruzamento reduziu a velocidade.
13. Junto ao cruzamento, o autor imobilizou o veículo para atravessar o cruzamento.
14. O autor avançou na direcção da Rua João Soares.
15. Quando já se encontrava a transpor o cruzamento, surgiu o veículo segurado na ré.
16. O veículo segurado na ré circulava a uma velocidade de, pelo menos, 60 Km/hora.
17. O veículo segurado na ré deixou um rasto de travagem de 14,50m.
18. O veículo segurado na ré embateu com a frente na porta do lado direito e a embaladeira direita do veículo do Autor.
19. O embate ocorreu em local não determinado do cruzamento formado pela Rua Machado dos Santos, onde circulava o autor, pela Rua dos Mártires, por onde circulava o veículo segurado na ré, pela Rua Dr. João Soares, para onde seguia o autor, e pela Rua do Município, para onde seguia o veículo segurado na ré.
20. O condutor do veículo segurado na ré circulava na faixa esquerda da Rua dos Mártires, para seguir em frente na direcção da Rua do Município.
21. O veículo do autor foi projectado 12,80 metros em direcção ao edifício da Câmara Municipal de ..., imobilizando-se sobre a passadeira junto ao passeio.
O acidente consistiu assim na colisão de dois veículos num cruzamento com semáforos intermitentes.
Releva de forma particular para a atribuição da culpa, o comportamento provado, de cada um dos condutores.
Vejamos a conduta do Apelado:
1) seguia a velocidade inferior a 50 Km/hora;
2) ao aproximar-se do cruzamento reduziu a velocidade;
3) junto ao cruzamento, imobilizou o veículo;
4) após, avançou na direcção da Rua João Soares;
5) quando já se encontrava a transpor o cruzamento, surge o veículo 00-00-DQ;
5) foi embatido do lado direito pelo veículo 00-00-DQ (seguro na Apelante).
Vejamos agora, em contraponto, a conduta do condutor do veículo seguro na Apelante:
1) surge quando o veículo do Apelado já se encontrava a transpor o cruzamento;
2) circulava a uma velocidade de, pelo menos, 60 Km/hora;
3) deixou um rasto de travagem de 14,50m;
4) embateu com a frente na porta do lado direito e a embaladeira direita do veículo do Autor;
5) com o embate, projectou o veículo do autor 12,80 metros.
Salvo o devido respeito, perante a factualidade provada não se vislumbra qualquer infracção estradal por parte do Apelado.
Com efeito, provou-se que fez tudo de acordo com as normas de segurança rodoviária: seguia a uma velocidade inferior a 50 Km/hora (limite dentro da localidade); reduziu a velocidade quando se aproximou do cruzamento; junto do cruzamento imobilizou o veículo; e só depois avançou, vindo a ser embatido pelo veículo seguro na Apelante, que circulava a mais de 60 Km/hora e o projectou 12,80 metros, deixando um rasto de travagem de 14,50m.
Afigura-se, salvo o devido respeito, que a Apelante parte de um pressuposto errado nas suas doutas conclusões: o de que o direito de prioridade de passagem tem natureza absoluta.
Constitui entendimento pacífico na jurisprudência, a negação do carácter absoluto do direito de prioridade de passagem, expresso de forma eloquente no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24.02.1999[1]: «O direito de prioridade de passagem não é absoluto, pressupondo, por parte do condutor que dele goza, a adopção das precauções indispensáveis em ordem a evitar acidentes, como a diminuição de velocidade e a certificação da aproximação de outro veículo.»
No mesmo sentido, vejam-se os seguintes arestos, todos do STJ, e todos disponíveis em http://www.dgsi.pt: Acórdão de 16.01.2003, proferido no Processo n.º 03A3548; Acórdão de 29.10.2002, proferido no Processo n.º 084035; Acórdão de 06.10.1994, proferido no Processo n.º 084882; Acórdão de 10.04.1984, proferido no Processo n.º 071514; e Acórdão de 03.04.1986, proferido no Processo n.º 073144.
