Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
9/05.8GALSA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA PILAR DE OLIVEIRA
Descritores: REVOGAÇÃO DA SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA DE PRISÃO
FALTA DE CUMPRIMENTO DAS CONDIÇÕES DA SUSPENSÃO
PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
AUDIÇÃO DO CONDENADO
Data do Acordão: 11/04/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COIMBRA (INSTÂNCIA CENTRAL DE COIMBRA, SECÇÃO CRIMINAL, J1)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 55.º, 56.º E 57.º, DO CP; ART. 495.º DO CPP
Sumário: I - Estando em causa o fundamento de revogação previsto no artigo 56.º, n.º 1, alínea b), do CP, o contraditório é plenamente assegurado através de notificação, para o efeito, do condenado.

II - Como claramente resulta do disposto no artigo 495.º do Código de Processo Penal, a necessidade de audição pessoal do condenado apenas é legalmente imposta quando esteja em causa a revogação da suspensão com fundamento na falta de cumprimento das condições da referida pena de substituição.

Decisão Texto Integral:

Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Coimbra:

I. Relatório

No processo comum 9/05.8GALSA da Comarca de Coimbra, Instância Central de Coimbra, Secção Criminal, J1, o arguido A... foi, por acórdão de 3 de Dezembro de 2009, transitado em julgado em 4 de Janeiro de 2010, condenado pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21º do Decreto-Lei nº 15/93 de 22 de Janeiro, na pena de três anos de prisão, suspensa na sua execução pelo mesmo período com sujeição a regime de prova mediante plano a elaborar pela DGRS.

Em 16 de Abril de 2015, no âmbito da previsão do artigo 56º, nº 1, alínea b) do Código Penal, foi proferido o seguinte despacho:

 O arguido A...... foi, por acórdão de 3 de Dezembro de 2009, transitado em julgado em 4 de Janeiro de 2010, condenado pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21.º do decreto-lei n.º 15/93 de 22 de Janeiro na pena de três (3) anos de prisão suspensa na sua execução pelo mesmo período com sujeição a regime de prova mediante plano a elaborar pela DGRS, tendo sido decidido que iniciaria o cumprimento do plano proposto pela DGRS quando lhe fosse concedida a liberdade condicional, o que ocorreu em 13 de Agosto de 2010 (fls. 1031).

A D.G.R.S no relatório final pronunciou-se no sentido de que «durante o acompanhamento « A...... veio a revelar algum empenho e motivação para reorganizar o seu trajecto vivencial, patenteando um maior sentido de responsabilidade mas, ainda com necessidades de reinserção, nomeadamente, ao nível do desempenho da actividade laboral com regularidade. Irá ser mantido o seu acompanhamento à ordem de outro processo judicial deste Tribunal.»

Decorrido o prazo de suspensão o Ministério Público pronunciou-se pela revogação da suspensão.

Foi ouvido o arguido, o qual, pugna pela manutenção da suspensão da execução da pena.

Decidindo.

Dispõe o artº 56º n.º 1 do Código Penal que:

1 - A suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no seu decurso, o condenado:

a) Infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano de reinserção social; ou

b) Cometer crime pelo qual venha a ser condenado, e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas.

Analisado o certificado de registo criminal do arguido verifica-se que este sofreu as seguintes condenações:

- No PCS n.º 12/11.9GCLSA foi condenado pela prática em 25 de Abril de 2011 e em 28 de Junho de 2011 de três crimes, respectivamente de violência doméstica, injúria agravada e de ameaça agravada, em cúmulo jurídico na pena única de vinte e quatro (24) meses de prisão, suspensa na execução por igual período e na pena de 120 dias de multa, por decisão de 17.02.2012, transitada em julgado em 13.03.2012.

- No PCS n.º 298/11.9TALSA foi condenado pela prática em 9 de Abril de 2011 de um crime de ameaça agravada, na pena de 5 meses de prisão, substituída por 150 horas de trabalho, por decisão de 19.12.2012, transitada em julgado em 04.07.2013.

