Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
230/11.0TMCBR-K.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ALBERTO RUÇO
Descritores: LEI DE PROTEÇÃO DE CRIANÇAS E JOVENS EM PERIGO
PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
ADVOGADO
RECEIO MANIFESTADO PELO JOVEM
Data do Acordão: 06/22/2021
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA – JUIZO DE FAMÍLIA E MENORES DE COIMBRA – JUIZ 1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTº 117º DA LEI Nº 147/99, DE 01/09.
Sumário: I - O princípio do contraditório estabelecido no artigo 117.º da Lei n.º 147/99, de 1 de setembro – Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo – fica assegurado quando o interessado é colocado na posição de poder agir por si ou por intermédio de advogado nos diversos actos do processo nos quais, segundo a lei, possa participar, o que em regra fica cumprido notificando o interessado, na pessoa do seu advogado, do dia, hora e local da diligência.

II - Se o menor, com 10 anos de idade, manifesta, por actos e palavras, que não quer estar com o pai, que tem medo dele e se recusa a estar com ele, não assume relevo imediato se essa crença tem fundamento ou não tem, relevando sim o receio que invade o menor gerado por essa crença, pelo que se justifica a alteração provisória dos convívios entre ambos, passando estes a ser supervisionados pela segurança social com o fim de restabelecer a confiança do menor no seu pai.

Decisão Texto Integral:







I. Relatório

a) O presente recurso vem interposto da decisão que a seguir se reproduz:

«Por decisão de 4 de novembro de 2020 foi revista a medida de promoção e proteção aplicada em benefício do menor F... e ordenada a prorrogação da medida de apoio junto dos pais, pelo período de seis meses, com as seguintes obrigações:

- Os pais deverão frequentar sessões de Terapia Familiar e Sistémica, junto do Gabinete de Intervenção Sistémica do Instituto Superior …;

- Os pais deverão cumprir o que se mostra definido judicialmente quanto ao exercício das responsabilidades parentais, designadamente nos termos que foram regulados na sentença de 7 de julho de 2017, confirmada por Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, ou seja e além do mais, sem prejuízo dos períodos festivos e das férias escolares, o F... deverá estar com o pai em fins-de-semana alternados, de 6.ª feira a 2.ª feira, e deverá jantar com o pai à 4.ª feira.

Os pais recorreram do despacho de revisão da medida, tendo sido admitido o recurso, com efeito meramente devolutivo.

Foram, entretanto, apurados factos que justificam a revisão imediata da medida de promoção e proteção, com aplicação de medida provisória, que passo a elencar:

1. O pai do F… manifestou-se indisponível para comparecer no Gabinete de Intervenção Sistémica do Instituto Superior … para sessões nos mesmo moldes das realizadas (requerimento de 29 de dezembro de 2020, com a referência ...).

2. O pai do F... manifestou-se indisponível para ser objeto de perícia psiquiátrica (requerimento de 1 de fevereiro de 2021, com a referência ...).

3. No dia 5 de fevereiro de 2021, 6.ª feira, o pai circulou de automóvel com o F..., entre a sua casa e a esquadra da PSP, enquanto lhe perguntava se queria ir com ele à esquadra da PSP dizer que a mãe e a avó materna lhe batiam e que o avô o sufocava, tapando-lhe a boca, ou se preferia ir para casa, aguardar que ele fosse preso (declarações do F..., coincidentes com as declarações de ..., Agente Principal da PSP de …).

4. O F... respondeu que preferia ir para casa (declarações do F...).

5. O pai levou o F... à esquadra da PSP, pretendendo que o filho fosse ouvido na qualidade de testemunha (declarações do F..., coincidentes com as declarações de ... Agente Principal da PSP de …).

6. ..., Agente Principal da PSP de …, informou o pai que o F... não seria ouvido por si (declarações de ..., Agente Principal da PSP de …).

7. O F... não queria ir com o pai à esquadra da PSP dizer que a mãe e a avó materna lhe batiam e que o avô o sufocava, tapando-lhe a boca, pois tais factos são mentira (declarações do F...).

8. No sábado seguinte, o pai incentivou o F... a escrever no seu diário que a mãe e a avó materna lhe batiam e que o avô o sufocava, tapando-lhe a boca, o que o F... não queria fazer, por ser mentira, e não fez (declarações do F...).

9. No domingo à noite, a chorar, obrigado pelo pai, o F... escreveu no seu diário que a mãe e a avó materna lhe batiam e que o avô o sufocava, tapando-lhe a boca, o que sabia ser mentira (declarações do F...).

