Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1010/10.5TBCBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CARLOS MOREIRA
Descritores: DELIBERAÇÃO SOCIAL
ACÇÃO DE ANULAÇÃO
LEGITIMIDADE ACTIVA
CONTITULARIDADE
QUOTA SOCIAL
NULIDADE DE SENTENÇA
IRREGULARIDADE
MANDATO
Data do Acordão: 06/04/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso:
COIMBRA - VARA COMP. MISTA E JUÍZOS CRIMINAIS - VARA COMPETÊNCIA MISTA-2ª SECÇÃO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS.59, 222, 223, 224 CSC, 26, 28, 494 CPC
Sumário: 1.- Os contitulares de quota social indivisa devem exercer os direitos a ela inerentes através de representante comum, ou por maioria, acarretando a preterição de tal dever, no que tange a acção de anulação de deliberação, a ilegitimidade do autor – artº 222º do CSC e 28º do CPC.

2.- Outorgado instrumento de procuração com o seguinte teor: «…constitui bastante procuradora sua irmã…a quem concede os poderes necessários para o representar na assembleia geral….da sociedade, e em seu nome fazer a seguinte declaração de voto…», tem de concluir-se que os poderes se reportam não apenas à declaração de voto, mas a todos os actos da assembleia, pelo que, tendo a procuradora, também sócia, votado favoravelmente a deliberação sem declarar que o fazia apenas nesta qualidade, não pode o representado requerer a sua anulação – artº 59º nº1 do CSC.

3.- O vício da contradição da sentença consistente na oposição entre os fundamentos e a decisão não pode reportar-se a dois despachos, material e temporalmente autónomos.

4. - A excepção dilatória da irregularidade do mandato apenas respeita a advogado do autor ou, quando muito, de parte que formule nos autos um pedido autónomo, e a apreciação das excepções dilatórias tem de ser feita pela ordem indicada no artº 494º do CPC.

Decisão Texto Integral: ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA

1.

 R (…) intentou contra L (…) Lda,  ação declarativa, de condenação, com processo ordinário.

Pediu:

A anulação da deliberação tomada na assembleia geral da ré de 30.06.2010.

Alegou nuclearmente:

Que é sócio da sociedade por quotas L (…), Lda, qualidade que lhe adveio por sucessão mortis causa,  conjuntamente com outros herdeiros, após o falecimento de seu pai A (…) que era socio e gerente da dita sociedade.

Ter sido aprovada uma deliberação social numa Assembleia Geral da Ré que teve lugar no dia 30 de Junho de 2010, consubstanciada no adiamento da discussão da ordem de trabalhos para o dia 08.07.2010.

Que tal deliberação não foi consignada em ata, antes tendo sido redigido um «instrumento de ata de reunião».

Que tal instrumento foi lavrado por notário, com base em declarações de quem dirigiu a reunião, Dr. (…), advogado da sócia e gerente da sociedade, E (…).

Foram violados os artºs 63º nº7 e 249º nº5 do CSC.

Opôs-se a requerida, por exceção e por impugnação.

2.

Foi proferido despacho no qual se decidiu:

a) julgar procedente a excepção de ilegitimidade do Autor, em consequência do que se absolve a Ré da presente instância;

b) julgar inconcludente o pedido formulado pelo Autor, em consequência do que julgando improcedente a acção, se absolve a Ré do pedido contra si deduzido nesta acção.

3.

Inconformado recorreu o autor.

Rematando as suas alegações com as seguintes conclusões:

1 – O autor intentou uma acção declarativa sob a forma de processo ordinário, requerendo a anulação da deliberação tomada na Assembleia Geral da ré, que teve lugar no dia 30 de Junho de 2010.

2 – A qualidade de sócio da sociedade aqui ré, adveio ao aqui autor por “sucessão mortis causa”, uma vez que a quota de que é co-titular, pertencia ao seu pai, A (…), falecido em 18 de Julho de 2009.

3 – A ré contestou a acção, invocando as excepções da caducidade, impossibilidade legal da arguição da anulabilidade, ilegitimidade substantiva, falta de interesse em agir e abuso de direito.

4 – O autor replicou.

5 – Apesar das várias excepções invocadas, o Meritíssimo Juiz, através do despacho de fls., apenas conheceu da excepção dilatória da ilegitimidade processual activa.

