Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3106/08.4TBAVR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FONTE RAMOS
Descritores: CONTRATO-PROMESSA
INCUMPRIMENTO
MORA
RESOLUÇÃO
Data do Acordão: 09/21/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: BAIXO VOUGA/AVEIRO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS.406, 410, 432, 442, 801, 808 CC
Sumário: 1. Faltando estabelecer no contrato promessa o prazo de cumprimento e na falta de acordo das partes, não é lícito a nenhuma delas interpelar o respectivo devedor para o cumprimento imediato após a celebração do contrato-promessa, cabendo nesse caso ao interpelado o direito a obter a fixação judicial do prazo.

2. O regime geral das obrigações é inteiramente aplicável ao contrato-promessa de compra e venda, tendo este, no entanto, um regime específico ao nível das sanções aplicáveis ao não cumprimento, quando tenha havido lugar à constituição de sinal.

3. O prazo razoável será aquele que o for para o aprestamento da prestação, atenta a sua natureza, embora também não deva ser tal que prejudique ou faça desaparecer o interesse do credor.

4. O devedor poderá discutir posteriormente em tribunal a razoabilidade do prazo, caso pretenda evitar as consequências do art.º 801º do CC e, se o tribunal lhe der razão, subsistirá a relação contratual.

5. Se um dos contraentes resolve o contrato sem ter motivos para o fazer ou mediante inadequada interpelação admonitória, tal declaração resolutiva é ineficaz.

6. Só o incumprimento definitivo e culposo dá lugar às cominações previstas no art.º 442°, n. ° 2, do CC.

Decisão Texto Integral: Acordam na 2ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

           

            I. P (…) e mulher L(…) intentaram, no tribunal da Comarca do Baixo Vouga/Aveiro, a presente acção declarativa com processo ordinário contra C (…)& M (…) s, Lda., pedindo que a Ré seja condenada a reconhecer o seu incumprimento definitivo do contrato-promessa de compra e venda outorgado no dia 13.8.2006 e a reconhecer a resolução com tal fundamento operada no dia 08.9.2008, a restituir, em dobro, o valor que recebeu dos AA. a título de sinal, a pagar os juros à taxa legal sobre o montante de € 60 000 desde 08.9.2008 até integral pagamento e a indemnizar os AA. pelos danos causados com a sua má fé, em montante a fixar em incidente de liquidação, em virtude de haver prestado informação errada e falsa quanto ao licenciamento da obra, determinando os autores à outorga dos contratos dos autos.

            Para o efeito alegaram, em síntese, que a Ré prometeu vender aos AA. e estes prometeram comprar um lote de terreno onde iria ser construída uma moradia geminada pelo preço de € 150 000, tendo ficado previsto o início da construção da moradia em Dezembro de 2005 e o prazo de construção em 12 meses a contar do levantamento da licença de construção; ultrapassada a data inicialmente indicada aos AA. sem que a obra tivesse sido iniciada, as partes outorgaram um novo contrato passando o início da construção para Setembro de 2006, sendo o prazo de construção de 12 meses a contar de tal data; clausulou-se que em caso de atraso na entrega da moradia a Ré pagaria aos AA. o montante de € 17 por cada dia de atraso; à margem do contrato, foi feita a promessa de que a moradia estaria concluída no Verão de 2007; os AA. entregaram os montantes acordados de sinal e programaram a sua vida pessoal, nomeadamente o nascimento do filho do casal que esperavam nascesse já na nova casa; a Ré não concluiu as obras na data prometida (Setembro de 2007), nem nas datas para que posteriormente veio a comprometer-se, situação que provocou à A. gravíssimos problemas emocionais e psicológicos; a partir de Março de 2008 os próprios colaboradores da Ré começaram a admitir que esta não acabaria a casa, deixando de prever uma data para a conclusão e a partir de Abril reconheceram a irreversibilidade da estagnação das obras; os AA. comunicaram à Ré, por carta datada de 21.8.2008, a sua perda de interesse na concretização do negócio, admitindo realizá-lo no prazo suplementar e definitivo de 15 dias; a Ré nada comunicou no prazo referido nem posteriormente, não se preocupando sequer em justificar o atraso nas obras ou em procurar resolver a situação; a Ré sempre procedeu de má fé relativamente aos AA., prestando-lhes informação falsa e deturpada quanto à obra, seu andamento e respectivos projectos e licenças, bem sabendo que os AA., conhecendo a verdade, não teriam sequer assinado os contratos nem lhe teriam entregue quaisquer importâncias.

            A Ré contestou e reconveio, alegando, em resumo, que a data constante do contrato era uma mera previsão para o início da construção sujeita a posterior confirmação que dependia da obtenção das necessárias licenças; por motivos não imputáveis a título de culpa à Ré a construção iniciou-se em meados de Fevereiro de 2007, o que de imediato foi informado aos AA.; no contrato-promessa (celebrado em 31.8.2006) apenas o prazo de construção da moradia foi fixado, não tendo sido clausulado ou fixado qualquer prazo para a celebração da escritura de compra e venda; no fim de Novembro de 2007, quando estavam para se iniciar os trabalhos de acabamento da moradia os AA. propuseram à Ré a aquisição da moradia no estado físico em que se encontrava alegando que pretendiam efectuar acabamentos diferentes dos previstos pela Ré; a Ré acedeu à solicitação dos AA, tendo então proposto vender a moradia pelo preço de € 105 000, o que foi aceite pelos AA. que pediram à Ré para não prosseguir os trabalhos até que fosse efectuado o negócio nos termos propostos e por eles aceites; por essa razão, a Ré suspendeu então os trabalhos de construção da moradia; porém, no início de Abril de 2008, após diversas insistências da Ré, os AA. afirmaram-lhe que já não pretendiam adquirir a moradia (no estado em que se encontrava) e pretendiam que retomasse os trabalhos para que a construção estivesse concluída em Junho de 2008, o que a Ré não aceitou por não ter condições para o fazer dessa forma imprevista; o prazo indicado na carta dos AA. de 15 dias para a celebração da escritura era absolutamente insuficiente e desprovido de razoabilidade, já que nesse prazo era impossível concluir as obras e obter a necessária licença de utilização; existe incumprimento definitivo do contrato por facto exclusivamente imputável aos AA. consubstanciado na instauração da presente acção e face ao conteúdo da dita carta dos AA. de 21.8.2008.

            Concluiu pela improcedência da acção e pela procedência do pedido reconvencional, devendo o tribunal declarar resolvido o contrato-promessa de compra e venda celebrado entre os AA. e a Ré em 31.8.2006, por incumprimento definitivo dos AA., declarando-se que a Ré tem direito a fazer sua a quantia que recebeu a título de sinal.

