Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | ABÍLIO RAMALHO | ||
Descritores: | RECUSA MOTIVO REQUISITOS INCIDENTE FUNDAMENTAÇÃO REJEIÇÃO | ||
Data do Acordão: | 02/15/2012 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | 1.º J.º DO T. J. DE SANTA COMBA DÃO | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | RECURSO CRIMINAL | ||
Decisão: | REJEIÇÃO | ||
Legislação Nacional: | ARTIGOS 32º Nº 9 CRP, 43º E 45º CPP | ||
Sumário: | 1.- A intervenção de um juiz no processo pode ser recusada ou escusada quando houver considerável risco de ser considerada suspeita, por existir motivo sério e grave adequado a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade; 2.- A seriedade e gravidade do motivo ou motivos causadores do sentimento de desconfiança sobre a imparcialidade do juiz devem ser apreciadas num plano objetivo, de acordo com o senso e a experiência comuns. 3.- Repetindo o requerente a argumentação expendida em anterior incidente de recusa da mesma Ex.ma magistrada judicial, que foi objeto de indeferimento, impõe-se a sua rejeição, por manifestamente ilegal e infundado. | ||
Decisão Texto Integral: | I – INTRODUÇÃO 1 – Pela segunda vez no espaço temporal de um ano e três meses, as cidadãs A... e B..., assistentes processuais no âmbito do processo criminal n.º (nuipc) 57/09.9GBSCD, do 1.º Juízo do Tribunal Judicial da comarca de ... – de que este é incidental, de natureza urgente (posto ter por objecto a indagação/responsabilização de/por indiciado comportamento típico-criminal de violência doméstica, entre outros –, respectivamente ex-cônjuge e filha do cidadão aí arguido C..., pelo seu Ex.mo mandatário, advogado D...[1], também aí sujeito processual, na qualidade de demandante cível, peticionam o afastamento da Ex.ma Juíza de Círculo (do Círculo Judicial de …) F... da incumbência legal de presidência do órgão colegial Tribunal Colectivo convocado para a realização do referente julgamento – já sucessivamente projectado para 21/10/2010 e 23/01/2012, e entretanto desmarcado por efeito de tais incidências –, repetindo argumentação expendida no anterior incidente de recusa da mesma Ex.ma magistrada judicial[2], (vide, máxime, fls. 42/52), pretensamente significante da respectiva suspeição de comprometimento da sua imparcialidade na concernente resolução, essencialmente fundada em alegado azedume relacional-funcional entre o senhor advogado da própria peça (de recusa) signatário e a id.ª Juíza de Círculo, originado/criado no âmbito de distinto processo civilístico [Acção Ordinária n.º 445/04.1TBSCD, do 1.º J.º do T. J. de ..., julgada já na longínqua época de meados de 2006 (!), cuja decisão foi, aliás, essencial/nuclearmente confirmada por acórdão desta Relação de 15/04/2008, (junto por cópia a fls. 334/342)] que, sendo-lhes (a si, assistentes) estranho, aquele Ex.mo causídico teve como mandatário duma das respectivas partes[3], e de cujo desenvolvimento resultou uma participação da mesma Ex.ma Juíza à Ordem dos Advogados e decorrente instauração de processo disciplinar ao próprio advogado D..., (vide peça processual de fls. 2/27, cujos dizeres nesta sede se têm por reproduzidos). 2 – A visada magistrada exerceu o direito conferido pelo n.º 3 do art.º 45.º do CPP, confirmando – como havia feito no anterior incidente de recusa –, no que ora importa, o desconhecimento pessoal/funcional de qualquer das id.as requerentes, e esclarecendo haver pautado o próprio desempenho no âmbito do referido (e há muito julgado) processo-cível por estritos critérios de objectiva observância da pertinente legalidade, (vide peça de fls. 270/273, cujo conteúdo identicamente se tem por integrado). II – AVALIAÇÃO