10. F... esteve em casa do pai pela última vez na 4.ª feira, dia 17 de fevereiro de 2021 (declarações do F...).

11. F... assistiu a uma aula não presencial em casa do pai (declarações do F...).

12. F... não pretendia assistir à aula em casa do pai (declarações do F...).

13. Fê-lo por ter sido obrigado pelo pai a telefonar à mãe e a mandar-lhe mensagens a pedir para ficar em casa do pai (declarações do F...).

14. No dia 19 de março de 2021 (dia do pai), o pai compareceu na escola para ir buscar o F... à hora de almoço e o menino recusou-se a ir com o pai (declarações do F...).

15. Compareceu novamente na escola no final das atividades letivas e o F... recusou-se a ir com o pai (declarações do F...).

16. O F... não quis fazer as lembranças da escola para o dia do pai, por ficar triste e nervoso (declarações do F...).

17. Apenas aceitou fazer um cartão com a palavra pai, sem qualquer texto (declarações do F...).

18. Optou por entregar o cartão ao avô materno, alterando o texto inicial para “pai da minha mãe” (declarações do F...).

19. No dia 24 de março de 2021 o pai compareceu na escola, pelas 16h00, para ir buscar o F... (declarações do F... e participação da PSP junta a 25 de março de 2021).

20. Pelas 17h10, ..., Agente da Polícia de Segurança Pública, foi chamado ao interior da Escola, para falar com o F..., pois o menino chorava intensamente e recusava-se a sair para ir com o pai (declarações do F... e participação da PSP junta a 25 de março de 2021).

21. F... estava no hall de entrada da Escola, sentado numa cadeira, bastante ansioso, nervoso, quase em pânico, chorando e soluçando desesperadamente para não ir com o pai (declarações do F... e participação da PSP junta a 25 de março de 2021).

22. F... agarrou-se a uma porta dizendo que ninguém o tirava dali e acrescentando "não quero ir porque ele bate-me" (declarações do F... e participação da PSP junta a 25 de março de 2021).

23. O F... quis ficar com a mãe, para quem correu e com quem ficou (declarações do F... e participação da PSP junta a 25 de março de 2021).

24. F... tem pesadelos, sonhando que é raptado pelo pai ou que a mãe é presa e tem de ficar com o pai que o põe inconsciente ou mata (declarações do F...).

25. F... recusa qualquer contacto com o pai, à exceção de convívios supervisionados na Segurança Social (declarações do F...).

26. F... pediu ao Tribunal para não estar mais com o pai e pediu autorização para não estar com o pai enquanto o Tribunal não decidisse (declarações do F...).

27. F... chorou por diversas vezes durante a audição, mostrou-se nervoso e ansioso, com repulsa face à possibilidade de ter de estar com o pai (declarações do F...).

28. F... mostrou ter medo do pai e que o pai lhe causa tristeza (declarações do F...).

Os factos acima elencados decorrem dos elementos probatórios indicados a seguir a cada facto.

No que respeita às declarações do F..., importa salientar que foram prestadas de forma fluida, encadeada, emotiva, coincidente com os demais elementos que constam do processo, designadamente as declarações de ..., Agente Principal da PSP de …, e a participação da PSP junta a 25 de março de 2021, e que, por conseguinte, foram consideradas credíveis.

Nos termos do disposto no artigo 37.º da Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo, anexa à Lei n.º 147/99, de 1 de setembro, “A título cautelar o Tribunal pode aplicar as medidas previstas no artigo 35.º, als. a) a f)”.

De acordo com tal normativo, as medidas provisórias podem ser aplicadas quando o menor esteja numa situação de emergência, de perigo, ou enquanto se procede ao diagnóstico da situação e à definição do seu encaminhamento subsequente.

Pode considerar-se que uma criança está numa situação de emergência quando “esteja em causa um perigo actual e eminente para vida ou integridade física da criança ou do jovem, mas também outros direitos da criança ou do jovem, ou seja, sempre que exista  uma situação de perigo actual e eminente que afecte a sua saúde, segurança, formação, educação ou desenvolvimento” (Tomé d’Almeida Ramião, in Lei de Protecção de Criança e Jovens em Perigo Anotada e Comentada, Quid Iuris, Lisboa, 2003, p. 63.).

Regressando à situação dos autos, de acordo com os factos acima elencados, o F... está a viver uma situação de perigo atual para a sua integridade física, uma vez que o relacionamento com o pai está a afetar negativamente a sua saúde mental e, consequentemente, o seu desenvolvimento.

F... recusa terminantemente estar com o pai.

Relata comportamentos do pai para consigo que afetam significativa e negativamente a sua saúde mental, mormente a insistência permanente em que diga e escreva mentiras sobre a mãe e sobre os avós maternos, incluindo a agentes da Polícia de Segurança Pública.