            Os AA. replicaram, reafirmando a posição expressa na petição inicial e impugnando os factos relativos à reconvenção, concluindo pela sua não admissão e improcedência.

            Admitido o pedido reconvencional, afirmada a regularidade da instância e seleccionada a matéria de facto assente e controvertida, sem reclamações, foi depois realizada a audiência de discussão e julgamento.

            A matéria de facto foi decidida por despacho de fls. 117.

Na sentença, o tribunal recorrido julgou a acção e a reconvenção não provadas e improcedentes, com a consequente absolvição da Ré e dos AA. dos correspondentes pedidos.

            Inconformados com esta decisão e visando a sua revogação (na parte que julgou a acção não provada e improcedente, absolvendo a Ré do pedido), os AA. interpuseram a presente apelação, formulando as conclusões que assim vão sintetizadas:

            1ª - É o interesse do credor que deve servir como ponto de referência para o efeito de apreciação da gravidade ou importância do inadimplemento capaz de fundamentar o direito de resolução.

            2ª - A resolução de um contrato opera-se através da mera declaração unilateral do credor a qual se torna irrevogável logo que chega ao conhecimento do devedor e goza de eficácia retroactiva (salvo no que respeita aos contratos de execução continuada, relativamente às prestações já efectuadas).

            3ª - Para que o credor possa resolver o contrato torna-se necessário que a prestação da outra parte se tenha tornado impossível por causa imputável ao devedor; que o credor tenha perdido, em consequência da mora do devedor, o interesse que tinha na prestação; ou que o devedor não realize essa mesma prestação dentro do prazo que o credor razoavelmente lhe tenha fixado.

            4ª - O contrato dos autos, intitulado como de promessa de compra e venda, integra de facto e também uma empreitada, em que a Ré se obriga a construir uma determinada obra, de acordo com os AA., para venda a estes... - a conduta do empreiteiro reveladora de uma intenção firme e definitiva no sentido de não cumprir a obrigação contratual de concluir a respectiva obra integra uma situação de não cumprimento definitivo, a submeter por analogia ao regime dos art.ºs 801° e 808° do C. Civil.

            5ª - Da factualidade das alíneas A), C), E) e I) da materialidade assente e da resposta aos art.ºs 11º e 12º da base instrutória resulta não só que a Ré não cumpriu com os prazos previstos para a obra, como não tinha condições de acabar os trabalhos, sendo esta uma situação que se revelava irreversível, impedindo em definitivo a celebração da escritura de compra e venda objecto do contrato-promessa, sendo que ao não se pronunciar por qualquer forma sobre a notificação que lhe foi feita em 22.8.2008, a Ré reconheceu e aceitou o seu incumprimento definitivo e a resolução do contrato.

            6ª - Houve incumprimento declarado da Ré, que faz operar válida e eficazmente a resolução do contrato, com as consequências daí emergentes, designadamente as da obrigação de restituição do sinal em dobro, e dos juros sobre o aludido montante.

            7ª - Considerando o alegado pelos AA. nos art.ºs 42° a 49º da P. I. e toda a matéria que se deu como provada, resulta incontroverso que a Ré iludiu os AA. quer quanto à existência do Processo de obras levando-os a subscrever o Primeiro Contrato Promessa e a pagar-lhes então € 2 500, quer quanto às datas do início e conclusão das obras levando-os a subscrever quer o Primeiro Contrato Promessa, quer o Segundo Contrato Promessa e a pagar-lhes, em 31.8.2006, mais € 27 500.

            8ª - Aquelas declarações falsas e erros determinaram os AA. a contrair um empréstimo bancário para poder satisfazer aquele valor com os inerentes juros, e a programar a sua vida quer em termos de contraírem casamento, conceberem um filho, adquirirem o mobiliário para a casa, a terem legítimas expectativas quanto à data da entrega e ocupação da casa, tudo actos e expectativas que se frustraram causando aos AA. danos patrimoniais e não patrimoniais.

            9ª - A Ré, ao enganar os AA. quanto aos termos do negócio (inexistência de licença e de processo de obras, compromisso de execução e conclusão das obras e entrega da construção em prazos e datas que sabia impossíveis de cumprir) agiu com culpa, na forma de dolo e fê-lo em vários momentos da relação obrigacional, acabando por não cumprir.

            10ª - Da actuação da Ré decorre a sua obrigação de ressarcir aos AA. quer os danos patrimoniais, quer os não patrimoniais, a liquidar em execução de sentença.

            11ª - O Tribunal a quo violou o disposto nos art.ºs 432º, n.° 1; 436°; 496°, n.º 1; 564°; 793°, n.º 2; 798°; 801°, n.º 2; 802°, n.º 1; 804°, n.º 1; 808°, n.º 1; 927° e seguintes; 1047°; 1050°; 1075°; 1093° e 1094°, todos do C. Civil.

            12ª - Da prova gravada [depoimentos produzidos em audiência de julgamento pelas testemunhas (…)] conjugada com os factos assentes e os documentos juntos aos autos, resulta que os art.ºs 2° e 16° da base instrutória mereciam a resposta de “PROVADOS”, sem quaisquer restrições, tendo havido erro na apreciação da prova.

            O Tribunal a quo violou o disposto nos art.ºs 659º, n.º 3; 660°, n.º 2 e 664°, todos do C. P. Civil.

Não foram apresentadas contra-alegações.

Atento o referido acervo conclusivo (delimitativo do objecto do recurso nos termos dos art.ºs 684º, n.º 3 e 685º-A, n.ºs 1 e 3 do Código de Processo Civil[1], com a redacção conferida pelo DL n.º 303/07, de 24.8, aplicável ao caso vertente), colocam-se duas questões fundamentais: se a prova produzida em audiência e nos autos implica diversa decisão de facto quanto aos art.ºs 2º e 16º da base instrutória; se, atenta a materialidade provada, ocorreu incumprimento definitivo do contrato-promessa por parte da Ré que leve à sua condenação no pagamento do sinal em dobro e existe fundamento para o demais peticionado.


*

            II. 1. A 1ª instância deu como provados os seguintes factos:

            a) Em 17.8.2005, a Ré, representada pelos seus sócios gerentes, na qualidade de primeira outorgante, e os AA., à data solteiros, na qualidade de segundos outorgantes, celebraram o seguinte acordo:

            Entre os outorgantes é celebrado o presente contrato promessa de compra e venda sujeito às seguintes cláusulas:


Primeira

            A Primeira Outorgante é dona e legítima proprietária de um terreno destinado à construção, sito no lugar do ..., inscrito provisoriamente na matriz sob o n.° P ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de Aveiro sob o n.° ..., actualmente aprovado um loteamento, na Câmara Municipal de Aveiro, cujo processo de obras é o n.° 397/04 -[2]o referido terreno encontra-se dividido em dois lotes, designados lote 1 e 2, sendo o lote 2 objecto deste contrato, no qual irá ser edificada uma moradia tipo T4, geminada.