6 – Em consequência, foi o autor convidado a vir aos autos “(…) requerer a intervenção principal provocada dos demais herdeiros da herança aberta por óbito de seu pai (os demais contitulares da quota social em discussão), sendo que, depois de se conhecerem as posições assumidas por estes intervenientes, se aferirá se estes, em maioria relevante, acompanham a posição defendida e o pedido formulado na acção pelo autor, altura em que se concluirá se a mencionada ilegitimidade processual do A. subsiste ou se foi sanada por tal intervenção”.

7 – O autor requereu a intervenção principal provocada dos demais herdeiros da herança aberta por óbito de seu pai (os demais contitulares da quota social em discussão).

8 – Ouvida a parte contrária, que nada acrescentou ao teor da contestação, o Meritíssimo Juiz, contrariando o que havia decidido, “resolveu” não admitir o chamamento.

É que está expressamente referido no douto despacho de fls., que só depois de conhecidas as posições assumidas pelos demais herdeiros, se concluirá se a mencionada ilegitimidade processual do autor subsiste ou se foi sanada por tal intervenção.

9 – O autor fez prova da sua qualidade de sócio.

Dispõe o artigo 59º do Código das Sociedades Comerciais, no seu nº 1, que a anulabilidade pode ser arguida por qualquer sócio que não tenha votado no sentido que fez vencimento nem posteriormente tenha aprovado a deliberação, expressa ou tacitamente.

Ora, os poderes conferidos pelo autor à sua irmã (…), são os que resultam, de forma clara e inequívoca, da procuração junta aos autos, e não outros.

10 – O autor não aprovou qualquer deliberação, nem por si, nem através da sua irmã (…)

11 – Não se encontram, pois, “confessados os factos relevantes que interessavam para a correspondente decisão de mérito”.

12 – O Meritíssimo Juiz decidiu, em nossa opinião, e com o devido respeito, mal,  ao não apreciar as “demais questões incidentais suscitadas nos autos pelas partes”.

13 – Se proferiu decisão sobre o pedido de apensação, não se vislumbra porque motivo não apreciou a questão do conflito de interesses, irregularidade do mandato do Ilustre Mandatário da ré, (…)

14 – O Meritíssimo Juiz a quo fez uma errada interpretação da lei, nomeadamente dos artigos 28º, 28º-A, 265º, nº 2 e 40º do Código de Processo Civil, e do artigo 59º do Código das Sociedades Comerciais.

A decisão objecto do presente recurso enferma de nulidade – alíneas c) e d) do artigo 668º do Código de Processo Civil.

Contra-alegou a ré pugnando pela manutenção do decidido.

4.

Sendo que, por via de regra: artºs 684º e 685º-A do CPC - de que o presente caso não constitui exceção - o teor das conclusões define o objecto do recurso, as questões essenciais decidendas são as seguintes:

1ª – Nulidade da decisão.

2ª – Ilegitimidade do autor.

3ª – Improcedência do pedido.

5.

Os factos a considerar são os dimanantes do relatório supra.

6.

Apreciando.

6.1.

Primeira questão.

6.1.1.

Arguiu o autor a nulidade da decisão nos termos das alíneas c) e d) do artigo 668º do Código de Processo Civil, ou seja, por os seus fundamentos estarem em oposição com o seu conspeto decisório e por omissão de pronuncia.

Da oposição dos fundamentos com a decisão.

A oposição dos fundamentos com a decisão reconduz-se a um vicio lógico no raciocínio do julgador, em que as premissas de facto e de direito apontam num sentido e a decisão segue caminho oposto, ou, pelo menos, direção diferente.

Distinguindo-se das situações em que tal disparidade advém de mero erro material, pois, neste caso, a oposição não é substancial mas apenas aparente, dando apenas direito à retificação, enquanto que no caso invocado e que ora nos ocupa a invocada contradição, a existir, é autentica e real - pois que o juiz escreveu o que queria escrever -, a qual, verificando-se, acarreta um vício de conteúdo da sentença que implica a sua nulidade  – cfr. Alberto dos Reis, Anotado, 1981, 5º, 141, Castro Mendes, Direito Processual Civil, ed. AAFDL, 1978, 3º, 302 e Abílio Neto, Breves Notas ao CPC, 2005, 195.

Da omissão de pronúncia.