F... sente medo do pai.

Estar com o pai provoca-lhe ansiedade e tristeza, que exterioriza com choro intenso.

O pai inviabilizou o cumprimento da medida de promoção e proteção, já que se mostrou indisponível para frequentar sessões de Terapia Familiar e Sistémica, junto do Gabinete de Intervenção Sistémica do Instituto Superior …, fundamentais na melhoria do relacionamento com a mãe, tendo em vista assegurar o melhor interesse do filho.

O pai também inviabilizou a realização de perícia psiquiátrica, não permitindo que se afira se padece ou não de algum problema ao nível da saúde mental que possa ser corrigido, contribuindo para melhorar o seu relacionamento com o filho.

Quer o sofrimento manifestado pelo F... decorra de comportamento direto do pai, quer decorra de outra circunstância não apurada (mormente de comportamento da mãe), certo é que é notório e que afeta negativamente a sua saúde mental e, consequentemente, o seu desenvolvimento.

Por conseguinte impõe-se, no imediato, afastar o F... desta situação de perigo, afastando-o do convívio com o pai, causador de ansiedade, medo, sofrimento, angústia, enquanto se continua na avaliação dos motivos destes sentimentos do F... para com o pai.

Pese embora uma das soluções possíveis passe pela cessação imediato do convívio do F... com o pai, entendo que ainda é possível manter este convívio, ainda que tenha de ser supervisionado, de forma a assegurar que o menino não está sozinho com o pai, minimizando o medo que sente dele.

O F... aceitou estar com o pai na Segurança Social, em convívios supervisionados.

Consequentemente, a supervisão deverá ser feita pela Segurança Social, de preferência nas suas próprias instalações, e o convívio não deverá ser inferior a duas horas por semana, de preferência concentradas num dia.

Assim, entendo que estão verificados os requisitos de que a lei faz depender a aplicação de uma medida provisória, sendo certo que, atendendo à factualidade referida, a medida mais adequada é o apoio junto dos pais, concretizado junto da mãe.

Face a todo o exposto, nos termos dos artigos 36.º, n.º 6, e 69.º da Constituição da República Portuguesa, 1.º a 4.º, 35.º, n.º 1, al. a), 37.º e 92.º, n.º 1, da Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo, anexa à Lei n.º 147/99, de 1 de setembro, aplico, a título provisório, a medida de apoio junto dos pais, concretizada junto da mãe, ao menor F...

A medida ora aplicada terá a duração máxima de seis meses e deve ser revista no prazo máximo de três meses, nos termos do artigo 37º da Lei n.º 147/99, de 1 de setembro.

Enquanto se mantiver esta medida provisória, o pai apenas poderá estar com o F... em período não inferior a duas horas por semana, de preferência concentradas num dia, sendo este convívio supervisionado pela Segurança Social, de preferência nas suas próprias instalações, a quem competirá também a definição concreta deste período de convívio, devendo, para o efeito, articular o horário com os pais do F...».

b) Como se disse, é desta decisão que vem interposto recurso por parte do pai do menor, cujas conclusões são as seguintes:

...

II. Objeto do recurso.

O âmbito objetivo dos recursos é balizado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes (artigos 639.º, n.º 1, e 635.º, n.º 4, ambos do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso.

De acordo com a sequência lógica das matérias, cumpre começar pelas questões processuais, se as houver, prosseguindo depois com as questões relativas à matéria de facto e eventual repercussão destas na análise de exceções processuais e, por fim, com as atinentes ao mérito da causa.

As questões que este recurso coloca são as seguintes:

1 - Em primeiro lugar colocam-se as questões de natureza processual.

Neste campo, o recorrente diz que existiu violação do contraditório - artigo 117º da L.P.C.J.P. - no que respeita à produção da prova, porquanto o agente da PSP ... e o menor foram ouvidos sem ser sido permitido à Sra. advogada do Recorrente fazer qualquer pergunta ou pedir qualquer esclarecimento.

Situação que originará a nulidade da prova recolhida através destes meios de prova e a consequente nulidade da decisão proferida.

2 - Em segundo lugar, colocam-se as questões substantivas dirigidas à decisão.

O recorrente pretende que se analise o lastro histórico das relações entre si e a mãe e família materna do menor porquanto, argumenta, esse histórico mostra uma «4. … situação de conflito da família materna com pai, e dos seus abusos na esperança de circunscrever o menor a círculo social, clínico e exclusiva influência materna, exclusividade que põe em risco o seu desenvolvimento saudável».