Segunda

            A Primeira Outorgante promete vender aos Segundos Outorgantes e estes prometem comprar, em comum e em partes iguais, o imóvel supra identificado pelo preço e condições seguintes:

Terceira

            O preço da compra e venda acordado é de € 150 000, pagos da seguinte forma:

            a) A título de sinal e princípio de pagamento, os Segundos Outorgantes entregam à Primeira Outorgante a quantia de € 2 500, que será pago aquando da outorga do presente contrato.

            b) A quantia de € 27 500, entregue aquando o levantamento da licença de construção.

            c) O remanescente do preço a pagar, no valor de € 120 000 será integralmente pago no acto da escritura pública de compra e venda.


Quarta

            a) O início da construção da referida moradia está previsto para o mês de Dezembro do corrente ano, salvaguardando que se as licenças para a dita construção estiverem em levantamento anterior a esta data, a Promitente Vendedora e aqui responsável pela dita construção iniciará a construção de imediato.

            b) O prazo para a construção será de 12 meses após o levantamento da licença de construção da dita moradia.


Quinta

            Esta venda é feita livre de quaisquer ónus ou encargos de qualquer natureza.

Sexta

            As despesas com a escritura a favor dos Segundos Outorgantes, bem como os registos e IMT são encargos destes.

Sétima

            Todos os Outorgantes renunciam ao reconhecimento presencial das assinaturas, não podendo arguir com a sua falta qualquer vício de contrato, inclusive nulidade, anulabilidade, ineficácia, etc.

Oitava

            Por estar conforme à vontade de todos os Outorgantes, vai o presente contrato ser assinado, depois de lido e explicado o seu conteúdo. (A)

            b) - Com o acordo referido em II. 1. a), os AA. pretendiam fixar o seu lar conjugal. (B)

            c) - Ultrapassada a data indicada aos AA. sem que a obra referida em II. 1. a) se tivesse iniciado, em 31.8.2006, a Ré, representada pelo sócio gerente CB..., na qualidade de primeiro outorgante, e os AA., à data solteiros, na qualidade de segundos outorgantes, celebraram o seguinte acordo:

            Os outorgantes celebram entre si o presente contrato promessa de compra e venda que vai reger-se pelas seguintes cláusulas:



            Os Primeiros Outorgantes são donos e legítimos proprietários de um terreno destinado à construção, sito no lugar do ..., inscrito provisoriamente na matriz sob o n.° P ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de Aveiro sob o n.° ..., actualmente aprovado um loteamento na Câmara Municipal de Aveiro, cujo processo de obras com o n.° 173/06 -[3]o referido terreno encontra-se dividido em dois lotes, designados lote 1 e 2, sendo o lote 2 objecto deste contrato, no qual irá ser edificada uma moradia geminada.


            Pelo presente contrato, os Primeiros Outorgantes prometem vender aos Segundos e estes, por sua vez, prometem-lhes comprar, a moradia descrita e identificada na cláusula anterior.


            O preço global da transacção é de € 150 000. Este preço é inalterável e não sujeito a qualquer correcção, e será pago da seguinte forma:

            a) A quantia de € 30 000, em 31 de Agosto de 2006.

            b) A quantia de € 120 000, correspondente à restante parte do preço, aquando da realização da escritura pública.



            O início da construção da referida moradia está previsto para o mês de Setembro do corrente ano.

            O prazo para a construção será de 12 meses a partir daquela data.

            a) Em caso de atraso na entrega da moradia, o Primeiro Outorgante pagará ao Segundo Outorgante a quantia de € 17, por cada dia de atraso como forma de penalização.

            b) O caderno de encargos é o apresentado em anexo.



            Os Primeiros Outorgantes autorizam desde já que a escritura pública de compra e venda seja outorgada a favor dos Segundos Outorgantes ou de pessoa por estes indicada.


            A falta de comparência de qualquer um dos Outorgantes ao acto de assinatura da escritura de compra e venda, será tida como recusa do cumprimento do presente contrato, acarretando todos os efeitos previstos na lei.


            Esta venda é feita livre de quaisquer ónus ou encargos, nomeadamente hipotecas, sendo o referido imóvel, objecto do presente contrato promessa de compra e venda, entregue aos promitentes-compradores devoluto de pessoas e bens.


            Todas as despesas de IMT, escrituras e registos, se a elas houver lugar, serão suportadas pelos Promitentes-Compradores, conforme estipula a Lei.


            Os Outorgantes obrigam-se a não invocar judicialmente a omissão do reconhecimento presencial das suas assinaturas no presente contrato promessa, tal como lhes impunha o disposto no art.º 410º, n.º 3, do Código Civil, para resolução do mesmo.

10ª

            O presente contrato promessa de compra e venda fica sujeito ao regime de execução específica, nos termos do art.º 830º do Código Civil, a cuja invocação não obstará a existência de sinal.

11ª

            Qualquer alteração ao disposto no presente contrato promessa que as partes possam vir a acordar só será válida se consagrada por escrito em documento assinado por todos os outorgantes do qual conste a indicação expressa das cláusulas que foram suprimidas e a nova redacção das aditadas ou modificadas. (...) (C)

            d) O acordo referido em II. 1. c) destinava-se a substituir o acordo referido em II. 1. a). (D)

            e) Os AA. entregaram à Ré a quantia de € 30 000 referida em II. 1. c), 3ª, al. a). (E)

            f) Para pagamento da referida quantia, o Banco ...., a solicitação dos AA., em 30.8.2006, emprestou o montante de € 30 000, com obrigação de restituir outro tanto, do mesmo género e qualidade, no prazo de 18 meses, ficando estes obrigados a pagar-lhes o montante de € 221,36 por mês. (F)

            g) A Ré não terminou a construção da moradia no prazo referido em II. 1. c), 4ª. (G)

            h) (…) nasceu no dia 01.4.2008 e encontra-se registada como sendo filha dos AA.. (H)

            i) Por carta datada de 21.8.2008, recebida pela Ré em 22.8.2008, os AA. comunicaram-lhe que ficavam a aguardar “a entrega da moradia e a outorga da competente escritura de compra e venda no prazo máximo de 15 dias (…), prazo findo o qual perdemos todo o interesse na concretização do negócio, considerando o mesmo resolvido sem necessidade de outra comunicação ou notificação” (cf. documento de fls. 31 e seguinte). (I)