- PCS n.º 35/13.3GCLSA foi condenado pela prática em 6 de Fevereiro de 2013 de dois crimes, respectivamente, de detenção de arma proibida e de dano qualificado, em cúmulo jurídico, na pena de 16 meses de prisão substituídos por 480 horas de trabalho a favor da comunidade, por decisão de 18.02.2014 transitada em julgado em 21.03.2014.

Da certidão junta aos autos a fls 1316 e segs resulta que no PCC n.º 3/12.2GCLSA o arguido foi condenado pela prática em 4 e 5 de Junho de 2012 de um crime de receptação, p. e p. pelo artigo 231º nº1 do Código Penal, na pena de catorze (14) meses de prisão, substituídos pela pena de prestação de 420 horas de trabalho a favor da comunidade, por decisão de 12.6.2014 transitado em julgado em 04.9.2014.

Nos termos do artigo 56º nº1 b) do Cód. Penal exige-se a verificação cumulativa de duas circunstâncias para a revogação da suspensão: comissão de crime a determinar condenação praticada no decurso do prazo da suspensão e demonstrar que as finalidades visadas com a suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas.

In casu, há que concluir desde logo que a primeira das duas circunstâncias se verifica, o mesmo sucedendo em relação à segunda.

No decurso do prazo de suspensão da execução da pena aplicada ao arguido nos presentes autos, o arguido incorreu na prática de crimes pelos quais veio a sofrer três condenações, todas em pena de prisão embora substituídas por pena suspensa e por prestação de trabalho a favor da comunidade.

Quando o tribunal suspende a execução da pena de prisão está a desenvolver um juízo de prognose favorável do arguido e do seu futuro comportamento em sociedade, juízo esse que é realizado no momento da decisão que não reportado ao momento da prática do crime.

O facto de o arguido ter sofrido as referidas condenações, bem como a natureza dos crimes pelos quais foi condenado, é revelador de personalidade desconforme ao Direito.

Tais condutas, que conduziram às mencionadas condenações são reveladoras de que as finalidades subjacentes à suspensão da pena aplicada nos presentes autos não foram alcançadas, já que, praticou crimes pelos quais veio a ser condenado, que atentam contra as pessoas e contra o património e porque o fez no período de suspensão da pena aqui aplicada, ignorando a advertência contida na condenação em pena de prisão suspensa imposta nestes autos.

Quer dizer, a solene advertência a que o arguido foi sujeito com a condenação aplicada nos presentes autos, voltando a incorrer na prática de novos ilícitos criminais, não surtiu qualquer efeito dissuasor da prática de futuros crimes, o que demonstra incapacidade de assimilação dos valores protegidos pelas normas de direito penal, enraizadas na consciência ético-jurídica da comunidade.

Nesta medida, entende-se, que se mostram reunidos os requisitos cumulativos determinantes da revogação da suspensão da execução da pena, nos termos do estabelecido no artigo 56º n.º 1, alínea b), do Código Penal.

Em face do exposto decide-se revogar a suspensão da execução da pena aplicada ao arguido A...... , determinando-se em consequência que o arguido cumpra a pena de prisão em que foi condenado.

Notifique.

Transitado o presente despacho abra vista ao Ministério Público.

  

Inconformado com o teor do transcrito despacho, dele recorreu o arguido, condensando a respectiva motivação nas seguintes conclusões:

1)  O  presente  recurso  funda-se  na  discordância  com  o  douto  despacho  que  revogou  a  suspensão  da  execução  da  pena  aplicada  ao  arguido  A...... ,  que  fora  condenado,  pela  prática,  de  um  crime  de  tráfico  de  estupefacientes,  p.  e  p.  pelo  art.  21  º  do  Dec.-Lei  n.º  15/93  de  22/1,  na  pena  de  3  anos  de  prisão,  cuja  execução  se  suspendeu  pelo  mesmo  período,  com  sujeição  a  regime  de  prova  mediante  plano  a  elaborar  pela  DGRS.