Que o processo mostra «8. (…)  uma situação de perigo para a criança DECORRENTE DA POSTURA DA PROGENITORA, que não favorece o convívio da criança com o pai, violando o principio de igualdade parental que resulta e o principio decorrente do art. 1906º, nºs 5 e 7 do Código civil, de onde resulta que o tribunal não pode deixar de valorar a disponibilidade manifestada por cada um dos pais para promover relações relativas ao filho com o o outro, postura essa que leva o pai à exasperação e configura VERDADEIRO MALTRATO para o F…».

Que «9. (…) o tribunal a quo não reconhece nem identifica a mãe como perigo, pese embora tudo o que resulta dos autos, apesar da total obstaculização em promover contacto com a família paterna (…) negligencia da surdez, negligência no cumprimentos da assiduidade e avaliações na escola, incumprimento do regime de visitas, maus tratos ...».

E pretende a revogação da decisão, permanecendo o regime em vigor.

III. Fundamentação

a) Nulidade da decisão resultante da ausência de contraditório durante a produção da prova
Como referiu Manuel de Andrade, «O processo reveste a forma de um debate ou discussão entre as partes (audiatur et altera pars), muito embora se admita que as deficiências e transvios ou abusos de actividade dos pleiteantes sejam supridos ou corrigidos pela iniciativa e autoridade do juiz. Cada uma das partes é chamada a deduzir as suas razões (de facto e de direito), a oferecer as suas provas, a controlar as provas do adversário e a discretear sobre o valor e resultado de umas e outras» - Noções Elementares de Processo Civil (Nova edição revista e actualizada). Coimbra Editora, 1979, pág. 379.

Quanto à sua razão de ser, o mesmo autor ensinava que a «...estruturação dialéctica ou polémica do processo tira partido do contraste de interesses dos pleiteantes, ou até só do contraste das suas opiniões (processos de jurisdição voluntária: cfr. n.º 32), para esclarecimento da verdade (…) espera-se que, também para efeitos do processo, da discussão nasça a luz; que as partes (ou os seus patronos), integrados no caso e acicatados pelo interesse ou pela paixão, tragam ao debate elementos de apreciação (razões e prova) que o juiz, mais sereno mas mais distante dos factos e menos activo, dificilmente seria capaz de descobrir por si» - Ob. Cit, pág. 379.

Há violação do contraditório quando não é concedida a uma das partes ou a ambas a possibilidade de se pronunciarem no processo sobre questões jurídicas, de natureza substantiva ou processual, ou factuais-probatórias.

Concedido essa possibilidade, a parte depois utiliza-a como entender, uma vez que não pode ser obrigada a usá-la.

Deste modo, o princípio do contraditório fica assegurado quando a parte é colocada na posição de poder agir nos diversos atos do processo nos quais, segundo a lei possa participar, por si ou por intermédio de advogado, o que em regra fica cumprido notificando a parte do dia, hora e local da diligência.

 (I) O Recorrente pai alega que a audição do agente da PSP ... e do seu filho foram realizadas sem ter sido permitido à sua advogada fazer qualquer pergunta ou pedir qualquer esclarecimento, situação que origina violação do princípio do contraditório, previsto no artigo 117º da L.P.C.J.P. – Lei n.º 147/99, de 01 de setembro (Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo); consequente nulidade da prova recolhida através destes meios de prova e nulidade da decisão proferida.

O mencionado artigo 117.º tem o seguinte teor:

«Para a formação da convicção do tribunal e para a fundamentação da decisão só podem ser consideradas as provas que puderem ter sido contraditadas durante o debate judicial».

Face a esta perentoriedade, se efetivamente existiu violação do contraditório, a prova recolhida não tem validade e isso repercute-se logicamente na sentença.

Vejamos então o que ocorreu.

(II) A matéria processual a considerar é a seguinte:

1 – Em 10 de março de 2021 foi proferido o seguinte despacho:

«Para audição do Agente Principal da PSP ... designo o próximo dia 16 de março, pelas 16h00 (artigo 107.º, nºs1 e 2, da LPCJP).

Informe que a audição terá lugar através das plataformas informáticas que possibilitam a sua realização por via eletrónica ou através de meios de comunicação à distância adequados, designadamente teleconferência, videochamada ou outro equivalente, especificando os requisitos para a utilização do Cisco Webex (artigo 6.º-B, n.º 7, al. a), da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, na redação da Lei n.º 4-B/2021, de 1 de fevereiro). Informe que, caso não disponha de condições que permitam que a audição tenha lugar através das plataformas informáticas que possibilitam a sua realização por via eletrónica ou através de meios de comunicação à distância adequados, designadamente teleconferência, videochamada ou outro equivalente, deverão comparecer neste Tribunal na data e hora agendadas (artigo 6.º-B, n.º 7, al. b), da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, na redação da Lei n.º 4-B/2021, de 1 de fevereiro).