1 – De harmonia com o princípio do juiz natural consagrado na Constituição (art.º 32.º, n.º 9), nenhuma causa pode ser subtraída ao tribunal cuja competência esteja fixada em lei anterior. Porém, em conformidade com o postulado nos ns. 1, 2 e 4 do 43.º normativo do CPP, a intervenção de um juiz no processo pode ser recusada ou escusada quando houver considerável risco de ser considerada suspeita, por existir motivo sério e grave adequado a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade, que, a par da própria independência, constitui exigência constitucional, (cfr. arts. 203.º e 216.º, da CRP). O direito a que uma causa seja decidida por um tribunal imparcial está expressamente consagrado na Convenção Europeia dos Direitos do Homem (art.º 6.º, §1.º). A jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem vem no sentido de a imparcialidade dever ser apreciada segundo critérios subjectivos e objectivos. No primeiro caso, a questão circunscreve-se a saber se a convicção pessoal do julgador, em dada ocasião, oferece garantias suficientes para excluir qualquer dúvida legítima; no segundo, se independentemente da atitude pessoal do juiz, certos factos verificáveis autorizam a suspeitar da sua imparcialidade[5]. Deste modo, a seriedade e a gravidade do motivo causador do sentimento de desconfiança sobre a imparcialidade do juiz, necessariamente correlacionado com a comprovada existência dalgum seu caracterizado preconceito ou pressuposição acerca da matéria da causa ou da posição do destinatário da decisão, devem ser apreciadas num plano objectivo, de acordo com o senso e a experiência comuns. 2 – Todavia, no avaliando contexto, para além de nenhum objectivo circunstancialismo indiciariamente representativo de qualquer ponderável ligação vivencial, intelectual, emocional, afectiva ou doutra qualquer significativa natureza, entre a id.ª Ex.ma Juíza de Círculo e alguma – ou todas – as pessoas ora assistentes-requerentes e/ou arguido, e/ou com o concreto retalho-de-vida em causa no referido processo-crime, empírica/inescapavelmente dotada de virtual/potencial adequação ao comummente convergente sentimento de desconfiança de comprometimento do seu (dela, Juíza de Círculo) distanciamento e objectividade na condução do realizando julgamento e no sequente compartilhamento sufragário no respectivo acto deliberativo[7] haver sido minimamente alegado ou sequer aflorado – a tanto obviamente irrelevando os supostos incómodos intelectivos/emocionais/egóicos/jurídico-disciplinares alegadamente contraídos pelo Sr. advogado D... no decurso e na sequência do convocado processo-cível (n.º 445/04.1TBSCD, do 1.º J.º do T. J. de ...), atinente a distintos sujeitos, que, no limite, apenas hipoteticamente, num plano de mera abstracção filosófico-académica, com o seu estatuto e interesse jurídico-processual de demandante cível no ora referenciado processo-crime contenderiam (!) –, representa-se da desconcertante reiteração da mesma fundamentação já anteriormente apreciada e negativamente valorada por esta Relação (por acórdão de 30/03/2011)[8], e, como tal, no plano jurídico-processual definitivamente definida e ultrapassada por caso-julgado-formal, (cfr. art.º 672.º do C. P. Civil, aplicável por força do comando ínsito no art.º 4.º do C. P. Penal), uma assaz censurável e despudorada desonestidade (má-fé) procedimental – quiçá caprichosa e ardilosamente empreendida/materializada no intuito do consequente aproveitamento processual da álea da distribuição processual e de hipotética/virtual incúria/distracção do novo relator ou colégio julgador[9] –, com incontornáveis efeitos de intolerável e grave obstrução ou retardamento da urgente realização da justiça do caso concreto, postulada, máxime, pelo art.º 28.º da Lei n.