2)  O  qual,  não  se  encontra  fundamentado,  não  tendo  sido  feita  a  ponderação  das  sentenças  proferidas  nos  processo-crime  em  que  o  arguido  foi  posteriormente  condenado,  com  a  aplicação  de  penas  não  privativas  da  liberdade,  nem  realizada  a  audição  presencial  do  arguido,  nem  obtida  informação  actualizadajunto  da  D.G.R.S.  sobre  o  seu  percurso  e  modo  de  vida,  em  liberdade.

3)  A  escolha  de  medidas  não  privativas  da  liberdade  nas  condenações  que  se  seguiram  à  dos  presentes  autos,  colocam  em  crise  a  solução  preconizada  de  revogação  da  suspensão,  havendo  como  que  uma  renovação  do  juízo  de  prognose  favorável  ao  arguido,  o  que  não  foi  sopesado  no  douto  despacho.

4)  Não  resultando  dos  autos  que  as  exigências  de  prevenção  geral  e  especial  não  possam  continuar  a  ser  acauteladas,  sem  se  revogar  a  suspensão  daquela  pena  de  prisão  de  3  anos.

5)  Apesar  da  expectativa  futura  de  que  o  arguido  durante  a  suspensão  da  execução  da  pena  imposta  pela  prática  do  crime  de  tráfico  de  estupefacientes  se  ter  frustrado,  uma  vez  que  voltou  a  prevaricar,  tal  por  si  só  não  basta,  até  porque  o  arguido  tem  feito  um  esforço  -  tal  como  enaltecido  no  relatório  da  D.G.R.S.  -  de  reintegração  na  sociedade,  não  voltando  a  cometer crimes  do  mesmo  tipo.

6)  Ao  decidir,  como  decidiu,  a  Meritíssima  Juiz  a  quo  violou  o  disposto  nos  art.ºs  40,  n.º  1,  50,  56,  70  e  71  todos  do  Código  Penal.

Pelo  exposto  e  sempre  com  valioso  suprimento  de  Vossas  Excelências,  deverá  o  recurso  ser  julgado  procedente  e  provado,  revogando-se  o  despacho  que  determinou  a  revogação  da  suspensão  da  execução  da  pena  e  determinou  o  cumprimento  da  pena  de  prisão  efectiva  ao  arguido  A...... .

Assim  se  fará,  como  sempre,  inteira JUSTIÇA!

O recurso foi objecto de despacho de admissão.

Notificado, o Ministério Público respondeu ao recurso, concluindo o seguinte:

1.  Releva  para  o  caso  em  apreço  a  circunstância  prevista  na  al.  b)  do  art.º 56º.

2.  Neste  caso,  são  dois  os  requisitos  para  que  haja  lugar  à  revogação:

-  um,  de  natureza  formal,  ou  seja,  o  cometimento  de  um  crime,  durante  o  período  de  suspensão,  pelo  qual  venha  o  agente  a  ser  condenado;

-  outro,  de  natureza  material,  consistente  na  avaliação  e  ponderação,  a  efectuar  pelo  tribunal,  depois  de  ouvido  o  arguido,  no  sentido  de  concluir  se  a  condenação  pela  prática  de  um  crime  no  decurso  do  período  de  suspensão  da  execução  da  pena  afasta  irremediavelmente  o  juízo  de  prognose  em  que  assentava  a  suspensão  da  execução  da  pena  de  prisão  (vide  acórdão  da  Relação  do  Porto,  de  29.10.2104,  disponível  para  consulta  no  sítio  da  intemet  http://www.dgsi.pt)."

3.  A  decisão  recorrida  ponderou  a  prática  de  crimes  dolosos  durante  o  período  de  suspensão  sem,  contudo,  tomar  os  mesmos  como  condição  automática  de  revogação,  tendo,  a  este  propósito,  ouvido  o  arguido,  o  qual  pugnou  pela  manutenção  da  suspensão  da  execução  da  pena.