Informe as Ilustres Advogadas do agendamento da audição».

2 – A Ex.ma mandatária do Recorrente foi notificadas deste despacho consoante «Certificação Citius: elaborado em 11-03-2021».

3 – No dia 12 de março de 2021 foi agendada para o dia 16 de março, às 16-18 horas reunião através do sistema Cisco Webex, sendo convidados:

...

4 – Da acta de inquirição realizada no dia 16 de março consta o seguinte:

«Estabelecida a ligação via CISCO WEBEX, verificou-se que se encontravam presentes, todas as pessoas para o ato convocadas.

Comunicado o rol dos presentes à Mmª Juiz, foi por ela aberta a diligência quando eram 16:15 horas.

Consigna-se que iniciada a reunião do Cisco Webex, entrou na reunião um outro interveniente intitulado com o nome de ... e sem imagem, o qual, a Mm-ª Juiz ordenou a sua remoção da reunião.

Removido o interveniente, a Mm.ª Juiz advertiu todos os presentes de que (…).

Após passou-se à tomada de declarações ao agente principal da PSP de ….

Interveniente acidental

..., agente principal da PSP de … (…)».

5 – Em 23 de março de 2021 foi proferido o seguinte despacho:

«Considerando a reconhecida inexistência atual de convívio do F... com o pai e face à necessidade de conhecer a posição do menor a este propósito, concordando com o promovido, designo, para audição do menor, o próximo dia 26 de março, pelas 10h00.

Solicite à Segurança Social a comparência de um técnico especialmente habilitado para acompanhar o menor durante a tomada de declarações, que tenha formação em Psicologia (artigos 84.º da LPCJ e 5.º do Regime Geral do Processo tutelar Cível).

Solicite ainda que o técnico designado contacte previamente o menor, preparando-o e esclarecendo-o quanto à audição.

Consigno que a audição terá lugar no meu gabinete, que não será objeto de gravação e que estarão presentes, para além de mim e do menor, o Ex.mo Magistrado do Ministério Público, o Psicólogo que acompanhará a criança, o Oficial de Justiça e, querendo, o Técnico Coordenador do processo.

Notifique a mãe, pela via mais expedita, para fazer comparecer a criança na data acima designada»

Este despacho foi notificado à Ex.ma mandatária do Recorrente consoante «Certificação Citius: elaborado em 24-03-2021».

6 - Em 25 de março de 2021 foi proferido despacho, do qual se destaca o seguinte:
«(…) Audição do F... (…) o citado normativo prevê duas modalidades de exercício do direito à participação e audição da criança, a saber:
- Uma destinada a permitir que a criança exprima a sua opinião, prevista nos n.º1 a 5;
- Outra para tomada de declarações à criança, enquanto meio de prova, prevista nos n.º 6 e 7. Estas duas modalidades não se confundem. A primeira não tem de ser gravada e os Advogados não têm o direito a indicar questões para serem colocadas à criança. A segunda deverá ser gravada ou transcrita e as declarações podem ser contraditadas, no sentido de os Advogados poderem sugerir questões para serem colocadas à criança. Ou seja, a audição da criança com vista a que esta exprima livremente a sua opinião e que não se destine a ser usada como meio de prova não está sujeita às regras enunciadas nos n.º 6 e 7, do artigo 5.º, designadamente, a uma inquirição

- pelo Juiz, com perguntas adicionais pelo Ministério Público e Advogados – gravada mediante registo áudio ou áudio visual ou transcrita. O F.. manifestou, por mais de uma vez, vontade de as suas declarações não serem objeto de gravação ou transcrição, com as consequências que daí advêm em termos de probatórios. O F... não manifestou, em sede de audição, vontade de estar na presença da Ilustre Advogada que o representa ou de qualquer outro adulto. A audição designada para o dia de amanhã foi agendada com o propósito de permitir ao F... exprimir a sua opinião quanto ao convívio com o pai. Face à participação da PSP relativa a factos ocorridos no dia de ontem, na escola – da qual destaco a descrição feita do estado emocional do F..., de ansiedade, nervosismo e quase pânico, com choro e soluços, recusando-se a estar com o pai – e à posição assumida pela Ilustre Advogada que representa o F..., a audição designada para o dia de amanhã, para além de permitir que o F... exprima a sua opinião, terá como propósito também, num segundo momento, a tomada de declarações ao menor enquanto meio de prova, salvo se o F... persistir na recusa da gravação das suas declarações. Por conseguinte, a audição poderá ter lugar em dois momentos: um momento inicial, nos termos definidos no despacho que antecede, e um segundo momento, em função da disponibilidade do F..., de tomada de declarações à criança, na (atual) sala das crianças, gravada mediante registo áudio, a que as Ilustres Advogadas poderão assistir a partir da sala de audiências ou através da plataforma Cisco Webex, podendo sugerir questões a colocar à criança»

7 – Este despacho foi notificado no mesmo dia («Certificação Citius: elaborado em 25-03-2021») à Ex.ma mandatária do ora Recorrente.