            j) A Ré deu entrada[4] nos serviços da Câmara Municipal de Aveiro do “projecto de construção” em 25.5.2006. (J)

            k) O “alvará de autorização administrativa” n.° 230, tendo por objecto o lote n.° 2, referido em II. 1. c), foi emitido na sequência da deliberação camarária de 11.11.2006 e tinha validade de 22.11.2006 a 22.11.2008. (K)

            l) Após a requisição da “licença de utilização” necessária à celebração da escritura de compra e venda referida em II. 1. c), a Câmara Municipal de Aveiro tem um prazo de 30 dias para a emissão do respectivo documento. (L)

            m) O acordo referido em II. 1. a) foi redigido pela Ré e assinado pelas partes no seguimento dos contactos e negociações que vinham a ser feitos desde há meses. (resposta ao art.º 1º)

            n) Os AA. marcaram o seu casamento para Setembro de 2006 na convicção de que teriam a casa nova por essa altura. (resposta ao art.º 3º)

            o) Os AA. conceberam um filho na expectativa de que ele nasceria já na nova casa. (resposta aos art.ºs 4º e 5º)

            p) O apartamento onde habitavam não tinha as condições que eles desejavam para acolher o bebé. (resposta ao art.º 6º)

            q) Por outro lado, tendo em conta o prazo de conclusão das obras, os AA. começaram a adquirir a mobília e os equipamentos necessários para a mesma. (7º)

            r) Tendo comprado mobília para a sala e quartos e equipamentos de cozinha. (8º)

            s) Fazendo a escolha da mobília e dos equipamentos de acordo com o espaço disponível e os acabamentos da moradia referida em II. 1. c). (9º)

            t) Em virtude dos problemas criados por esta situação a A. sofreu ansiedade e perturbações que conduziram a que a sua gravidez fosse qualificada de risco. (resposta ao art.º 10º)

            u) Por altura de Março de 2008, um colaborador da Ré manifestou aos AA. que a Ré não tinha condições para acabar a casa e que essa situação seria irreversível. (resposta aos art.ºs 11º e 12º)

            v) Na sequência da carta referida em II. 1. i), a Ré nada comunicou aos AA. no prazo de 15 dias, nem nos dias posteriores. (13º)

            w) Na data da celebração do acordo referido em II. 1. a), a Ré informou os AA. que o terreno destinado à construção da moradia tinha um “loteamento” aprovado na Câmara Municipal através do processo de obras n.° 397/04. (resposta ao art.º 14º)

            x) A “licença de construção” da moradia foi aprovada pela Câmara Municipal de Aveiro em 11.11.2006 e o respectivo alvará emitido em 22.11.2006. (resposta ao art.º 15º)

            y) A Ré contratou terceiros para a construção da estrutura da moradia. (resposta ao art.º 17º)

            z) O que era do conhecimento dos AA.. (18º)

            aa) A construção da moradia apenas se iniciou por alturas de Fevereiro de 2007. (resposta ao art.º 24º)

            bb) A partir do início da construção os AA. passaram a visitar a obra com frequência. (resposta ao art.º 25º)

            cc) Por altura do Outono de 2007 os AA. começaram a escolher os materiais de acabamento para a habitação. (resposta ao art.º 26º)

            dd) A certa altura os AA. solicitaram diversos orçamentos para terem uma ideia de quanto lhes custaria concluírem eles a construção da moradia. (resposta ao art.º 32º)

            ee) E auscultaram o desenhador da moradia para saber se estaria disponível para acompanhar o resto dos trabalhos de construção. (resposta ao art.º 34º)

            ff) À data da carta mencionada em II. 1. i) seria ainda necessário para acabar a construção da moradia um prazo nunca inferior a 4 meses. (resposta aos art.ºs 39º e 40º)

            2.

(…)

            4. Consideremos agora o recurso da decisão de mérito, na parte impugnada.

            Os AA. pretendem, nomeadamente, que lhes seja restituído o dobro do sinal que entregaram à Ré no âmbito do contrato-promessa celebrado entre as partes, nos termos do art.º 442º, do Código Civil/CC, aduzindo que o contrato prometido não foi celebrado por culpa da Ré, pelo que importa saber quem incumpriu culposamente o contrato-promessa e é responsável pelas consequências decorrentes do inadimplemento.

             O contrato-promessa é “a convenção pela qual alguém se obriga a celebrar certo contrato”, sendo-lhe aplicáveis as disposições legais que regulam o contrato prometido, exceptuadas as que, pela sua própria razão de ser, não se devam considerar extensivas ao contrato promessa (art.º 410º, n.º 1 do CC, na redacção introduzida pelo DL n.º 379/86, de 11.11).

            O contrato-promessa é um acordo prelimi­nar que tem por objecto uma convenção futura, o contrato prometido ou definitivo (aquele cuja realização se pretende - v.g., compra e venda, locação, mandato, etc.). Mas em si é uma convenção completa, que se dis­tingue do contrato subsequente. Reveste, em princípio, a natureza de puro con­trato obrigacional, ainda que diversa seja a índole do contrato definitivo. Gera uma obrigação de prestação de facto, que tem apenas de particular con­sistir na emissão de uma declaração negocial. Trata-se de um pactum de contrahendo.[5]

            O contrato-promessa é a convenção pela qual, ambas as partes ou apenas uma delas, se obrigam, dentro de certo prazo, ou verificados certos pressupos­tos, a celebrar determinado contrato.[6]

            Por força da celebração do contrato promessa o promitente obriga-se a concretizar uma prestação muito específica, qual seja a “emissão de uma declaração negocial destinada a celebrar o contrato prometido, ou seja, do contrato promessa emerge para os seus outorgantes a obrigação de realizar uma prestação de facto de outorgar no contrato prometido”.[7]

            5. O contrato deve ser pontualmente cumprido e só pode modificar-se ou extinguir-se por mútuo consentimento dos contraentes ou nos casos admitidos na lei (art.º 406º, n.º 1, do CC), designadamente, mediante a sua resolução fundada na lei ou em convenção (art.º 432°, n.º 1, do CC).

             O direito de resolução é um direito potestativo extintivo e depende de um fundamento - tem de verificar-se um facto que crie esse direito, ou melhor, um facto ou situação a que a lei liga como consequência a constituição (o surgimento) desse direito potestativo. Tal facto ou fundamento é, in casu, o facto do incumprimento ou situação de inadimplência.[8]
            Assim, o direito de resolução está sempre condicionado a uma situação de inadimplência e, à semelhança do que sucede com a generalidade dos contratos, também a resolução legal do contrato-promessa pressupõe uma situação de incumprimento “stricto sensu” que resultará normalmente da conversão de uma situação de mora através de uma das vias previstas no art.º 808° do CC.
[9]

            6. O regime geral das obrigações é inteiramente aplicável ao contrato-promessa de compra e venda, tendo este, no entanto, um regime específico ao nível das sanções aplicáveis ao não cumprimento, quando tenha havido lugar à constituição de sinal.[10]         Neste caso, quando se verifique uma situação de incumprimento imputável a quem prestou o sinal, permite a lei que aquele que o recebeu o faça seu e, verificando-se o incumprimento definitivo da parte que recebeu o sinal, confere a quem o prestou o direito de exigir o dobro do que prestou (art.ºs 441º e 442°, n.° 2, do CC).