Este segmento normativo ínsito na al.d) do artº 668º do CPC  conexiona-se com o estatuído nos arts. 156º e 660º do mesmo diploma, ou seja, com o dever do juiz administrar a justiça proferindo despachos ou sentenças sobre as matérias pendentes – artº 156º - e com a necessidade de o juiz dever conhecer das questões processuais que possam determinar a absolvição da instância, segundo a ordem imposta pela sua precedência lógica e de resolver todas as questões – e só estas questões, que não outras, salvo se de conhecimento oficioso - que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras –artº660º.

 Há decisão “ultra petitum” sempre que o julgador não confina o julgamento da questão controvertida ao pedido formulado pelo autor ou ao pedido reconvencional deduzido pelo réu e conhece, fora dos casos em que tal lhe é permitido “ex officio”, questão não submetida à sua apreciação.

Para que não se verifique tal vício terá de existir uma correspondência entre a pronúncia e a pretensão, isto é, a sentença não pode decidir para além do que está ínsito no pedido, nos termos formulados pelo demandante. Este princípio é válido quer para o conhecimento excessivo em termos quantitativos, quer por condenação em diverso objeto - excesso qualitativo – cfr. Ac. do STJ de 28.09.2006, dgsi.pt, p.06A2464

Por outro lado e como é consabido e constituem doutrina e jurisprudência pacíficas, não se devem confundir «questões» a decidir, com considerações, argumentos, motivos, razões ou juízos de valor produzidos pelas partes.

A estes não tem o tribunal que dar resposta especificada ou individualizada, mas apenas às pretensões formuladas e aos elementos inerentes ao pedido e à causa de pedir –cfr. Rodrigues Bastos, in Notas ao CPC, 2005, p.228; Antunes Varela in RLJ, 122º,112 e, entre outros, Acs. do STJ de 24.02.99, BMJ, 484º,371 e de 19.02.04, dgsi.pt.

6.1.2.

In casu.

6.1.2.1.

Quanto ao primeiro vício o autor clama pela sua verificação porque o Sr. Juiz, numa decisão anterior  o convidou  a «requerer a intervenção principal provocada dos demais herdeiros da herança aberta por óbito de seu pai (os demais contitulares da quota social em discussão), sendo que, depois de se conhecerem as posições assumidas por estes intervenientes, se aferirá se estes, em maioria relevante, acompanham a posição defendida e o pedido formulado na acção pelo autor, altura em que se concluirá se a mencionada ilegitimidade processual do A. subsiste ou se foi sanada por tal intervenção».

E porque, requerendo a intervenção principal provocada dos demais herdeiros da herança e, ouvida a parte contrária,  nada  esta acrescentando ao teor da contestação, o Meritíssimo Juiz, contrariando o que havia decidido, “resolveu” não admitir o chamamento.

(sublinhado nosso).

Não lhe assiste razão.

Primus este vício reporta-se, como é bom de ver, a uma decisão unitária e não a duas decisões, como é o caso.

Nesta hipótese a ilegalidade, decorrente de decisão em contrario ao anteriormente decidido,  seria a violação do caso julgado.

Secundus, porque, mesmo que assim não fosse ou não se entenda, a  contradição entre as duas decisões não se verifica.

É que na decisão que concluiu pelo convite ao despoletamento do incidente não se deixou expresso que a posição/decisão definitiva quanto à questão da (i)legitimidade seria em determinado sentido, rectius no da certa e necessária admissão do chamamento.

Antes pelo contrário se relegou a decisão sobre tal matéria, naturalmente  a proferir num sentido ou noutro, para momento posterior ao incidente  e em função das posições eventualmente assumidas pelos intervenientes processuais e os elementos por eles aduzidos.

Ademais e versus o referido pelo recorrente, os chamados a intervir pronunciaram-se, rejeitando a sua intervenção e pugnando no sentido de a ilegitimidade do autor ser insuprível.

A decisão neste particular ora impugnada poderia pois ser proferida no sentido em que o foi.

6.1.2.2.

Quanto ao segundo vício o mesmo funda-se no entendimento do recorrente de que se o Sr. Juiz proferiu decisão sobre o pedido de apensação, não se vislumbra porque motivo não apreciou a questão do conflito de interesses, irregularidade do mandato do Ilustre Mandatário da ré, Dr. H....

Apreciemos.

A decisão foi proferida após os articulados e em sede de despacho saneador.

Neste o Juiz deve, desde logo e lógica e metodologicamente, conhecer das exceções dilatórias e nulidades processuais que hajam sido suscitadas pelas partes ou que, face aos elementos constantes dos autos, deva apreciar oficiosamente – artº 510º nº1 al. a) do CPC.