O mesmo Supremo Tribunal tem entendido que o direito de prioridade de passagem só existe em caso de simultaneidade de chegada ao local de intercepção das vias, o que faz todo o sentido, atentos os princípios de segurança rodoviária, equacionados de acordo com as regras da experiência comum.
Nesse sentido, decidiu o STJ, em acórdão de 18.03.1977[2]: «A regra fixada no […] Código da Estrada, ao reconhecer prioridade de passagem num cruzamento ao veículo que se apresenta pela direita, tem como pressuposto e apenas é aplicável quando ambos os veículos chegam ao mesmo tempo ao ponto de intercepção das duas vias.»
No mesmo sentido, de que a regra sobre a prioridade de passagem pressupõe, a simultaneidade da aproximação dos dois veículos, em relação ao ponto de interferência, veja-se o acórdão do STJ de 13.07.1977[3].
Finalmente, constitui também entendimento jurisprudencial pacífico, o princípio de que o condutor que beneficia do direito de prioridade não está isento de observar os deveres de diligência e de tomas as indispensáveis precauções quando se aproxima do cruzamento - acórdãos do STJ, de  16.01.2003[4] e de 29.10.1992[5].
Na situação em apreço, o Apelado tomou todas as precauções, não se limitou a abrandar a velocidade, imobilizou mesmo o veículo ao chegar ao cruzamento, e só depois entrou, sendo embatido por um veículo que circulava a uma velocidade superior à permitida no local.
De todo o exposto decorre a manifesta improcedência da tese da Apelante, quando pretende qualificar a condução do Apelado como infracção estradal.
Perante a factualidade provada e não questionada pela Apelante, concluímos que não merece censura a douta sentença recorrida, na parte em que atribui a culpa do acidente ao condutor seguro na Apelante.
Improcedem, face ao exposto, as doutas conclusões 1.ª a 12.ª.

 3.2. A indemnização por privação de uso do veículo
Alega a Apelante nas suas doutas conclusões (13.ª e 14.ª), que a sentença recorrida se limita a atribuir, sem mais, o montante de € 1.000,00 pela privação do uso de veículo entre Junho e Outubro de 2005, não fundamentando a razão da atribuição daquele montante, e que o mesmo se afigura excessivo e desproporcional.
Provou-se a seguinte factualidade relevante:
22. O veículo do autor esteve imobilizado entre os meses de Junho e Outubro de 2005.
23. O autor é chefe do sector de sinistros na empresa ....
24. O autor utilizava o veículo 00-00-CO nas suas deslocações para se dirigir de e para o trabalho.
25. O autor utilizava o veículo 00-00-CO para as deslocações familiares nas férias e fins-de-semana.
26. Entre Junho e Outubro de 2005, o autor não pôde usar o veículo 00-00-CO.
27. Esteve retido em casa aos fins-de-semana com a família e não pôde visitar os familiares mais próximos que residem fora da cidade de ....
Como se refere na douta sentença recorrida, confrontam-se na jurisprudência duas teses irredutíveis e antagónicas: há os que entendem que a privação de uso do veículo é de per se um dano; e há quem entenda que é necessário provar um dano concreto e específico decorrente dessa imobilização.
Nesta matéria, concordamos com a posição assumida no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 5.07.2007, relatado pelo Conselheiro Santos Bernardino[6], cujo sumário se transcreve com vénia, face à limpidez expositiva com que sintetiza os argumentos a favor desta tese:
«1. A privação do uso de um veículo automóvel, em consequência dos danos por ele sofridos em acidente de trânsito, envolve, para o seu proprietário, a perda de uma utilidade do veículo – a de o utilizar quando e como lhe aprouver – que, considerada em si mesma, tem valor pecuniário.