            Mas só o incumprimento definitivo e culposo dá lugar às cominações previstas no art.º 442°, n. ° 2, do CC, não bastando, para o efeito, a simples mora [que é necessário transformar em incumprimento definitivo, nos termos gerais do art.º 808° do CC], posição claramente maioritária na doutrina e, agora, unânime na jurisprudência do nosso mais alto tribunal[11], não se vendo razão para a não adoptar.

            7. Nas situações de incumprimento/inexecução das obrigações existe uma primeira distinção a estabelecer, consoante a prestação se atrasa ou se torna definitivamente impossível.

            Na primeira hipótese, chegado o vencimento o devedor não cumpre mas a prestação poderá ainda ser realizada, com interesse para o credor – o devedor não executa a obrigação quando ela se vence mas poderá vir a executá-la mais tarde, dado que a prestação na sua forma originária continua a ser materialmente possível e o credor continua a ter interesse nela. Dá-se então um simples retardamento.

            Na referida segunda hipótese, a prestação impossibilita-se e de vez, torna-se em definitivo irrealizável – aqui ocorre a não realização definitiva da prestação.

            Entre as modalidades de retardamento da prestação, que é um simples incumprimento temporário, temos a mora do devedor que se verifica quando, por causa que lhe seja imputável (i. é, que provenha de culpa sua), a prestação, ainda possível, não foi efectuada no tempo devido (art.º 804º, n.º 2, do CC). A simples mora constitui o devedor na obrigação de reparar os danos causados ao credor (n.º 1 do mesmo art.º), não lhe confere o direito à resolução do contrato.

            A mora do devedor depende dos seguintes pressupostos: inexecução da obrigação no vencimento; possibilidade de execução futura e imputabilidade dessa inexecução ao devedor. São requisitos da referida mora o acto ilícito (que consiste em o devedor deixar de efectuar oportunamente a prestação) e a culpa (em tal lhe ser atribuível/imputação dessa inexecução ao devedor).[12]

            Para além dos casos em que a mora, em conjugação ou não com outras causas, fez desaparecer o interesse do credor na prestação, há que ter em conta todos os outros em que tal não acontece mas nos quais não seria legítimo obrigar o credor a esperar indefinidamente pelo cumprimento. Por isso, a lei prevê a possibilidade de o credor (parte não inadimplente), uma vez incurso em mora o devedor, fixar a este um prazo suplementar razoável – mas peremptório – dentro do qual se deverá verificar o cumprimento, sob pena de resolução automática do negócio, que pode conduzir às consequências do art.º 801º do CC, se a obrigação não for cumprida dentro desse prazo fixado na mesma interpelação ou intimação.

            A situação está prevista na 2ª parte do n.º 1 do art.º 808º do CC, normativo que reza o seguinte: “Se o credor, em consequência da mora, perder o interesse que tinha na prestação, ou esta não for realizada dentro do prazo que razoavelmente for fixado pelo credor, considera-se para todos os efeitos não cumprida a obrigação”.

            Trata-se de uma intimação formal dirigida ao devedor moroso para que cumpra a sua obrigação dentro de certo prazo, sob pena de se considerar o seu não cumprimento como definitivo – através da fixação de um prazo peremptório, obtém-se uma clarificação definitiva de posições. Trata-se, na generalidade dos casos, de um ónus imposto ao credor que pretenda converter a mora em não cumprimento[13].

            Porém, a interpelação admonitória - que pressupõe que o credor tenha ainda qualquer interesse no cumprimento - deve conter três elementos: a) a intimação para o cumprimento; b) a fixação de um termo peremptório para o cumprimento; c) admonição ou a cominação (declaração admonitória) de que a obrigação se terá por definitivamente não cumprida se não se verificar o cumprimento dentro daquele prazo.

            Diz a lei que o prazo fixado pelo credor deve ser um prazo razoável, atenta a natureza da prestação – o prazo razoável será aquele que o for para o aprestamento da prestação, embora também não deva ser tal que prejudique ou faça desaparecer o interesse do credor.

            O devedor poderá discutir posteriormente em tribunal a razoabilidade do prazo, caso pretenda evitar as consequências do art.º 801º do CC e, se o tribunal lhe der razão, subsistirá a relação contratual em virtude da ineficácia da interpelação admonitória e da declaração de resolução que porventura se lhe tenha seguido ou esteja associada.[14]

            Para que possa validar-se a interpelação admonitória impõe-se que o prazo fixado “ab initio” não tenha sido clausulado, expressa e inequivocamente, como prazo fatal e que tenha havido um retardamento da prestação.

            8. O n.º 1 do art.º 808º, do CC, enuncia claramente duas possibilidades de a mora se converter em incumprimento definitivo: a) em consequência da perda objectiva de interesse na prestação; b) em consequência da ultrapassagem do novo prazo razoável fixado pelo credor para o devedor cumprir finalmente a prestação em falta.

            Porém, como se refere na decisão sob censura, não se trata de situações cumulativas ou que devam funcionar em conjunto.

            Pelo contrário, estes dois modos de conversão da mora em incumprimento definitivo são alternativos e independentes entre si, ainda que possam ocorrer em simultâneo, tendo um pressuposto comum necessário: que o devedor esteja em mora, que a sua obrigação esteja vencida.

            A perda do interesse do credor, ainda que objectiva, verificada antes de ele poder exigir do devedor a realização da sua prestação não é juridicamente relevante, só podendo valer, nos termos legais, se o devedor já se encontrar em mora, consistindo então numa espécie de inversão do risco de perda do interesse no negócio - antes da mora corria por conta do credor, depois da mora passa a correr por conta do devedor relapso.

            9. Efectuado o enquadramento jurídico, importa atentar se no caso vertente existiu incumprimento definitivo que justifique a aplicação do regime do sinal.

            Os AA. celebraram com a Ré dois contratos distintos [II. 1. alíneas a) e c)].

            As partes estão de acordo, e nenhuma dúvida existe, que tais negócios tiveram o mesmo objecto mas, como bem se refere na sentença sob censura, não é totalmente certo que isso encontre tradução no texto dos contratos porquanto no primeiro o que se diz prometer vender é um lote de terreno onde irá ser edificada uma moradia enquanto no segundo já se afirma que se trata da compra e venda de uma moradia.