E, só após, conhecer do mérito da causa, se o estado do processo o permitir sem necessidade de mais provas – al. b).

Ora o pedido e a decisão sobre a apensação de ações é questão que não se  consubstancia como questão excecional e que tanto pode ser suscitada antes como depois da fase do despacho saneador.

Por outro lado, a irregularidade do mandato é questão excecional dilatória, mas apenas se tal irregularidade respeitar ao mandatário da parte que propôs a açãoartº 494º al. h) do CPC.

 Ou, quando muito e concedendo, respeitar a parte que tenha formulado um pedido autónomo nos autos, como acontece em caso de reconvenção do réu.

O que bem se compreende, pois que o efeito jurídico da emergência das exceções dilatórias consiste em obstar que o tribunal se pronuncie sobre o mérito da causa, rectius dos pedidos impetrados – artº 493º nº2.

Acresce que na apreciação das questões excecionais o juiz deve respeitar a ordem fixada no citado artº 494º.

A qual certamente tem a ver com a dignidade dos factos excecionantes e da sua consequente relevância processual, de tal sorte que a emergência ou verificação de um primeiro ou antecedente implica que fique prejudicado, por desnecessário, o conhecimento de um ulterior.

Ora no caso vertente a questão da irregularidade do mandato diz respeito ao advogado da ré a qual não deduziu qualquer pedido nos autos mas apenas se opôs à pretensão do autor.

Acresce que o conhecimento da questão da ilegitimidade é antecedente ao conhecimento da irregularidade do mandato.

Assim se concluindo pela não obrigatoriedade de, em tal momento processual, o Sr. Juiz conhecer desta questão e, assim se concluindo pela inexistência do vício de omissão de pronuncia.

6.2.

Segunda questão.

6.2.1.

Como é consabido a legitimidade afere-se pela posição  - titularidade -  da parte – o autor titular do direito e o réu sujeito da obrigação - em relação ao objeto do processo, à matéria que nesse  nele se dilucida e escalpeliza.

Assim para  se aferir da legitimidade há que comparar os sujeitos da relação jurídica subjacente com os sujeitos da relação jurídica processual.

E como também é consabido uma vexata quaestio surgiu, neste particular, na doutrina e na jurisprudência e que teve como protagonistas maiores os Profs. Alberto dos Reis e Barbosa de Magalhães.

Para aquele a parte só é legítima quando é titular da efetiva e real relação jurídica controvertida.

Para este tal relação não é necessária, sendo a parte legítima se for sujeito da relação material controvertida, tal como a configura o autor.

E se se reconhecer que esta relação jurídica - quer quanto ao seu facto constitutivo (causa petendi), quer quanto ao sujeito passivo, quer quanto ao seu objeto – não existe, a questão é de mérito e não de forma, improcedendo o pedido.

A nossa lei tomou partido, na reforma de 1995, pela posição deste último Mestre, pois que no artº 26º nº3 do CPC, estatui que: «Na falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida, tal como é configurada pelo autor».

Ora esta posição e consagração legal reduz a ilegitimidade a um vício raro de académica configuração. Como sejam os casos em que A demanda B pedindo a condenação de C ou pedindo a condenação de B a pagar a D cfr. Prof. Castro Mendes, in Direito Processual Civil, ed. Da AAFDL, 1978, 2º vol.p.170.

6.2.2.

Porém a (i)legitimidade pode ainda resultar de disposições legais ou negociais especiais que  concreta e especificamente regulem os poderes de agir de qualquer interessado ou sujeito de direitos.

Assim e nos termos do artº 28º do CPC: « se…a lei ou o negócio exigir a intervenção de vários interessados na relação controvertida, a falta de qualquer deles é motivo de ilegitimidade».

É o que sucede in casu.

Na verdade e tal como expende o Sr. Juiz: «da matéria fáctica que integra a causa de pedir do autor verifica-se que este alega que, em virtude da morte do seu pai, o A. e os restantes herdeiros sucederam na quota que o falecido detinha na sociedade R., permanecendo a herança indivisa».

Para esta situação estatui o artº 222º, n.º 1, do CSC sob a epígrafe «direitos e obrigações inerentes a quota indivisa»: «Os contitulares de quota devem exercer os direitos a ela inerentes através de representante comum».

