Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | RAMALHO PINTO | ||
Descritores: | CESSAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO CONDENAÇÃO ULTRA PETITUM CONDENAÇÃO EM OBJECTO DIVERSO DO PEDIDO CADUCIDADE DO CONTRATO DE TRABALHO INDEMNIZAÇÃO | ||
Data do Acordão: | 06/19/2014 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | TRIBUNAL DA TRABALHO DE TOMAR | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | REVOGADA | ||
Legislação Nacional: | ARTºS 74º CPT; 344º, Nº 2 CT. | ||
Sumário: | I – Com a cessação do contrato de trabalho, ainda que a mesma venha a ser declarada nula ou ilícita, desaparece o vínculo de subordinação do trabalhador, que adquire plena autonomia podendo sem qualquer pressão dispor livremente dos seus direitos de natureza pecuniária, face ao que é de afastar a aplicação, ao caso, do artº 74º do CPT. II – Extinguindo-se o contrato de trabalho por caducidade, sendo que só poderia ser objecto de renovação extraordinária a que se refere a Lei nº 3/2012, de 10/01, não tem esse trabalhador direito a qualquer indemnização, como resulta do disposto no nº 2 do artº 344º do CT. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:
A... intentou, no Tribunal do Trabalho de Tomar, a presente acção emergente de contrato de trabalho contraB... , S.A., peticionando o pagamento, por parte do Réu, da quantia de €5.609,20, relativa a créditos laborais que alega sobre esta deter em virtude de relação de trabalho ao tempo vigente entre as partes, entretanto cessada. Alegou, para tanto e em síntese: Em 10 de Janeiro de 2011, subscreveu com a Ré um contrato de trabalho a termo pelo período de 6 meses, fundando-se o motivo justificativo da aposição de termo em acréscimo excepcional de actividade da Ré, nomeadamente por encomendas efectuadas por clientes, actividade excepcional essa que se previa durasse 6 meses. Esse contrato foi objecto de renovações. No dia 3 de Janeiro de 2013, a responsável de recursos humanos da Ré chamou a Autora à sua presença e apresentou-lhe um novo contrato, com a duração de 9 meses de trabalho, a fim de que esta o assinasse, a tal se opondo a Autora, alegando que já tinha celebrado um contrato. Ao que lhe foi dito que, uma vez que não assinava o novo contrato, estava despedida, apenas trabalhando até ao dia 09.01.2013. Verifica-se a nulidade da estipulação do termo, quer pela redacção adoptada, quer porque o posto de trabalho da Autora se encontra sistematicamente ocupado. Assim, verificou-se a ilicitude do seu despedimento, com o correspondente direito à indemnização de antiguidade e às retribuições intercalares. Sofreu danos de natureza não patrimonial, cujo ressarcimento peticiona. Contestou a Ré, dizendo: No dia 3 de Janeiro de 2013 reafirmou à Autora a vontade de proceder à renovação extraordinária do contrato de trabalho celebrado entre ambas, a tal se opondo a Autora. Foi-lhe solicitado que continuasse a trabalhar, na medida em que o seu trabalho era apreciado. A Autora nesse mesmo dia 3 de Janeiro de 2013 reafirmou por escrito e pelo seu punho a sua vontade de não trabalhar para a Ré, pedindo, na mesma comunicação a declaração para o “fundo de desemprego”, ao que a Ré se recusou. A Autora respondeu à contestação. Efectuado o julgamento, foi proferida sentença, decidindo o seguinte: “Termos em que, face ao exposto e decidindo o Tribunal julga parcialmente procedente por provada a acção e condena a Ré a pagar à Autora a quantia de €690,00 [seiscentos e noventa euros ] a título de indemnização pela cessação de contrato, quantia essa acrescida de juros moratórios à taxa legal desde a data de citação e até integral pagamento. Julga parcialmente improcedente a acção e absolve a Ré do demais peticionado. Custas por Autora e Ré na proporção dos decaimentos respectivos, sem prejuízo do beneficio do apoio judiciário com que litiga a Autora”. x Inconformada, veio a Ré, para além de arguir, expressa e separadamente, nulidades da sentença, interpor recurso de apelação, formulando as seguintes conclusões: […] A Autora apresentou contra-alegações, propugnando pela manutenção do julgado. Foram colhidos os vistos legais, tendo o Exmº PGA