4.  Tal  como  a  comissão  de  um  crime  no  período  de  suspensão  da  execução  da  pena  de  prisão  não  tem  um  efeito  imediatamente  revogatório  dessa  suspensão,  também  uma  nova  reacção  penal  não  privativa  da  liberdade  não  tem  um  efeito  condicionante  que  afaste  irremediavelmente  uma  possível  revogação  dessa  suspensão,  antes  constituindo  factores  de  ponderação  do  juízo  revogatório  da  suspensão  da  execução  da  pena  de  prisão.

5.  A  prática  de  um  crime  durante  o  período  em  que  vigora  a  suspensão  da  pena  só  deve  constituir  causa  de  revogação  dessa  suspensão  quando  essa  prática,  tendo  em  conta  o  tipo  de  crime,  as  condições  em  que  foi  cometido,  a  gravidade  do  crime  praticado,  a  conduta  global  do  arguido  posterior  à  suspensão,  o  tipo  de  reacção  penal  que  foi  aplicada  ao  crime  praticado  durante  a  suspensão,  entre  outros  elementos  do  caso  concreto,  demonstre  que  não  se  cumpriram  as  expectativas  que  motivaram  aquela  suspensão,  ou  seja,  quando  todas  "as  finalidades  que  estavam  na  base  da  suspensão  não  puderam,  por  meio  dela  ser  alcançadas".

6.  Analisado  o  certificado  de  registo  criminal  do  arguido  e  a  certidão  junta  aos  autos  a  fls.  1316  e  segs.  ressuma  vítreo  que  não  só  não  é  possível  renovar  o  juízo  de  prognose  favorável  que  havia  sido  efectuado  nos  presentes  autos,  como  este  se  revela  completamente  injustificado.

7.  Por  tudo  quanto  resulta  dos  autos  se  demonstra  que  foi  injustificadamente  optimista  o  juízo  de  prognose  favorável  que  esteve  subjacente  à  suspensão  da  execução  da  pena  destes  autos  já  que  a  mesma  não  salvaguardou  devidamente  a  protecção  de  bens  jurídicos  -  mostra-se,  assim,  evidenciado  o  preenchimento  do  requisito  material  de  revogação  da  suspensão  da  execução  da  pena.

8.  Urge,  igualmente,  não  olvidar  a  tipologia  delituosa  em  causa  nos  presentes  autos,  para  a  qual  a  comunidade  demanda  uma  forte  e  decidida  punição,  o  que  acarreta,  necessariamente,  urna  elevação  das  exigências  de  prevenção  geral  positiva,  consubstanciadas  no  reforço  da  consciência  jurídica  comunitária  e  do  seu  sentimento  de  segurança  face  à  violação  da  norma  ocorrida,  ou  seja,  na  douta  verve  de  Jakobs  "  como  estabilização  contrafáctica  das  expectativas  comunitárias  na  validade  e  vigência  da  norma  infringida".

9.  A  axiologia  precípua  do  instituto  da  suspensão  da  execução  da  pena  de  prisão  revela-se,  in  casu,  suficientemente  contrariada,  por  forma  a  sustentar  um  juízo  de  necessidade  da  sua  revogação.

10.  Verifica-se  o  preenchimento  dos  pressupostos  que  a  obediência  devida  ao  comando  ínsito  na  al.  b)  do  n.º  1  do  art.º  56°  do  Código  Penal  postula  para  a  afirmação  de  um  juízo,  dotado  de  pujança  suficiente,  de  necessidade  de  revogação  da  suspensão  da  execução  da  pena  de  prisão,  compatível  com  a  sua  natureza  de  extrema  ou  última  ratio.

Cremos,  assim,  que  o  douto  despacho  proferido  pelo  Tribunal  a  quo  não  deverá  merecer  qualquer  censura,  pelo  que  deve  ser  negado  provimento  ao  recurso  interposto  e  mantida  aquela  decisão,  nos  seus  precisos  termos.

Vossas  Excelências  farão,  como  sempre, JUSTIÇA

Nesta Relação, o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que o recurso não merece provimento.

Cumpriu-se o disposto no artigo 417º, nº 2 do Código de Processo Penal, não tendo ocorrido resposta.