            No entanto, tal deve-se apenas à má elaboração dos textos dos contratos, sendo evidente que o segundo substituiu o primeiro, pelo que as cláusulas a que as partes estão vinculadas e em função das quais se há-de aferir o (in)cumprimento são apenas as cláusulas do segundo contrato.

            Como resulta da factualidade apurada, não existe no contrato-promessa cláusula indicando (expressamente) o prazo para a celebração da escritura ou qual dos outorgantes deveria diligenciar pela sua marcação - o que qualquer contrato-promessa normalmente contém -, estabelecendo-se apenas: “O início da construção da referida moradia está previsto para o mês de Setembro do corrente ano. O prazo para a construção será de 12 meses a partir daquela data. Em caso de atraso na entrega da moradia, o Primeiro Outorgante pagará ao Segundo Outorgante a quantia de € 17, por cada dia de atraso como forma de penalização” [cf. II. 1. alínea c) – 4ª].

            Ao contrário do que vemos alegado no recurso, o contrato em questão não é nem um contrato de empreitada, nem um contrato-promessa de empreitada, mas, sim, um contrato-promessa de compra e venda, sendo a construção da moradia uma condicionante da concretização da promessa feita - não é o objecto da promessa, não é a prestação a que a Ré se obrigou.

            Nesta linha de entendimento e acolhendo o que ficou expresso na decisão sob recurso, a menção ao prazo para a construção da moradia diz-nos que se tratou, por um lado, de um prazo para a construção, não para a celebração da escritura, e, por outro lado, aparentemente, ainda só uma previsão [o início da construção está previsto para o fim do mês de Setembro do corrente ano — cláusula 4ª, cit.]; ademais, a circunstância de as partes terem fixado uma penalização por cada dia de atraso na entrega da moradia [que se deverá ler não propriamente como atraso na entrega da moradia mas, sim, na celebração da escritura…], não pode deixar de ser tido como forte indício de que esse pressuposto não foi eleito pelas partes como estipulação firme, definitiva ou expressa de um limite temporal para a celebração da escritura pública do contrato prometido.[15]

            Podendo-se dizer que aqueles prazos resultam quase sempre de uma previsão do promitente quanto ao tempo necessário para construir o imóvel prometido vender e que essa previsão co-envolve circunstâncias não de todo dominadas ou domináveis pelo construtor — como as questões do licenciamento —, é razoável supor que em condições normais, se nada em contrário for dito no contrato, o promitente-comprador conhece esse circunstancialismo e continua interessado na prometida compra mesmo após o esgotamento do prazo.

            Nos termos do art.º 777°, do CC, em regra, na falta de estipulação ou disposição especial da lei, o credor tem o direito de exigir a todo o tempo o cumprimento da obrigação, assim como o devedor pode a todo o tempo exonerar-se dela (n.º 1), ou seja, a prestação é devida tão logo que seja exigida pelo credor; o credor pode exigir o cumprimento a todo o tempo, assim como o devedor pode a todo o tempo exonerar-se da obrigação.

            Porém, se se tornar necessário o estabelecimento de um prazo, quer pela própria natureza da prestação, quer por virtude das circunstâncias que a determinaram, quer por força dos usos, e as partes não acordarem na sua determinação, a fixação dele é deferida ao tribunal (n.º 2 do mesmo art.º).

            As obrigações emergentes do contrato-promessa carecem, pela sua própria natureza ou pelas suas circunstâncias, de um prazo de cumprimento, pelo que, se ele não tiver sido estabelecido por acordo das partes, não é lícito a nenhuma delas interpelar o respectivo devedor para o cumprimento imediato após a celebração do contrato-promessa, cabendo nesse caso ao interpelado o direito a obter a fixação judicial do prazo, caso não haja acordo dos contraentes, sendo que, optando as partes pela conclusão de uma promessa em vez de celebrarem de imediato o contrato definitivo, tal “opção” tem, pelo menos, o significado de não poderem ou quererem desde logo tal celebração - daí a essencialidade e normalidade da fixação ao contrato-promessa de um prazo de cumprimento.[16]

             No caso em análise, são também as circunstâncias que envolvem a contratação que impõem essa conclusão - tratando-se da construção de uma moradia cujo licenciamento (de utilização) ainda não está sequer feito, tem de se entender que o estabelecimento de um prazo era/é necessário.

            Assim, considerando as ditas normas relativas ao “prazo da prestação” e o descrito factualismo, verifica-se que no caso vertente não houve uma data a partir da qual a celebração do contrato prometido já era devida ou a partir da qual a promitente-vendedora entrou em mora quanto ao cumprimento da sua prestação, sendo que também não ficou a constar do contrato que era ela que tinha de marcar a escritura de compra e venda.

            Não obstante o tempo decorrido além do “prazo” previsto para a construção da moradia, não tendo os promitentes-compradores lançado mão de uma acção especial de fixação de prazo para a celebração da escritura (art.ºs 1456º e seguinte), esta não era ainda devida, concluindo-se que a promitente vendedora não incorreu em mora relativamente ao cumprimento da sua prestação e, não havendo mora, não pode haver conversão da mesma em incumprimento definitivo, inexistindo, assim, a obrigação de restituição do sinal em dobro (art.º 442º, n.º 2, do CC).

            Ademais, numa perspectiva mais geral, incerto ou infixo esse prazo, pois não foi indicado no contrato-promessa dia, hora e local para a celebração do contrato definitivo, esta ficou dependente de interpelação para esse efeito, com essa indicação. E, não estando previsto a qual das partes cabia marcar a realização da escritura, nenhuma delas podia considerar-se em mora antes de interpelada pela outra para outorgá-la, com a necessária - indispensável - indicação referida, da data, hora e local designados para tanto.[17]

            10. Propendendo-se porventura para o entendimento de que o contrato dito em II. 1. c) podia ser interpretado como estando nele fixado um prazo certo (até ao final de Setembro de 2007/30.9.2007) para a celebração da escritura pública de compra e venda [da moradia construída] e que era a Ré que estava obrigada a marcar a escritura[18], seria necessário determinar se esse prazo é um prazo essencial, final ou peremptório, cuja ultrapassagem determinou de imediato o incumprimento definitivo do contrato, ou se, pelo contrário, não tendo essas características, o seu esgotamento apenas implicou a constituição do devedor em mora, situação essa que para poder ser convertida em incumprimento definitivo carecia da fixação de um novo prazo admonitório ou da perda objectiva de interesse.[19]

            Considerados os ensinamentos da doutrina [cf. “nota 29”] e da jurisprudência[20], dúvidas não restam de que aquele “prazo” referido no contrato-promessa não era essencial, peremptório ou absolutamente fixo. Consequentemente, para converter a mora em incumprimento definitivo era necessário proceder a adequada interpelação admonitória da Ré.