Este preceito constitui, aliás, uma dimanação da regra geral civilística para a contitularidade ou compropriedade de direitos, qual seja o artº 1405º nº1 do CC, nos termos do qual: «os comproprietários exercem em conjunto todos os direitos que pertencem ao proprietário singular…»

O representante comum pode ser designado pelos contitulares de entre um deles ou de um dos seus cônjuges, ou, na falta de acordo,  ser designado pelo tribunal, e, em princípio e salvo se lhe forem atribuídos, não tem poderes de disposição – artº 223º do CSC.

No caso vertente verifica-se que tal representante comum inexiste.

É, pois, patente a ilegitimidade do autor para exercer o direito  de anulação pretendido na presente ação, até porque não se sabe por que motivo tal inexistência se verifica, máxime,  se a mesma deve ser imputada à sociedade ou a qualquer outro sócio.

O recorrente esgrime com o disposto no artº 59º nº1 que prevê que «a anulabilidade pode ser arguida por qualquer sócio que não tenha votado no sentido que fez vencimento nem posteriormente tenha aprovado a deliberação, expressa ou tacitamente».

Mas o argumento não colhe.

Este preceito é preceito geral que rege para  a normalidade das situações em que as quotas não estão indivisas.

Mas se a situação da indivisibilidade ocorrer, como é o caso, rege o artº 222º o qual se alcança como preceito especial e, assim, prevalece sobre aqueloutro.

6.3.

Terceira questão.

6.3.1.

O Sr. Juiz absolveu ainda do pedido na consideração de que: «carecia o A. de legitimidade substantiva para a propositura da presente acção, pois que, nos termos alegados pelo próprio e que decorrem da Acta da Assembleia Geral pelo próprio junta e cujo teor nessa parte não questiona nem impugna (cf. fls. 38-39), houve “unanimidade” dos presentes no sentido da aprovação da deliberação impugnanda, sendo certo que o ora A. esteve devidamente representado nessa Assembleia Geral pela sua irmã (…), a quem concedeu poderes para tanto por válida procuração…

Consequentemente, está irreversivelmente o Autor – assim como o estão todos os participantes na dita Assembleia Geral – inibido legalmente, “ex vi” do citado art. 59º, nº1 do C.S.Com., de peticionar nos termos em que o fez.

Do que deriva a fatal improcedência substantiva da sua pretensão, que sempre naufragará».

Esta questão passa pela perspetivação daquilo que certa doutrina e  jurisprudência  designam de legitimidade em sentido material e que se pode definir como: «o complexo de qualidades que representam pressupostos da titularidade, por um sujeito, de certo direito que invoque» cfr. autor e ob. cits. p.174.

Assim A não pode demandar B pedindo uma indemnização por danos provocados em coisa alegadamente sua se dela não for dono. Constatado este facto tal doutrina considera o autor parte substancialmente ilegítima, absolvendo o réu do pedido. O que parece ter sido a posição assumida na sentença.

Porém e bem vistas as coisas, tal situação, porque implica uma apreciação e decisão de mérito, mais do que se inserindo no âmbito dos pressupostos processuais, melhor quadra no âmago da questão de fundo atinente à improcedência do pedido.

Já o insurgente entende que os poderes conferidos na procuração respeitavam apenas às declarações que expressamente ficaram a constar na mesma relativamente aos dois pontos da ordem de trabalhos  da assembleia.

Mas, salvo o devido respeito, não lhe assiste razão.

Independentemente das posições das partes quanto ao sentido e alcance do teor da procuração, incumbe ao tribunal a interpretação exegética de tal teor atenta a regra geral da teoria da impressão do destinatário consagrada no artº 236º do CC e nos termos da qual a declaração vale com o sentido que um declaratário normal possa deduzir do comportamento do declarante.

Ora visto o instrumento de procuração constante a fls. 36 verifica-se que no mesmo consta o seguinte:

«pelo presente… constitui bastante procuradora sua irmã… a quem concede os poderes necessários para o representar na assembleia geral….da sociedade L (…) Lda, e em seu nome fazer a seguinte declaração de voto: quanto ao ponto numero um da ordem de trabalhos… quanto ao ponto numero dois»

(bold e sublinhado nosso).

Devidamente interpretada segundo a referida teoria deve entender-se que o autor constituiu a sua irmã bastante procuradora para o representar, lato sensu,  nos assuntos tratados na assembleia, devendo, designadamente - sem prejuízo ou para além do mais-,  exarar a declaração de voto nos estritos, concretos e discriminados termos que o autor entendeu no instrumento plasmar.