emitido parecer no sentido da verificação da arguidas nulidades da sentença. x Definindo-se o âmbito do recurso pelas suas conclusões, temos como questões a apreciar: - as nulidades da sentença; - se à Autora é devida a indemnização por caducidade do contrato a termo que lhe foi fixada pela sentença. x A 1ª instância deu como provados os seguintes factos, não objecto de impugnação e que este Tribunal de recurso aqui acolhe: […] x O direito: São dois os fundamentos de nulidade da sentença expendidos pela recorrente: - os factos que fundamentam a decisão impunham que esta fosse outra que não a proferida; - a condenação em pedido não formulado na petição inicial. Apreciando: A sentença é nula quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão- al. c) do nº 1 do artº 617º do artº do CPC. No dizer do Ac. do STJ de 17/10/00, Processo nº 131/00- 4ª Secção, a mesma nulidade ocorrerá no processo lógico estabelecido entre as premissas de facto e de direito de onde se extrai a decisão, ou seja, quando os fundamentos invocados na decisão conduzam logicamente a resultado oposto ao que nela ficou expresso. Como esclarece o Prof. Lebre de Freitas, in Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, pag. 670, entre “os fundamentos e a decisão não pode haver contradição lógica; se, na fundamentação da sentença, o julgador seguir determinada linha de raciocínio, apontando para determinada conclusão, e, em vez de a tirar, decidir noutro sentido, oposto ou divergente, a oposição será causa da nulidade da sentença. Esta oposição não se confunde com o erro na subsunção dos factos à norma jurídica ou, muito menos, com o erro na interpretação desta". A al. c) do nº 1 do artº 617º refere-se à contradição real entre os fundamentos e a decisão e não às hipóteses de contradição aparente, resultantes de simples erro material, seja na fundamentação, seja na decisão- A. Varela e outros, Manual de Processo Civil,, 2ª ed., 690. No caso concreto, não se vislumbra qualquer contradição lógica: o Exmª Julgador de 1ª instância mais não fez do que seguir determinado raciocínio, que o levou à consideração de que, tendo-se extinguido o contrato por comunicação operada pela Ré, a Autora teria direito à compensação por caducidade do contrato a que se refere o artº 344º, nº 2, do CT. Se essa conclusão está certa ou errada, tal tem que ver com um eventual erro de julgamento. E o que se passa é que a Ré - apelante não concorda com esse raciocínio lógico do Sr. Juíz, circunstância que de forma alguma pode integrar a nulidade da referiida al. c) do nº 1 do artº 617º. Mas já se verifica a segunda nulidade apontada. Nos termos da al. e) do nº 1 do mencionado artigo, a sentença é nula quando o juiz “condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido”. Ora, analisando a petição inicial e o pedido aí formulado, constata-se que a Autora constrói toda a sua argumentação com base na nulidade da estipulação do termo, com a consequente conversão em contrato sem termo, entendendo que a relação cessou por despedimento, ilícito, operado pela Ré. Em conformidade, peticiona a correspondente indemnização, em substituição à reintegração, prevista no artº 391º do CT, bem como as retribuição intercalares, que entende serem devidas. Em parte alguma peticiona a indemnização por caducidade do contrato. Ora, o Sr. Juiz acabou por condenar a Ré nessa indemnização, como resulta claramente da seguinte passagem da sentença: “Perante esta factualidade forçoso se torna concluir que a Autora não aceitou a celebração de novo contrato de trabalho, que recorde-se iria ter uma duração inicial de 9 meses, pelo que, no termo do prazo estabelecido no contrato em vigor a relação se extinguiu, pela comunicação operada pela Ré, perante essa recusa. E extinguiu-se por caducidade, nos termos conjugados dos arts. 340.º e 344.º. Nos termos do n.º 2 do art. 344.º em caso de caducidade de contrato a termo certo decorrente de declaração do empregador, o trabalhador tem direito a compensação a calcular nos termos do art. 366.º6, correspondente a 20 dias de retribuição por cada ano de contrato. Auferindo a Autora a quantia de €518,20 mensais, por aplicação do preceituado no art. 366.