            Retomando o expendido supra, o art.º 808°, do CC, estipula que se considera para todos os efeitos não cumprida a obrigação se a prestação não for realizada pelo devedor dentro do prazo que razoavelmente for fixado pelo credor. O que significa que a fixação do prazo não cabe no livre arbítrio do credor - o “prazo” a fixar não é um prazo qualquer mas o prazo cuja extensão se mostrar no caso razoável, em função da natureza, da complexidade, da dificuldade ou do estado da prestação devida; é razoável, se for fixado segundo um critério que, atendendo à natureza e ao conhecido circunstancialismo e função do contrato (maxime, da natureza da prestação devida e das diligências ainda necessárias para a sua realização), permite ao devedor cumprir o seu dever de prestar.

            Confere-se ao credor a possibilidade de impor à outra parte um prazo para cumprir, como meio de obter a realização efectiva da prestação a que tem direito ou de obter uma definição clara da situação de incumprimento que lhe permita exercitar os direitos que a lei confere ao contraente cumpridor perante o não cumprimento definitivo da obrigação que impende sobre a outra parte (designadamente o direito a resolver o contrato).[21]
            Sendo a
interpelação admonitória [que, como vimos/cf., supra, II. 7., pressupõe que o interesse do credor subsiste, sendo fundamento da resolução não a perda de interesse mas a ultrapassagem do prazo[22]] a última oportunidade do devedor, o prazo não pode ser um tal que afaste qualquer hipótese de o devedor poder cumprir.

            In casu, ficou demonstrado que os AA. visitavam a obra com frequência desde o início da construção, sabiam que a Ré não fazia a construção directamente mas mediante a contratação de terceiros e chegaram a pedir “orçamentos” para avaliarem a possibilidade de acabarem eles a moradia [cf. II. 1. alíneas y), z), bb) e dd)].

            Daí ser forçoso concluir que, ao efectuarem a interpelação admonitória da Ré, os AA. sabiam qual era o estado da moradia e que o prazo que então lhe concederam de 15 dias a contar da data da carta [23] era manifestamente irrazoável, desadequado ou insuficiente para dar à Ré o mínimo de possibilidade de realizar a prestação, tanto mais que além do acabamento das obras de construção seria ainda necessário obter a licença de utilização e só esta diligência demoraria vários dias [cf. II. 1. alíneas i), l) e ff)].

            E, como bem se refere na sentença recorrida, não altera essa conclusão a circunstância de ter ficado demonstrado que por volta de Março de 2008 um colaborador da Ré manifestou aos AA. que a Ré não tinha condições para acabar a casa e que essa situação seria irreversível [cf. II. 1. u)], porquanto o que poderia relevar era a alegação e a demonstração de que a realmente nenhumas condições tinha para concluir a obra e que essa situação da Ré era irreversível, e não apenas que um seu colaborador manifestou tal ideia ou ponto de vista, sem que se conheça em que medida esse dizer e convicção se encontravam alicerçados na realidade dos factos.

            Não tendo sido fixado à Ré um prazo razoável, tal significa que a interpelação admonitória não foi validamente realizada, tudo se devendo passar como se nenhuma interpelação tivesse sido feita, já que se uma das partes resolve o contrato sem ter motivos para o fazer ou mediante inadequada interpelação admonitória, a consequência imediata que se retira da ilegalidade da resolução é a ineficácia da declaração resolutiva - o contrato mantém-se, não se extingue[24].

            O contrato-promessa permanece por cumprir por qualquer das partes, pois, em face da factualidade apurada, nenhuma delas incorreu em incumprimento definitivo (com o inerente dever, quanto à Ré, de restituição do duplum do sinal e demais consequências peticionadas).

            Por conseguinte, e ficando também por demonstrar as alegadas “informações erradas e falsas” e sua relação com a celebração do contrato-promessa e/ou os danos subsequentes, não são atendíveis quaisquer dos pedidos formulados pelos AA..

            Soçobram, pois, as demais “conclusões” da alegação de recurso.      


*

            III. Pelo exposto, julga-se improcedente a apelação e confirma-se a douta sentença recorrida.

            Custas da apelação pelos autores.


Fonte Ramos (Relator)
Carlos Querido
Emídio Costa

[1] Diploma a que pertencem as disposições doravante citadas sem menção da origem.
[2] Para facilitar a leitura, substituiu-se a vírgula por um travessão, sendo que se mantém o conteúdo e o sentido do texto.
[3] Idem.
[4] Suprimiu-se repetição devida a lapso manifesto.

[5] Cf., entre outros, Galvão Telles, Direito das Obrigações, 5ª edição, Coimbra Editora, pág. 83.
[6] Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. I, 6ª edição, Almedina, pág. 301.
[7] Almeida Costa, in Contrato- Promessa, Uma síntese do Regime Actual, separata da ROA, ano 50, I, pág. 41.



[8] Vide João Baptista Machado, Pressupostos da Resolução por Incumprimento, in Obra Dispersa, Scientia Ivridica, Braga, 1991, págs. 130 e seguinte.
[9] Cf., de entre vários, o acórdão do STJ de 12.3.1991, in BMJ, 405º, 434.
[10] Neste sentido, entre outros, os acórdãos do STJ de 10.9.2009-proceso 170/09.2YFLSB e 20.10.2009-processo 1307/06.9TBPRD.S1, publicados no “site” da dgsi.

[11] Vide, neste sentido, entre outros, Galvão Telles, ob. cit., pág. 95, nota (2); Calvão da Silva, Sinal e Contrato-Promessa, Coimbra, 1988, pág. 81 e Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória, 1987, pág. 297; Antunes Varela, Sobre o Contrato-Promessa, pág. 70, nota 1; Almeida Costa, estudo citado, pág. 54; Januário Gomes, Tema de Contrato-Promessa, 1990, AAFDL, pág. 55; Brandão Proença, Do incumprimento do contrato-promessa bilateral, 1996, pág. 119 e Ana Prata, O contrato-promessa e o seu regime civil, pág. 780 e, de entre vários, os acórdãos do STJ de 12.3.1991, 24.10.1995, 10.12.1997, 26.05.1998, 08.02.2000 e 12.7.2001, in BMJ 405º, 434; CJ-STJ, III, 3, 78; V, 3, 164; VI, 2, 100; VIII, 1, 72 e IX, 3, 30, respectivamente, e acórdãos do STJ de 20.01.2005-processo 04B4389, 22.3.2007-processo 07A543, 07.02.2008-processo 07A4437, 10.7.2008-processo 08B1849 e 10.9.2009-proceso 170/09.2YFLSB, publicados no “site” da dgsi [verifica-se, assim, que a jurisprudência, de sentido contrário, expressa, v.g., nos acórdãos do STJ de 10.02.1998 e de 21.01.2003, in CJ-STJ, VI, 1, 63 e XI, 1, 44, respectivamente, deixou há muito se ser seguida].
[12] Vide Galvão Telles, ob. cit., págs. 269 e seguintes.
[13] Vide Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. II., 7ª edição, págs. 125 e seguinte.
[14] Vide Baptista Machado, “Pressupostos da Resolução por Incumprimento”, cit., págs. 163 e seguintes e Pires de Lima e Antunes Varela, CC Anotado, Vol. II, 4ª edição, Coimbra Editora, 1997, pág. 71.