Pois que ase assim não fosse e o autor quisesse restringir a  sua representação apenas e tão somente à declaração de voto, nada mais fácil, e para que dúvidas não restassem, do que expressar tal intenção com termos, vg. do seguinte teor: «…a quem concede os poderes necessários para o representar na assembleia geral….da sociedade L (…) Lda, apenas ou unicamente  para em seu nome fazer a seguinte declaração de voto:»

Importando, aliás, notar que o próprio autor, na petição inicial – artºs 19º e 31º - admite que a irmã:  «(…)… tinha poderes para representar o autor (e, em consequência, deliberar)». (sic).

Ou seja, o recorrente não colocou então as restrições que agora advoga.

Assim sendo, e independentemente do entendimento que os outros sócios tivessem quando ao alcance da procuração, deveria a procuradora pronunciar-se quanto ao deliberado, manifestando, se assim o entendesse e em cumprimento do mandato que lhe foi conferido, a sua oposição ao adiamento.

Não o tendo feito tem de concluir-se que, pelo menos tacitamente, e até porque, como se alcança do teor da ata, ela própria, enquanto sócia presente, votou favoravelmente, aprovou a deliberação enquanto representante do autor.

6.3.2.

Mas mesmo que assim não fosse ou não se entenda sempre a pretensão do recorrente estaria votada ao insucesso em função do mais legal.

Efetivamente e tal como aduziu o Julgador, importa convocar o disposto no artº 222ºnº4 do CSC nos termos do qual: Nos impedimentos do representante comum ou se este puder ser nomeado pelo tribunal, nos termos do artigo 223.º, n.º 3, mas ainda o não tiver sido, quando se apresenta mais de um titular para exercer o direito de voto e não haja acordo entre eles sobre o sentido de voto, prevalecerá a opinião da maioria dos contitulares presentes, desde que representem, pelo menos, metade do valor total da quota e para o caso não seja necessário o consentimento de todos os contitulares, nos termos do n.º 1 do artigo 224.º»

Como esta exceção não colhe já que a assembleia não deliberou sobre  a extinção, alienação ou oneração da quota, aumento de obrigações, renuncia ou redução dos direitos dos sócios, para o que, nos termos do artº 224º, é exigida a unanimidade, a deliberação, mesmo que  tomada apenas por maioria, mostra-se legal, válida e eficaz.

Aliás, e se bem alcançamos, nem sequer vislumbramos motivo e razão substancialmente atendíveis para a pretensão de  anulação da deliberação.

Pois que ela consubstancia-se, apenas e tão somente, no adiamento da assembleia para o mês seguinte.

Adiamento este que, como ressumbra do teor da ata, foi anuído na sequencia de pedido feito pelo autor nesse preciso sentido.

E não se vislumbrando, aqui sim, interesse juridicamente atendível para o autor se opor ao adiamento que ele próprio impetrou.

Improcede o recurso.

7.

Sumariando.

I – O vício da contradição da sentença consistente na oposição entre os fundamentos e a decisão não pode reportar-se a dois despachos material e temporalmente autónomos.

II – A exceção dilatória da irregularidade do mandato apenas respeita a advogado do autor ou, quando muito, de parte que formule nos autos um pedido autónomo, e a apreciação das exceções dilatórias tem de ser feita pela ordem indicada no artº 494º do CPC.

III –Os contitulares de quota social indivisa devem exercer os direitos a ela inerentes através de representante comum, ou por maioria, acarretando a preterição de tal dever, no que tange a ação de anulação de deliberação, a ilegitimidade do autor – artº 222º do CSC e 28º do CPC.

IV –Outorgado instrumento de procuração com o seguinte teor: «…constitui bastante procuradora sua irmã… a quem concede os poderes necessários para o representar na assembleia geral….da sociedade, e em seu nome fazer a seguinte declaração de voto…», tem de concluir-se que os poderes se reportam  não apenas à declaração de voto, mas  a todos os atos da assembleia,  pelo que, tendo a procuradora, também sócia, votado  favoravelmente a deliberação sem declarar que o fazia apenas nesta qualidade, não pode o representado requerer a sua anulação – artº 59º nº1 do CSC.

8.

Deliberação.

Termos em que se acorda negar provimento ao recurso e, consequentemente, confirmar a decisão.

Custas pelo recorrente.

Carlos Moreira ( Relator)

Moreira do Carmo

Alberto Ruço