2. Assim, essa privação constitui, só por si, um dano patrimonial indemnizável, devendo recorrer-se à equidade, nos termos do disposto no art. 566º/3 do CC, para fixar o valor da respectiva indemnização.»
No entanto, contrariamente ao que a Apelante alega, a situação sub judice nada tem a ver com esta polémica jurisprudencial, na medida em que se provaram factos que se traduzem num dano concreto e efectivo decorrente da imobilização do veículo.
Com efeito, provou-se que o veículo esteve imobilizado durante todo o Verão - entre os meses de Junho e Outubro de 2005, era utilizado pelo Apelado nas suas deslocações de casa para o trabalho, e pelo seu agregado familiar nas deslocações de férias e fins-de-semana, decorrendo da sua falta e privação o facto de o Apelado e a família terem ficado retidos em casa aos fins-de-semana.
Perante esta factualidade, salvo todo o respeito devido, só quem nunca esteve privado de um veículo de uso pessoal e familiar, poderá entender como exagerado o valor atribuído, €: 1.000,00 [mil euros], com vista a indemnizar o Apelado por «todos os danos patrimoniais e não patrimoniais – associados à privação do uso da viatura».
Improcedem, face ao exposto, as conclusões 13.ª e 14.ª.

3.3. A indemnização atribuída como reparação pela intervenção cirúrgica
Alega a Apelante que o ora Apelado não alegou quando, onde e qual a intervenção cirúrgica a que foi sujeito, não basta a mera alegação, e depoimento oral da testemunha (…), uma intervenção médica carece obrigatoriamente de ser documentada, pelo que se afigura excessivo o montante de € 2.000,00 atribuído pelo Mmo “a quo” a título de danos não patrimoniais. (conclusões 15.ª a 17.ª)
No que respeita à matéria de facto, a questão ficou decidida supra.
Provou-se a seguinte factualidade relevante:
1) Em consequência do embate, pequenos vidros foram projectados e incrustaram-se sob a pele do pescoço e rosto do Apelado (facto 29);
2) Foi necessária intervenção médica para remoção dos fragmentos de vidro, tendo o Apelado sofrido um mal-estar generalizado (facto 30).
3) O Apelado sentiu dores e sofrimento.
Perante estes factos, não se afigura exagerado o montante arbitrado a título de reparação, pelo que não merece censura, também nesta parte, a douta sentença.
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Sumário a que se refere o n.º 7 do artigo 713.º do Código de Processo Civil:
I. O direito de prioridade de passagem não tem natureza absoluta, pressupondo por parte do condutor que dele goza, a adopção das precauções indispensáveis em ordem a evitar acidentes.
II. O direito de prioridade de passagem tem como pressuposto e apenas é aplicável quando ambos os veículos chegam ao mesmo tempo ao ponto de intercepção das duas vias.
III. Provando-se que o Apelado seguia a velocidade inferior a 50 Km/hora, ao chegar junto do cruzamento tomou todas as precauções, não se limitou a abrandar a velocidade, imobilizou o veículo e só depois entrou, vindo a ser embatido por um veículo que provinha da direita e que circulava a uma velocidade superior à permitida no local, a culpa do acidente deverá imputar-se ao condutor do veículo proveniente da direita.
                                                   *

IV. Decisão
Com fundamento no exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar totalmente improcedente o recurso, ao qual se nega provimento, confirmando assim a douta decisão recorrida.
Custas do recurso pela Apelante.


[1] Proferido no Processo n.º 98A1233, disponível em http://www.dgsi.pt
[2] Proferido no Processo n.º 006488, disponível em http://www.dgsi.pt
[3] Proferido no Processo n.º 006565, disponível em http://www.dgsi.pt
[4] Proferido no Processo n.º 03A3458, disponível em http://www.dgsi.pt
[5] Proferido no Processo n.º 084035, disponível em http://www.dgsi.pt
[6] Proferido no Processo n.º 07B1849, disponível em http://www.dgsi.pt