8 – Da respetiva acta consta o seguinte:

«Realizada a chamada quando eram 10:00 horas, verificou-se que se encontravam presentes os Técnicos da Segurança Social, o menor e a progenitora, tendo encaminhado o menor e os Técnicos da Segurança Social para a sala destinada à audição de crianças deste Tribunal.

À hora da chamada não se encontravam presentes as Ilustres mandatárias dos progenitores e do menor.

Comunicado o rol dos presentes à Mmª Juiz foi, por ela, dado início à diligência quando eram 10:10 (…)».

III – Não consta dos autos agendamento da diligência via Cisco Webex.

(III) Face ao relato que fica exarado relativamente aos actos processuais em questão verifica-se que não houve violação do princípio do contraditório pelas seguintes razões:

(a) No que respeita à inquirição do agente da PSP verifica-se que em 10 de março de 2021 foi designado o dia 16 de março, pelas 16h00, para a inquirição e determinou-se que a audição teria lugar através da utilização do sistema Cisco Webex, podendo os intervenientes comparecer em tribunal.

A Ex.ma mandatária do Recorrente foi notificada do respetivo despacho onde isto foi ordenado, consoante se pode verificar pela «Certificação Citius: elaborado em 11-03-2021».

 (b) No que respeita à inquirição do menor verifica-se que a inquirição foi designada para o dia 26 de março de 2021 por despacho de 23 de março de 2021

Este despacho foi notificado à Ex.ma mandatária do Recorrente consoante «Certificação Citius: elaborado em 24-03-2021».

No dia 25 de março de 2021 foi proferido novo despacho sobre a audição do menor referindo-se no final do mesmo «…, gravada mediante registo áudio, a que as Ilustres Advogadas poderão assistir a partir da sala de audiências ou através da plataforma Cisco Webex, podendo sugerir questões a colocar à criança».

Este despacho foi notificado no mesmo dia («Certificação Citius: elaborado em 25-03-2021») à Ex.ma mandatária do ora Recorrente.

Não consta do processo que tenha sido acionada a plataforma Cisco Webex.

(c) Verifica-se que em ambos os casos foi dado conhecimento à Ex.ma mandatária do Recorrente da realização das diligências e da possibilidade dela estar presente para fazer as intervenções que entendesse.

Nestas condições não se pode concluir pela violação do princípio do contraditório.

Improcede, por conseguinte, este fundamento recursivo.

c) Apreciação da segunda questão objeto do recurso

2 - Colocam-se agora as questões de natureza substantiva.

Recapitulando: a decisão sob recurso aplicou a medida provisória de apoio junto dos pais, concretizada junto da mãe, ao menor F..., ao abrigo do disposto nos artigos 36.º, n.º 6, e 69.º da Constituição da República Portuguesa, 1.º a 4.º, 35.º, n.º 1, al. a), 37.º e 92.º, n.º 1, da Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo, anexa à Lei n.º 147/99, de 1 de setembro, aplico,

Com a duração máxima de seis meses, revista no prazo máximo de três meses.

Ficou determinado que «Enquanto se mantiver esta medida provisória, o pai apenas poderá estar com o F... em período não inferior a duas horas por semana (…), sendo este convívio supervisionado pela Segurança Social…».

O tribunal fundamentou a medida por ter considerado que o menor se recusava terminantemente estar com o pai e corria um perigo atual para a sua integridade física, uma vez que o relacionamento com o pai está a afetar negativamente a sua saúde mental e, consequentemente, o seu desenvolvimento.

Trata-se de uma medida assaz restritiva do convívio entre pai e filho e certamente desagradável e até incompreensível para o pai do menor porquanto se vê submetido durante esses convívios à supervisão da Segurança Social, o que socialmente pode transmitir a ideia de ele surgir como alguém não confiável.

Porém, apesar do que fica dito, a medida sob recurso mostra-se adequada à situação, pelas razões que a seguir se indicam.

(I) O Recorrente pretende que se analise o lastro histórico das relações entre si e a mãe do menor e respetiva família materna, porquanto, argumenta, esse histórico mostra uma situação de conflito da família materna consigo e seus abusos cometidos na esperança de circunscrever o menor a um círculo social, clínico e exclusivo de influência materna, exclusividade que põe em risco o desenvolvimento saudável da criança.