º, n.º 1, al. c), obtem-se a quantia de €690,00 como a devida à Autora em função da cessação do seu contrato [ €518,20 : 30 x 40 dias ]”. Estamos, pois perante uma condenação em objecto diverso do pedido. Dispõe o artº 608º, nº 2, do CPC, que o juiz deve resolver na sentença todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuando aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras. Não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras. Por sua vez o artº 609º, nº 1, do mesmo Código, estabelece que a sentença não pode condenar em quantidade superior nem em objecto diverso do pedido. Tais normativos são manifestações do princípio do dispositivo: face ao princípio da autonomia da vontade, cabe às partes definir nos respectivos articulados o objecto da causa, aos quais o juiz fica limitado na apreciação que fizer do litígio. O autor fá-lo expondo os respectivos pedidos e causas de pedir, o réu fá-lo através das excepções que invoca ou (quando reconvém), através do pedido reconvencional e da respectiva causa de pedir. Não havendo, como defende a recorrida, que chamar à liça o disposto no artº 74º do CPT. Como refere Bernardo da Gama Lobo Xavier, Iniciação ao Direito do Trabalho, Verbo, pag. 33, há normas de interesse e ordem pública que têm de valer para assegurar determinados valores, que o legislador considera fundamentais, impondo-se, portanto, à vontade das partes e diminuindo a sua liberdade de estipulação. Assim é na maioria das normas do contrato de trabalho. Esse princípio de ordem pública exprime-se pelo estabelecimento de normas que consagram garantias para o trabalhador que não podem ser diminuídas nem pela vontade comum das partes. Dessas normas resultam, muitas vezes, direitos irrenunciáveis, como sucede, designadamente, com o direito do trabalhador à retribuição convencional ou legalmente estabelecida, durante a vigência do contrato de trabalho, o direito do mesmo à reparação, nos termos legalmente previstos, por danos emergentes de acidente de trabalho, etc. Compreende-se, pois, que, para salvaguarda destes direitos, o legislador tenha introduzido no Código de Processo de Trabalho uma norma como a que instituiu no artº 74º desse diploma, ao estabelecer que “O juiz deve condenar em quantidade superior ao pedido ou em objecto diverso dele quando isso resulte da aplicação à matéria provada, ou aos factos de que possa servir-se, nos termos do artigo 514.º do Código de Processo Civil, de preceitos inderrogáveis de leis ou instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho”. No direito processual do trabalho, a lei impõe ao julgador que condene, ainda que para além do que foi peticionado, quando isso resulte da aplicação à matéria de facto provada ou de que o juiz possa servir-se, de preceitos inderrogáveis de leis ou instrumentos de regulamentação colectiva - artº 74º do CPT de 1999 (correspondente ao artº 69º do CPT de 1981). Como refere Leite Ferreira, em anotação ao mencionado preceito, “preceitos inderrogáveis serão apenas aqueles que o são absolutamente, isto é, que reconhecem um direito a cujo exercício o seu titular não pode renunciar, como será o caso do direito a indemnização por acidente de trabalho ou por doença profissional. Se, em vez disso, os preceitos são inderrogáveis apenas no plano jurídico porque o exercício do direito que reconhecem está confiado à livre determinação da vontade das partes, a possibilidade de condenação ultra vel extra petitum tem de considerar-se excluída. Nestes casos a decisão condenatória deve ter por limite o pedido formulado no aspecto quantitativo e qualitativo”. Para o Prof. Castro Mendes, in Pedido e Causa de Pedir no Processo do Trabalho, Curso de Direito Processual do Trabalho, Suplemento da Revista da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, 1964, pag. 132-133, citado por Albino Mendes Baptista, no seu CPT anotado, “a disposição do art. 69º do CPT só se justifica realmente concebendo a condenação ultra ou extra petitum como o suprimento, pelo juiz, dum direito de exercício necessário imperfeitamente exercido pelo seu titular (ou seu representante). Se o autor