Procedeu-se a exame preliminar e foram cumpridos os demais trâmites legais.

Colhidos os vistos legais e realizada conferência, cumpre apreciar e decidir.


***

II. Apreciação do Recurso

            Como é sabido o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da respectiva motivação (artigos 403º, nº 1 e 412º, nº 1 do Código de Processo Penal).

            Vistas as conclusões do recurso, as questões a apreciar são as seguintes:

            - Se o despacho recorrido não se encontra fundamentado;

            - Se devia ter sido solicitada informação actualizada junto da DGRS  sobre o percurso e modo de vida do arguido em liberdade;

            - Se o arguido devia ter sido ouvido presencialmente;

            - Se não se verificam os pressupostos de revogação da suspensão da execução da pena previstos na alínea b) do nº 1 do artigo 56º do Código Penal.

            Apreciando:

            Começa o recorrente por alegar que o despacho recorrido não se encontra fundamentado porque não ponderou as sentenças proferidas nos processos crimes em que foi posteriormente condenado em penas não privativas da liberdade, não extraindo qualquer conclusão e pedido de tal argumento.

            A falta de fundamentação (de facto ou de direito, total ou parcial) de despachos constitui irregularidade que se sana se não for arguida no prazo de três dias contado da notificação do despacho viciado, como resulta do disposto nos artigos 97º, nº 5, 118º, nºs 1 e 2 e 123º do Código de Processo Penal. A existir a apontada irregularidade ter-se-ia sanado por não ter sido arguida em tempo.

            Sempre se diga, porém, que não se vislumbra que seja insuficiente a fundamentação que consta do despacho recorrido, como melhor resultará do que se vai expor sobre o mérito da decisão recorrida.

            Alega o arguido que devia ter sido solicitada informação actualizada à DGRS antes da prolação de decisão, alegação de que também não extrai qualquer conclusão ou pedido.

            Ainda que tal diligência fosse necessária, a sua omissão apenas constituiria irregularidade, como decorre do disposto no artigo 118º, nºs 1 e 2 do Código de Processo Penal e ter-se-ia sanado nos termos acima expostos.

            Mas deve referir-se que se trata de diligência cuja realização não se impunha ao Tribunal perante o fundamento de revogação previsto na alínea b) do nº 1 do artigo 56º do Código Penal.

            Alega o recorrente que devia ter sido ouvido presencialmente, do que igualmente não extrai qualquer conclusão ou pedido.

            Estando em causa o fundamento de revogação previsto no artigo 56º, nº 1, alínea b) do Código Penal, apenas é obrigatório que se cumpra o contraditório através de notificação para o efeito (como o próprio Tribunal a quo declarou em despacho). Tal mostra-se efectuado mediante notificação do arguido e do seu defensor para se pronunciarem.

            A necessidade de audição pessoal do arguido apenas existe quando esteja em causa revogação da suspensão com fundamento na falta de cumprimento das condições da suspensão, como claramente resulta do disposto no artigo 495º do Código de Processo Penal.

            Não ocorre, pois, a nulidade prevista no artigo 119º, alínea c) do Código de Processo Penal (vício a que corresponde a falta de audição do arguido quando ela é obrigatória).

            Finalmente cumpre equacionar se se verificam os pressupostos de revogação do regime de suspensão previstos no artigo 56º, nº 1, alínea b) do Código Penal.

            Nesta matéria alega que os crimes praticados no período de suspensão da execução da pena não significam frustração das exigências de prevenção geral e especial, até porque suscitaram condenações em penas não privativas da liberdade em que se renovou o juízo de prognose favorável.

            O preceito legal em causa estipula que “a suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no seu decurso, o condenado cometer crime pelo qual venha a ser condenado, e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, se alcançadas.” 