[15] Tal como nada obsta que as partes num contrato-promessa acordem a tradição da coisa objecto do contrato prometido, nada impede que procedam à tradição em data anterior ou posterior à outorga do contrato prometido – como também se afirma na sentença sob censura.
[16] Vide Ana Prata, ob. cit., pág. 633.
[17] Neste sentido, de entre vários, o acórdão da RC de 22.5.1990, in CJ, XV, 3, 48 e o citado acórdão do STJ de 20.01.2005.
    Cf. Galvão Telles, na obra cit., págs. 93 e seguinte, refere, acerca desta matéria, que “no caso muito vulgar de o cumprimento da promessa exigir a intervenção de notário (v.g., venda de um imóvel), a parte que pretenda esse cumprimento tem de interpelar a outra para comparecer em determinado cartório notarial, com especificação do dia e hora, suposto que tais elementos não constem do próprio contrato preliminar.”
[18] Embora, perante o silêncio quanto ao contraente que haverá de marcar a escritura relativa ao contrato prometido, seja de concluir que esse dever pertence a qualquer das partes – cf., neste sentido, o acórdão do STJ de 05.7.2007-07B1835, publicado no “site” da dgsi.

[19] Vide, neste sentido, Calvão da Silva, Sinal e Contrato-Promessa, pág. 94:

                 “Por vezes, as partes, no momento da celebração do contrato, determinam, expressa ou tacitamente, como essencial o termo fixado; outras vezes, a essencialidade do termo deriva da natureza ou modalidade da prestação, sendo inútil para o credor a sua tardia realização (...). Nestes casos, é objectiva a essencialidade do termo, transcorrido o qual a prestação se torna impossível; nos primeiros, a essencialidade é subjectiva.

                Na essencialidade subjectiva, a vontade das partes pode ser:

                1º no sentido de ver no termo fixado o prazo-limite, improrrogável (termo subjectivo absoluto), para o adimplemento, findo o qual há incumprimento definitivo, fundamento imediato da resolução;
                2° no sentido de o vencimento do termo conferir ao credor o direito de resolução, sem, contudo, significar renúncia ao direito de exigir o cumprimento retardado e possível indemnização moratória (termo subjectivo relativo) — hipótese-regra, a valer em caso de dúvida.”

               

    João Baptista Machado, estudo e vol. cit., pág. 190:

                “(…) a regra, segundo os usos da vida” é “a de que o termo essencial subjectivo tem o sentido de uma simples cláusula resolutiva e que o termo subjectivo absolutamente essencial tem carácter excepcional’, de onde o autor conclui que, “na dúvida, ou seja, se de um concurso inequívoco de circunstâncias se não conclui com segurança que o termo é absoluto, ele deve ser interpretado como relativo. Deste modo, no caso de se ter estipulado um termo essencial com a declaração de que a realização da prestação após o prazo-limite não valerá como cumprimento, ou que uma das partes se reserva o direito de não aceitar o cumprimento posterior a essa data, deverá entender-se que o credor pode, vencido infrutiferamente o prazo, declarar a resolução do contrato, ou recusar a prestação e considerar a obrigação como definitivamente não cumprida, com os efeitos do artigo 801º, se o incumprimento é culposo, assim como pode ainda, à sua escolha, exigir a prestação e a indemnização pelos danos moratórias, se houver lugar a eles.”

    Ana Prata, ob. cit., pág. 637:        

                “se o prazo essencial for objectivo, isto é, se se integrar caracterizadoramente na própria prestação, de tal modo que a realização desta fora do prazo já não pode ser considerada a mesma prestação, mas um ´aliud´, o seu vencimento sem cumprimento desencadeia imediata impossibilidade de cumprimento. Se se tratar de prazo essencial subjectivo - quer expresso quer tácito -, depende da interpretação da convenção de atribuição de carácter essencial ao prazo a determinação dos efeitos do seu esgotamento sem que tenha havido cumprimento: pode ele significar o automático incumprimento definitivo da obrigação, caso em que se qualificará como absoluto, ou pode, constituindo para o credor o direito de resolução e de recusa da prestação, ser compatível com uma exigência de cumprimento tardio pelo credor, caso em que será qualificado como relativo.”

    E Brandão Proença, ob. cit., pág. 112:

                “(…) em regra, o prazo essencial não é “absolutamente fixo» (não há por parte dos promitentes um interesse temporalmente delimitado), mas apenas relativamente fixo. Pode, no entanto, concluir-se pela essencialidade absoluta (em regra, subjectiva ou pactícia) ou, até, por uma “finalidade” essencial sempre que aos promitentes só interesse celebrar o contrato dentro do prazo fixado (normalmente o maior interessado será o promitente-comprador ou o promitente-arrendatário), por razões jurídicas (necessidade de serem observados outros prazos), materiais (carência absoluta do bem em causa ou do preço em dívida) ou quando certas circunstâncias coenvolventes o imponham (p. ex., caducidade do empréstimo bancário deferido, se a escritura de compra e venda não for realizada dentro de certa data).

[20] Cf., entre outros, o acórdão do STJ de 07.02.2008-processo 07A4437, publicado no “site” da dgsi.
[21] Ibidem.

[22] Além disso, a perda de interesse que poderia relevar era a perda objectiva, a perda que advém de circunstâncias objectivas em função das quais o objecto da prestação já não pode conduzir à satisfação da necessidade do credor na prestação.
[23] Missiva na qual comunicam à Ré que ficavam a aguardar a entrega da moradia e a outorga da escritura de compra e venda no prazo máximo de 15 dias, findo o qual perderiam todo o interesse na concretização do negócio, considerando o mesmo resolvido sem necessidade de outra comunicação ou notificação – cf. II. 1. i).
[24] Cf., entre outros, o supra referido acórdão do STJ de 20.01.2005.