Não procede esta pretensão pelas razões que se passam a indicar.

(a) É verdade que os autos mostram uma longa sucessão de desentendimentos entre, de um lado, a mãe e elementos da família materna e do outro o progenitor do menor, o ora Recorrente.

(b) Também é verdade que o Recorrente, devido a esse conflito, tem estado com o filho muito menos tempo que aquele que lhe é destinado nos termos das decisões tomadas ao longo do processo.

(c) Tem razão quando diz que no acórdão desta Relação, de 25 de junho de 2019, se referiu a necessidade de prevenir de todos os modos a alienação parental, devendo ser implementada uma terapia de desenvolvimento de comunicação entre os pais, preconizando-se «…alargar o mais possível o convívio do F... com o pai…», tendo-se decidido: «Pelo exposto, acorda-se em revogar a decisão recorrida na parte em que restringe a convivência com o pai».

(d) Ou seja, existe objetivamente um deficit de convivência entre pai e filho que urge superar.

Na verdade, não deviam existir situações deste tipo em relação a crianças quando estas têm já razoável autonomia de movimentos, como têm, em regra, a partir dos 3, 4/5 anos de idade.

Com efeito, estando definidos os espaços temporais em que a criança estará com cada um dos pais e os locais e horas onde se dão as trocas, se há incumprimento, só excecionalmente a causa desse incumprimento poderá ser atribuída ao filho.

Porque o que o filho deseja é que ambos os pais lhe queiram bem e que entre eles reine o bem-querer, ou seja, o que uma criança quer, ainda que não o saiba exprimir e exprima, é harmonia entre os pais, não o contrário.

Depois, se alguém é objetivamente responsável por algum incumprimento, não é a criança seguramente, pois além da sua incapacidade natural, esta faz, em regra, aquilo que os pais lhe dizem para fazer.

Se a mãe diz ao filho para ir ter com o pai e estar com ele o fim-de-semana, a criança vai; se depois o pai lhe diz, «Vamos, é hora de voltares para a tua mãe», a criança vai.

Por conseguinte, a regra é esta: se há incumprimento, não é seguramente imputável à criança, pelo que só restam os pais, ajudados ou não por terceiros.

E o presente caso não é exceção a esta regra.

Por isso, neste processo, como em qualquer outro, cumpre responder à pergunta: «Porquê esta criança não tem estado mais tempo com o pai; porque não se têm verificado convívios regulares, sem interrupções nessa regularidade temporal?».

Neste caso, como noutros, não parece difícil que um progenitor tenha o filho pronto para o entregar ao outro no dia, hora e local estabelecidos e que depois, este último, entregue o filho ao primeiro no local, hora e dia estabelecidos.

Parece e é tarefa de muito fácil execução.

Então por que razão não sucede assim? Certamente, porque alguém não cumpre.

É um facto que o pai do menor tem estado pouco tempo com o filho e deve estar mais tempo com ele, como é apropriado que os pais estejam com os filhos quando não vivem na mesma casa.

(e) Apesar deste deficit de convivência entre pai e filho que fica assinalado e da necessidade de o superar, a decisão recorrida baseou-se em factos recentes e, por isso, novos, que obrigam a dar um passo atrás na implementação mais efetiva dessa convivência.

(f) Por conseguinte, tratando-se de uma medida ditada por factos recentes, só estes verdadeiramente interessam, sendo os pretéritos apenas contextuais.

O que releva neste momento é a rejeição do pai por parte do menor e não as suas causas.

Por isso, para se decidir como se decidiu não importa saber quem é o culpado pelo comportamento do menor, se é a mãe, o pai ou ambos.

Isto não significa que tais causas não devam ser apuradas; que sejam consideradas irrelevantes, que não devam ser consideradas, para que o comportamento do menor não se repita.

O que se quer dizer é que estas causas não relevam neste exato momento para efeitos da decisão que foi tomada no sentido de proteger o menor

Por outra palavras, o que tem de ser estancado e revertido é o medo que o menor sente do pai.

Por conseguinte, o que está para trás, o histórico processual a que o Recorrente dá relevo, não assume neste momento, por isso, a importância que o Recorrente lhe dá.

(II) Como se referiu já, a medida provisória aplicada baseou-se nos factos que a seguir voltam a ser descritos e, face a eles, o tribunal retirou a conclusão de que o menor estava em situação de perigo.

O tribunal entendeu que o interesse do menor, no sentido de superar o medo que sente em relação ao pai aconselha a suspensão dos contatos entre ambos nos moldes em que estavam sendo feitos e estabeleceu outros.