            Não será despiciendo considerar todo o percurso criminal do arguido que em 2006 começou por sofrer condenação por crime de furto em pena suspensa de nove messes de prisão, em 2007 foi condenado em pena de multa por crime de receptação e em 2008 foi condenado por crime de furto, crime de furto tentado e condução de veículo sem habilitação legal na pena de três anos de prisão, tendo estado preso em cumprimento da mesma até Agosto de 2010, altura em que lhe foi concedida liberdade condicional.

            Volvidos escassos oito meses sobre a sua libertação voltou o arguido a cometer crimes, tendo sido condenado por sentença de 17.2.2012 pela prática de crimes de violência doméstica, injúria agravada e ameaça agravada, todos cometidos no ano de 2011, na pena de 24 meses de prisão, cuja execução foi suspensa e em pena de multa. E por sentença de 19.12.2012 foi condenado pela prática em 2011 de um crime de ameaça agravada na pena de 5 meses de prisão substituída por trabalho a favor da comunidade.

            Finalmente por sentença de 18.2.2014 o arguido foi condenado pela prática em 6.2.2013 de crimes de dano qualificado e de detenção de arma proibida, na pena de 16 meses de prisão, substituída por trabalho a favor da comunidade.

            Em suma, durante o período de suspensão da execução da pena o arguido cometeu seis crimes que na sua perspectiva não revelam que as finalidades que estavam na base da suspensão foram frustradas.

            No entanto, entendemos ser manifesto que o percurso criminal em causa só pode indicar que o arguido, apesar de sucessivas condenações e de já haver cumprido uma pena de prisão, em nada inflectiu a sua conduta que continua a revelar-se completamente indiferente ao respeito dos valores penalmente protegidos e não seria relatório social que houvesse sido realizado que poderia desmentir essa conclusão, porque a verdadeira integração social apenas existe em relação a quem demonstre estar apto a reger-se de acordo com o direito. A suspensão não promoveu a reintegração social do arguido.

            Ou seja, a suspensão da execução da pena de que o arguido beneficiou não o afastou da criminalidade e, por consequência, foram frustradas as suas expectativas de suficiência e adequação para realizar as finalidades da punição.

            Obviamente que o Tribunal a quo não estava adstrito ao juízo de prognose favorável que foi efectuado nos processos em que o arguido foi condenado por crimes praticados no período de suspensão, até porque teve uma visão global e, por isso, necessariamente diferente sobre o comportamento do arguido durante o período de suspensão.

Como refere Anabela Rodrigues em Estudos em Homenagem ao Professor Eduardo Correia, embora a propósito dos requisitos de suspensão da pena e das exigências de prevenção geral "que assim é quanto à prevenção geral, resulta do facto de nenhum ordenamento jurídico suportar pôr-se a si próprio em causa, sob pena de deixar de existir enquanto tal. A sociedade tolera uma certa perda do efeito preventivo geral - isto é, conforma-se com a aplicação de uma pena de substituição, mas, quando a sua aplicação possa ser entendida pela sociedade, no caso concreto, como uma injustificada indulgência e prova de fraqueza face ao crime, quaisquer razões de prevenção especial que aconselhassem a substituição cedem, devendo aplicar-se a prisão".

Ora esta análise discursiva é perfeitamente transponível para o caso porque ignorar a actividade criminosa e persistente do arguido durante o período de suspensão constituiria sem dúvida uma injustificada indulgência e prova de fraqueza contra o crime, quiçá seria vista como um incentivo à continuação da mesma, quando o que se pretendia era criar condições favoráveis à sua emenda cívica.

Porque o arguido cometeu crimes durante o período de suspensão e porque essa actividade revelou que as finalidades que estavam na base da suspensão foram frustradas, sendo esses os requisitos da revogação, deve o despacho recorrido ser mantido, improcedendo o recurso.


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            III. Decisão

Pelo exposto, acordam em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido, mantendo a decisão recorrida.

Pelo seu decaimento em recurso condena-se o recorrente em custas, fixando-se a taxa de justiça devida em três UC.


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Coimbra, 4 de Novembro de 2015
(Texto processado e integralmente revisto pela relatora).

(Maria Pilar de Oliveira - relatora)

(José Eduardo Martins - adjunto)