º 112/2009, de 16/09[10]. 3 – Por conseguinte, apresentando-se o avaliando incidente de recusa como axiomaticamente ilegal, por inquestionável/frontalmente desrespeitar anterior acto deliberativo (acórdão) deste Tribunal da Relação de Coimbra – para além de manifestamente infundado – impor-se-á a respectiva rejeição e o rigoroso/enérgico sancionamento das id.as requerentes, em conformidade com a estatuição normativa ínsita nos ns. 4 e 7 do art.º 45.º do Código de Processo Penal. 4 – Doutra sorte, indiciando-se bastantemente – na perspectiva deste órgão colegial – censurável comportamento infraccional-disciplinar do Ex.mo advogado D... no ilícito e infundado desencadeamento deste renovado incidente processual de recusa da Ex.ma Juíza de Círculo F…, e por consequência, no decorrentemente escusado, ilegal e sobremaneira gravoso protelamento da realização do julgamento do enunciado processo criminal[11], de natureza urgente, n.º 57/09.9GBSCD, do 1.º Juízo do T. J. da comarca de ..., por atropelo aos respectivos deveres estatutários prevenidos sob os arts. 82.º, máxime n.º 2, (mormente de honestidade, probidade, rectidão, lealdade, sinceridade)[12]; 85.º, ns. 1 e 2, al. a), (dever de propugnação pela boa aplicação das leis e pela rápida administração da justiça, e de abstenção do exercício da advocacia contra o direito, com uso de meios ou de expedientes ilegais, ou pela promoção de diligências dilatórias, inúteis ou prejudiciais para a correcta aplicação de lei)[13]; 103.º, n.º 1, (dever de actuação com diligência e lealdade na condução do processo)[14] e 105.º, n.º 1, (dever de conformação do exercício do patrocínio dentro dos limites da lei)[15], todos do Estatuto da Ordem dos Advogados (E.O.A.), aprovado pela Lei n.º 15/2005, de 26 de Janeiro, com as alterações introduzidas pelo D.L. n.º 226/2008, de 20/11, e pela Lei n.º 12/2010, de 25/06, com vista à sua eventual e pertinente responsabilização, demanda-se – em cumprimento do comando imperativo estabelecido no art.º 116.º, n.º 1, do referido E.O.A.[16]. – a respectiva participação ao Conselho de Deontologia do Conselho Distrital de Coimbra da Ordem dos Advogados, órgão para o efeito legalmente competente, [cfr. art.º 54.º, al. a), do E.O.A.]. III – DISPOSITIVO
Destarte – sem outros considerandos, por inócuos –, o órgão colegial judicial reunido para o efeito em conferência neste Tribunal da Relação de Coimbra delibera: 1 – A rejeição, por manifestamente ilegal e infundado, do avaliando incidente de recusa de intervenção da Ex.ma Juíza de Círculo (do Círculo Judicial de …) F... no julgamento a realizar no âmbito do processo criminal (comum-colectivo) n.º (nuipc) 57/09.9GBSCD, do 1.º Juízo do Tribunal Judicial da comarca de .... 2 – A condenação de cada uma das id.as requerentes A... e B..., a título sancionatório, em conformidade com o comando normativo ínsito no n.º 7 do art.º 45.º do Código de Processo Penal, ao pagamento da importância pecuniária equivalente a 20 (vinte) UC. 3 – A determinação de imediato envio de certidão deste aresto, bem como das peças de fls. 2/27 e 42/52, ao Conselho de Deontologia do Conselho Distrital de Coimbra da Ordem dos Advogados, para os efeitos tidos por convenientes. 4 – A determinação de imediata entrega de certidão deste mesmo acórdão ao Ex.mo Presidente deste Tribunal da Relação de Coimbra, a quem respeitosamente se sugere que, caso o tenha por pertinente, visando alertar todos os Ex.mos desembargadores afectos e em serviço nas duas respectivas Secções Criminais para a hipotética renovação de similar procedimento incidental, providencie pela correspondente circulação do respectivo conteúdo. *** Abílio Ramalho( relator)
Luís Ramos
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