pede (como podia não ter pedido) o seu salário, apesar da norma que o impõe ser inderrogável, nos termos que ficaram expostos, o juiz em meu entender deve cingir-se ao pedido ainda que porventura o autor tivesse direito a mais.” Ora, tem sido entendimento pacífico que, com a cessação do contrato de trabalho, ainda que a mesma venha ser declarada nula ou ilícita, desaparece o vínculo de subordinação do trabalhador, que adquire plena autonomia podendo sem qualquer pressão dispor livremente dos seus direitos de natureza pecuniária, ficando, assim, afastada a aplicação desse artº 74º. Veja-se, a título de exemplo, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça datado de 6/2/2008, proc. 07S741, disponível em www.dgsi.pt: “O disposto no artigo 74.º do CPT não é aplicável quando em causa estejam créditos salariais peticionados após a cessação do respectivo contrato de trabalho”. Daí que, e mesmo que fosse devida à Autora a indemnização em questão, que não é, como iremos ver, o disposto no artº 74º do CPT nunca poderia ter aqui aplicação, operando a limitação da condenação além do pedido afirmada no artº 609º do CPC. E verificando-se, nos termos supra-expostos, a condenação em objecto diverso do pedido, estamos perante o fundamento da nulidade da sentença consagrado na citada al. e) do nº 1 do artº 617º do CPC, a considerar por este Tribunal de recurso, nos termos do artº 665º, nº 1, do mesmo diploma. E tendo a Ré sido condenada na referida indemnização por caducidade, que não foi peticionada, tal basta para considerar procedente o recurso, com a revogação da sentença. Sem embargo se de referir que assiste razão à recorrente quando invoca que, tendo partido da Autora a vontade de pôr termo ao contrato, nem sequer essa indemnização por caducidade lhe é devida. Essa vontade retira-se, sem qualquer dificuldade, da matéria de facto dada como provada e especialmente da seguinte: 8. No dia 3 de Janeiro de 2013 a responsável de recursos humanos da Ré, Dr.ª C..., chamou à sua presença a Autora e apresentou-lhe um novo contrato de trabalho a termo certo de 9 meses, para que esta o assinasse; 9. A Autora declarou então que não queria a renovação do contrato; 10. Pediu que fosse declarada pela Ré a vontade de não renovar o contrato; 11. E que lhe fosse passada a declaração Mod RP5044 para requerer a atribuição de subsídio de desemprego; 12. Perante esta atitude da Autora a Ré, através da directora de recursos humanos referiu então à Autora que apenas iria trabalhar até ao fim do contrato, dia 09 de Janeiro de 2013; 13. Nem a Ré, nem a responsável dos recursos humanos desta disseram à Autora que estava despedida; 14. Disseram-lhe que reconsiderasse e continuasse a trabalhar; 15. Precisavam dela e gostavam do seu trabalho; 16. A Autora no dia 3 de Janeiro e 2013 reafirmou por escrito e pelo seu punho a vontade em não continuar a trabalhar para a Ré; 17. Pediu na mesma comunicação uma declaração para o “fundo de desemprego”; 18. A Ré sempre recusou emitir essa declaração; 19. Queria que a Autora continuasse a trabalhar. Ou seja, o contrato, que teve início em 10 de Janeiro de 2011, e foi sendo renovado, cessou em 9 de Janeiro de 2013, por vontade da Autora, sendo que da factualidade descrita resulta com segurança, pese embora a referencia do facto 8. a “novo contrato” (sendo perfeitamente plausível a alegação da Ré de que estava em causa a renovação extraordinária decorrente do regime introduzido pela Lei 3/2012, de 10/1), que a Autora não quis a renovação desse contrato. O mesmo extinguiu-se por caducidade, sendo que só poderia ser objecto da renovação extraordinária a que se refere a aludida Lei nº 3/2012, de 10/1, ao que a Autora se opôs. Assim, não teria a Autora direito a qualquer indemnização, como resulta do disposto no nº 2 do artº 344º do CT. x Decisão: Nestes termos, acorda-se em julgar procedente a apelação, revogando-se a sentença recorrida e indo a Ré absolvida da totalidade do pedido. Custas, em ambas as instâncias, pela Autora, não esquecendo o benefício do apoio judiciário de que goza.
Coimbra, 19/06/2014
(Ramalho Pinto - Relator) (Azevedo Mendes) (Joaquim José Felizardo Paiva) |