A sentença baseou-se, entre outros factos, nestes:

No dia 19 de março de 2021 (dia do pai), o pai compareceu na escola para ir buscar o F... à hora de almoço e o menino recusou-se a ir com o pai».

Compareceu novamente na escola no final das atividades letivas e o F... recusou-se a ir com o pai.

O F... não quis fazer as lembranças da escola para o dia do pai, por ficar triste e nervoso.

Apenas aceitou fazer um cartão com a palavra pai, sem qualquer texto.

Optou por entregar o cartão ao avô materno, alterando o texto inicial para “pai da minha mãe”.

No dia 24 de março de 2021, o pai compareceu na escola, pelas 16h00, para ir buscar o F...

Pelas 17h10, ..., Agente da Polícia de Segurança Pública, foi chamado ao interior da Escola, para falar com o F..., pois o menino chorava intensamente e recusava-se a sair para ir com o pai.

F... estava no hall de entrada da Escola, sentado numa cadeira, bastante ansioso, nervoso, quase em pânico, chorando e soluçando desesperadamente para não ir com o pai.

F... agarrou-se a uma porta dizendo que ninguém o tirava dali e acrescentando "não quero ir porque ele bate-me".

O F... quis ficar com a mãe, para quem correu e com quem ficou.

Verifica-se que ocorre a apontada situação de perigo.

Nos termos das al. b) e f), do n.º 2 do artigo 3.º da Lei n.º 147/99, de 01 de Setembro ( Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo), «2. Considera-se que a criança ou o jovem está em perigo quando, designadamente, se encontra numa das seguintes situações: (…); b) Sofre maus tratos (…) psíquicos …; f) Está sujeita, de forma direta ou indireta, a comportamentos que afetem gravemente (…) o seu equilíbrio emocional».

Neste momento o menor manifesta, por actos e palavras, que não quer estar com o pai, que tem medo dele e recusa-se a estar com ele.

Não se afigura que este comportamento do menor, que fica relatado nestes factos, seja teatralizado; que seja uma representação não correspondente a um sentimento interior genuíno.

Não há indícios disso.

Ora, perante uma situação como esta, o que deve o tribunal fazer? Obrigar o menor, já com a idade de 10 anos, à força, a estar com o pai nos termos que estavam fixados?

Tal não se afiguraria prudente porque isso colocaria o menor em situação de sofrimento emocional, na medida em que o menor sabe que o pai sabe que ele não quer estar com o pai e é adequado que o menor coloque a hipótese, ainda que sem fundamento, do pai o sancionar por assumir esse comportamento de rejeição.

O que aqui é relevante neste momento é a crença do menor que fica indicada, e o medo que o invade gerado por essa crença, não assumindo relevo, para já, se essa crença tem fundamento ou não tem.

O que releva é que o menor está em sofrimento emocional, aparentemente severo.

Com efeito, o tribunal não podia ficar indiferente a estes factos:

Pelas 17h10, ..., Agente da Polícia de Segurança Pública, foi chamado ao interior da Escola, para falar com o F..., pois o menino chorava intensamente e recusava-se a sair para ir com o pai.

F... estava no hall de entrada da Escola, sentado numa cadeira, bastante ansioso, nervoso, quase em pânico, chorando e soluçando desesperadamente para não ir com o pai.

F... agarrou-se a uma porta dizendo que ninguém o tirava dali e acrescentando "não quero ir porque ele bate-me".

Este comportamento em público numa criança não é habitual e aparenta revelar um estado de sofrimento efetivo que não devia existir e pode revelar-se negativo para a sua futura avaliação das relações entre pessoas, relações que devem basear-se na confiança entre elas.

Noutra vertente, forçar o menor a estar fisicamente com o pai seria correr o risco elevado, face a este comportamento recente do menor, de gerar neste uma crescente rejeição do pai, mais difícil de reverter no futuro.

Ou seja, a situação factual aconselha a implementar medidas que diminuam esse sentimento de rejeição e promovam o restabelecimento da confiança do menor no seu pai.

Neste conflito de situações, entre o direito do pai ter o filho consigo e o estado mental em que o menor se encontra, com medo de estar sozinho com o pai e a consequente postura de rejeição do menor em conviver com o pai, afigura-se prudente, face ao que fica dito, não obrigar o menor a estar com o pai, mas sem descurar ações que promovam a supressão desse receio do menor em estar com o pai.

Cumpre, pelo exposto, manter a decisão recorrida.

IV. Decisão

Considerando o exposto, julga-se o recurso improcedente e mantém-se a decisão recorrida.

Custas pelo Recorrente


Coimbra, 22 junho de 2021